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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO DA UFMG Gustavo Guimarães - 2018090580 Juliana Bie Ferreira de Souza - 2017066804 Miquéias Rosa Pereira - 2019105645 Rogério Domingues Vinícius 1º Trabalho de Hermenêutica Jurídica - O objetivo da Hermenêutica Belo Horizonte 2021 1 Gustavo Guimarães Juliana Bie Ferreira de Souza - 2017066804 Miquéias Rosa Pereira - 2019105645 Rogério Domingues Vinícius 1º Trabalho de Hermenêutica Jurídica - O objetivo da Hermenêutica Trabalho apresentado a matéria de Hermenêutica Jurídica ao curso de graduação de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção de nota. Professora Dra. Nathalia Lipovetsky e Silva Belo Horizonte 2021 2 Sumário 1 - A obra 3 2 - O texto 4 3 - O discurso 5 4 - O texto jurídico 6 5 - Estrutura da lei 8 6 - Antinomias das normas e interpretação 10 Referências 13 3 1 - A obra A origem da hermenêutica é arcaica e esteve presente em tempos remotos da civilização, assim, há quem diga que sua origem etimológica vem dos gregos com o termo hermeneuein. Entendida como filosofia da interpretação, o entendimento de hermenêutica é, para os gregos, associada ao deus Hermes, o responsável por traduzir as questões não compreendidas da mente humana e denominado como “o deus-intérprete” . Entretanto, apesar do entendimento de hermenêutica ser de origem grega, o termo hermenêutica, foi criado apenas em 1654, na obra “ Hermenêutica sacra sive methodus exponendarum sacrarum litterarum'' de J.C. Dannhauer. Após a popularização do termo e com a evolução da hermenêutica, muito se debateu a respeito do seu conceito e definição, da sua aplicação, bem como do objeto de aplicação, isto é, quais obras e textos devem ser apreciados com a hermenêutica. Nesse sentido, foi só com Friedrich Schleiermacher, por volta do séc XIX, que elevaram o “status” da hermenêutica ao patamar de uma ciência, a distinguiram da até então chamada exegese, ambas muito confundidas, e, finalmente, passaram a responder de fato as questões anteriormente colocadas. Destarte, após uma breve contextualização da origem da hermenêutica, tem-se, dentre muitos temas que são objetos da hermenêutica, como elemento inicial de sua aplicação, a escolha de uma obra, seja ela, jurídica, ficcional, romântica, científica, religiosa, dentre muitas outras. Passou-se a universalizar a possibilidade de compreensão de qualquer texto, rompendo com a visão primordialmente colocada de se interpretar apenas os textos sagrados da bíblia, a chamada exegese bíblica. Assim, a hermenêutica, continuou sendo muito relacionada aos textos religiosos no período anterior à Filologia clássica, haja vista a sua própria definição no dicionário internacional, Webster's Third New International Dictionary , sendo: "estudo dos princípios metodológicos de interpretação e compreensão; hermenêutica específica: o estudo dos princípios gerais de interpretação bíblica" (PALMER, 2002, p. 16). Nesse sentido, o entendimento de pensar em uma hermenêutica geral da compreensão, buscando ser a mesma independente do objeto/obra a ser analisada, partiu do filósofo Schleiermacher, o qual estava insatisfeito com técnicas interpretativas advindas do renascimento, e, portanto, propunha um deslocamento de “como se interpreta” para “o que significa interpretar” (as razões da regra e do procedimento), denominando como a arte da compreensão geral. (SCHLEIERMACHER, 1999, p.15). Ademais, o autor entende que tal compreensão é alcançada a partir do chamado círculo hermenêutico, em uma relação dialética entre o todo e a parte, não sendo possível compreender a parte sem o todo e vice-versa. Todavia, faz-se necessário um mínimo de conhecimento prévio para atingir a compreensão do todo e das partes presentes no círculo, dessa forma, deve ser feito uma interpretação gramatical (extraído da linguagem do texto) juntamente com uma interpretação psicológica daquele que fala, o autor (reconstrução