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PRÁTICA PEDAGÓGICA EM GEOGRAFIA I Diogo dos Santos Brauna 2 SUMÁRIO 1 FINALIDADES DA EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE .......................................... 3 2 AS CIÊNCIAS HUMANAS NA ESCOLA ........................................................ 9 3 AS PARTICULARIDADES DAS DISCIPLINAS ESCOLARES ........................... 15 4 AS CIÊNCIAS HUMANAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA ............................. 21 5 SABERES DOCENTES E FORMAÇÃO DE PROFESSORES ........................... 25 6 O PLANEJAMENTO ESCOLAR ................................................................. 30 3 1 FINALIDADES DA EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE Neste bloco, você conhecerá as finalidades que a educação pode ter em uma sociedade. Ao longo da história, várias experiências de diferentes sistemas educacionais existiram e ainda existem. Apesar das diferenças, eles estão, geralmente, associados a três grandes concepções: a ideia de redenção, reprodução ou transformação da sociedade. Você conhecerá cada uma dessas concepções, suas características e peculiaridades ocasionadas pela adoção de uma ou de outra concepção. Conhecer as vertentes e os objetivos educacionais de um sistema de ensino ou escola é parte fundamental da formação de um professor, sobretudo, das Ciências Humanas. É indispensável que o professor localize a sua prática pedagógica diante das possibilidades institucionais e educacionais que a escola pode lhe oferecer. 1.1 A educação como redentora da sociedade Pensar a educação e o seu papel em uma sociedade revela muito sobre os processos e procedimentos adotados por uma instituição de ensino. Não há um consenso específico sobre esta questão, todavia, quando nos referirmos ao papel que a educação e a escola podem desempenhar, ou analisamos as experiências ao longo da História, observamos ao menos três grandes vertentes. A adoção de uma dessas vertentes pelas instituições de ensino impacta diretamente na forma como elas são organizadas, conduzem suas rotinas administrativas, tomam suas decisões e alcançam seus objetivos finais com o processo educativo. Afinal, quais são as vertentes ou concepções que determinam o papel que a educação deve ter em uma sociedade? Uma delas é chamada de perspectiva redentora da sociedade. Esta talvez seja uma das concepções mais tradicionais e visíveis em nossos sistemas de ensino. 4 A perspectiva redentora da sociedade compreende que a educação desempenha um papel fundamental na vida social, sendo a escola um meio de salvação da sociedade. A educação estaria, então, voltada para a formação de valores éticos comportamentais úteis para a sociedade. Nesta sociedade, a função da escola seria formar o cidadão para que ele possa ser inserido na sociedade, sem falhas e desvios éticos. Assim, por meio da educação seria possível resolver problemas como a corrupção, o alcoolismo, etc. Vale destacar que a concepção redentora da sociedade pressupõe que a escola teria o poder de curar as mazelas da sociedade, atribuídas, geralmente, a questão moral. O modelo de escola da perspectiva redentora remonta aos colégios e escolas jesuítas. Estes, por tratarem o mundo com desconfiança, uma vez que ele estaria corrompido, criam um espaço confinado e fictício, no qual os jovens devem abandonar o convívio com a família e a sociedade, integralmente ou por algumas horas do dia, com a finalidade de serem educados. Um dos primeiros modelos de escola laico de perspectiva redentora criado foi aplicado às escolas públicas francesas, instituídas ao longo dos séculos XVIII e XIX, no contexto da Revolução Francesa. Para os revolucionários franceses, caberia a escola o papel de formar o novo homem: racional e republicano, em contraposição ao absolutismo e as crenças religiosas. Para que este propósito fosse alcançado, a escola deveria ser pública, obrigatória, gratuita e chancelada pelo Estado. Desta maneira, seria possível garantir o seu alcance a todas as classes sociais. Fundamentada na ideia de que democratizar a escola seria fazer justiça social, garantindo, assim, igualdade de oportunidades, o modelo contemporâneo de escola surgida no calor dos acontecimentos da Revolução francesa, iniciada em 1789, seria ideal para diversos países da atualidade. A tão sonhada equidade social por meio da educação e da escola, prometida pelos revolucionários franceses, ainda não foi um objetivo alcançado. Afinal, sob o véu desta perspectiva, também recaia a ideia de que o homem educado não mais recorreria ao erro. 5 1.2 A educação como preparação para o mercado e para sociedade Outra perspectiva da finalidade da educação é a ideia de que a ela caberia o papel de reproduzir a sociedade. Esta seria uma visão funcionalista do papel da educação, compreendendo-a como órgão de um corpo social. Nesta concepção, reside a ideia de que a escola está a serviço da sociedade. Assim, como a sociedade é competitiva e exige que cada um ocupe um lugar no mundo do trabalho, a escola teria como papel principal formar, justamente, para o mundo do trabalho e para a competição. Para muitos intelectuais esse modelo de educação, sob a justificativa de que na sociedade de classes as novas gerações deveriam ser preparadas para a competitividade do mercado, na realidade acentuaria ainda mais as desigualdades sociais. Na década de 1970, diante do evidente fracasso escolar europeu, os sociólogos Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, na obra intitulada “A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino”, estudaram os mecanismos pelos quais a reprodução das desigualdades ocorria no interior dos sistemas educacionais. Assim, apesar de defenderem a ideia de que pela educação era possível ascender socialmente, os sociólogos por meio da teoria dos capitais e da violência simbólica, entendiam a escola como o principal meio de segregação legitimada. Ainda na década de 1970, o estruturalista Louis Althusser em sua obra “Aparelhos ideológicos de Estado”, apontaria a escola como uma dimensão do aparato ideológico do Estado, cujo propósito seria a conformação de uma sociedade de classes. É importante ressaltar que para além das discussões, no Brasil sempre predominou a concepção liberal de educação, ora em sua forma redentora, ora em sua forma reprodutora. 6 Observa-se que a concepção liberal de educação, tanto na perspectiva redentora como na sua forma reprodutora entendem a sociedade como justa e harmoniosa, cabendo aos indivíduos encontrarem o seu devido lugar de acordo com as suas capacidades, interpretadas quase sempre como inatas. As diferenças de condições sociais, portanto, seria fruto das desigualdades de capacidade. 