Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LINGUÍSTICA TEXTUAL Rita de Cassia Caparroz P. Belmudes 2 SUMÁRIO 1. LINGUAGEM HUMANA E COMUNICAÇÃO ............................................................ 3 2. OS PRIMEIROS PASSOS DA LINGUÍSTICA DE TEXTO ............................................. 13 3 ELEMENTOS BÁSICOS DA LT ................................................................................ 19 4 GÊNEROS TEXTUAIS ............................................................................................ 32 5 TIPOLOGIAS TEXTUAIS ........................................................................................ 37 6. A PRÁTICA DA PRODUÇÃO TEXTUAL NA SALA DE AULA ...................................... 46 3 1. LINGUAGEM HUMANA E COMUNICAÇÃO A Linguística de Texto é uma ramificação da ciência da linguagem que começou a se desenvolver na década de 60, na Europa, e tem como objeto de estudo o texto. Mas para entendermos sobre os seus aspectos gerais, vamos iniciar os nossos estudos falando, nesse bloco, sobre a linguagem humana e a comunicação. Vamos começar? Bons estudos! 1.1 Processo de Formação da Linguagem Humana A linguagem humana surgiu há milênios. Ela é a marca da nossa humanidade. Essa capacidade particular é o que nos destaca, o que nos marca, o que nos faz um ser social de relação e de interação com o outro. Para saber mais sobre o processo de sua formação, assista ao vídeo Origem da Linguagem. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=STPiJ1ntN-I. Acesso em: 06 jul. 2018. 1.2 Linguagem, Língua e Fala A língua é um conjunto de palavras combinadas de acordo com regras gramaticais específicas. Exemplos: • Língua portuguesa • Língua espanhola • Língua inglesa • Língua alemã https://www.youtube.com/watch?v=STPiJ1ntN-I 4 A linguagem corresponde ao sistema de signos ou símbolos utilizados em uma mensagem. Ela está dividida em linguagem verbal e linguagem não verbal. Vejamos alguns tipos: Linguagem verbal • Palavras escritas • Palavras faladas Linguagem não verbal • Gestos • Sons • Sinais • Imagens Para saber mais um pouco sobre esses tipos, acesse o vídeo: Palavra puxa palavra - Linguagem verbal/não verbal Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z-8b6l8Qklc. Acesso em: 06 jul. 2018. A fala é a forma como cada indivíduo se expressa. Ela pode ser apresentada em vários níveis: • Formal ou culto • Informal ou coloquial • Regional • Literário • Técnico Para saber mais sobre Língua, Linguagem e Fala, acesse o vídeo: O Que é Linguagem Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=I1Zusz__3e8. Acesso em: 06 jul. 2018. 1.3 Signos Linguísticos Saussure (1857 – 1913) foi um linguista e filósofo suíço. Suas teorias permitiram o desenvolvimento da linguística como ciência. Entre suas dicotomias, está a do Signo Linguístico. https://www.youtube.com/watch?v=Z-8b6l8Qklc https://www.youtube.com/watch?v=I1Zusz__3e8 5 Para ele, a língua é vista como um sistema de signos formados pela união do sentido e da imagem acústica. A Arbitrariedade do Signo Arbitrário não deve dar a ideia de que o significado depende da livre escolha do que fala, [porque] não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez que esteja ele estabelecido num grupo linguístico. O signo é a união de um conceito com uma imagem acústica, que é o som material e físico. É uma entidade de duas faces, inseparáveis. Significado - conceito Significante - imagem acústica. Significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado (Carvalho, 2003. p. 34) Exemplo: c + a + s + a não está relacionada ao tipo, ao material usado, função que designamos ao objeto Estudo dos signos no século XX O estudo dos signos e da linguagem se distribuiu da seguinte maneira: 6 Abordagem Semântica Trata da relação dos signos, palavras e frases com as coisas e com os estados das coisas; é o estudo conjunto do sentido, da referência e da verdade. Abordagem sintática Estuda as relações dos signos entre si, das palavras na frase ou das frases nas sequencias de frases. Tenta-se formular regras de boa formação para as expressões e regras de transformação das expressões em outras expressões. Respeitar essas regras é condição para que os fragmentos assim gerados sejam providos de sentido e, eventualmente, aptos a ser dotados de um valor de verdade (verdadeiro ou falso). Abordagem Pragmática “A interpretação de um enunciado não pode levar em consideração apenas a informação linguística. ” (MAINGUENEAU; CHAREAUDEAU, 2005, p. 394). 