psicológica). Todavia, essa compreensão de parte e totalidade, muito abordada na hermenêutica, possui grande dificuldade quando na ausência de um dado universal e/ou uma pré 4 compreensão. Assim, na busca pela reconstrução linguística e psicológica de uma determinada obra e de seu autor, em que haja uma impossibilidade de aplicação de uma regra geral de entendimento a um caso particular, é que a filósofa alemã Hannah Arendt, dispõe em seu livro “A condição humana” de 1958, a possibilidade de explorar o campo dos juízos reflexivos e raciocinantes que entreabre a faculdade de pensar o particular (ARENDT, 1958, p.275). Por fim, apesar dos entraves existentes na aplicação da hermenêutica, é notório o avanço da pluralidade de obras literárias que esta alcançou. Permitiu-se adotar um olhar hermenêutico sobre inúmeros objetos, sejam eles religiosos ou não. A hermenêutica sempre está em uma constante evolução, e sua universalização foi a primeira dessas. 2 - O texto O texto nada mais é do que uma unidade linguística materializada e provida de intenção comunicativa, apresentando um sentido completo, desenvolvido numa estrutura formal e se manifestado de forma verbal ou não verbal. Todavia, o que se entende por isso? Qual a relação do texto com a obra, com o discurso e com a hermenêutica em si? A preocupação com a unidade linguística do texto é de fundamental importância para o alcance de sua finalidade, portanto, a coerência e a congruência linguística de uma estrutura textual se fazem necessárias para a transmissão de um discurso coeso e acessível, realizado pelo emissor e pretendido a um destinatário. Entretanto, a estrutura textual é, por essência, muito mais do que uma simples unidade linguística, visto que, segundo a linguista e professora ORLANDI (2001), a unidade textual é complexa e dotada de regularidades e irregularidades, exigindo, em sua análise interpretativa, as condições de sua produção, ou seja, é necessário compreender o contexto sócio-histórico-ideológicoda obra, bem como a situação de seus interlocutores, pois o sentido do texto se constrói no espaço discursivo destes. Outrossim, em suma, tanto a linguística como a hermenêutica, visualizam o texto e/ou a linguagem como uma unidade que requer uma reconstrução. Dessa forma, esta é realizada através da interpretação gramatical, utilizando-se do método histórico-comparativo, do divinatório e do comparativo (partir do genérico para o particular; projeção do intérprete no lugar do leitor; comparação da obra analisada com outras do mesmo período), empregados por Schleiermacher, juntamente com uma interpretação psicológica do autor, reconstruindo a sua experiência mental através de suas expressões linguísticas. De modo geral, o texto/a linguística devem trabalhar com o discurso pretendido, haja vista que ambos se complementam para a transmissão de determinada mensagem. Porém, para evitar possíveis falhas comunicativas, segundo KOCH (1999, p. 9) a linguagem deve adotar três concepções, são elas: a linguagem como representação do mundo e do pensamento, a linguagem como instrumento de comunicação e a linguagem como forma de 5 ação ou interação. Em síntese, o que a linguista Ingedore Koch quis dizer é que a linguagem deve fazer uma papel de espelho, representando nossos pensamentos e a realidade que nos cerca, como também, uma ferramenta de comunicação, a fim de transmitir mensagens entre um emissor e um receptor, e, por fim, a linguagem deve ser fruto de um processo de interação dos seres humanos, estando ligada, estritamente, com o contexto sócio-histórico-ideológico do qual participa, como anteriormente falado. 