1.3 A educação como transformação da sociedade Há ainda uma terceira concepção do papel da educação em uma sociedade, a concepção transformadora. De acordo com esta perspectiva não caberia a educação nem a escola o papel de redimir a sociedade tampouco reproduzi-la. A educação deveria ser mediadora de um projeto de sociedade. Para tanto, seria necessário agir sobre e alterar os condicionantes históricos, desvendando as contradições da sociedade para a sua transformação. Esta perspectiva educacional parte, portanto, da recusa da ideia liberal da harmonia social e das capacidades inatas, pois entende que as desigualdades de classe não são fruto de uma natural diferença de capacidade, mas de uma desigualdade de condições. Como falar em competição justa uma vez que os pontos de partida são diferentes? A ideia de justiça social defendida pelos liberais faria, portanto, tábua rasa das diferenças. Por meio de uma educação integral e da criação de planos de intervenção na realidade social, os indivíduos deveriam ser educados para levarem a experiência crítica para as instituições das quais fossem fazer parte. Caberia a escola forneceras condições necessárias para que os alunos questionassem as relações entre os homens e a natureza, os homens com os próprios homens, com o objetivo de criar soluções. A educação Redentora e a Reprodutora seriam acríticas, pois aceitam como natural as desigualdades da sociedade, tentam repará-las ou inserir as gerações futuras em seu convívio. A educação transformadora, ao contrário, possui a perspectiva crítica, negando as desigualdades da sociedade, procurando transformá-la por meio de uma mudança de comportamento. 7 As ideias sobre o papel da educação em uma sociedade impactam profundamente nas formas como as instituições de ensino são administradas e como são organizadas em torno de seus processos e procedimentos. Numa concepção liberal de educação, a organização escolar é tomada como uma realidade neutra, objetiva e técnica, que deve ser controlada com o propósito de garantir melhor eficiência e eficácia de resultados. As instituições que valorizam esse modelo costumam enfatizar a hierarquia de cargos e funções e a centralização de decisões, com planos de ações, projetos e procedimentos bastante verticalizados. Quase sempre prevalece nesses modelos a lógica empresarial. Uma segunda concepção entende a instituição como um sistema agregador de pessoas, dando ênfase na interação e na intencionalidade. A administração seria, portanto, uma construção coletiva e comunitária, cujas relações não seriam marcadas pela lógica empresarial. Nesta concepção, a ideia de direção é diluída pelas decisões coletivas e acentuada pela participação direta e por igual de todos os membros. Por fim, uma terceira concepção organizacional, que pressupõem a ideia orgânica entre a direção e a participação das demais pessoas. Admite-se a diferenciação, mas prevalece a ideia de gestão coletiva em que as decisões são tomadas pelo grupo, discutidas e depois compartilhadas. Estas concepções intituladas de técnico-científica, autogestionária e democrático- participativa, pressupõem formas de gestão e organização das instituições de ensino. De modo mais acentuado ou mais subjetivo, é possível perceber nas instituições públicas e privadas características destas concepções de educação e de modelos de gestão e organização. Conclusão Neste bloco, você estudou as funções que a educação pode ter em uma sociedade, geralmente, tratadas nas perspectivas redentora, reprodutora ou transformadora. Conhecer as finalidades que a educação possui na sociedade ou mesmo em uma instituição de ensino é essencial para uma boa formação docente. 8 REFERÊNCIAS ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1980. BOURDIEU, P.; PASSERON, J. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1970. BITTENCOURT, C. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2015. CAVALCANTI, L. S. O ensino de Geografia na escola. Campinas: Papirus, 2015. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2014. 9 2 AS CIÊNCIAS HUMANAS NA ESCOLA Neste bloco, você conhecerá o nascimento da escola como um projeto público de sociedade. Conhecerá também a origem e o sentido de seus principais atributos, ou seja, laica, gratuita, obrigatória e controlada pelo Estado. Você verá, ainda, que, de certo modo, essas características foram pilares para construção de um sistema mundial de educação. Para finalizar, você também conhecerá o papel das Ciências Humanas diante da tarefa social da escola. 2.1 Os iluministas e a educação O século XVIII representou um marco cronológico para toda a humanidade, especialmente, para o mundo Ocidental. Neste período, a Europa já havia assistido as Revoluções Gloriosa, em 1640, a Puritana, em 1688, e a Primeira Revolução industrial, em 1750. Ocorridas na Inglaterra, essas Revoluções mudaram radicalmente o curso da sociedade inglesa e também tiveram um grande impacto em todo o mundo europeu. O regime Absolutista, forma de governo comum na Europa, foi duramente desacreditado e criticado por intelectuais, que propunham novas formas de organização social, política e econômica. Duras críticas foram direcionadas aos privilégios de nascimento, que impediam que os supostamente mais capazes, conquistassem posições de destaque e status social. Os intelectuais criticavam ainda, a interferência da coroa nos negócios e a formação de monopólios, geralmente, concedidos aos mais próximos do rei. No entanto, a principal crítica recaia sobre a concentração de poderes e do direito divino dos reis de governarem. Assim, legitimados por alguns intelectuais e pela igreja, os monarcas concentravam todos os poderes de Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário). O monarca francês Louis XIV, que governou a França durante o período de 1643 até 1715, teria supostamente proferido a seguinte frase em uma sessão do parlamento inglês: “Eu sou a lei, eu sou o Estado. O Estado sou eu”. 10 Apesar do pioneirismo inglês, foi justamente na França do século XVIII, que as ideias contrárias ao Absolutismo ganhariam mais notoriedade e radicalismo, como consequência das contradições sociais e dos privilégios de classe existentes. Os filósofos iluministas teriam debatido, dentre vários assuntos, a importância da educação na formação de uma nova sociedade, republicana, laica e sem os privilégios de nascimento. Neste sentido, era tarefa da escola regenerar a sociedade e o homem, o qual deveria emergir como cidadão Republicano da nova ordem e não mais um súdito do Rei. Para os iluministas, a educação seria a grande redentora da sociedade, a qual estaria fadada ao sucesso e, as gerações futuras, condenadas a desfrutarem da justiça social e da igualdade de oportunidades. Os únicos impedimentos para a concretização de tal sonho seriam as suas próprias limitações e o talento individual. Assim, a nova sociedade reservaria aos mais capazes as melhores oportunidades impedidas, até então, pelos privilégios de nascimento e pela mentalidade religiosa. Na essência do pensamento iluminista residia uma ideia bastante utópica de sociedade. Havia a crença de que o homem uma vez educado não cometeria erros ou equívocos e que a justiça social seria feita pela democratização da escola. Apesar de inalcançáveis, os iluministas tiveram o mérito de inaugurar a primeira concepção de escola pública, com objetivos sociais claros. Nas mãos dos revolucionários franceses foram instauradas as primeiras escolas públicas controladas pelo Estado. Na ausência de um modelo inovador, as fontes de inspiração seriam os colégios jesuítas, assentados na ideia do confinamento e na desconfiança para com o mundo. Nesta perspectiva, a escola teria também o papel elitista de formar as elites condutoras dos privilégios de nascimento. Assim, a escola também garantiria o seu aspecto liberal e meritocrático, sob a utopia da igualdade de oportunidades. 