1.4 As funções da Linguagem 7 Segundo Jakobson (2003), a linguagem deve ser estudada em toda a variedade de suas funções. Mas o que são funções da linguagem? De acordo com Neves, é “o papel que a linguagem desempenha na vida dos indivíduos, servindo aos muitos e variados tipos universais de demanda. ” (Neves, 2004, p. 15) São seis as funções da linguagem: A estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função predominante. Objetivos que direcionaram sua elaboração. As funções da linguagem em relação ao texto do outro. As funções da linguagem em relação ao nosso texto. Planejamento da comunicabili- dade e eficiência. 8 - Referencial ou Denotativa Põe no centro da comunicação a realidade externa à interação. Caracteriza-se por manter um grau de objetividade elevado. Exemplo: Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2018/06/15/ans-recorre-da-liminar-que- limitava-reajuste-de-planos-de-saude.htm Acesso em: 15 jun. 2018 - Emotiva ou Expressiva Centra-se no emissor. Caracteriza-se por colocar o emissor (EU) no alvo da comunicação. Essa função revela personalidade do emissor, suas emoções, pensamentos etc. Verbos na primeira pessoa do singular ou plural, pronomes possessivos (meu, minha, nossa etc); pessoais (eu, nós) referentes a primeira pessoa do singular ou plural são marcas textuais da função emotiva. Exemplo: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2018/06/15/ans-recorre-da-liminar-que-limitava-reajuste-de-planos-de-saude.htm https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2018/06/15/ans-recorre-da-liminar-que-limitava-reajuste-de-planos-de-saude.htm 9 Se eu quiser falar com Deus Tenho que ficar a sós Tenho que apagar a luz Tenho que calar a voz Tenho que encontrar a paz [...] Gilberto Gil - Conativa ou Apelativa Fonte: http://acoisatoda.com/2015/10/23/uma-nao-campanha-pela-real-beleza/. Acesso em: 15 jun. 2018. Centra-se no receptor. Apresenta verbos e elementos que mencionem o interlocutor: são os referentes à segunda pessoa do singular ou plural e o imperativo, como: “sente- se”, preste atenção”, “Compre” etc. É especialmente usada em mensagens publicitárias. Ex.: Venha estudar conosco! Você pode manter seu ritmo de estudo e escolher o horário de acordo com sua disponibilidade. Mantenha-se no mercado de trabalho! - Fática 10 Fonte: http://www.the-picta.com/tag/Benegrip Acesso em: 15 jun. 2018. Centra-se no canal. Busca estabelecer o contato (físico ou psíquico) com o receptor a fim de manter a comunicação. Em um telefonema, o “Alô” abre o contato e o “Vou desligar”, que anuncia o final, são exemplos da função fática. Quando o professor diz, no meio de uma explicação, ao notar dispersão dos alunos: “Pessoal...”, “Gente...”; ou ainda, “Não é?” ou “Tá ouvindo?” em meio de conversas, são outros exemplos. - Metalinguística Quando, no texto, predomina essa função, observamos o código como o próprio tema do texto. 11 Outrosexemplos: quando um poema trata da própria criação literária, quando um programa de TV discute sobre o papel da televisão na sociedade, quando se usam palavras para uma palavra (dicionário) etc. Vídeo Show (Rede Globo) é um exemplo de metalinguagem, um programa de TV (da Globo) sobre programas da TV Globo. Poética O emissor constrói seu texto de maneira especial realizando um trabalho de seleção e combinação de palavras, de ideias ou de imagens, de sons e/ ou de ritmos. O foco está na mensagem. “Não te amo mais. Estarei mentindo dizendo que Ainda te quero como sempre quis. Tenho certeza que Nada foi em vão. AVISO NÃO REMOVA ESSE AVISO! 12 Sinto dentro de mim que Você não significa nada. Não poderia dizer jamais que Alimento um grande amor. Sinto cada vez mais que Já te esqueci! E jamais usarei a frase EU TE AMO! Sinto, mas tenho que dizer a verdade É tarde demais...” Observe que esse poema pode ser lido de cima para baixo e vice-versa. As leituras têm sentido diferente dependendo de como se faz a leitura. 