3 - O discurso No âmbito dos estudos do discurso, a língua deve ser entendida como um sistema. Esse sistema foi concedido por Saussure, pelo qual, a concepção sobre possibilidades de descrição das restrições semânticas, tanto de uma formação discursiva, como do corpo do enunciador, apresenta a fundamentação da linguística estrutural e, apresenta proposições contempladas pelas ciências humanas e, mais especificamente, pelos estudos do discurso (DISCINI, 2017). Pensar que o signo linguístico é unidade constituída por meio da relação entre uma imagem acústica e um conceito leva a aceitar que não há conceitos dados de antemão, naquilo que parece ser a organização natural de tudo que nos cerca. O signo, no interior do sistema linguístico, classifica as coisas que “estão aí”, ao nomeá-las. Além disso, para os estudos do discurso, um signo definido não como entidade em si, mas conforme um sistema de valores que compõe um todo leva a interrogar a relação das partes com o todo, e deste com elas, seja esse todo relativo ao enunciado ou à enunciação (grifo nosso) (DISCINI, p. 959, 2017). Há dessa forma, uma mudança nas investigações da língua, que além de ser vista como sistema de signos, implica na fala. Essa fala, sistematicamente organizada, se postula sobre a língua e se reúnem sobre o arcabouço da linguagem. Com esses parâmetros é possível observar que a análise linguística serve como ponto de partida para a análise da fala, confirmada no avanço dos estudos linguísticos ao discurso (DISCINI, 2017). O estudo do processo do significado da comunicação, se apresenta através da natureza do discurso com elementos ligados no momento da produção, seja de um texto, de um debate, escrita ou linguagem. O discurso, quando ocorre, é feito de maneira coerente adequada ao momento em que foi produzido, nas circunstâncias em que foi produzido, com a finalidade para a qual foi produzido. Nesse sentido, há de se inferir que o discurso tem malha de significações, envolvida por uma circunstancialidade que a condiciona em seu entendimento e interpretação (FURQUIM, 2015). O discurso sempre ocorre no tempo e na história, com isso, é determinado por situações e constantes dialéticas para a sua produção, com valores em relação à realidade sobre a qual atua, passando da apreensão para a compreensão da realidade e assim, da interpretação de sequência ininterrupta de fatos e sentidos para a posição de sujeito agente do juízo discursivo. “Passa-se a perceber que um sujeito que age por meio da significação, antes 6 de fazê-lo, interage com outras significações, de modo a criar e a recriar essa mesma “realidade”, a partir de seus valores, de sua cultura, etc.” (FURQUIM, p. 4, 2015). Os discursos predominantes em determinadas instituições, principalmente as jurídicas, possuem uma estratégia de poder para se instalar determinados paradigmas econômicos, sociais, políticos e jurídicos (STRECK e KOCHE, p.221, 2017). No âmbito jurídico, o Direito continua refratário a tais viradas paradigmáticas, que se caracteriza no Direito brasileiro como um pensamento coletivo massificado, um imaginário acrítico e técnico, que molda os discursos predominantes na cotidianidade. Esse modo de reproduzir o direito, principalmente na perspectiva epistemológica, reduz o conhecimento a certas verdades jurídicas consagradas. Assim, como é possível perceber a criação dessa realidade a partir de valores consagrados dentro de um ordenamento jurídico (VIEITO, p. 162, 2016). 4 - O texto jurídico Uma das diferenças entre as linguagens do direito positivo e da Ciência do Direito se apresenta ao se analisar o sujeito que a emana e o tipo que a reveste. O direito positivo, sendo criado pelo legislador, apresenta-se em linguagem técnica utilizando palavras e expressões científicas. Já na Ciência do Direito, a linguagem é elaborada pelo jurista, que se caracteriza por uma linguagem científica na qual procura substituir as palavras carregadas de imprecisão significativa por outras que se mostrem mais exatas (CAMPILONGO, et al. 2017). Consistindo no conjunto de normas jurídicas válidas, o direito positivo tem por escopo a regulação das condutas intersubjetivas. Traduz-se em linguagem prescritiva, expedindo comandos dirigidos ao comportamento humano, por meio dos modais deônticos (obrigatório, proibido, permitido). Suas proposições não são verdadeiras ou falsas, mas válidas ou não-válidas, valores lógicos da linguagem prescritiva. E, por essemesmo motivo, a lógica que lhe corresponde é a Lógica Deôntica (CAMPILONGO, et al. p. 6, 2017). A Ciência do Direito, por sua vez, representa um discurso descritivo, capaz de transmitir conhecimentos acerca do seu objeto, composto pelo conjunto de normas jurídicas. Enquanto o direito positivo dirige-se para a região material das condutas, a Ciência do Direito apenas o descreve, sem nele interferir (CAMPILONGO, et al. 2017). No texto jurídico, o uso da linguagem se mostra extremamente importante, já que com ela, seu efeito argumentativo ou uso persuasivo se tornam aptas a fundamentar com sucesso certas afirmações conclusivas (WARAT, 1984). Na teoria da argumentação, estabelece-se uma classificação das estruturas argumentativas utilizadas para persuadir. Essas estruturas, constituem estruturas argumentativas com repertórios persuasivos através de falácias não formais a fim de indicar diferentes maneiras de trabalho das opiniões generalizadas para obtenção da aceitação de pontos de vista não comprovados logicamente (WARAT, 1984). 7 O direito usado como comunicação, para Robles, assume caráter linguístico do direito, assumindo métodos analíticos e hermenêuticos para produção de texto no âmbito jurídico. O texto jurídico não é narrativo como diz Robles, mas prescritivo. Através dele o Estado se revela comunicando-se com a sociedade para impor organização social e comportamentos (ROBLES, p. 206, 1998). O autor considera que todo sistema legal é um texto verbalizado ou verbalizável, capaz de ser interpretado em termos escritos, com normas de fatores sociais, devendo ser aberto, claro e de fácil entendimento capaz de se fixar no texto escrito. Assim, pelo texto jurídico é capaz de permanecer em transformação, formando novas leis por meio de decisões diárias, em novas sentenças judiciais, entre outro. Por ser prescritivo, ele é dotado de determinada função pragmática que torna-o um conjunto de mensagens cujo significado permanente é dirigir, guiar ou regular as ações humanas. Além disso, o próprio texto cria aquelas ações que podem ser consideradas como legal (ROBLES, 1998). A função regulatória ou prescritiva do texto legal não é a exaustão em ação, na determinação dos requisitos para isto ocorrer. Também se estende a modalidades deônticas não constitutiva da ação, mas pressupõe a constituição disso, como ordenar um comportamento, proibir, permitir, autorizar, etc. E, além disso, essa função também se estende à determinação do quadro espaço-temporal da ação, das disciplinas e suas respectivas competências, elementos todos os quais. Embora não afetem diretamente a ação, eles a condicionam indiretamente, e nesse sentido também o regulam. A função prescritiva é relativa à ação é, portanto, elevada à categoria central para a teoria do direito (ROBLES, 1998). Dessa forma, com acesso fácil e direto às informações, a justiça precisa ampliar-se, levando ao jurisdicionado o direito de entender e acompanhar os processos judiciais de seu interesse, bem como as leis e normas que o afetam diretamente. E isso só será viável a partir da elaboração de textos jurídicos que adotem uma linguagem direta e clara. Devem ser evitados os exageros, os preciosismos, os estrangeirismos, o pedantismo e outros “vícios” que apenas dificultam o entendimento e precisão do texto, quando não o tornam incompreensível (SOUZA, 2010). 