11 2.2 A escola no mundo republicano Baseados nesta visão, a arquitetura e o ambiente pedagógico das escolas jesuítas eram pensados para o confinamento e para o isolamento do mundo exterior, entendido como corrompido e pecaminoso. Assim, a ideia era construir um ambiente pedagógico fictício, livre da interferência das questões mundanas e até mesmo da família, tidos como ambientes profundamente corrompidos. Contraditoriamente, os primeiros modelos de escola laica possuíam grandes semelhanças com os colégios jesuítas. Os debates sobre educação durante o século XVIII foram intensos e contraditórios. Em 1762, o filósofo Jean Jacques-Rousseau, publicou a obra intitulada “Emílio ou da educação”, seu tratado foi pioneiro ao discutir o papel da educação e pensar a infância como um momento peculiar da vida e de preparação para o mundo adulto.Seu trabalho influenciaria diversos intelectuais da educação ao longo do século XIX e XX. Pouco tempo depois, em 1773, foi publicada a obra póstuma do filósofo Claude-Adrien Helvétius, intitulada “Do homem, das faculdades intelectuais e de sua educação”, nesse tratado, Helvétius defendia a tese de que seria possível condicionar o comportamento humano através da educação. Logo, seria possível conquistar a harmonia social pelo que chamava de “gerenciamento pedagógico da sociedade”. A obra de Helvétius era profundamente influenciada pelos contratualistas, como John Locke, e também por leituras que o filósofo havia realizado da obra de Rousseau. Entre 1773 e 1774, outro filósofo iluminista, Denis Diderot, refutaria veementemente o pensamento de Helvétius. Diderot publicaria a obra “Refutação de Helvétius”, defendendo a ideia de que seria um erro tomar o ser humano como lógico e domesticável. Para Diderot, Helvétius teria entendido como tábua-rasa a essência do ser humano e supervalorizado a pedagogia, que não teria tal poder. Em suma, os debates expostos, dentre outros, revelam o início da educação como projeto de sociedade, e as divergências entre os pensamentos sobre a utilidade da escola diante da nova sociedade que se inaugurava. A própria enciclopédia iluminista, obra máxima dos filósofos do século XVIII, possuía linhas bastante contraditórias sobre educação. Publicada em 1757, com 17 volumes de textos, trazia sentidos divergentes para termos ligados à educação. 12 Diante dos desafios postos pelo novo regime Republicano, a tarefa emanada dos debates para a escola, seria a de formar o cidadão Republicano. Nas mãos dos revolucionários, a educação adquiriria, portanto, sentido mais prático e político. Para a concretização de tamanho desafio político e prático, a escola deveria ser laica, sendo a ciência e a pulverização dos seus saberes, a sua principal base de apoio. Afastava-se, assim, a filosofia escolástica dos bancos escolares. A escola deveria ser gratuita e obrigatória para que tivesse o alcance necessário, afinal, não seria possível construir uma sociedade republicana se as pessoas pudessem escolher mandar os seus filhos para a escola ou não. Igualmente, as diferenças de classe não poderiam mais ser impedimento para o acesso aos saberes fundamentais do mundo da cidadania. Por fim, a única instituição com amplitude e legitimidade para emplacar tal projeto seria o Estado, agora livre das mãos dos monarcas e da nobreza, classe tradicionalmente ociosa e que ocupava cargos de relevância na administração pública pela origem de nascimento. 2.3 O papel das Ciências Humanas A escola pública que emergiu do projeto revolucionário estava assentada em, ao menos, cinco pilares, sendo eles: as humanidades, a retórica, a filosofia, a crítica aos costumes e a religião, além disso, apresentava uma grande preocupação com a família, o indivíduo e o Estado. A escola deveria fomentar o espírito científico, renunciando a ignorância da credulidade, ou seja, da religião. A superstição é apresentada como uma forma de exagero religioso contrário à razão. De acordo com o verbete do volume 3 da enciclopédia iluminista - era preferível ao sábio que possui espírito duro, do aquele que tem menor erudição, porém é flexível e prudente - ou seja, a erudição e a razão eram entendidas como um bem que se pode adquirir. Já o espírito persuasivo e o feitio doce eram dádivas da natureza. Para instruir bem, era necessário certa retidão e disciplina. 13 Nesse sentido, as Ciências Humanas, entendidas na época apenas como humanidades, juntamente com o latim e o estudo da língua francesa, deveriam fornecer ao aluno uma formação muito além do ler, escrever e contar. Deveria, todavia, formar para o espírito da moralidade, a inculcação de regras de conduta e do civismo, comportamentos esperados do novo homem republicano. Havia contido neste pensamento a dupla ideia do civismo e da civilidade, condições indispensáveis para a nova sociedade. As humanidades tornavam-se, deste modo, peças fundamentais de um projeto social civilizatório. Através destas características entendia-se que a escola republicana poderia estimular os talentos e as virtudes, selecionando, assim, as mentes mais capazes, que formariam as novas elites condutoras do mundo regenerado. As ciências humanas, além de parte de um projeto social civilizatório, tinham também o papel de fornecer o repertório necessário para formar o homem educado. O modelo de escola surgido a partir de então teria também características propedêutica e enciclopédica para a valorização dos homens de letras. (BITTENCOURT, 2015) A partir de 1791, através da promulgação da primeira Constituição francesa - como um desdobramento da Revolução, a instrução pública seria instituída e organizada. Selecionar as virtudes e os talentos, preparar o novo homem, regenerar a humanidade e, por fim, derrubar os últimos alicerces do Antigo Regime foram atribuições fundamentais da nascente escola pública. A partir deste surgimento não haveria mais espaço para a educação no campo do individualismo. Logo, educar tornou-se uma militância cívica. 14 Conclusão Neste bloco, você estudou o nascimento da escola como um projeto público de sociedade. Conheceu também a origem e o sentido de seus principais atributos, ou seja, suas características: escola laica, gratuita, obrigatória e controlada pelo Estado. Vimos que as novas características da escola pública, que surgiram a partir da Revolução Francesa, foram pilares para um sistema mundial de educação. Neste processo, as Ciências Humanas tiveram o papel de fornecer novas virtudes e repertório aos novos talentos, que seriam as novas elites condutoras do mundo republicano. As Ciências Humanas foram pensadas, portanto, como pilar do processo civilizatório da nova sociedade. REFERÊNCIAS BITTENCOURT, C. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2015. CAVALCANTI, L. S. O ensino de Geografia na escola. Campinas: Papirus, 2015. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2014. 15 3 AS PARTICULARIDADES DAS DISCIPLINAS ESCOLARES Neste bloco, você conhecerá as peculiaridades das disciplinas escolares, os conceitos de transposição didática e cultura escolar, bem como as relações entre os saberes científicos e os saberes difundidos pelas escolas. Entenderá, também, a intrínseca relação entre os saberes escolares, o poder e a ideologia em uma sociedade. 3.1 Estudando as disciplinas escolares Como são formados os saberes escolares e quais são os critérios que a escola utiliza para selecionar e ensinar o que ensina? Refletir sobre estas questões implica em analisar o real significado de uma disciplina escolar e compreender suas articulações com um sistema de ensino institucionalizado. Até o século XIX o conceito de disciplina escolar esteve muito ligado às ideias de repressão e vigilância nos estabelecimentos de ensino. Um exemplo deste pensamento foi o primeiro regimento escolar a chamada Ratio Studiorum, um dos primeiros manuais disciplinares de escolas. Sua finalidade era racionalizar os procedimentos e a disciplina nos colégios jesuítas. Trazia também descrições sobre os métodos de ensino, horários, etc. Em suma, o emprego do manual permitia certa padronização nos institutos. Assim, o que chamamos hoje de disciplinas escolares eram mais conhecidas como matérias de ensino ou conteúdo (BITTENCOURT, 2015). Todavia, após a Primeira Guerra Mundial o termo disciplina escolar ganhou novos sentidos, sendo mais associado à ideia de exercício intelectual. Assim, o termo passou a designar um campo específico do saber escolar e de domínio do pensamento. Trouxe, portanto, a ideia de ginástica intelectual e do espírito. Em outras palavras, o estudantede uma disciplina escolar não é aquele que aprende apenas conhecimentos de valor técnico-científico, mas também conhecimentos morais e comportamentais. De acordo com este pensamento, as disciplinas escolares teriam como alvo também o espírito, além da mente dos educandos. 16 No entanto, as concepções de disciplina escolar não são um terreno de consenso. Para muitos intelectuais, inclusive, professores de vários segmentos da educação, os conteúdos veiculados pela escola e pelas disciplinas escolares são apenas vulgarizações dos saberes científicos. De acordo com este pensamento, a escola seria apenas uma difusora dos saberes úteis da ciência, os quais deveriam ser apropriados pela sua utilidade e uso cotidiano. A escola selecionaria, portanto, e didatizaria tais saberes tornando-os inteligíveis aos alunos. Pensar as disciplinas escolares e seus conteúdos é tarefa primordial de um professor de Ciências Humanas. Ao elaborar um plano de ensino (ou uma sequência didática), o professor mobiliza objetivos e expectativas de aprendizagem quase sempre ligadas a uma ideia ou necessidade específica. Assim, as disciplinas escolares, associadas a concepção de escola moderna, podem ser entendidas como o motor do processo de escolarização. 3.2 Os conceitos de transformação e de cultura escolar A partir dos anos de 1960, com o fenômeno do fracasso escolar em diversos países europeus, as pesquisas em educação passaram a focar em aspectos internos das instituições escolares, com o objetivo de investigar os reais entraves para a concretização do sucesso escolar. O fenômeno do fracasso escolar é caracterizado, sobretudo, pelo longo processo de escolarização adotado por alguns países e pela inclusão da maior parte das crianças nas escolas. Essas medidas, na maioria dos países, foram acompanhadas de leis de acesso e, principalmente, de permanência, para criar condições para que os jovens permanecessem nos bancos escolares e concluíssem o ciclo de escolarização básica. No entanto, apesar dos esforços dos governos, os resultados escolares apontaram que as crianças concluíam a escola sem os conhecimentos necessários. 17 No Brasil, o fracasso escolar é um fenômeno histórico e sua marca principal pode ser observada na contemporaneidade com o fenômeno chamado de analfabetismo funcional. Contudo, apesar da década de 1990 ser marcada pela promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que promoveram acesso e garantia de permanência, os resultados educacionais ainda demonstram problemas graves de aprendizado, o não cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação e diversos problemas na carreira docente, desde formação e condições salariais até a estrutura das escolas e as condições de trabalho. Em suma, apesar de significativos avanços legais e sociais, a educação ainda continua sendo um grande desafio para o Estado brasileiro. Ainda na década de 1990, despontam, principalmente na França, estudos sobre as disciplinas escolares. O matemático francês Yves Chevallard, por exemplo, defendeu a ideia da transposição didática, sugerindo que o trabalho das escolas era o de vulgarizar os saberes científicos. Assim, a escola era responsável por didatizar os saberes e transmiti-los de modo inteligível aos alunos. Para Chevallard, a Transposição era o trabalho ou o conjunto de transformações adaptativas que tornavam o chamado savoir savant, ou seja, o saber sábio ou científico em savoir enseigment ou saber ensinado nas escolas. (CHEVALLARD, 1998) O também francês e professor de Gramática André Chervel, promoveu críticas ao pensamento da Transposição Didática de Yves Chevallard. Chervel argumentou que o conceito de transposição não permitia perceber a escola como um lugar em que se produz saberes ou práticas, uma vez que sua tarefa era pulverizar saberes que eram produzidos fora das suas paredes. Assim, como a escola é desqualificada do ponto de vista do saber, como poderia difundir e transpor a ciência? 18 Com estes e outros questionamentos, Chervel argumentava que a escola possuía objetivos mais subjetivos e revestia-se do discurso científico para legitimar-se. Além disso, afirmava a ideia de uma Cultura Escolar, ou seja, de uma escola que apresenta objetivos específicos e produz saberes e práticas próprias. A ideia de formar o cidadão e preparar os jovens para o mundo do trabalho são exemplos dos objetivos escolares, sendo os conteúdos selecionados e moldados para atenderem tais objetivos (CHERVEL, 1990). Entende-se, portanto, que pensar o currículo, a natureza de uma disciplina escolar e os saberes difundidos por ela é um desafio ao futuro professor de ciências humanas. É imprescindível que um professor bem formado conheça os objetivos intrínsecos de sua disciplina escolar. 