13 2. OS PRIMEIROS PASSOS DA LINGUÍSTICA DE TEXTO Neste bloco, vamos falar sobre os primeiros passos da linguística de texto: as fases da linguística, o conceito de texto, a concepção de sujeito e língua, o sentido do texto e sobre a concepção de contexto. 2.1 Das Gramáticas da Frase à Gramática do Texto A Linguística Textual passou por três momentos que abrangeram preocupações teóricas bastante diversas entre si. Entretanto, não houve uma cronologia precisa na passagem de um momento para outro. Contudo, houve, de fato, uma gradual ampliação do objeto de análise da LT. Primeira fase – Análise Transfrástica Os estudos estavam centrados na análise transfrástica, ou seja, nos fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas que ficavam limitadas ao nível da frase. Assim, deixou-se a análise da frase e partiu-se para uma análise do texto. Segunda fase – Gramáticas Textuais Busca-se identificar as habilidades de um indivíduo para entender, produzir, transformar e classificar textos. Terceira Fase – Teoria do Texto O texto passa a ser estudado dentro do seu contexto de produção e é compreendido não mais como um produto, e sim como processo. O texto é observado em seu contexto considerando os atores do processo e todos os outros fatores pragmáticos envolvidos. 2.2 Texto Fávero e Koch (1983) ensinam que o texto pode ser tomado em duas acepções: Texto em sentido amplo, designando toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano (uma música, um filme, uma escultura, um poema etc.). Em se tratando de linguagem verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um sujeito, 14 numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor e interlocutor, (no caso dos diálogos) e o evento de sua enunciação. Conceito de texto Texto é uma manifestação linguística produzida por alguém, em alguma situação concreta (contexto), com determinada intenção. Essa definição faz com que pensemos o texto como um objeto de interação. Um texto não é um amontoado de frases. Para alcançarmos seu sentido, é preciso levar em consideração: quem o produziu, para quem o fez, em que situação, com qual intenção e de que forma? Texto e Não Texto Lendo as frases abaixo, inicialmente parece que estamos diante de um amontoado de frases: Que frio! Que vento! Que calor! Que caro! Que absurdo! Que bacana! Que tristeza! Que tarde! Que amor! Que besteira! Que esperança! Que modos! Que noite! Que graça! Que horror! Que doçura! Que novidade! Que susto! Que pão! Que vexame! Que mentira! Que confusão! Que vida! Que talento! Que alívio! Que nada... Teríamos o que se chama de um não texto. No entanto, se o lermos novamente, com sua última parte, alcançaremos o sentido pretendido pelo poeta. Vejamos o texto completo: Que frio! Que vento! Que calor! Que caro! Que absurdo! Que bacana! Que tristeza! Que tarde! Que amor! Que besteira! Que esperança! Que modos! Que noite! Que graça! Que 15 horror! Que doçura! Que novidade! Que susto! Que pão! Que vexame! Que mentira! Que confusão! Que vida! Que talento! Que alívio! Que nada... Assim, em plena floresta de exclamações, vai-se tocando pra frente. (Carlos Drummond de Andrade) Somente quando temos um amontoado de palavras para as quais não conseguimos dar um sentido, entender seus significados, falamos que estamos diante de um não texto. Vejamos um exemplo: СЧАСТЬЕ Стал каждый миг густым, как мед, Лучистым, как янтарь. Часам давно потерян счет И изгнан календарь. Как ненавистен мне расчет И чувства про запас! Свой годовой любви доход Я прокучу за час. A sequência acima será considerada linguística somente para os falantes da língua russa. Será impossível estabelecer o sentido do texto sem o conhecimento dessa língua, uma vez que não haverá interação entre o texto e o seu receptor. Portanto, podemos dizer que estamos diante de um não verbo. Concluímos que, para a construção do sentido de um texto, devemos considerar as diversas partes do texto: a situação comunicativa, a intenção do enunciador, os interlocutores, o contexto, a seleção lexical, a escolha do nível lexical etc. 2.3 A concepção de Sujeito e Língua 16 Pensar a concepção de sujeito e língua pressupõe a evidência de que para sobreviver e se relacionar em sociedade foi essencial para o indivíduo estabelecer uma comunicação com o outro. Bakhtin afirma que “a língua é, como para Saussure, um fato social, cuja existência se funda nas necessidades de comunicação (1997, p.14)”. Neste processo, constata-se uma série de técnicas desenvolvidas que perpassam por gestos, imagens, símbolos, bem como a escrita, que remontam ao comportamento do sujeito e sua relação com a sociedade. Para saber mais, acesse o vídeo: Linguagem e dialogismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=D3Cu0e_cTz0. Acesso em: 06 jul. 2018. 