5 - Estrutura da lei Em sua lição introdutória ao estudo do direito, Paulo Nader determina a essencial importância do estudo da norma jurídica para que se compreenda o direito, afinal, segundo o autor, a norma jurídica é o elemento essencial do direito objetivo. De tal forma que, a norma e outras regras jurídicas estão para o direito de um povo, assim como as células estão para um organismo vivo (NADER, 2014, p. 83). Assim, para que haja equilíbrio numa sociedade, não basta que os homens estejam dispostos a praticar a justiça, é necessário que haja uma fórmula 8 indicativa de justiça que oriente a sociedade em determinado momento histórico. É neste sentido que, segundo o autor, atua a norma jurídica, como um instrumento definidor da conduta exigida pelo estado, esclarecendo ao agente como e quando agir (NADER, 2014, p. 83). Assim, ao conceituar norma jurídica, Paulo Nader apresenta a seguinte determinação: O Direito Positivo, em todos os sistemas, compõe-se de normas jurídicas, que são padrões de conduta ou de organização social impostos pelo Estado, para que seja possível a convivência dos homens na sociedade. São fórmulas de agir, determinações que fixam as pautas do comportamento interindividual. Pelas regras jurídicas o Estado dispõe também quanto à sua própria organização. Em síntese, norma jurídica é a conduta exigida ou o modelo imposto de organização social (NADER, 2014, p. 83). Nesse viés, Dirceu Marques Galvão Filho, ao tratar sobre as normas, conclui que a norma é o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita ou facultada. Em suma, é a norma um conteúdo de dever ser, e o ato em si, é um ser (GALVÃO FILHO, 2000). Há, contudo, uma distinção entre a norma jurídica e a lei. Onde a lei é apenas umas das formas de expressão da norma, que também pode se expressar pelo direito costumeiro, e em alguns casos, pela jurisprudência (NADER, 2014, p. 83). Nesse contexto, dentre as várias formas de classificação, destaca-se a classificação quanto à sua fonte. Dessa forma, de acordo com o sistema jurídico a que pertencem, as normas podem ser legislativas, consuetudinárias e jurisprudenciais (NADER, 2014, p. 89). Num recorte analítico, as normas classificadas como legislativas, são normas jurídicas escritas, corporificadas nas leis, medidas provisórias e decretos. Especificamente, as leis são emanadas do Poder Legislativo, enquanto as outras subespécies são postas pelo Poder Executivo (NADER, 2014, p. 89). Ao tratar do tema, aprofundando na conceituação da lei propriamente dita e suas fontes, Paulo Nader se expressa da seguinte forma: A lei é a forma moderna de produção do Direito Positivo. É ato do Poder Legislativo, que estabelece normasde acordo com os interesses sociais. Não constitui, como outrora, a expressão de uma vontade individual ( L’État c’est moi ), pois traduz as aspirações coletivas. Apesar de uma elaboração intelectual que exige técnica específica, não tem por base os artifícios da razão, pois se estrutura na realidade social. A sua fonte material é representada pelos próprios fatos e valores que a sociedade oferece (NADER, 2014, p. 141) . A lei, assim conceituada, pode ser examinada em seu sentido amplo, onde o vocábulo lei é utilizado para indicar todo o direito escrito. Essa forma de exame abrange a lei propriamente dita, a medida provisória e o decreto, estes, atos executivos com suas limitações e formalidades estabelecidas constitucionalmente (NADER, 2014, p. 147). Noutro aspecto, considerada em sentido estrito, a lei, em sua constituição, reúne duas formas de caracteres, os 9 caracteres substanciais e os caracteres formais. Quanto à primeira caracterização, observa-se que a lei agrupa normas jurídicas, são taxados como características substanciais a sua generalidade, abstratividade, bilateralidade, imperatividade e coercibilidade. Por outro lado, também existem exigências quanto à forma da lei, e nesse sentido, estabelece-se como características formais, a necessidade de ser escrita, emanada do Poder Legislativo por meio do devido processo previsto, promulgada e publicada (BARBOSA). A lei ainda pode ser concebida em sentido formal e em sentido formal material. Tratando-se da primeira concepção, em sentido formal, a lei atende apenas os requisitos de forma, como mencionado, faltando-lhe ainda características conteudistas, como a generalidade, ou por ainda estarem ausentes a sanção ou substância jurídica desta. Considerada em