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1 DIREITO PENAL III – 2021.1 MATERIAL DE AULA PROF. HAMILTON GONÇALVES FERRAZ Contato: ferraz.hamilton.hgf@hotmail.com/ hamilton.ferraz@estacio.br 2 1)Apresentação do curso – aulas, avaliações, presença, etc. 2)Iniciando o curso – crimes contra a pessoa (título I - arts. 121 e seguintes CP) até os crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (título V, arts. 208 e seguintes, CP) 3)Introdução 3.1)Um curso de Parte Especial Todo curso de parte especial, normalmente, é estruturado da seguinte forma: -Bem jurídico/objetividade jurídica -Tipo objetivo – sujeitos (ativo/passivo), conduta, meios/modos de execução, nexo de causalidade, imputação objetiva, evento, elementos do tipo objetivo (descritivos e normativos) -Tipo subjetivo – dolo/culpa e elementos subjetivos especiais -Consumação e tentativa -Classificação doutrinária -Pena e ação penal -Questões especiais 3.2)Temas importantes – bem jurídico/objeto material do delito; classificação dos delitos; classificação dos tipos; tipo objetivo/tipo subjetivo/elementos subjetivos especiais; concurso de delitos e conflito aparente de normas 3.2.1)Bem jurídico (objeto jurídico) / objeto material do delito -O que é um bem jurídico? a)Majoritária - Roxin - circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que garanta todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos. 3 b)Luís Greco - Dados fundamentais para a realização pessoal dos indivíduos ou para a subsistência do sistema social, compatíveis com a ordem constitucional. c)Nilo Batista/Raúl Zaffaroni – criticam a ideia de um “bem jurídico tutelado” (o que existe é ofensa a bem jurídico); é a relação de disponibilidade de um sujeito com um objeto. *Precisamos de um bem jurídico? Günther Jakobs: não adota o bem jurídico. Trabalha com expectativas normativas, a norma penal se presta a tutelar expectativas normativas do sistema jurídico. **Enviar material de resumo sobre bem jurídico – funções da lesividade, funções do bem jurídico e limites impostos pelo bem jurídico ao legislador -Sistemas jurídicos sem bem jurídico? Sistema anglo-americano: “Harm principle” – origens: Stuart Mill – “On liberty” – comportamentos individuais só podem ser limitados para prevenir danos a bens de terceiros. Expoente contemporâneo: Joel Feinberg – “The moral limites of criminal law”. Problemas: a definição do que seja “harm”. -O que é o objeto material do delito? É o objeto concreto sobre o qual recai a conduta criminosa. 3.2.2)Classificação doutrinária dos delitos 1)Quanto ao bem jurídico a)Delito uniofensivo – lesiona apenas 1 bem jurídico – art. 121; 129, 155 b)Delito pluriofensivo – lesiona mais de um bem jurídico – art. 157; art. 329 2)Quanto ao sujeito a)Delito comum – sujeito ativo indeterminado, qualquer pessoa pode praticar b)Delito especial – o tipo circunscreve os possíveis autores por qualidade pessoal: exemplo –infanticídio (art. 123); crimes praticados por funcionário público (art. 312 e ss.) *quando o sujeito ativo e o sujeito passivo são qualificados (ou figuram com qualidades especiais), diz-se o crime “bipróprio” (ex: abandono de incapaz, art. 134, CP). b.1)Delito especial próprio – tipo exige certa pessoa b.2)Delito especial impróprio – pode ser praticado por qualquer pessoa mas a autoria qualificada agrava a pena – art. 311, §1º e 2º; 4 **Delitos de infração de dever (Roxin) – espécie de delito especial; restringem-se a sujeitos ativos determinados, mas o fundamento da restrição da autoria a esses sujeitos (intranei) é que eles estão vinculados a um “dever especial”, cuja violação seria o pressuposto da infração da norma penal – ex: crimes praticados por funcionários públicos contra a administração – violação do dever extrapenal – probidade – violação de dever funcional. Nesses delitos, quem concorre sem possuir dever funcional é considerado partícipe. c)Delito de mão própria – só pode ser cometido pelo autor em pessoa e de forma direta – art. 123; 342; d)Delito de concurso necessário (plurissubjetivos) – presença de duas ou mais pessoas – d.1)Delito de convergência – conduta comum - art. 288, associação criminosa; art. 235, bigamia. d.2)Delito de encontro – conduta oposta - art. 137 – rixa; 3)Quanto à conduta a)Delito comissivo – simples ação b)Delitos omissivos b.1)Omissivos próprios - Consuma-se com a omissão de uma atividade legalmente exigida – art. 135, CP b.2)Omissivos impróprios (comissivos por omissão) – há um resultado causado por uma omissão do autor que tinha, nas circunstâncias, o dever de impedir – art. 13, §2º, CP 4)Quanto à unidade ou pluralidade de ações a)Delito de ação única – apenas uma forma de conduta b)Delito de ação múltipla (ou de conteúdo variado) – o tipo se refere a várias modalidades de conduta mas, ainda que perpetrada mais de uma, tem-se apenas um único delito – art. 122; art. 211; art. 319 **mais à frente – tipos mistos cumulativos e alternativos 5)Quanto ao resultado a)Crimes materiais (ou de resultado) – dependem da ocorrência de resultado naturalístico para a consumação – art. 121, CP *resultado naturalístico – evento, efeito natural da conduta; 5 *resultado jurídico – efeito da conduta que lesa ou põe em perigo o objeto protegido pela norma penal – para fins de classificação, essa não é a melhor concepção, porque todos os crimes possuem resultado jurídico. *Tiago Joffily – Tese de Doutorado – Desvalor da ação e desvalor do resultado como fundamentos do injusto penal: uma revisão a partir do modelo habermasiano de sociedade -nome do livro publicado: O resultado como fundamento do injusto penal -propõe que o injusto seja composto sempre e necessariamente, além do desvalor da ação (quando a conduta já se coloca de modo perigoso ao bem jurídico), do desvalor do resultado (resultado de perigo ou dano ao bem jurídico). Adere ao chamado dualismo rigoroso. Obs: monismo-subjetivo = injusto pessoal de Welzel; adoção por Armin Kaufmann; irrelevância do desvalor do resultado para a construção do injusto; dualismo moderado = majoritária = dependerá do que exigir a norma penal; às vezes, apenas desvalor da ação; e às vezes, os dois. Representante: Gunther Stratenwerth; dualismo rigoroso = Carlos Santiago Nino – todo injusto é sempre formado por desvalor da ação e do resultado, entendido este como afetação concreta da esfera de interesses de outra pessoa, que não o próprio agente. Uma corrente que se aproxima do dualismo rigoroso é o funcionalismo redutor (Zaffaroni-Batista). Alteração no conceito de resultado – a alteração do mundo externo, causada pela ação típica, consistente na própria afetação danosa ou perigosa do bem jurídico – não se diferencia “resultado jurídico de resultado naturalístico” – resultado deve ser sempre naturalístico, do contrário não é resultado. b)Crimes formais – a realização da conduta proibida consuma o delito, embora o tipo descreva um resultado naturalístico, que, no caso, não é exigido para consumação – ex: art. 158, extorsão; b)Delito de mera atividade ou conduta – a simples realização da conduta proibida consuma o delito – ex: crimes contra a honra; c)Delito qualificado pelo resultado: agravação de pena para o resultado mais grave causado no mínimo por culpa (art. 19, CP). Pode haver dolo-culpa ou dolo-dolo. -dolo no antecedente e culpa no consequente – crime preterdoloso – art. 129, §3º; 6)Quanto à materialidade a)Delito de lesão – provocação de dano concreto ou material 6 b)Delito de perigo – a ofensa ao bem jurídico se dá pela existência de uma situação de perigo b.1.1)Crimes de perigo individual – exposição a perigo de bens jurídicos individuais– determinados – pode haver pluralidade – art. 130-136, CP b.1.2)Crimes de perigo coletivo – bens jurídicos expostos a perigo são indeterminados – art. 250-257, CO **Crimes de perigo concreto x perigo abstrato – grandes debates doutrinários a respeito Posição moderada: b.2.1)(Luís Greco) - Delito de perigo concreto - é necessário, de uma perspectiva ex post, que resulte efetivamente uma situação de fragilidade para o bem jurídico tutelado, que só se salva por obra do acaso. -após o término da conduta, o terceiro observador verifica que a conduta só não aconteceu por obra do acaso; b.2.2)(Luís Greco) - Delito de perigo abstrato - são proibidas condutas que se sabe perigosas para o bem jurídico (ex. rixa), ou condutas ex ante perigosas **não é verdade que no perigo abstrato existe presunção absoluta de perigo, uma vez que é necessário que o observador enxergue perigo na conduta praticada; 7)Quanto à consumação a)Delito permanente – há a prática de vários atos que, no entanto, tem uma relação de prolongamento no tempo, causando apenas uma violação jurídica através da consumação que se protrai no tempo – art. 148; art. 288, CP b)Delito instantâneo – consuma-se em um único instante ou momento determinado; c)Delito instantâneo de efeitos permanentes – a permanência não depende da continuidade do agente – art. 121, art. 235, CP. 8)Quanto aos atos que compõem a fase de execução (é