2.4 O sentido do texto: texto e leitura Há muito se acreditou que o texto era caracterizado unicamente como um sistema de símbolos gráficos, cuja função consistia em reproduzir o pensamento, totalmente fechado em si mesmo. Era apenas um instrumento para comunicação, estando à mercê da intenção do falante. Dessa forma, ao limitar o texto como um sistema de símbolos gráficos, criava-se imediatamente a imagem de uma sucessão de letras, palavras ou frases que traziam em seu interior toda informação a ser transmitida. Desse modo, por conter em si o pensamento do autor, o conteúdo não deveria ser relativizado, apenas reproduzido. Observe o que diz a professora Ingedore Koch ao tratar do entendimento do texto sob essa perspectiva: “A leitura é entendida como a atividade de captação de ideias do autor, sem se levar em conta as experiências e os conhecimentos do leitor, a interação autor-texto-leitor com propósitos constituídos socio-cognitivo- interacionalmente. O foco de atenção é, pois, o autor e suas intenções, e o sentido está centrado no autor, bastando tão somente ao leitor captar essas intenções.” (KOCH, 2000 - p.10) Essas premissas acabaram sendo refletidas em sala de aula por muito tempo. Mas ao reproduzir este pensamento, conduzia-se o aluno a uma mera decodificação da língua e de sua estrutura. Porém, como destaca Marcuschi (2003), “a produção textual não é https://www.youtube.com/watch?v=D3Cu0e_cTz0 17 uma simples atividade de codificação, e a leitura não é um processo de mera decodificação”. Ele afirma que a leitura não se constitui unicamente da exploração dos conteúdos e seu respectivo significado. Todas essasproblematizações voltadas para o processamento da leitura e os avanços sobre o estudo do texto tornaram clara a tendência de perceber a leitura enquanto interação, de maneira mais ampliada. Destaca-se então a concepção dialógica da língua, que compreende que os sujeitos influenciam e são influenciados pelo texto, o qual se constitui enquanto entidade comunicativa, sendo o sentido construído a partir do próprio texto. Daí a importância em situar o texto a partir da interação autor-texto- leitor, levando em conta o contexto em que eles estão inseridos. É muito importante ativar conhecimentos que vão desde questões linguísticas e formais, às de ordem cognitiva e social, pois tudo isso é fundamental para a produção de sentido do texto. Diante de tudo isso, concluímos que para produção de sentido em um texto é importante que o leitor ative fatores de compreensão linguísticos e extralinguísticos. O texto não pode ser caracterizado unicamente como um sistema de símbolos gráficos, cuja função consiste em reproduzir o pensamento, totalmente fechado em si mesmo. É preciso perceber a leitura enquanto interação, de maneira mais ampliada. Portanto, a construção do sentido do texto é um processo criador, ativo e construtivo que vai além da informação estritamente textual, uma vez que o sujeito precisa articular diversos elementos de ordem linguística e extralinguística. 