sentido formal-material, a lei, além de atender os requisitos formais, carrega conteúdo próprio do direito, portando todos os caracteres formais e substanciais mencionados (NADER, 2014, p. 148). Completa com tais requisitos, a lei, pode se apresentar em forma substantiva e adjetiva. Em sua forma substantiva, é também chamada de lei material, e caracterizada por reunir normas de conduta social que determinam os direitos e deveres das pessoas em suas relações. Em contrapartida, as leis adjetivas, também denominadas formais, conforme lição de Paulo Nader, são aquelas que contém um agrupamento de regras que definem os procedimentos a serem cumpridos no andamento das questões judiciais (NADER, 2014, p. 148). Além dessas tipificações de leis, existem ainda, as leis de ordem pública, as quais carregam determinações fundamentais ao equilíbrio e à segurança da sociedade, ao passo que, estabelecem regras sobre o bem-estar coletivo. Por isso, independe das vontades privadas, por tratarem de questões personalíssimas, geralmente indisponíveis, dentre outras questões relevantes concernentes ao equilíbrio da sociedade. Posto isso, para a devida estruturação da lei, existe todo um processo estabelecido na Constituição Federal referente à formação da lei e todo o processo legislativo previsto para que seja considerada válida. Nesse sentido, conforme estabelecido na Constituição Federal brasileira, na seção VII - do Processo legislativo, e especificado na subseção III – das leis, o processo de criação das leis há de seguir sequentemente, as seguintes etapas: apresentação de projeto, exame das comissões, discussão e aprovação, revisão, sanção, promulgação e publicação (BRASIL, 1988). Tratada a estrutura e formação da lei, tal mandamento é sempre criado visando a aplicação. Nesse ponto, segundo estudo apresentado por Vicente Rao, existem fases de interpretação do direito. O autor conclui que, inicialmente, ocorre a diagnose do fato, onde se analisa os pormenores do caso apresentado, e firma-se o diagnóstico quanto à matéria de fato. Feito isso, ocorre a diagnose do direito, onde observa-se a existência de lei relativa aos fatos narrados. Tomado o conhecimento dos fatos, constatando-se a existência de lei que verse sobre o fato, o aplicador passa à crítica formal, onde deve observar na lei o cumprimento de todos os requisitos formais necessários. Constatados, o aplicador faz a crítica substancial, onde verifica a presença de todos os elementos intrínsecos de validade e efetividade da lei, voltados para o conteúdo da lei. Etapa na qual observa a competência do órgão legislador, o 10 patamar e a natureza da lei em jogo. Vencido isso, o aplicador passa para a etapa de interpretação da lei, onde, nas palavras do citado autor, cumpre a tarefa de conhecer o espírito da lei. Acrescenta que interpretar o direito consiste em revelar o sentido e o alcance das normas jurídicas. Por fim, cumpridas todas as etapas, haverá condições para a aplicação da lei de fato, feita sob forma de silogismo. Contudo, além da tarefa lógica da aplicação, esta, não se reduz apenas à uma operação lógica, contando também com contribuições subjetivas do aplicador. (RAO apud NADER, 2014, pp. 152-153). 6 - Antinomias das normas e interpretação Com fito em aprofundar-se no estudo do direito como um conjunto de normas num mesmo sentido, foi criado no início do século XX, pelo positivismo jurídico, a teoria do ordenamento jurídico. A tese surge exatamente diante da necessidade de unificação do conjunto de normas jurídicas, evitando a visão unitária das normas, consequentemente, evitando-se incertezas e arbítrios judiciais. Nesse sentido, a teoria do ordenamento detém três determinações para que o direito seja considerado um conjunto: unidade, coerência e completude (BOBBIO, 2006, pp. 197-198). Assim sendo, considera-se que o ordenamento jurídico forma uma unidade, ao passo que, todas as normas que o constitui são estabelecidas e organizadas direta ou