nesta classificação que se verifica o cabimento ou não da tentativa) a)Delito unissubsistente – consumação com a prática de um só ato; execução não é fracionável (ex: art. 154, violação de segredo profissional) b)Delito plurissubsistente – o processo executivo admite fracionamento em etapas 7 c)Delito habitual – é aquele que consiste na reiteração da ação, de modo a constituir um hábito de vida que incide sob a reprovação penal. Ele só se configura com a prática reiterada. Ex: art. 230; 282; 284. d)Delitos de atentado – é aquele em que o tipo consiste em uma tentativa – ex: art. 352, CP 9)Quanto ao modo de execução a)De forma livre – admite qualquer meio de execução b)De forma vinculada – o tipo penal circunscreve os possíveis modos de execução da conduta delitiva – ex: art. 284, CP 10)Quanto à relação com os demais tipos delitivos a)Delito subsidiário – verifica-se na inexistência de crime mais grave – ex: art. 132, 133; 146 e 147; b)Delito complexo – a realização da conduta típica ocorre com a prática de várias condutas diversas, mas que constituem um único crime, diante da estrutura do tipo. A lei considera como elemento constitutivo um fato que, isoladamente, é tipo penal autônomo – ex: roubo – ameaça/constrangimento ilegal e furto. c)Delito progressivo ou de passagem – conduta indicada pelo núcleo do tipo é o resultado de atos que se desenvolvem através da passagem de um tipo fundamental menos grave para outro de maior gravidade – ex: lesão corporal -> homicídio ->>dolo desde o início **diferença para a “progressão criminosa” – a figura típica, anteriormente realizada, ainda se concretiza através da realização sucessiva de outra figura típica em que já se encontra implicada – “quero agredir, mas depois penso em matar e mato” – ->>dolo posterior 3.2.3)Classificação estrutural dos tipos *O que é tipo penal? Qual a diferença com a tipicidade? -Heleno Fragoso – Tipo é o modelo legal do comportamento proibido, compreendendo o conjunto das características objetivas e subjetivas do fato punível Régis Prado – Tipicidade é a subsunção ou adequação do fato ao modelo previsto no tipo legal; é um predicado, um juízo de valoração da ação (tipicidade formal x material; tipicidade sistemática x conglobante; tipos comissivos dolosos e culposos; tipos omissivos dolosos e culposos) 8 -Quais as funções de um tipo penal? Para que ele serve? (i)Função de garantia – legalidade; (ii)Função em referência à regulação do erro; (iii)Função sistemática – dentro da teoria do delito; (iv)Função interpretativa – política criminal, ofensividade e legalidade; Classificação dos tipos: 1)Tipos básicos/derivados/autônomos -tipo básico – tipo de partida – art. 121, caput; -tipo derivado – especialização do derivado. Pode ser: a)Qualificado – art. 121, §2º; b)Majorado (vulgarmente chamado de “circunstanciado”) – art. 157, §2º; c)Privilegiado – art. 155, §2º -tipo autônomo – variante autônoma – art. 343, CP 2)Tipos simples/compostos ou mistos -tipo simples – uma só ação -tipo composto – pluralidade de ações a)Tipo misto alternativo – fungibilidade entre as condutas – ex: art. 211, CP b)Tipo misto cumulativo – não há fungibilidade entre as condutas – a pluralidade implica em concurso material – art. 180, CP 3)Tipo normal/anormal -tipo normal – apenas uma descrição objetiva sem referência a elementos normativos ou subjetivos do tipo – art. 121; -tipo anormal – compreende elementos objetivos + normativos e subjetivos – art. 140; 9 4)Tipo congruente/tipo incongruente -tipo congruente - o que precisa acontecer no mundo (tipo objetivo) encontra uma exata correspondência com aquilo que o sujeito precisa desejar – ex: homicídio -tipo incongruente – o que precisa acontecer no mundo não encontra essa correspondência; o tipo objetivo pode ser mais amplo do que o subjetivo – art. 159, CP e art. 129, §3º 5)Tipo fechado/tipo aberto Tipo fechado – a descrição legal da ação proibida é completa, em todos os seus aspectos fáticos – art. 121, caput; Tipo aberto – descreve parte da ação proibida, sendo necessária a complementação pelo julgador – crimes culposos e crimes com elementos normativos (por exemplo, gestão temerária, art. 4º, p.u, Lei 7.492/1986); 3.2.4)Tipo objetivo, tipo subjetivo e elementos subjetivos especiais 1)Tipo objetivo é a descrição dos caracteres referentes à execução do crime. É composto por: (i)Sujeitos (ativo/passivo) (ii)Conduta – ação ou omissão (núcleo do tipo) (iii)Meios e modos de execução – meios = instrumentos; modos = estrutura da conduta; (iv)Nexo de causalidade – vínculo necessário que liga a conduta praticada pelo agente ao resultado por ele produzido; (iii)Imputação objetiva (apenas para crimes materiais, com resultado) – Luís Greco: conjunto de pressupostos que fazem de uma causação uma causação objetivamente típica – ou seja, teoria que atribui tipicidade a uma determinada relação de causalidade – duas noções: (i)criação de um risco juridicamente desaprovado; (ii)realização do risco no resultado (Roxin, Luís Greco, Juarez Tavares e Juarez Cirino; Nilo Batista e Raúl Zaffaroni: dominabilidade e tipicidade conglobante) (iv)Evento (resultado) a)Conceito naturalístico – modificação no mundo exterior b)Conceito normativo – lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico 10 Elementos do tipo objetivo: a)Elementos descritivos – aqueles cuja identificação ocorre com a simples verificação sensorial – objetos, seres, atos perceptíveis pelos sentidos. Ex: coisa móvel; alguém; explosivo; animal vivo; mercadoria; b)Elementos normativos – exigem juízo de valor para seu conhecimento b.1)Elementos normativos jurídicos – conceitos jurídicos – cheque; documento; b.2)Elementos normativos extrajurídicos (ou empírico-culturais) – juízos de valor fundados na experiência, na sociedade ou na cultura – ex: ato obsceno; perigo moral; germes patológicos; **elementos do dever jurídico/referências à antijuridicidade (Régis Prado)/elementos normativos valorativos ou de recorte (Nilo/Zaffaroni) / elementares de dever jurídico ou elementos de valoração global do fato (Roxin) – (art. 151, “indevidamente”); o caráter alheio da coisa no furto Nilo/Zaffaroni – são referências à chamada “antinormatividade” – erro de tipo Roxin – nesses casos não é possível separar o conhecimento da existência da elementar do conhecimento da antijuridicidade. Assim, propõe que (i)errar sobreos pressupostos fáticos da valoração = erro de tipo; (ii)errar sobre a valoração em si mesma = erro de proibição -as duas posições são sustentáveis no direito penal brasileiro, diante da redação da parte do erro; 2)Tipo subjetivo – contém os elementos de ordem psicológica – dolo e culpa -Aqui nos interessa os chamados elementos subjetivos especiais do tipo a)Delitos de intenção a)delitos de intenção ou de tendência interna transcendente a1-delitos de resultado cortado ou separado - o resultado que se pretende alcançar independe de nova intervenção do autor (ex. art. 159 do CP – extorsão mediante sequestro – “com o fim de”); obtenção de resultado fora do tipo objetivo; a2-delitos mutilados de dois atos – o resultado fica fora do tipo, embora o autor pretenda realizá-lo quando realiza a conduta típica. O agente realiza uma conduta como passo prévio de outra (ex. art. 289 do CP – falsifica a moeda com a intenção de, no futuro, introduzi-la em circulação); 11 b)Delitos de tendência (ou tendência particular) -nos crimes de tendência isso é diferente – art. 217-A, CP – estupro de vulnerável – o problema é que, se for só dolo, um médico que faça um exame na vagina de uma menor de idade, isso seria crime. Logo, há um elemento subjetivo a mais que atravessa a conduta enquanto ela é realizada; no caso, é a intenção de satisfazer o seu desejo sexual. Isso é tendência subjetiva de realização da conduta que se apresenta enquanto ela é realizada; -crime contra a honra – o elemento subjetivo de diminuir, de macular a honra da pessoa – tendência; não é explícito mas há o elemento e deve ser empregado para diferenciar as situações típicas. 3.2.5)Concurso de delitos e concurso aparente de normas (Patricia Glioche) Para que estudar concurso de crimes e conflito aparente de normas? (i)ne bis in idem – que decorre do princípio da individualização da pena (ii)proporcionalidade – que decorre da lesividade 1)Conflito aparente de normas É a situação em que 1 fato aparentemente se enquadra em mais de um tipo penal e a conduta é alcançada por dois ou mais tipos penais considerados isoladamente – mas – ao se considerar conjuntamente, verifica-se que um dos tipos interfere no outro e, assim, é excluída a aplicação de um deles no caso concreto. 1 fato – mais de um tipo penal – conduta alcançada por dois ou mais tipos isolados – um dos tipos interfere no outro – exclui um deles Três grandes princípios: a)Especialidade – tipo geral e tipo especial. Mesma conduta descrita em dois tipos, um deles apresenta elementos especializantes – ex: homicídio x infanticídio; b)Consunção (absorção ou consumação) – relação de fechamento material entre dois tipos – ante e pós-fato impunível; casos em que a pessoa pratica dois crimes em que o grau de lesividade de um já se esgota no outro. Continente x conteúdo; parte x todo; meio x fim; fração x inteiro; casos de crime progressivo e progressão criminosa. Há aplicação da consunção em ambos, mas são diferenciados pelo elemento subjetivo. 