2.5 O contexto na Linguística de Texto É uma unidade maior em que uma unidade menor está inserida, por exemplo, uma frase (unidade maior) serve de contexto para a palavra; um texto (unidade maior) serve de contexto para a frase etc. (José L. Fiorin) O contexto situacional é formado por informações históricas, geográficas, sociológicas, literárias etc. que podem estar explícitos ou implícitos no texto. Sem saber em que situação o enunciado foi produzido, há várias possibilidades de sentido, mas todas serão apenas suposições. Vejamos esta frase: “Só me faltava esta!” 18 Qual o seu sentido? Uma possibilidade de sentido: A energia elétrica da rua onde Estevão mora foi cortada, o despertador não tocou. Ele se levantou atrasado. Não tinha como passar a camisa do uniforme, nem como tomar banho quente. Arrumou-se como pode. Iria de carro para não se atrasar mais ainda. Ao procurar as chaves, não a encontra em nenhum lugar. Vai à garagem e as enxerga no banco, dentro do carro. Desabafa: - Só me faltava essa! Outra possibilidade de sentido: Guilherme e seu pai entram no shopping da cidade e caminham pelo corredor do primeiro piso, onde há um local com mesas e bancos. Há várias pessoas ali. É um posto de troca de figurinhas da Copa. O menino vai de mesa em mesa. De repente, vê o que lhe interessa, e grita: - Só me faltava essa!! O que deu sentido diferente foi o contexto em que o enunciado foi produzido: A B situação de Estevão situação de Guilherme Para se compreender um texto, é necessário conhecer seu contexto, ou seja: em qual momento ele foi produzido e a que situação externa (implícita ou explícita) ele se refere. 19 3 ELEMENTOS BÁSICOS DA LT Vamos tratar agora sobre os Elementos Básicos da Linguística de Texto. Nesse bloco vamos abordar a coesão e seus elementos. Para complementar o aprendizado sobre a coesão, falaremos também sobre a articulação sintática do texto, a coerência e seus elementos e sobre os fatores pragmáticos do texto. 3.1 Coesão Coesão é um dos fatores da textualidade. Pode ser definida como “a ligação, a relação, a conexão entre as palavras, expressões ou frases do texto.” (José Luiz Fiorin). Ela é manifestada por elementos linguísticos que marcam o vínculo entre os componentes textuais. Observe a frase: Tive o privilégio de visitar Portugal, onde nasceu meu pai. O termo onde faz a conexão entre “tive o privilégio de visitar Portugal” e “nasceu meu pai.” Onde é um elemento coesivo. Outro exemplo: Gabriel e Guilherme estudam em outra cidade. Eles estão vivendo um momento especial. O pronome “eles” retoma os substantivos Gabriel e Guilherme. Todos os termos que retomam outros (fazem a remissão de outros) são chamados anafóricos. Essa retomada é muito importante na produção de um texto, porque evita repetições que deixam os textos cansativos e pesados. 20 Há outros recursos além da anáfora, os quais passaremos a ver em seguida. Há dois tipos de coesão: a referencial e a sequencial. Vamos lá! 3.1.1 Coesão referencial Segundo Leonor Fávero: “Certos elementos linguísticos têm a função de estabelecer referência ―não são interpretados semanticamente por seu sentido próprio, mas fazem referência a alguma coisa necessária a sua interpretação. (2002:18). Em outras palavras: Coesão referencial é aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s) do universo textual. Pode-se obter a coesão referencial através da substituição e da reiteração. 3.1.2 Coesão Referencial Por Substituição Quando ocorre a retomada de um termo (ou a remissão de um termo) dá-se o nome de anáfora. Exemplo: Larissa e Luana estão no 3º semestre do curso de Letras. Elas são excelentes alunas. O pronome “elas” se refere aos termos citados anteriormente: Larissa e Luana. Pode ocorrer que o pronome preceda um termo que virá à frente explicitado. Nesse caso temos o que chamamos de catáfora. Exemplo: Isto é o que tenho de mais importante: o amor de minha família. Observe que o pronome “isto” faz referência (antecipa) a algo que ainda será explicitado: o amor de minha família. 21 Outros exemplos: a) Pedro e Fernando viajaram para Toronto. Lá vão tratar de negócios da empresa. (“Lá” – advérbio que retoma o substantivo “Toronto”). b) Vitória está estudando para as provas. Eu também o estou fazendo. (“o” - pronome que retoma “estudando para as provas”). c) Eduardo e Manuela são primos. Ambos fazem ginástica olímpica. (“Ambos” – numeral que retoma os substantivos “Eduardo e Manuela”. Elipse A elipse também é um caso de coesão. Consiste no apagamento (retirada) de um termo da frase. É a retomada de um termo que seria repetitivo, mas que foi apagado, por ser facilmente depreendido do contexto. Exemplo: Aos clientes, ele dedicava muito tempo; a outros, bem pouco Houve a retirada do termo “dedicava”. 