3.3 As disciplinas escolares: entre a ideologia e o poder Como podemos perceber, a real tarefa da escola consiste não apenas na transmissão de conteúdo. A seleção das disciplinas, seus objetivos escolares e os saberes veiculados por elas não são objeto neutro. Sobre eles, geralmente, residem objetivos políticos e ideológicos ligados ao contexto. Assim, os objetivos traçados pelas disciplinas escolares variam e transformam-se ao longo do tempo, conforme este jogo de forças. (BITTENCOURT, 2015) Historicamente, as Ciências Humanas têm atendido a diversos propósitos, no século XIX, período do surgimento das Ciências Humanas nas escolas, seu propósito era servir como um desdobramento da história da civilização. Eram exaltados os feitos do mundo antigo e privilegiadas as obras clássicas da literatura greco-romana. O ensino de ciências humanas tinha como objetivo instrumentalizar o aluno e fornecer-lhe o repertório necessário para o homem comum de letras. A ciência era valorizada mais em seu aspecto de ciências naturais do que propriamente de ciências humanas. (CAVALCANTI, 2015) 19 Vale destacar que o século XIX foi o século em que grande parte dos Estados Nacionais se formaram, inclusive o brasileiro. De acordo com o historiador inglês Eric Hobsbawm, o século XIX pode ser intitulado “O século da invenção das tradições”. Os novos Estados Nacionais, na emergência de formarem um espírito de pertencimento, não tardaram em utilizar as Ciências Humanas para enaltecer o passado e construir conexões com eventos heroicos, com o objetivo de construir uma memória e uma tradição específicas. Percebe-se, portanto, que as Ciências Humanas, apesar de difundirem um currículo comum ao redor do mundo, possuem objetivos específicos conforme o contexto político e social em que está inserida ou mesmo em função de determinado grupo que está no poder. Assim, não podemos entendê-la apenas como um meio de difusão de saberes, pois é necessário ao professor questionar-se sobre os seus objetivos. Como refém do poder e da ideologia, as Ciências Humanas estão quase sempre envoltas em debates e questionamentos. Ora tendem a diminuí-la nos currículos, ora a exaltá-la. Assim, o professor de Ciências hHumanas deve ser um profissional atento a essas idas e vindas, bem como às forças que tendem a atuar sobre a escola e os currículos escolares. Conclusão Neste bloco, você conheceu as principais características das disciplinas escolares. Compreendeu também os importantes conceitos de transposição didática e de cultura escolar, observando o intenso debate sobre a natureza e os usos das disciplinas escolares. Por fim, foi apresentado a intrínseca relação entre os saberes escolares, o poder e a ideologia em uma sociedade. 20 REFERÊNCIAS BITTENCOURT, C. O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2015. CAVALCANTI, L. S. O Ensino de Geografia na Escola. Campinas: Papirus, 2015. CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoriae Educação. Porto Alegre, nº 2, p. 177-229, 1990. CHEVALLARD, Y. Del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: AIQUE, 1998. 21 4 AS CIÊNCIAS HUMANAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Neste bloco, você conhecerá a trajetória das Ciências Humanas no Brasil e sua introdução nas escolas. Estudará ainda a sua implantação como disciplina escolar no Colégio Pedro II e as transformações curriculares sofridas ao longo do tempo. 4.1 As Ciências Humanas no Brasil No Brasil, o século XIX também foi muito importante para as Ciências Humanas. Ainda durante o período do chamado Segundo Reinado, surgiram os primeiros trabalhos interpretativos sobre a composição cultural, histórica e também sobre as regiões do país. Apesar das Ciências hHumanas existirem no Colégio Pedro II, desde 1837, foi através do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que os primeiros trabalhos científicos sobre a composição cultural e geográfica do país foram formulados. Intelectuais radicados no Brasil, como os alemães Carl Friedrich Philipp Von Martius e Johann Baptist Von Spix, o francês Carlos Miguel Delgado de Carvalho e o brasileiro Francisco de Adolfo Varnhagen, ambos ligados ao IHGB, foram fundamentais para a construção das primeiras interpretações sobre a fauna, a flora e a sociedade brasileira. Essas primeiras interpretações, além de pioneiras sobre o Brasil, também contribuíram para a difusão dos primeiros saberes escolares de ciências humanas. Vale destacar que o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) é considerado o mais tradicional instituto de fomento à pesquisa e de preservação histórica e cultural do Brasil. Construído durante o período Regencial, o instituto tinha como principal atividade fomentar e documentar a vida histórica e cultural do Brasil. Junto ao IHGB encontrava-se também o Arquivo Público do Império, responsável pela salvaguarda de arquivos importantes para a consulta jurídica e de caráter histórico. 22 Além da questão documental, histórica e cultural, o instituto promovia concursos e eventos ligados à cultura brasileira. Dentre eles, concursos de teses interpretativas sobre o Brasil, que ainda se afirmava como pátria independente e construía os seus símbolos nacionais. Vale destacar que o instituto, apesar de fomentar a ciência no Brasil, seguia modelos e padrões estéticos europeus. Por este motivo estava profundamente impregnado das chamadas teorias racistas, como a Eugenia e o Darwinismo social, dentre outras. Assim, basicamente os primeiros trabalhos interpretativos sobre o Brasil possuíam fortes ligações com o positivismo. Um bom exemplo foi o trabalho de Von Martius, cuja tese foi premiada pelo IHGB em 1847. A tese intitulada “Como se deve escrever a história do Brasil”, apesar de apontar para a evidente miscigenação do povo brasileiro, enfatizava a contribuição portuguesa e monárquica na construção do que o autor chamava de Brasil civilizado. (BITTENCOURT, 2015) Em suma, os primeiros tratados e teses interpretativas sobre o Brasil, apresentavam a terra dos tupiniquins como um apêndice da história da civilização europeia e do homem branco, tidos como superiores e civilizados. 4.2 O colégio Dom Pedro II Ainda hoje é uma das instituições de ensino mais tradicionais do país, o colégio foi criado para ser uma instituição de elite e modelo para as demais províncias do Império. Foi construído planejadamente durante a regência de Pedro Araújo Lima, o marquês de Olinda. Grande parte dos professores eram catedráticos, ou seja, desfrutavam de certa estabilidade empregatícia e também de bastante autonomia didática, pois, principalmente durante a era Vargas e a construção do Ministério da Educação e Cultura, a instituição servia como modelo para que colégios de todos os Estados solicitassem a equiparação de estudos. 23 O colégio contou ainda em sua história com professores e alunos ilustres, os quais eram educados com o propósito de ser a elite condutora do país. Dentre os professores e alunos ilustres, estão, no passado, o professor de Língua Portuguesa Aurélio Buarque de Hollanda, o professor de Lógica Euclides da Cunha, o professor de música Heitor Villa-Lobos e Joaquim Osório Duque-Estrada, compositor do hino nacional, poeta e ensaísta, além do próprio Delgado de Carvalho, grande geógrafo. Dentre os ilustres alunos do colégio estão Alfredo d'Escragnolle Taunay, político, escritor, historiador e sociólogo, idealizador e projetista do museu do Ipiranga. O pintor do quadro independência ou morte, Pedro Américo, os presidentes da República Floriano Peixoto, Nilo Peçanha e Washington Luís, além de figuras conhecidas da atualidade, como o sambista Arlindo Cruz, a cantora Cássia Eller e a jornalista Fátima Bernardes. Desde sua fundação, as Ciências Humanas faziam parte do currículo do colégio, sendo que grande parte de seus professores foram membros notáveis do império e integrantes do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Assim, a construção do colégio e a formação de seus alunos durante o século XIX, tinha por objetivo formar a elite brasileira. 