12 c)Subsidiariedade – mais grave e menos grave – um tipo está contido no outro – ameaça x roubo. São casos em que o tipo mais grave produz uma afetação mais intensa no bem jurídico. A pena do crime menos grave figura aqui como “soldado de reserva”. **Há quem sustente um 4º princípio – alternatividade – quando o tipo penal prevê várias condutas e o agente pratica mais de uma dessas condutas e responde por um só crime – para a maioria dos autores, já está contido nos demais. 2)Concurso de crimes É a pluralidade de delitos praticados por intermédio de uma ou mais condutas. O problema é saber, entretanto, quando há pluralidade ou unidade de condutas. Três concepções: (i)Concepção naturalística – extrai a unidade ou pluralidade da natureza das coisas. Crítica: pode ser arbitrária; (ii)Concepção normativa – retira esta concepção da norma penal. Crítica: muito ampla; (iii)Concepção ontológico-valorativa (Glioche) – fundamenta-se nos esquemas ontológicos e em estruturas valorativas a)Concurso material (ou real) – art. 69, CP – pluralidade de condutas + pluralidade de crimes = aplicação da pena por cúmulo material; b)Concurso formal (ou ideal) – art. 70, CP -unidade de conduta + pluralidade de crimes = aplicação da pena por exasperação (concurso formal perfeito) -unidade de conduta + pluralidade de crimes, porém, com “desígnios autônomos” – dolo = aplicação da pena por cumulação material *dolo direto ou dolo eventual? Majoritário na doutrina – apenas dolo direto (proporcionalidade); minoritário na doutrina mas aceito na jurisprudência – dolo direto e dolo eventual c)Crime continuado - art. 71, CP – pluralidade de condutas + pluralidade de crimes da mesma espécie praticados de forma parecida, como se um deles fosse continuação dos demais – aplicação da pena por exasperação -crime continuado comum (simples) – art. 71, caput; 13 -crime continuado qualificado ou específico – art. 71, p.u. Adoção, pelo CP, da teoria objetiva – para verificar se há crime continuado, leva-se em consideração apenas os elementos exteriores dos fatos componentes do crime continuado. Jurisprudência e parcela da doutrina (Japiassú/Gueiros), entretanto, vem exigindo também o elemento subjetivo (nexo psicológico). -“mesma espécie”: há inúmeras variações, mas destacam-se duas orientações; a)mesmo tipo ou dispositivo penal – predominante na jurisprudência b)mesmo bem jurídico – certa predominância na doutrina Dos crimes contra a pessoa – Título I – art. 121 – 154-B, CP Crimes contra a vida Introdução: art. 5º, I, CRFB; art. 4.1, CADH *Curiosidade histórica: nem mesmo o homicídio foi sempre punido ao longo dos séculos e das sociedades humanas: “na Grécia Antiga, por exemplo, como em todos os ordenamentos primitivos, se proibia apenas a morte do familiar, que autorizava unicamente a reação coletiva do grupo de parentes da vítima” (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón, p. 462)1 -Crimes de competência do tribunal do júri – art. 5º, XXXVIII, CRFB c/c art. 74, §1º, CPP (julga os dolosos contra a vida e os conexos – art. 78, I, CPP); 1)Homicídio simples – art. 121, caput, CP -Homicídio simples E hediondo? Controvertido, mas possível2, desde que praticado em atividade típica de grupo de extermínio (art. 1º, I, Lei 8072/90). 1.1)Compreendendo o delito 1 Nos poemas homéricos não se reprovam nem o homicídio, nem o furto, salvo quando afetam aos consanguíneos, aos hóspedes ou, por outras razões, a mendigos (Idem, p. 510). 2 Porque parte da doutrina e da jurisprudência tendem a considerar esse homicídio como qualificado por motivo torpe. 14 É a morte, destruição, eliminação ou ocisão da vida de um ser humano por parte de outro; a eliminação da vida humana extrauterina. a)Bem jurídico – a vida humana independente *Bem jurídico indisponível? Majoritário: sim, porque constitui elemento necessário de todos os demais direitos (p.ex. Bitencourt). Minoritário (Zaffaroni-Batista) – disponibilidade como desfrute, por parte do sujeito titular do bem jurídico – a vida aparece, portanto, como o bem jurídico mais disponível de todos (Direito penal brasileiro, I, II, p. 220) b)Objeto material do delito – o ser humano nascido com vida “Vida humana extrauterina”; “nascido com vida”: o que é isso? Limite mínimo do homicídio - início do parto, com a dilatação do colo do útero e rompimento da bolsa d’água (saco amniótico), já havendo vida tutelável pelo delito de homicídio antes da separação, por inteiro ou mesmo parcialmente do ventre materno; não é necessário que o cordão umbilical seja rompido, nem que se trate de vida viável, bastando a prova de que a vítima nasceu viva e com vida estava no momento da conduta criminosa do agente (exame de docimásia hidrostática pulmonar de Galeno)3;se o parto for por uma cirurgia cesariana, a partir do início da cirurgia; Limite máximo do homicídio – momento da morte – morte encefálica = cessação irreversível das funções cerebrais (art. 3º, Lei 9.434/1997, tema regulamentado pela Resolução nº 1.480/97). c)Tipo objetivo (i)Sujeito ativo – qualquer pessoa (ii)Sujeito passivo – qualquer pessoa, ser humano com vida (iii)Conduta – matar – admite comissão ou omissão, esta última, desde que imprópria, nos termos do art. 13, §2º, CP. *Requisitos da omissão imprópria: (i) dever de agir (no caso da omissão imprópria, em função da posição de garantidor); (ii) poder de agir; (iii) evitabilidade do resultado. (iv)Meios e modos de execução - livres, desde que idôneos à produção do resultado morte 3 Régis Prado lembra que, todavia, é possível haver vida sem a presença dos movimentos respiratórios regulares (ex: recém-nascido apneico), caso em que se verificam outros sinais vitais, como pulsações cardíacas ou movimentos circulatórios. 15 Meios diretos – meios de que se vale o agente para atingir a vítima (ex: disparos de arma de fogo, esganadura) Meios indiretos – conduzem à morte de modo mediato (ex: ataque de animal) Meios materiais – mecânicos, químicos, patológicos Meios morais – susto, emoção violenta, medo ou outros meios psíquicos d)Tipo subjetivo – dolo direto ou eventual, vontade livre e consciente de realizar a conduta dirigida à produção da morte de outrem (animus necandi) e)Consumação e tentativa – com a morte cerebral do sujeito passivo; admite tentativa 1.2)Homicídio privilegiado (causas de diminuição de pena) – art. 121, §1º, CP Três motivos diminuem a pena do homicídio, de 1/6 a 1/3: (i) relevante valor social – motivo de interesse coletivo – ex: matar um político corrupto (ii) relevante valor moral – motivo de interesse particular – ex1.: pai ou mãe que mata o estuprador da filha ou do filho; ex2.: eutanásia/ortotanásia Eutanásia x Ortotanásia (as duas pressupõem o consentimento informado e válido do paciente) Eutanásia ativa direta – deflagração intencional de processo causal que conduz à morte do paciente – ex: introdução de injeção letal em pessoa que se encontra em coma irreversível; Eutanásia ativa indireta – se ministra, sem intenção de matar, medicação para aliviar a dor, mas que não alargam a vida do paciente, que vem a falecer como consequência natural de seu estado de vida. Há suspensão de tratamentos e medidas que ainda eram indicadas e adequadas, vindo o sujeito a falecer por omissão médica. Ortotanásia (eutanásia passiva) – restringem-se as condutas médicas que se mostraram inúteis ao paciente e que servem apenas para prolongar artificialmente uma vida irrecuperável, deixando-o morrer da forma mais confortável possível. Permitida no direito brasileiro: Resolução CFM 1.805/2006 Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente 16 em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. § 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. § 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. § 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. Ver também a Resolução 1995/2012, CFM – sobre as chamadas “Disposições Antecipadas de Vontade” (iii) sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Três elementos: injusta provocação + emoção violenta + relação de imediaticidade *art. 65, inciso III, alínea “a”, CP - ter o agente: a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral ->no caso do homicídio, aplica-se a causa de diminuição; **art. 65, III, alínea “c” - cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; ->É diferente da causa de diminuição, pois a atenuante não exige relação de imediaticidade, basta a influência; Art. 7º, Lei de Introdução ao Código de Processo Penal - O juiz da pronúncia, ao classificar o crime, consumado ou tentado, não poderá reconhecer a existência de causa especial de diminuição da pena. (o que significa que o reconhecimento da causa de diminuição é feito pelos jurados) 1.3)Homicídio qualificado (art. 121, §2º, CP) 17 Modificação da escala penal do delito, em função de meios, modos, motivos, finalidades ou sujeitos passivos diferenciados. Todos hediondos, de acordo com a Lei 8.072/90. “Homicídio premeditado”? Premeditação não qualifica nem agrava o homicídio, por não revelar, necessariamente, disposição de animo fria e calculista. Já foi qualificadora no código penal de 1890; pode, no máximo, ser levada em consideração na dosimetria da pena (1ª fase). “Homicídio duplamente, triplamente, ‘multiplamente’ qualificado” – uma das circunstâncias qualifica o delito; as demais devem se enquadrar, sucessivamente, em causas de aumento, agravantes, ou consideradas na pena-base. Homicídio sem motivo é homicídio qualificado? Não. O fato de não haver motivação conhecida para matar não significa, de per si, que a pena deva corresponder ao tipo qualificado, porque, de outra forma, teríamos, por exclusão, apenas duas modalidades de homicídio doloso (qualificado ou privilegiado). 