3.1.3 Coesão Referencial Por Reiteração Reiterare em Latim significa repetir. A reiteração consiste na repetição de elementos textuais que têm a mesma referência. Ela pode ocorrer através de uso de um mesmo item lexical, de sinônimos, de hipônimos e hiperônimos, de expressões nominais definidas e de nomes genéricos. Vamos ver cada uma dessas possibilidades de reiteração: - Repetição de um mesmo item lexical 22 Toda a rua estava tomada por manifestantes. Bandeiras, faixas, cartazes empunhados pelas pessoas que circulavam na rua. Antes deserta e silenciosa, a rua neste dia era uma outra. O carro de som chamava a vizinhança e pessoas se juntavam às outras a todo instante. A rua era do povo. A repetição do item lexical rua, neste caso, tem o objetivo de assinalar que a informação é conhecida (é uma informação dada) e mantida. - Sinônimos Há muita dificuldade de se conceituar sinônimo. Adotamos a definição de Câmara (1978:222): “Propriedade de dois ou mais termos poderem ser empregados um pelo outro, em diversos e variados contextos, sem prejuízo do que se pretende comunicar” Exemplo: a) Vimos que a professora estava chegando à escola. Corremos para encontrar nossa mestra. b) Todos os automóveis da exposição foram vendidos. Isso provavelmente ocorreudevido à queda de juros no financiamento dos carros. As palavras em negrito são reiteradas por meio da sinonímia (dos sinônimos). - Hiperônimos e hipônimos A Hiponímia é um fenômeno semântico que ocorre quando o significado de um determinado elemento inclui o de outro elemento. Exemplos: Ele está muito feliz com o cachorro. O animal é seu companheiro leal. Cachorro mantém com animal uma relação semântica, o sentido de cachorro está incluído no sentido de animal. O calor pedia um refrigerante, ela foi à cantina e tomou uma coca-cola. Coca-cola é hipônimo de refrigerante. 23 Refrigerante é hiperônimo em relação a coca-cola. - Expressões nominais definidas Essas expressões são conhecidas também por antonomásias. Exemplos: Machado de Assis é meu escritor preferido. O bruxo do Cosme me encanta. Nosso maior escritor é tema de inúmeras teses de doutorado. O “bruxo do Cosme”, “nosso maior escritor”, substituem-se no texto, pois têm um referencial comum: o escritor Machado de Assis. - Nomes genéricos Há nomes muito abrangentes, que possuem uma grande extensão de significados, dependendo de seu uso. São muito usados e muito gerais como: negócio, gente, coisa. Eles funcionam como elementos de referência anafórica. Exemplo: Tempo para estudar, viajar, estar com amigos... quero todas essas coisas. O termo genérico “coisas” se refere aos termos já citados antes (Tempo para estudar, viajar, estar com amigos), funcionando como elemento anafórico. 3.2 Articulação Sintática do Texto - coesão sequencial Agora, vamos falar de conectivos. Conectivos são elementos responsáveis pela ligação semântica entre partes do texto. Eles conectam (ligam) orações, parágrafos. Observe que, se os conectivos forem usados inapropriadamente, comprometem o sentido, a coerência do texto: Ela não concordou com a proposta, ou estava inadequada. 24 Neste caso, o conectivo “ou” está inadequado. O correto seria o conectivo pois ou seus similares (porque, uma vez que, já que), cuja ideia expressa causa. Ou seja, pois expressaria o motivo pelo qual “ela não foi ao cinema.” São exemplos de conectores: e, nem, mas, todavia, entretanto, portanto, porque, onde, já que, uma vez que, que, para, daí, dessa forma, então, isto é, ou seja, além disso, embora, aliás, conforme, como, mas também etc Importante notar que os conectores estabelecem relações de sentido entre as partes que une. Exemplos: Faço graduação a distância, porque meu trabalho exige disponibilidade para viajar. Porque = relação de explicação ou de causa. Reviso os conteúdos para fazer uma boa avaliação! Para = relação de finalidade 3.2.1 Operadores argumentativos Oposição – mas, porém, contudo, todavia, no entanto Causa – porque, pois, já que Fim - para, com o propósito de Condição – se, a menos que, desde que, exceto se Conclusão – logo, assim portanto Adição – e, bem como, também Disjunção – ou Exclusão – nem Comparação – mais do que, menos do que 