4.3 Caminhos e descaminhos das Ciências Humanas ensinada As disciplinas de História e Geografia, ao longo dos séculos XIX e XX no Brasil, apresentaram forte conotação positivista, prevalecendo à abordagem de cunho patriótico e nacionalista, principalmente no caso da História (BITTENCOURT, 2015). A Geografia escolar difundida, por sua vez, ainda muito arraigada aos trabalhos dos naturalistas, possuía forte ênfase na constituição do território e no determinismo Geográfico. Aliadas, apresentavam a história da civilização brasileira como um apêndice da história europeia, sendo a chegada dos portugueses o início desta trajetória de triunfo do homem branco rumo à civilização. (CAVALCANTI, 2015) 24 Assim como estava presente no IHGB, as Ciências Humanas difundidas como saberes escolares eram extremamente ligadas às teorias raciais e apresentavam uma versão da história do Brasil profundamente influenciada pelo positivismo. Como métodos de ensino, a escola estava assentada na memorização e recitação, sendo o currículo extremamente propedêutico e enciclopédico, desprovido de qualquer aplicação prática ou de métodos ativos de aprendizagem. Vale ressaltar que o currículo escolar brasileiro, sobretudo, para as disciplinas de História e Geografia, ainda guarda certos resquícios desta influência. Por exemplo, discussões sobre a pré-história brasileira ainda não são comuns no currículo de História. No caso de Geografia, as divisões regionais do Brasil ainda se aproximam muito daquelas postuladas por Delgado de Carvalho, em suas obras intituladas “O Brasil Meridional”, de 1910, ou mesmo “Geografia do Brasil”, de 1915. A Geografia escolar, especialmente, a difundida pelo Colégio Pedro II, serviu de modelo para as principais instituições de ensino secundário no Brasil ao longo do século XIX e primeiras décadas do século XX, era ainda extremamente servidora da História e buscava estabelecer as relações entre a natureza e o homem, prevalecendo à primeira sobre a segunda. Conclusão Neste bloco, você conheceu a trajetória das Ciências Humanas no Brasil, suas características e inclusão como disciplina escolar. Foi apresentada ainda a sua implantação como disciplina escolar no Colégio Pedro II e as transformações curriculares sofridas ao longo do século XIX e primeiras décadas do século XX. REFERÊNCIAS BITTENCOURT, C. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2015. CAVALCANTI, L. S. O ensino de Geografia na escola. Campinas: Papirus, 2015. 25 5 SABERES DOCENTES E FORMAÇÃO DE PROFESSORES Neste bloco, você conhecerá a gênese do ofício de professor no Brasil. Conhecerá também a trajetória do ofício de professor até a sua profissionalização com as escolas Normaise, posteriormente, a formação em nível superior. Será também discutido, neste bloco, os desafios de ser professor de Ciências Humanas atualmente no Brasil. 5.1 Os docentes na legislação brasileira Quando observamos à legislação brasileira que deu origem a função de professor no Brasil, nos remetemos imediatamente a Lei imperial do dia 15 de outubro de 1827. Através deste dispositivo legal, o imperador Dom Pedro I mandaria criar as escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e os lugares com a maior densidade demográfica do Império. De acordo com a Lei imperial, o presidente da província, cargo que na República seria substituído pelo de Governador do Estado, juntamente com a câmara eram os responsáveis por apontar a quantidade de escolas e os locais. Curiosamente, a Lei de 1827 já fixava também a remuneração que o professor deveria fazer jus. Estudos mais pessimistas já apontavam, diante das cifras apresentadas, as dificuldades da carreira docente, uma realidade ainda muito presenta na vida de milhares de professores e professoras que deixam os seus lares para lecionar para jovens de todas as idades. Outro ponto interessante é que a Lei também definia o método de ensino a ser aplicado nas aulas. Este deveria ser o ensino mútuo, ou seja, modalidade na qual um mesmo professor ou professora deveria lecionar para alunos de várias idades e conhecimentos. Não havia, portanto, o ensino seriado, como conhecemos em nossas escolas hoje. 26 A tarefa primordial dos docentes da educação elementar era ensinar a ler, escrever e contar. Além disto, deveria também instruir os jovens na moral cristã. Além disto, meninos e meninas deveriam estudar em escolas distintas, quando a quantidade de população assim permitisse. Ainda no império, o ato adicional de 1834, que instituiu as regências unas, também forneceu maior autonomia administrativa para as províncias, cujo efeito para a educação também foi à descentralização administrativa, o que para muitos estudiosos acabou por colocar em xeque os tímidos projetos educacionais, desarticulando a instrução elementar no Brasil. Analisando a árdua trajetória da profissão docente no Brasil, percebemos que no início da carreira, além do autodidatismo presente, já estava contida a ideia de que ser professor era um sacerdócio, uma missão. Por tal motivo, a carreira era quase sempre destinada ao complemento de renda ou mesmo às moças solteiras, contribuindo para a feminização da profissão. Na virada do século XIX para o século XX, principalmente com o advento da República no Brasil, consolidam-se as Escolas Normais, com o propósito de fornecer uma formação elementar as professoras e aprofundar o controle do Estado, visto que a República acentuo a difusão do ensino elementar através dos Grupos Escolares. Somente na década de 1930, a formação do professor é pensada com a formação em institutos superiores de ensino, com o propósito de acentuar os métodos ativos e o cientificismo. Este projeto foi emplacado, especialmente, pelos integrantes do Ministério da Educação e Cultura. Grande parte destes integrantes eram adeptos ao Escolanovismo, cujo propósito, grosso modo, era romper com o modelo de educação jesuíta, considerado arcaico. 27 Ao longo da história brasileira, percebemos que a formação do professor foi alvo de preocupação por parte do Estado, que sempre se interessou em controlá-la e direcioná-la para os interesses ditos nacionais. Assim, ser professor no Brasil é desfrutar ainda de uma aura de sacerdote ou mesmo ser depositário de uma missão redentora. Vale destacar que estas são visões equivocadas e idealizadas da real tarefa docente. 