1.3.1)Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe (art. 121, §2º, I, CP) -Natureza da recompensa: majoritário – apenas econômica; minoritário – qualquer tipo, afetiva, ou sexual. (Rogério Sanchez – discussão inócua diante da expressão genérica “motivo torpe”); -Homicídio mercenário – comunicabilidade da circunstância? a)Bitencourt, Mirabete – respondem pelo homicídio qualificado quem praticou a conduta e quem pagou ou prometeu a recompensa; b)Régis Prado, Rogério Greco – A razão da qualificadora é o lucro, logo, incabível àquele que oferece , promete a recompensa, por atuar com motivação diversa c)Jurisprudência (STJ, STF) – inclinam-se à primeira corrente, estabelecendo a comunicabilidade. *E o privilégio, no caso de um pai que, por motivo de relevante valor moral, contrata um mercenário para matar o assassino da filha, comunica? Não, incomunicável, circunstância pessoal do mandante. Obs: adotando-se a teoria do domínio do fato, corretamente entendida, o “mandante” é, em regra, partícipe por instigação, e o executor, autor, por dominar o fato (Luís Greco, Alaor Leite)4. Por uma leitura mais literal do código, art. 29, CP, mandante e executor 4 Existe grande confusão na doutrina a respeito desse ponto. Damásio e Nucci sustentam, com base em leitura errônea da teoria, ser o mandante “autor intelectual”. Batista e Zaffaroni apontam que, caso o 18 seriam autores. De toda forma, pelo código, não se visualiza diferença substancial entre as penas de cada um, podendo, dependendo das circunstâncias do caso, mandante e executor sofrer as mesmas reprimendas. -Motivo torpe - motivo moralmente desprezível, repugnante. -Vingança é motivo torpe? Depende das circunstâncias do caso, pode ser torpe ou fútil (STJ); Outros motivos que possam ser torpes, contudo, são, em regra, incomunicáveis (Bitencourt). 1.3.2)Por motivo fútil (art. 121, §2º, II, CP) -O motivo fútil é o motivo desproporcional, insignificante, banal à reaçãocriminosa. Ausência de motivo não é, também, motivo fútil. Ex: matou porque a vítima devia alugueis. *O problema do ciúme: não há posição majoritária, dependendo do caso concreto. Há quem argumente ser até mesmo hipótese de homicídio privilegiado, dependendo do caso. Hoje, porém, devemos ter certo cuidado, porque a razão que enseja o ciúme pode vir a configurar feminicídio (art. 121, §2º, VI c/c §2º-A, I ou II). *Homicídios discriminatórios (por motivação de discriminação sexual ou raça, por exemplo) – encaixam-se na figura genérica do “motivo torpe”; 1.3.3) Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum (art. 121, §2º, III, CP) -meio insidioso – veneno -meio cruel – fogo, tortura, asfixia -meio de que pode resultar perigo comum – fogo e explosivo -Veneno – substância química, animal ou vegetal que, uma vez ministrada no organismo, é apta a causar perigo à vida ou à saúde da vítima, produzindo lesões ou causando a morte. mandante tenha, de alguma forma, domínio do fato, sua coautoria se superpõe à participação e como coautor deverá ser tratado (o que é, porém, difícil de se visualizar, exceto no caso de autoria mediata por domínio da organização). 19 Só qualifica o homicídio se seu emprego for feito de modo dissimulado. É também chamado homicídio aleivoso5. -Fogo ou explosivo – fogo é a utilização de produto inflamável, seguido de ateamento de fogo (caso índio pataxó); explosivo – qualquer objeto ou artefato capaz de provocar explosão ou qualquer corpo capaz de se transformar rapidamente em uma explosão. Para qualificar o homicídio não precisa que venha a expor a perigo um número indeterminado de pessoas, basta que haja a possibilidade6. -Asfixia – supressão da respiração – a)mecânica: enforcamento, afogamento, sufocação, esganadura; b) tóxica: uso de gás asfixiante; -Tortura – meio que causa prolongado, atroz e desnecessário padecimento. Lei 9455/1997; -outros meios insidiosos – que tem eficácia lesiva dissimulada (como uma armadilha); -outros meios cruéis – que provoquem sofrimento inútil e impiedoso na vítima, ou que revelem intensa brutalidade do agente; -outros meios que possam resultar perigo comum – atingem um número indeterminado de pessoas (inundação, desabamento, etc.). *Crueldade realizada após a morte da vítima não qualifica o crime (pode, porém, caracterizar destruição ou vilipêndio de cadáver, artigos 211, 212, CP). 1.3.4) À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido (art. 121, §2º, IV, CP) -Modos de execução que qualificam o delito. São recursos que dificultam ou tornam impossível a defesa do ofendido. -Traição – ataque sorrateiro, inesperado – ex: tiro inesperado, facada inesperada. Ocultação física (ataque súbito) ou moral (quebra de confiança) da intenção do sujeito ativo; é deslealdade. -Emboscada – tocaia, espreita. O agente se esconde para surpreender a vítima. -Dissimulação – ocultação da intenção hostil, do próprio desígnio, para surpreender a vítima. Modalidade de surpresa. P.ex.: falsas mostras de amizade, ou utilização de disfarce. 5 Sobre esta forma de homicídio, conferir BATISTA, Nilo. Notas sobre o homicídio aleivoso no direito penal peruano. 6 Ainda que não venha, observa-se que o fogo ou explosão pode ser meio cruel. 20 -Outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa – hipótese aberta para abarcar outros casos semelhantes a traição, emboscada ou dissimulação, desde que com as mesmas características. 1.3.5) Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime (art. 121, §2º, V, CP) -É o homicídio conexo a outro crime. -Assegurar a execução (conexão teleológica) – o homicídio antecede o delito que se pretende praticar – ex: matar o guarda-costas para sequestrar um grande empresário; -Ocultação, impunidade ou vantagem (conexão consequencial): -ocultação – assegurar que o fato anterior permaneça desconhecido (matar alguém que testemunhou um incêndio criminoso, p.ex.); -impunidade – o fato é conhecido, mas a autoria é desconhecida, e o homicídio visa a manter esse desconhecimento (matar a única testemunha que poderia contribuir para a condenação de um réu); -vantagem de outro crime – assegurar o ganho obtido com o delito anterior (A e B roubaram um banco; B mata A para ficar com todo o dinheiro para si). 1.3.6) Contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição (art. 121, §2º, VII, CP)7 (homicídio funcional) -Incluído pela Lei 13.142/2015 -norma penal em branco – deve ser complementada pelos artigos 142 e 144, CRFB -O homicídio deve ter sido praticado em razão do vínculo profissional da vítima; -Notas e problemas: (i)Abarca agentes da Guarda Municipal (ou Metropolitana)? Majoritário – Sim; (ii)Abarca agentes da Polícia Rodoviária? Majoritário – Sim; 7 Bitencourt critica o fato de o legislador ter considerado qualificado o homicídio pratica contra agentes de segurança, e não homicídios praticados por agentes de segurança no exercício de suas funções. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art142 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art144 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art144 21 (iii)Contempla bombeiros? Majoritário – Sim; (iv)Contempla autoridades do sistema de justiça criminal (juízes, promotores, desembargadores, etc.)? Majoritário - Não8 (iii)Agente de folga – observar a necessidade do nexo com a profissão; ainda que não haja, pode incidir outra qualificadora (recurso que dificultou a defesa do ofendido); (iv)Agente aposentado – pode, na hipótese em decorrência dela – nada impede que um policial aposentado venha a ser perseguido por alguma prisão que tenha efetuado; (v)Natureza da qualificadora: Majoritário – circunstância subjetiva *Mas não é razoável cogitar casos em que o sujeito ativo pode ter motivos de relevante valor social ou moral para matar um policial ou agente de segurança? Parece ser o caso de circunstância objetiva. (crítica minha) *Não tem agravante correspondente no art. 61, CP; 1.4)Homicídio qualificado-privilegiado É possível, desde que a qualificadora seja objetiva e o privilégio, subjetivo. Será crime hediondo? Majoritariamente (principalmente na jurisprudência), por incompatibilidade axiológica e falta de previsão legal, não é considerado hediondo. 