indiretamente pela mesma autoridade, logo, todas são oriundas de uma mesma fonte originária (BOBBIO, 2006, pp. 199-200). Concernente às características coerência e completude, também determinantes para que o direito seja vislumbrado como um conjunto, é notório a vinculação estreita entre elas. Sobretudo, por considerar que a deterioração dessas características num ordenamento, necessariamente, gera imprevisibilidadee insegurança acerca das decisões e interpretações. Ao tratar da previsibilidade decisória e das formas pelas quais pode ser concebida, Maria Helena Diniz expõe que: [...] Quando o magistrado não encontra norma que seja aplicável a determinado caso, e não podendo subsumir o fato a nenhuma norma, porque há falta de conhecimento sobre um status jurídico de um certo comportamento, devido a um defeito do sistema normativo que pode consistir na ausência de uma solução, ou na existência de várias soluções incompatíveis, estamos diante de um problema de lacuna normativa, no primeiro caso, ou de lacunas de conflito ou, antinomia, no segundo. (2008, pp. 421- 422) Fazendo-se um recorte acerca da temática, ao tratar especificamente das antinomias das normas, Flávio Tartuce a define como a existência de duas normas conflitantes, consideradas válidas e emanadas de autoridade competente, sem a possibilidade de afirmar-se qual delas merece aplicação em determinado caso concreto (TARTUCE, 2014, p. 38). Nesse 11 mesmo sentido leciona Tércio Sampaio Ferraz Jr., que em sua lição conceitua antinomia jurídica como: [...] Oposição entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que coloca o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado. (1996, p. 14). A antinomia real entre duas normas leva à exclusão de ambas, conforme menciona Ulrich Klug (apud DINIZ, 1998, p. 21). A partir dessas considerações, Maria Helena Diniz determina que, para que haja a real incompatibilidade entre duas normas, será necessário: a) que ambas as normas sejam jurídicas; b) ambas sejam vigentes e pertencentes a um mesmo ordenamento jurídico; c) ambas emanem de autoridade competente num mesmo âmbito normativo; d) ambas devem ter operadores opostos e seus conteúdos devem ser a negação interna um do outro; e) e que o sujeito, ao qual a norma se dirige deve ficar numa posição insustentável (DINIZ, 1998, pp. 21-23). Assim, em outra lição a autora determina que, para que haja antinomia real, é necessário a concorrência de três condições indispensáveis, quais sejam: incompatibilidade, indecidibilidade e necessidade de decisão (DINIZ, 2008, p. 392). Tais antinomias, podem ser classificadas quanto: ao critério de solução, conteúdo, âmbito, e a extensão da contradição (DINIZ, 1998, pp. 27-29). Ao tratar sobre o conflito entre as normas de um mesmo ordenamento, Hans Kelsen assevera que, para haver conflito normativo, é necessário que as duas normas em questão sejam válidas, ou seja, tenham existência reconhecida juridicamente (apud DINIZ, 1998, p. 33). Nesse caso, configurada a antinomia normativa, o aplicador e intérprete do direito fica diante de um dilema, onde há necessidade de escolha, e a opção por uma delas implicaria a violação da outra. É nesse sentido que atua a ciência jurídica, que pela necessidade de coerência para o conjunto do sistema jurídico, estabelece critérios interpretativos para desembaraçar-se de tal situação conflitante. Esses critérios são considerados normativos, concebidos como princípios jurídico-positivos, considerados pressupostos pelo legislador ao criar a norma. Assim sendo, pela necessidade posta de saber qual das duas normas conflitantes deve ser aplicada de preferência, existe uma previsão de critérios para solucionar antinomias no direito interno. O primeiro critério é chamado de hierárquico, baseado no princípio de que uma lei superior derroga uma lei inferior. Assim, diante de um conflito de normas de diferentes níveis, preferir-se-á a norma de nível mais alto, independentemente da ordem