5.2 Do autodidatismo à profissionalização Inicialmente a educação não era alvo de um controle mais ativo por parte do Estado, pois tradicionalmente os mais diversos grupos sociais formavam os seus filhos e filhas em instituições específicas, que não tinham como principal motivação o ensino. Dentre os segmentos históricos mais privilegiados como os nobres, era comum as famílias enviarem os seus filhos para os colégios católicos, liceus de artes ou mesmo universidades, nos países em que estas já existiam. Entre as famílias da classe trabalhadora os filhos e filhas eram comumente enviados para serem aprendizes nas fábricas, tipografias ou mesmo para acompanharem um mestre, na esperança de que um dia aprendessem uma profissão e produzissem de modo independente, garantindo assim o seu próprio sustento ou mesmo ajudando na sobrevivência da família. Quando muito, havia apenas a instrução elementar difundida, cujos objetivos eram ler, escrever e contar, úteis para a vida cotidiana, mas não necessariamente para a profissional. Ao longo dos séculos XVIII e XIX, com a formação dos sistemas públicos de ensino, sobretudo, nos países republicanos, um modelo de escola e de educação comum, voltada para a cidadania, passa a ser cada vez mais frequente. Assim, a preocupação com a formação do professor passou a ser cada vez mais necessária, tanto pelo preparo para lidar com as gerações futuras, quanto por questões de controle, uma vez que na educação pública reside um projeto de sociedade. (CAVALCANTI, 2015) 28 Assim, a tendência da carreira docente no Brasil, ao menos no início do século XX, foi a de negação do autodidatismo e uma valorização cada vez maior da formação em institutos de educação superior (CAVALCANTI, 2015). Essas medidas empregadas ao longo do tempo e diversas ações, profissionalizaram o professor e passaram a condenar o autodidatismo. Foram, igualmente, importantes para a produção, o controle e a preparação de professores para o ofício de lecionar. Todavia, com a profissionalização também foi possível se construir uma identidade profissional e coletiva da categoria. Este fato revela que a relação entre a docência e as políticas públicas no Brasil têm se tornado cada vez mais um terreno de disputas políticas e ideológicas. Assim, verifica-se que em nosso país o conflito entre o poder e o saber passa pela formação dos professores. 5.3 Ser professor no Brasil Mas, afinal, o que podemos apreender das questões colocadas aqui quando nos perguntamos o que é ser professor no Brasil? Essa pergunta levanta um questionamento interessante sobre a profissão e seus desafios, revelando que ser professor no Brasil é muito mais do que dominar saberes técnicos do currículo escolar (CAVALCANTI, 2015). Analisando a trajetória da profissão docente, observamos que do autodidatismo ao profissionalismo, apesar da crescente valorização da profissão no Brasil, ser professor ainda é um imenso desafio. Além das condições precárias de trabalho de grande parte das escolas brasileiras, e da carreira ainda muito abaixo em termos de ganhos em relação a outras profissões que exigem escolaridade semelhante, muitas vezes a visão que se tem do docente é a daquele que escolheu uma missão ou um sacerdócio. Contrariamente ao discurso da valorização do magistério no Brasil, nunca houve uma política integrada de construção nacional de um projeto de educação, que se pautasse na estrutura da escola e na carreira, passando pelas condições de formação docente. Historicamente tem predominado políticas públicas de curto prazo, construídas e reconstruídas ao sabor da alternância política. 29 Um dado atual que também é motivo de preocupação é o apresentado em uma pesquisa recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizada com mais de 100 mil professores, revelando que o Brasil é o campeão de violência contra o professor. É um dos índices mais altos encontrados entre os países pesquisados, o que torna a profissão ainda mais difícil. Para a grande maioria dos jovens professores, a violência e a indisciplina dos alunos são os problemas mais temidos. Cabe salientar, queo fenômeno da violência nas escolas não é algo isolado e, geralmente, possui uma história e um contexto. São raras também as ocasiões em que as escolas trabalham a violência e a indisciplina de modo preventivo, muitas vezes lidam com o problema apenas quando ele aparece. Mesmo diante do exposto, podemos concluir que lecionar ainda é uma atividade extremamente significativa pela sua importância para a sociedade e pela experiência do processo de crescimento e transformação dos jovens. Não existe atividade mais complexa que a de educar um ser humano. Ainda com todas as dificuldades da carreira, milhares de professores saem de suas casas todos os dias e lecionam em escolas públicas e particulares do Brasil, desempenhando a profissão mais importante de todas e pilar fundamental do crescimento do país. Conclusão Neste bloco, conhecemos a gênese do ofício de professor no Brasil. Vimos também a trajetória do ofício de professor até a sua profissionalização, passando pelas escolas Normais até a obrigatoriedade da formação em nível superior. Por fim, discutimos, os desafios de ser professor de Ciências Humanas atualmente no Brasil. REFERÊNCIAS BITTENCOURT, C. O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2015. CAVALCANTI, L. S. O Ensino de Geografia na Escola. Campinas: Papirus, 2015. 30 6 O PLANEJAMENTO ESCOLAR Neste bloco, você conhecerá uma das atividades mais importantes da docência, que é planejar situações de aula, sequências didáticas e planos de ensino. Além das várias dimensões do planejamento escolar, você também conhecerá o importante conceito de gestão democrática, presente no corpo e no espírito da legislação brasileira. 6.1 Dimensões do planejamento escolar Uma das tarefas mais comum da profissão de professor é planejar aulas. Todavia, apesar de parecer uma atividade simples, o ato de planejar requer a mobilização de diversos saberes e exige do professor o máximo de sua capacidade intelectual. Afinal, o planejamento deve contemplar uma série de dimensões pedagógicas e, para que possa ser assertivo, ele precisa atingir os seus objetivos de aprendizagem. (BITTENCOURT, 2015) A aula é a forma convencional e o conjunto de meios pelos quais ocorrem as interações entre os alunos, os professores e a aprendizagem. Por tal motivo, em qualquer escola brasileira ela ainda é a forma convencional pela qual passa o processo educativo. Ela pode ser entendida, então, como o espaço onde se cria, se desenvolve e se constrói as condições para que os alunos aprendam. Dessa forma, planejar aulas é uma das tarefas fundamentais do professor. Apesar de tarefa relativamente rotineira e conhecida de professores e alunos, planejar uma aula requer bastante estruturação didática, ou seja, o professor precisa construir passos e sequências de aprendizagens, ou sequências didáticas, que permitam ao aluno atingir as expectativas de aprendizagens propostas. Para tanto, é necessário conhecer os conhecimentos prévios que os alunos possuem e reunir materiais e métodos que melhor forneçam as condições de aprendizagem. 