1.5)Causas de aumento – art. 121, §4º, parte final; art. 121, §6º, CP (só valem para homicídios dolosos, simples, privilegiados ou qualificados) -art. 121, §4º, parte final - aumento de 1/3 se praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos -art. 121, §6º - aumento de 1/3 a metade se praticado por milícia privada ou grupo de extermínio – ver também o art. 288-A, CP. Expressões abertas. Número mínimo de integrantes? Majoritário – 4 pessoas, analogia ao conceito de organização criminosa, Lei 12.850/2013. 8 Paulo Busato e Damásio de Jesus sustentam que sim, por interpretação da expressão “autoridade”, que, ao contrário de “agente”, se referiria a membros do Parquet, Magistratura, etc. Com todo o respeito, e concordando com a posição majoritária, as autoridades e agentes a que o artigo faz menção expressamente remete aos artigos 142 e 144, CRFB. Assim, e por vedaçãode analogia in malam partem, inviável a interpretação proposta pelos autores. 22 Se um grupo de extermínio ou milícia privada pratica este tipo de homicídio, respondem apenas por homicídio majorado ou em concurso com o delito associativo correspondente? Majoritário – pelo majorado e em concurso com o delito associativo. 1.6)Homicídio culposo (art. 121, §3º, CP) -No homicídio culposo, o resultado causado (morte de um ser humano) é decorrente da violação de um dever de cuidado exigido pela norma penal, ante a previsibilidade objetiva do fato desvalioso. -Culpa consciente – o agente prevê o resultado previsível e, mesmo assim, age, confiando na sua não superveniência; -Culpa inconsciente – o agente age não prevendo o resultado previsível; **diálogo com a teoria da imputação objetiva (Claus Roxin, Luís Greco) – relação de causalidade + criação de risco não permitido ao bem jurídico + realização do risco no resultado; -Conflito aparente: homicídio culposo na condução de veículo automotor – art. 302, CTB (Lei 9503/97). 1.6.1)Causas de aumento de pena no homicídio culposo (art. 121, §4º, primeira parte, CP) -Todas devem ser dolosas (o agente deve conhecer e querer praticá-las); -inobservância de regras técnicas; -deixar de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar o flagrante *diferença com a omissão de socorro (art. 135, CP) – esta causa de aumento é mais específica, incidindo sempre que for o próprio agente a se subtrair do imediato socorro após cometido o homicídio culposo. 1.6.2)Perdão Judicial (art. 121, §5º, CP) -Cabível apenas na hipótese de homicídio culposo; cabível, conforme corrente majoritária, ao homicídio culposo na condução de veículo automotor, no CTB – até porque, este prevê aplicação subsidiária das regras do CP (CTB, art. 291). 23 -Consequências para outros - depende da demonstração de relevante e intenso vínculo afetivo (não apenas familiares, mas amigos, namoradas, namorados, etc.); -Consequências para o próprio agente – ficou tetraplégico, adquiriu deficiência física, etc. -Natureza jurídica: causa de extinção da punibilidade (art. 107, IV, CP); curiosidade: reconhece que essas consequências que atingem o agente constituem “pena natural” contra ele, o que faz prescindir da pena; -Não depende de aceitação por parte do réu (ao contrário do perdão do ofendido em ações penais privadas); -É faculdade do julgador9; -Súmula 18, STJ – sentença concessiva de perdão judicial é declaratória de extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório; -Exs: caso Herbert Vianna; caso Christiane Torlonni; -> Breves Notas de Direito Penal de Trânsito (Homicídio culposo, lesões corporais culposas e condução sob influência de álcool ou outra substância entorpecente) – breve leitura e comentários -Vigor: art. 6º, Lei 13.546/2017 – 120 dias da publicação oficial (20/12/2017) -> art. 8º, §1º, LC 95/98 (inclui a data da publicação e do último dia do prazo, entra em vigor no dia subsequente) = 19/04/2018 Obs: todo homicídio culposo no trânsito pressupõe o sujeito estar na via, dirigindo o veículo; não se considera homicídio culposo no trânsito o acidente na porta da garagem, por exemplo 1.1)Homicídio Culposo – art. 302, CTB – Antes da Lei 13.546/2017 Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente: I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; 9 Rogério Greco é confuso no ponto, afirmando haver casos em que figuraria como direito subjetivo do réu, e outros, como faculdade do julgador. 24 III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. 1.2)Homicídio culposo – após a Lei 13.546/2017 -Acréscimo do parágrafo terceiro; -Hipótese de homicídio culposo qualificado – “culpa grave ou gravíssima”; -§ 3o Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Problemas: -proporcionalidade? Comparar com as lesões preterdolosas gravíssimas (art. 129, §2º, CP); -art. 44, CP, parte final – permite, mesmo assim, PRD a crime culposo, independente da quantidade de pena; 2.1)Lesões corporais culposas no trânsito – antes da Lei 13.546/2017 Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do § 1o do art. 302. 2.2)Lesões corporais culposas no trânsito – após a Lei 13.545/2017 -Acréscimo do parágrafo segundo, tornando o atual parágrafo único o primeiro parágrafo: 25 § 2o A pena privativa de liberdade é de reclusão de dois a cinco anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo, se o agente conduz o veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima. -requisitos cumulativos; 3)Aplicação da pena – antes e depois da Lei 13.546/2017 -Antes: art. 291, caput, CTB – aplicação do CP, no que couber; -Após: acréscimo do §4º - O juiz fixará a pena-base segundo as diretrizes previstas no art. 59 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), dando especial atenção à culpabilidade do agente e às circunstâncias e consequências do crime -“Especial atenção”?? 2)Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122, CP) *Curiosidade: não existe este delito na Alemanha; sua tipificação no Brasil gera debates em sede de imputação objetiva (princípio da autorresponsabilidade da vítima). Tende a prevalecer que apenas a contribuição ao suicídio é proibida; a contribuição a riscos, por outro lado, é permitida (Juarez Tavares). *Apesar de não punível (ou nem mesmo típico), suicidar-se é um ato ilícito, tanto que a coação exercida para o impedir não configura crime (art. 146, §3º, II, CP). 2.1)O crime antes da Lei 13.968/2019 – entrou em vigor no dia 27.12.2019 Redação: Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único - A pena é duplicada: Aumento de pena http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art59 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art59 26 I - se o crime é praticado por motivo egoístico; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. 2.1.1)Compreendendo o delito *Previamente – Suicídio, para fins penais – supressão voluntária e consciente da própria vida (Fragoso); a)Bem jurídico – vida humana independente; b)Objeto jurídico – pessoa humana; c)Tipo objetivo(i)Sujeito ativo – qualquer pessoa (ii)Sujeito passivo – qualquer pessoa, desde que maior de 14 anos e capaz de resistir. (iii)Condutas -induzir (criar na vítima a ideia de se matar); -instigar (fomentar na vítima a ideia preexistente de se matar); -auxiliar (fornecer colaboração material, através de meios ou instrumentos para o suicídio); -Atenção: são condutas de partícipe, que, por expressa previsão legal, aquele que as pratica figura como autor do delito. Consequentemente, se as condutas do sujeito ativo forem condutas de autor/coautor (concorrendo em atos executórios, por exemplo), incidirá em homicídio. *A participação deve ser direta; não se admite punir por participações indiretas. Exemplo: o suicídio do empregado demitido injustamente não pode ser imputado ao empregador. -Pode haver participação em participação em suicídio? Sim. “A” instiga “B” a auxiliar “C” a atentar contra a própria vida. -Pode haver participação em suicídio por omissão (“conivência”)? Duas correntes: (I) Minoritária (Frederico Marques, Bento de Farias, Roberto Lyra, Damásio) – impossível, pois induzir ou prestar auxílio denotaria ato comissivo; (II) Majoritária (Hungria, Magalhães Noronha, Fragoso, Bitencourt, Leonardo de Bem/Martinelli, Juarez Tavares) – possível, desde que na hipótese de omissão imprópria, e desde que a vítima possua capacidade de resistência. Na hipótese de um filho portador 27 de sofrimento psíquico, a omissão do responsável configura homicídio; ou um policial, de serviço, que presencia um suicídio sem nada fazer para impedi-lo. (iv)Meios e modos de execução – livres, desde que idôneos ao suicídio da vítima d)Tipo subjetivo – Dolo – vontade consciente de induzir, instigar ou auxiliar a vítima à prática do suicídio; a manifestação de vontade do agente deve revestir-se de seriedade na realização de sua conduta. e)Consumação e tentativa – Consumação com o resultado natural morte ou lesão corporal de natureza grave (consideradas pela doutrina como condições objetivas de punibilidade). Incabível a tentativa, uma vez que caso não haja lesões graves, o ato é impunível. 