cronológica. O segundo critério, por sua vez, é conhecido como cronológico, pautado no princípio de que uma lei posterior revoga a lei anterior. Nesse caso, faz-se a remontagem do início da vigência da norma, desde que sejam de mesmo escalão, e opta-se pela prevalência da lei posterior. O terceiro critério, o de especialidade, pauta-se no princípio em que a norma especial derroga a norma geral, considerando a matéria tratada no texto posto. Assim sendo, recorre-se aos meios interpretativos, observando-se diante do conflito de normas, qual poderá ser considerada especial. Nesse caso, define-se ao intérprete a norma especial como aquela 12 que, em sua determinação, possui todos os elementos típicos da norma geral, e em sua especificidade, acrescenta alguns elementos típicos de natureza objetiva ou subjetiva (DINIZ, 1998, pp. 34-39). Contudo, ainda que tais critérios não sejam aplicáveis, o intérprete ainda terá à disposição outro recurso. Nesse caso excepcional, não sendo possível a superação da antinomia das normas por meio de nenhum dos critérios, surgirá a lacuna de colisão ou de conflito, nesse caso, superadas pela aplicação dos princípios que regram o preenchimento de lacunas. Como salienta Maria Helena Diniz, é preciso mesmo diante de casos excepcionais, que o valor justo prevaleça entre duas normas incompatíveis, devendo-se seguir a mais justa ou favorável, procurando, nesses casos, salvaguardar a ordem pública ou social (DINIZ, 1998, p. 40). Assim o jurista e filósofo alemão Karl Larenz em sua obra, ao tratar sobre a conformação e apreciação jurídica da situação de fato e sobre o processo interpretativo na aplicação normativa, determina que nas pautas as quais o julgador tem que concretizar, e que são carecidas de preenchimento, utiliza-se de certa valoração, adequando a previsão da norma à situação de fato, que lhe é remetida para uma determinação mais minuciosa. Algumas normas remetem a normas sociais, extrajurídicas e nesse caso, como não são previamente definidas, requerem valoração, como no caso dos bons costumes (LARENZ, 1997, pp. 406-418). Nesse sentido, determina que interpretar uma norma é uma atividade de mediação, pela qual o intérprete traz à compreensão o sentido de um texto que se mostra problemático (LARENZ, 1997, p. 439). Em conclusão, a solução da antinomia é encontrada pelo aplicador do direito por meio do empregoda interpretação equitativa. Tal atividade interpretativa é exercida dentro do sistema jurídico como um conjunto, o qual é composto de subsistemas normativos, fáticos e valorativos. Nos casos de inaplicabilidade dos critérios interpretativos mencionados, onde resta a lacuna, somente poder-se-á haver solução pela edição de uma nova norma, que escolha entre uma das normas conflitantes, ou, em última análise, por meio de uma interpretação equitativa (DINIZ, 1998, P. 93). Levando em conta tal necessidade, considera-se o juízo feito por equidade, uma espécie de aplicação em concreto, das exigências postas pelos ideais da justiça, atentando-se sempre à igualdade proporcional. Nesse sentido, Tércio Sampaio Ferraz Jr., em sua lição introdutória ao estudo do direito, considera que o intérprete deve, sempre buscar uma racionalização desta intuição, mediante uma análise das considerações práticas dos efeitos presumíveis das soluções encontradas, o que exige juízos empíricos e de valor, os quais aparecem fundidos na expressão juízo por equidade (FERRAZ JR., 1996, p. 304). 13 Referências ARENDT, Hannah . A condição humana. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. BARBOSA, Maria Caroline Vargas. Aula 10 - Teoria da Lei . Disponível em: http://professor.pucgoias.edu.br/sitedocente/admin/arquivosUpload/18787/material/IED%20- %20Aula%2010.pdf . Acessado em: 09. jan. 2021. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito . São Paulo: Ícone, 2006. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988. 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