31 Assim, rapidamente uma atividade corriqueira e aparentemente simples revela-se extremamente complexa. É possível concluir, portanto, que planejar é uma tarefa primordial, pois o processo de aprendizagem deve ser controlado e orientado. Assim, entende-se que a aprendizagem não pode ocorrer ao acaso, pois ela deve contemplar aos alunos um projeto a fazer, colocando-os frente a uma tarefa organizada. Todavia, o planejamento de aulas (ou de sequências didáticas) não é a única dimensão do planejamento na escola. A própria instituição de ensino deve planejar suas ações formativas, expressando, por meio de um Projeto Político-pedagógico, as suas intenções de aprendizagem. O termo refere-se ao ato de planejar com uma direção política, com um norte ou rumo. Por isso, todo projeto é político ao elaborar um caminho e pensar um futuro. O seu aspecto político encontra significado também na sua característica coletiva de elaboração. Cabe a comunidade escolar definir os significados da aprendizagem para os seus alunos e o perfil de aluno que deseja formar. O Projeto Político-Pedagógico e sua elaboração coletiva é uma etapa fundamental da construção da educação em nosso país, presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e na própria carta magna, a Constituição Federal de 1988. Ao colocar o planejamento escolar como um desafio coletivo, a Constituição Federal e a LDBEN valorizaram o conceito de Gestão Democrática como uma prática imprescindível para a construção da democracia. Além disso, a elaboração coletiva do Projeto Político-Pedagógico tem o potencial de colocar professores e alunos em contato permanente com as necessidades de aprendizagem da comunidade escolar, permitindo as devidas adequações, o aprofundamento dos saberes e do currículo escolar. 32 6.2 Sobre o conceito de gestão democrática A ideia contida na perspectiva da gestão democrática é a de uma escola e um projeto pedagógico que faça sentido para todos e atenda a realidade da comunidade. Além disso, a participação coletiva, ao permitir a interação de todos, em tese contribuiria para a atualização constante da escola e de seus objetivos, não permitindo o seu descompasso em relação aos anseios da comunidade local. Permitir e incentivar o desenvolvimento da gestão democrática na escola significa abrir espaço para o diálogo e para a tomada de decisões coletivas. No entanto, sugere também abertura para críticas. Significa trabalhar em sintonia com os diversos segmentos da comunidade escolar, permitindo a harmonia e a fluidez do projeto escolar. A gestão democrática é, portanto, condição fundamental para o exercício da democracia e da cultura do respeito e do diálogo. No entanto, no Brasil é comum que Diretores de Escola e Reitores, dentre outras funções de liderança, possuam uma visão técnico-científica ou centralizadora e unilateral da tomada de decisões. Isto faz com que a instituição seja verticalizada, além de impor uma divisão acentuada entre os diversos funcionários. Vale destacar que além de contrariar o espírito da Constituição Federal e da LDBEN, o risco assumido ao se adotar uma prática centralizadora de tomada de decisão é a de que o trabalho da escola não tenha sentido para a comunidade (CAVALCANTI, 2015). Os variados colegiados e instituições auxiliares, como os Grêmios estudantis, os Conselhos de Escola, as Associações de Pais e Mestres, e os Núcleos Docentes Estruturantes (NDE) nas Universidades, também são espaços formativos, em que seus participantes aprendem e praticam valores como o respeito, o diálogo e a mediação de conflitos, práticas indispensáveis para uma sociedade mais humana. 33 Cabe ressaltar ainda a importância histórica dos movimentos estudantis no Brasil, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), por exemplo. No contexto da Ditadura Militar e da luta pela Redemocratização agremiações estudantis tiveram um papel fundamental. Em decorrência da sua história vários de seus integrantes foram perseguidos e exilados. O movimento estudantil também esteve à frente de campanhas importantes de defesa da escola pública, como o movimento dos estudantes secundaristas do Brasil, por exemplo. 6.3 Os temas transversais da educação brasileira Os temas transversais na educação compreendem seis grandes áreas que expressam valores e conceitos elementares para o convívio em uma sociedade democrática e que são urgentes para a nossa sociedade. São eles: a Ética, a Orientação Sexual, o Meio Ambiente, a Saúde, a Pluralidade Cultural, o Trabalho e o Consumo. Estes temas devem, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, ser abordados em todas as disciplinas escolares, integrando-se aos conteúdos propostos pelos currículos etambém às expectativas de aprendizagem (CAVALCANTI, 2015). A abordagem curricular contemplando os temas transversais possibilita que as relações de aprendizagem não tomem apenas a exploração das relações científicas ou mesmo a fria relação passado-presente ou homem-natureza, sem a devida reflexão humana e conscientização dos problemas que nos rodeiam. Através da abordagem transversal concretiza-se o processo de horizontalidade do currículo, aproximando os conteúdos das diferentes disciplinas escolares, e permitindo a construção das relações da história da civilização com a realidade dos próprios alunos, por vezes, afastada por aulas desconectadas da realidade, pois em muitos momentos a organização escolar acaba por dificultar o aspecto investigativo do saber científico e escolar. Assim, a abordagem proposta pela transversalidade permite superar a fragmentação imposta pelo currículo escolar e fornece ao aluno a capacidade de fazer a leitura do mundo sob os filtros do conhecimento adquirido através da escola. Além disso, contribui para a construção de um mundo menos preconceituoso e mais plural ampliando significativamente o conceito de cidadania. 34 O trabalho com os temas transversais, portanto, deve ser uma prática importante da escola, prevista em seu planejamento, pressupondo mudanças no modo como a comunidade escolar entende os saberes escolares. Todavia, incorporar os temas transversais não deve ser confundido apenas com fazer mudanças didáticas e pedagógicas, uma vez que para incorporar a transversalidade no planejamento escolar deve-se buscar a própria mudança conceitual do currículo e das expectativas de aprendizagem, logo, da própria natureza do ensino na escola. Conclusão Neste bloco, você conheceu as várias dimensões do planejamento escolar, percebendo que ação pedagógica de planejar é mais que uma tarefa burocrática, envolvendo uma série de capacidades. Conheceu também o importante conceito de gestão democrática, presente no corpo e no espírito da legislação brasileira. Por fim, aprendeu que a transversalidade deve estar presente no planejamento escolar, o que pode possibilitar a ampliação da cidadania e da própria democracia através da prática pedagógica. REFERÊNCIAS BITTENCOURT, C. O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2015. CAVALCANTI, L. S. O Ensino de Geografia na Escola. Campinas: Papirus, 2015.
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