2.1.2)Causas de aumento de pena (art. 122, p.u, I e II, CP) -Motivo egoístico – referente a fim de caráter pessoal, como obtenção de herança ou percepção de seguro de vida; -Vítima “menor de idade” – interpretação sistemática – pacífico – entre 14 e 18 anos -Vítima com capacidade de resistência diminuída – circunstâncias que diminuem (mas não suprimem) o discernimento do suicida – enfermidade psíquica, idade avançada, embriaguez, etc. (Isso porque caso a vítima não tenha qualquer capacidade de resistência, o delito é de homicídio); 2.2)Redação atual Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar- lhe auxílio material para que o faça: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. § 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte: 28 Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 3º A pena é duplicada: I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. § 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real. § 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual. § 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código. § 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código. Principais mudanças: a) Não mais exige o resultado natural morte ou lesão corporal de natureza grave par aa consumação; b) Consequentemente, admite-se tentativa; c) Criou hipóteses simples (caput) e qualificadas (§§1º e 2º) para o delito; d) Criou duas causas de aumento de pena (§§4º e 5º) e) Criou duas normas explicativas (§§6º e 7º) Principais questões dogmáticas: a)Se o crime envolve automutilação, esta parte não deveria estar dentre os crimes contra a vida, mas sim, no âmbito do art. 129, CP; 29 b)Conceito de automutilação: toda ação mecânica intencional que recaia sobre o próprio corpo, e que conduza à desfiguração mediante destruição, perda ou dano substancial de órgão, membro ou outra parte do corpo; *Pablo Alflen – sustenta dois elementos para melhor interpretação do respectivo tipo: (i)consciência de que a automutilação pode levar a vítima à morte; (ii)potencial lesivo dessa mutilação atingir a vida da vítima. c) Considerando o conceito de automutilação, é possível se falar em delito de induzimento, instigação ou auxílio à automutilação na forma simples, se a maioria das hipóteses cogitadas, em princípio, configuram a forma qualificada? Muito dificilmente; para Pablo Alflen, parece ser possível a sua ocorrência quando, mediante induzimento, instigação ou auxílio, for praticada a ofensa à própria integridade corporal caracterizável como lesão corporal leve, sempre que esta implicar corte, eliminação ou destruição, como, por exemplo, arrancar ou atear fogo nas pontas dos cabelos ou, ainda, aplicar composto químico que provoque a sua queda instantânea e sem maior perigo à vítima, arrancar as unhas, arrancar os dentes, sem causar debilidade ao órgão mastigatório etc. Nesse sentido, o alcance do tipo é bastante restrito, na medida em que não são abarcadas pelo tipo condutas causadoras, por exemplo, de eritemas, equimoses, edemas, hiperemias, hematomas, torcicolo (inclusive, traumático) etc, já que nestes casos não ocorre corte, eliminação ou destruição. d) Problema de lesividade: submeteu à mesma escala penal condutas que acarretam em resultados totalmente distintos (suicídio e automutilação); e)Os parágrafos 6º e 7º explicam que, caso a vítima não tenha capacidade de resistência, ela será vítima de delitos distintos; f)§4º - qual conduta? A do agente que incentiva ou a da vítima, que se suicida ou automutila? Isso não ficou claro. Para Leonardo de Bem e Martinelli, apenas a vítima. 2.3)Questões especiais 2.3.1)Atos de convicção ideológica ou religiosa -Caso de testemunhas de Jeová, transfusão de sangue, etc. -Envolvendo pessoas maiores e capazes, em princípio, o médico é obrigado a intervir a despeito da vontade do suicida; sua conduta é amparada no art. 146, §3º, I e II. Tensiona- se os limites da autonomia, responsabilidade, e liberdade religosa com tal intervenção, tida como paternalismo. -A situação é distinta tratando-se de pessoas menores de idade, ou incapazes. Caso os pais ou responsáveis pelo enfermo o subtraiam da necessária intervenção cirúrgica, entende a 30 doutrina e a jurisprudência que respondem por homicídio, por estarem na posição de garantidores. 2.3.2)Casos de “Roleta Russa” -Quem sobreviveu responde por participação em suicídio. E com relação aos outros que “fizeram fé” e não deu em nada? Antes de 2019, era impunível; hoje,não mais. 2.3.3)Casos de “Pacto de Morte” (ou “duplo suicídio unilateralmente falho”) -O delito em análise só pune atos de partícipe; se praticou conduta executória, homicídio. -Trabalhar os exemplos do gás e do veneno. 2.3.4)Caso de custeio de viagem para o exterior, para realização assistida do suicídio -Apesar de o suicida ter realizado a morte no exterior, se o auxílio foi prestado no Brasil, configura o delito do art. 122, CP. **Porém, caso o auxílio tenha se dado por brasileiro em país que não pune o auxílio a suicídio, atipicidade (art. 7º, II, “b”, §2º); 2.3.5)*Recente – Caso do jogo “Baleia Azul” -Desafio “baleia azul” – busca que os participantes cometam suicídio, ao fim e ao cabo. -Mesmas soluções da roleta russa e dos outros casos, praticamente; caso o curador ameace ou constranja o participante, incide também em ameaça/constrangimento ilegal; -Tortura? Rogério Sanches não visualiza. 3)Infanticídio (art. 123, CP) -É a supressão da vida do ser humano que está nascendo ou acabou de nascer, efetuada pela própria mãe em condições especiais. -Embora possa ser visualizado como um “homicídio privilegiado” (proposta que alguns doutrinadores sugerem para o delito e adotada pelo PLS 236/2012 ), no Brasil, é delito autônomo, com pena menor. 31 3.1)Compreendendo o delito a)Bem jurídico – vida humana extrauterina b)Objeto material do delito – a vida do nascente ou neonato c)Tipo objetivo (i)Sujeito ativo – a mulher-mãe, que, em estado puerperal, mata o próprio filho (crime próprio) (ii)Sujeito passivo – o filho nascente (durante o parto) ou neonato (recém nascido) (iii)Condutas – matar, admitindo comissão ou omissão (como deixar de prestar alimentação ou efetuar a ligadura do cordão umbilical) (iv)Meios e modos de execução - livres *Elementar – “próprio filho” – é o filho que está nascendo ou que acaba de nascer, e não seu irmão ou irmão já nascidos, crescidos. *”Durante o parto ou logo após” – elemento normativo temporal ou cronológico. O parto começa quando estoura a bolsa do líquido amniótico e termina com a expulsão da placenta, por definição da Medicina Legal. Já o “logo após” exige a imediaticidade, embora não haja efetivamente um tempo rígido. Não pode ser no dia seguinte, ou horas depois. *Estado puerperal?10 Não há uniformidade sobre o que é este estado. Parcela considerável da doutrina e da jurisprudência entendem ser um estado psicológico da mãe que sucederia ao parto (algo como uma “depressão pós-parto”)11. Entretanto, outra parcela rechaça este entendimento, sustentando que seria aquela situação da mulher, que sente dor, sofre ao parir, sangra, fica fraca, em situação de fragilidade, não sendo uma perturbação de saúde mental. Não há delimitação precisa quanto ao lapso temporal do estado puerperal, que deve ser analisado caso a caso. d)Tipo subjetivo – dolo direto ou eventual. “Infanticídio culposo”? Tende a prevalecer que, caso haja culpa por parte da mãe, ela incide em homicídio culposo (art. 121, §3º)12 e)Consumação e tentativa – com a morte do nascente ou neonato; admite tentativa 10 È o que configura o critério “físiopsíquico” do infanticídio. Seus antecedentes históricos apontam para hipóteses de infanticídio ou homicídio privilegiado em que a mulher buscava ocultar “desonra própria” por uma gravidez indesejada (Código Criminal de 1830 e CP 1890). 11 Alguma parte da doutrina chega a equiparar este estado a uma hipótese de semi-imputabilidade. 12 Posição desde Hungria, Bitencourt, Rogério Sanchez. Minoritários, inadmitindo por ausência de previsão legal, Frederico Marques, Damásio, Régis Prado. 32 3.2)Questões especiais 3.2.1)Infanticídio e erro sobre a pessoa -A mãe que se equivoca (invencivelmente) e mata outro neonato, não responderá por homicídio, mas sim, por infanticídio, uma vez que serão levadas em consideração as características da vítima contra a qual ela queria praticar o delito (art. 20, §3º, CP). 3.2.2)Infanticídio e concurso de pessoas 3.2.2.1)Concurso de pessoas: breves notas -Indicação de textos extras -Teoria adotada pelo código – monista – “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas” (art. 29, CP). Há exceções pelo código (ex: aborto), mas se entende, de forma majoritária, que o CP brasileiro adotou esta teoria. -Critério final-objetivo – teoria do domínio do fato – Roxin –Dirigida a delitos cuja natureza exige um critério de distinção entre autoria e participação. Elaborada em vista de delitos comuns (que podem ser praticados por qualquer pessoa) e que exigem um filtro para diferenciar condutas principais e acessórias. Excluem-se do domínio do fato: -delitos de dever (próprios ou especiais) – autor é quem viola o dever que o tipo penal dirige a alguém por suas características -delitos de mão própria – a execução do delito só pode ser vista naquele que realiza o tipo com as próprias mãos; -delitos culposos – autoria determinada a partir de critérios de imputação objetiva (admitem coautoria, mas não participação, conforme a doutrina majoritária) -delitos omissivos (admitem coautoria) -autor: quem domina o acontecimento que leva à realização do delito; -partícipe: aquele que, embora exerça influência sobre o acontecimento, não é decisivo para dar forma à sua execução. 33 -Domínio do fato: a)autoria direta por domínio da ação – o autor pratica por si mesmo o fato punível b)coautoria por domínio funcional do fato – divisão de trabalho entre os coautores c)autoria mediata por domínio da vontade – o autor se utiliza de alguém como instrumento *Nilo Batista e Zaffaroni (Direito Penal Brasileiro II,II) – o autor mediato se vale do instrumento em três formas gerais: (i)atuação atípica do instrumento; (ii)atuação justificada; (iii)atuação inculpável *Roxin: formas de domínio da vontade (i)Domínio da vontade por coação; (ii)Domínio da vontade por erro; (iii)Domínio da vontade por incapacidade total ou parcial de culpabilidade (iv)Domínio da vontade por meio de aparatos organizados de poder – (o instrumento é punido como autor imediato, e o “homem de trás”, como autor mediato). Pressupostos: -poder de comando do homem de trás; -organização desvinculada do direito; -fungibilidade entre os executores individuais **Delitos de mão própria? Controvertido. Parcela da doutrina emprega a autoria mediata (ex: Roxin). Zaffaroni – autoria por determinação - o autor por determinação se vale de alguém que, nas circunstâncias, não pratica crime de mão própria – seria um caso que não admitiria autoria mediata, mas que, para Zaffaroni, deve ser atribuída autoria a este terceiro; Autoria mediata expressamente no CP 1984: art. 20, §2º; art. 22 – coação moral irresistível e obediência hierárquica; art. 62, III; 3.2.2.2)Delitos especiais -Conceito: aqueles cuja configuração apresenta uma restrição do círculo de autores possíveis, pois exige a reunião, na figura do autor, de certas qualidades ou condições não compartilhadas pela generalidade das pessoas 34 -crimes especiais próprios - aqueles que só existem pelo fato do sujeito ativo ser o sujeito especial. Ex: prevaricação. Se o sujeito ativo não for funcionário público, ele não pratica crime algum. -crimes especiais impróprios - aqueles que existem mesmo se o sujeito ativo não for o sujeito qualificado. Ex: peculato-apropriação. Se o sujeito ativo não for funcionário público, seria crime de apropriação indébita. Mas a apropriação indébita praticada pelo funcionário público se chama peculato-apropriação. -sujeitos aptos a assumir a condição de autor = intranei -sujeitos inaptos, por não reunirem as condições exigidas no tipo = extranei 3.2.2.3) Concurso de pessoas e delitos especiais – Regras básicas: *Sobre isto, conferir o livro de MarianaOrtiz – Concurso de Agentes nos Delitos Especiais a)A autoria de um delito especial pertence apenas ao sujeito qualificado. b)Regras de Comunicabilidade: Art. 30, CP - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. -Três subregras: (i)Condições e circunstâncias subjetivas não se comunicam, em princípio. (ii)A contrario sensu, as circunstâncias objetivas se comunicam ao partícipe e coautor que não praticou o crime nesse tempo, lugar ou forma de execução. Contudo, é preciso que a circunstância objetiva entre na esfera de conhecimento do agente, se ele aderiu a isso. (iii)Como exceção à primeira regra: condições e circunstâncias subjetivas não se comunicam, salvo quando elementares do crime. Também é preciso que essas circunstâncias adentrem a esfera do conhecimento do agente. O que é “elementar” do crime? Posição majoritária: é elementar a circunstância descrita em um dispositivo que tenha escala penal própria, não interessa se está no caput ou em parágrafo, mas sim se há ou não escala penal. c)Se o extraneus conhece a qualidade do intraneus, com ele praticará delito especial, seja como partícipe ou coautor – art. 30, CP, comunicabilidade, posição majoritária. 35 d)Se o extraneus não conhece a qualidade do intraneus, ou ele praticará o delito geral (se for um delito especial impróprio) ou a conduta não será punível (se for um delito especial próprio). e)Autoria mediata? Controvertido. Porém, destacam-se as seguintes situações: (i)Intraneus usa extraneus como instrumento – intraneus é autor mediato do delito especial; (ii)Extraneus usa intraneus como instrumento sem dolo ou não punível: a)delitos especiais próprios - impunidade, ressalvada eventual coação por parte do extraneus b)delitos especiais impróprios – extraneus é autor mediato do delito geral; 3.2.2.4)O concurso de pessoas no infanticídio O problema está em como se considera o “estado puerperal”. (i)Hungria – elementar personalíssima, incomunicável ao concorrente. O coautor ou partícipe responde por homicídio, e apenas a mãe responde por infanticídio. (ii)Magalhães Noronha, Damásio de Jesus – elementar pessoal do tipo que, desde que respeitadas as regras de comunicabilidade, se comunica ao concorrente (contanto que também integre seu dolo), independente se coautor/partícipe, a depender de sua conduta. Tende a ser a corrente majoritária. (iii)Régis Prado/Nilo Batista – a solução depende da constatação do caráter acessório da ação do concorrente. ->Se sabe a condição especial da mãe – se pratica atos de participação – partícipe em infanticídio; se intervém na execução, autor de homicídio; ->Se não sabe a condição especial da mãe – ou participa ou é coautor de homicídio. Três situações para análise: a)Mãe e médico executam o núcleo matar contra o neonato i. Mãe = autora de infanticídio; médico = autor de homicídio ii. Mãe e médico = infanticídio em coautoria iii. Mãe = autora de infanticídio; médico = autor de homicídio 36 b)Mãe executa o neonato sozinha, auxiliada pelo médico, que apenas colaborou i. Mãe = autora de infanticídio; médico = participação em homicídio ii. Mãe = autora de infanticídio; médico = participação em infanticídio iii. Mãe = autora de infanticídio; médico = participação em infanticídio c)Médico, induzido pela mãe, executa o neonato sozinho *Problema: as características do delito se transmitem do autor para o partícipe, e não o inverso i. Mãe = partícipe em homicídio; Médico = autor de homicídio ii. Mãe = partícipe em infanticídio; médico = autor de infanticídio13 iii. Mãe = partícipe em infanticídio (porque quis participar de delito menos grave, art. 29, §2º, CP)14; Médico = autor de homicídio (em razão dos atos executórios) 3.3)Infanticídio indígena -Prática comum em diversos povos indígenas, por razões culturais, em rituais de execução diversos, como afogamento, envenenamento, abandono em florestas, etc. -Desestimulado internacionalmente (Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, art. 2º, 1; art. 24, 3). -Inobstante, se sustenta que o respeito cultural deve existir, ressalvando-se o desestímulo e o desincentivo à prática (ex: PLC 1.057/2007, que criminaliza por omissão de socorro aquele que tem conhecimento da ocorrência dessas práticas e não comunica as autoridades competentes). 13 Até porque essa corrente visualiza uma incongruência em admitir que a mãe, quando autora, receba pena menor do que quando partícipe. 14 Argumento levantado por Bitencourt. 37 4) A(s) Mulher(es) e o Direito Penal: feminicídio (art. 121, VI c/c §2º-A, CP), aborto (arts. 124 e ss., CP) e lesões corporais majoradas por violência doméstica (art. 129, §9º e 10º, CP) 4.1)Considerações introdutórias à opressão de gênero -“sexo” = biológico; “gênero” = construção social; -Dados brasileiros relativos à violência de gênero, abortos e encarceramento feminino; -Patriarcado – forma de relacionamento, de comunicação entre os gêneros, caracterizada pela dominação do gênero feminino pelo masculino (Sabadell). Instituição de relações de poder, que, inevitavelmente, configuram o sistema penal (e o próprio direito penal), que assume viés masculino, machista. -Ao mesmo tempo, a violência das relações de dominação por gênero assume dimensões e características distintas relativamente à raça e classe social. Desconsiderar as opressões classistas e racistas, principalmente em sociedades periféricas como a brasileira, implica em uma análise parcial e incompleta, e tende a reproduzir (ainda que de forma implícita) privilégios de raça e classe. -raça – classe – gênero -> análise intersseccional -“esfera pública x esfera privada” – o sistema de dominação patriarcal se baseia também num recorte artificial entre “público” e “privado”; de um lado, a vida pública, política, social, econômica, pertencente aos homens, e, de outro, o espaço doméstico e familiar, chefiado pela mulher, mas sob tutela do homem. Divisão que sempre serviu para invisibilizar, ocultar e legitimar a violência contra as mulheres. -“dupla violência” (ou duplicação da violência) exercida pelo sistema penal: (i)violência privada, entre pessoas, contra as mulheres; (ii)violência pública/estatal, seja contra as mulheres em situação de violência (“vítima” é categoria estigmatizante, por si só), seja contra as mulheres autoras de infrações penais. Incidência de metarregras discriminatórias de julgamento – ex: a ideia de “mulher honesta” (tipo ideal de mulher de classe média/alta, branca, heterossexual e “do lar”), contraposta às mulheres desviantes. -A seu turno, as opressões de raça e classe reconfiguram as violências de gênero, seja em termos distintos, seja pelo grau de intensidade – ex: a visão estigmatizante da mulher negra e pobre como “hiperssexualizada”, “burra”, “forte”, etc. -Como se instrumentaliza a opressão de gênero sobre as mulheres? Principalmente sobre a sexualidade e o corpo. 38 4.2)Considerações introdutórias aos privilégios de gênero – masculinidade(s)/dominação masculina -o “outro lado” das opressões de gênero; -masculinidade(s) – “configuração de prática em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero” (Robert Connell). Conceito relacional, que só existe em contraste com a feminilidade; -dominação masculina – “relação de dominação que se baseia em uma natureza biológica que é, por sua vez, ela própria uma construção social naturalizada” (Pierre Bourdieu). Resultado de violências simbólicas que se exercem por comunicação, conhecimento e reconhecimento, sobre dominantes e dominadas(os). -A masculinidade normalmente é associada a atitudes (ou “potências”) como “força”, “violência”, “agressividade”, “virilidade” e a ideia de que é necessário provar, parasi e para os outros, que se “é homem”. Ideal de “macho”. ->tipologias de masculinidades (Connell): (i)hegemônica – representação do homem heterossexual, branco e pertencente à classe dominante; (ii)de cumplicidade – não exercem dominação, mas não a questionam; (iii)de subordinação – masculinidade homossexual, não heterossexual; (iv)marginalizadas - ligadas às classes menos favorecidas, de diferentes etnias, raças etc., se dá na relação entre masculinidades nas classes subordinadas ou grupos étnicos -Novamente, não se pode essencializar, imaginando “uma masculinidade”. Temos várias masculinidades, devendo-se destacar a interesseção das relações de opressão de classe e raça. -Masculinidade negra – paradigma do Atlântico Negro, metáfora diaspórica. Ao homem negro é frequentemente atribuída uma “hipermasculinidade”, crenças em um suposto “apetite sexual excessivo”; estereótipos de exacerbação físico-genital e incompletude intelectual, truculência. “Plantation patriarchy” (patriarcado de plantation). Em síntese, a masculinidade negra reforça os estereótipos lombrosianos de “delinquente nato”; o homem negro não é um homem, é retratado quase que de forma animalesca. -Bourdieu: “se as mulheres, submetidas a um trabalho de socialização que tende a diminuí-las, a negá-las, fazem a aprendizagem das virtudes negativas da abnegação, da resignação e do silêncio, os homens também estão prisioneiros e, sem se aperceberem, vítimas da representação dominante”; “como a honra – ou a vergonha, seu reverso, que, com sabemos, à diferença da culpa, é experimentada diante dos outros -, a virilidade tem 39 que ser validada pelos outros homens, em sua verdade de violência real ou potencial, e atestada pelo reconhecimento de fazer parte de um grupo de “verdadeiros homens”. 4.3)Consequências para o Direito Penal: em busca da superação de uma racionalidade jurídica androcêntrica e sexista 4.3.1) Da tese da “legítima defesa da honra” (ou do “ciúme” como minorante) para o feminicídio -“legítima defesa da honra” – tida como minorante ou mesmo excludente de ilicitude15 – tese desenvolvida em casos de júri, quando o marido, irmão, pai, ex-companheiro ou namorado matava ou tentava matar a esposa, irmã, filha, ex-mulher e companheira que cometia adultério, “em nome da honra” própria, conjugal ou familiar. Exemplo: caso “Doca Street” e Ângela Diniz, 1976. Hoje é tese totalmente superada, e, vale observar, os casos que a sugeriam eram e hoje são reconhecidos como feminicídio. 4.3.2) O debate em torno da criminalização do aborto -Das discussões infindáveis a respeito dos limites, início e proteção ao direito à vida do feto, volta-se o olhar também ao direito à vida, ao próprio corpo e à autonomia reprodutiva das mulheres. 4.3.3) As lesões corporais praticadas contra mulheres -Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) – acrescentou o §9º ao art. 129, CP. Hipótese qualificada de lesão corporal (pena de 3 meses a 3 anos), “se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”. -*Vale não apenas para mulheres; 15 Em termos dogmáticos, a expressão é equivocada, não encontra respaldo nos requisitos próprios de qualquer causa de justificação. 40 -art. 129, §10º - se, numa lesão grave, gravíssima ou seguida de morte, as circunstâncias forem as do §9º, aumento de 1/3. -art. 129, §11 – nas circunstâncias do §9º, se as lesões forem praticadas contra pessoa portadora de deficiência, aumento de pena de 1/3. -Processamento no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; -Ação Penal Pública Incondicionada – ADI 4224/2012, STF e Súmula 542, STJ - A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada. -Súmula 588, STJ - A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. -Súmula 589, STJ - É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. -Súmula 600, STJ - Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima. 4.4)Feminicídio (art. 121, VI c/c §2º-A, CP – Lei 13.104/2015) 4.4.1) Nomenclatura -Femicídio (Diana Russel, contexto anglo-americano, anos 70) – “morte de mulheres por homens pelo fato de serem mulheres”16. Alternativa feminista ao termo homicídio, que invisibiliza aquele crime letal. -Feminicídio (Marcela Lagarde, contexto latino-americano – México -, anos 90/00) – expressão cunhada a partir da tradução de “femicide” para o espanhol, para designar o assassinato de uma mulher, por sua condição de ser mulher, ocorrida em contexto de impunidade e conivência do Estado. Introdução de um elemento político na conceituação – a responsabilidade do Estado na produção das mortes de mulheres. 16 O termo encontra raízes históricas nos anos 60, no contexto de pesquisas relativas a assassinato de mulheres na República Dominicana. 41 *importância da diferenciação e designação – características singulares dessa forma de homicídio; mensuração e quantificação por parte de órgãos de proteção a direitos humanos. 4.4.2) O feminicídio e o Direito Internacional dos Direitos Humanos das Mulheres 4.4.2.1) Documentos internacionais relevantes (i)Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), 1979. É considerada a carta internacional dos direitos humanos das mulheres. Possui um comitê de implementação, o Comitê para a Eliminação da Discriminação da Mulher. Ratificada pelo Brasil em 1984 (decreto 89460/84); novo decreto, que revogou o anterior, Decreto 4377/02. (ii)Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência Contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”), 1994. Internalizado pelo Brasil pelo Decreto 1973/96. É o primeiro texto convencional internacional dirigido especificamente para abordar esta violação de Direitos Humanos e o primeiro tratado no qual se via reconhecida a responsabilidade do Estado por falta de diligência devida. Convenção que inspirou a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) e a Lei 13.104/2015 (feminicídio). 4.4.2.2) Jurisprudência Internacional – Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) -CIDH – Caso Maria da Penha – Informe 54/01 de 2001 – reconhecimento de violação à Convenção de Belém do Pará e recomendação ao Brasil para, dentre outras medidas de investigação, processamento e punição dos delitos praticados contra Maria da Pena, modificar sua legislação interna. Em 2004 o Brasil começa a dar início ao cumprimento da recomendação, o que se concretiza na Lei 11.340/06. -Corte IDH – Caso González e outras (“Campo Algodonero”) vs. México (2009) – versa sobre as mortes violentas de mulheres ocorridas na cidade de Juárez, no México, em 2001. Foi invocada pelas partes e pelos peritos a expressão “feminicídio”, e a Corte IDH passou a se referir ao tipo de crime praticado como homicídio de mulher por razões de gênero. Reconheceu, ainda, a falha do Estado mexicano em seu dever de atuar para prevenir, investigar e punir os atos de violência sofridos pelas vítimas, em descumprimento à CBP. 42 4.4.3)Classificações dos feminicídios (i)Íntimo - Morte de uma mulher cometida por uma pessoa com quem a vítima tinha, ou tenha tido,
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