3.2.2 Operadores organizacionais - De espaço e tempo textual 25 Em primeiro lugar, em segundo lugar, como veremos, como vimos, neste ponto, aqui na primeira parte, no próximo capítulo etc. - Metalinguístico Por exemplo, isto é, ou seja, quer dizer, por outro lado, repetindo, em outras palavras, com base nisso, segundo fulano etc 3.3 Coerência Coerência é a relação que se estabelece entre as partes do texto, criando uma unidade de sentido. Ela é um fator de interpretabilidade do texto, pois é ela que possibilita a atribuição de um sentido unitário ao texto. (José Luiz Fiorin) 3.3.1 Coerência Sintática Leia a frase a seguir: Estudado tenho noites eu provas muito vem todas que semana as. Difícil de ser entendida, não? É até possível, em uma leitura minuciosa – montando um quebra-cabeças – compreendê-la e dar significado a ela. Imagine, agora, um texto longo com todas as palavras dispostas sem nenhum critério. Como compreendê-lo? Ninguém escreve assim, seguimos uma determinada sintaxe, mesmo que desconhecendo essa terminologia. O princípio básico da coerência sintática é construir textos em que os elementos da oração (sujeito, predicado, termos integrantes e acessórios estejam em ordem direta, obedecendo às suas regras, o que evitará ambiguidades e a falta de comunicação. Não é somente a ordem dos elementos que compõem a oração que evitam a incoerência. Fatores como a escolha de palavras (seleção lexical), regras de concordância, regência, 26 colocação pronominal, entre outras, também o fazem. Destaca-se o fator de textualidade coesão – uso adequado de conectivos, entre outros recursos - como elemento indispensável para um texto ser sintaticamente coerente. 3.3.2 Coerência Semântica A Semântica é uma das áreas da Linguística que se refere à significação das palavras, trata da relação entre os significados dos elementos das frases em sequência lógica de sentido. A incoerência ocorre quando esses sentidos não estão em harmonia, ou quando são contraditórios. É o tipo de coerência estabelecia por meio do uso correto do significado das palavras de um texto; ao desenvolvimento lógico das ideias nele apresentadas, à construção de argumentos e figuras harmônicos livres de contradições e que tenham sentido entre si. Exemplo: Concertos transmitem muito entretenimento aos ouvintes. Texto incoerente: o verbo transmitir não está adequado “semanticamente”, pois significa “fazer passar algo de um lugar a outro, comunicar”. Entretenimento não é algo que foi passado de um lugar para outro. O verbo adequado seria “proporcionam”. 3.3.3 Coerência Temática O princípio da coerência temática é selecionar apenas ideias que sejam relevantes para o desenvolvimento pleno de um determinado tema. Para se alcançar esse tipo de coerência em um texto, as citações, as inserções, enfim, todos os enunciados devem ser relevantes para o tema. Qualquer elemento frasal, qualquer ideia, que não contribua no desenvolvimento de um texto, por exemplo, deve ser evitada. Evitam-se, assim, 27 repetições que tornam o texto prolixo (complicado, muitas palavras para dizer o óbvio, muitas palavras e pouco significado). 3.3.4 Coerência Pragmática Pragmática é a área da Linguística que estuda o uso da linguagem tendo em vista o contexto da comunicação e da relação entre os interlocutores nos atos da fala. Esse tipo de coerência refere-se ao texto como uma sequência de atos de fala. Para que ela ocorra é necessário que os atos de fala se realizem apropriadamente; ou seja, interlocutor, no momento de sua fala, deve adequar-se, estar coerente, conjugado com a fala do seu ouvinte. Por exemplo, quando alguém pergunta algo a alguém, espera-se uma resposta que dê sequência ao que está sendo tratado na conversa. Quando se quebra essa expectativa de resposta, cria-se uma incoerência pragmática. Esse é o tipo de coerência que ocorre quando as condições do contexto são favoráveis aos atos de fala dos interlocutores. Importante acrescentar que o conhecimento que temos da realidade sociocultural e do modo adequado de se manter uma conversação nos permitem observar quando ocorre uma incoerência (ou coerência) pragmática. A: Você sabe fica o Mercado Municipal?? B: Ontem foi o casamento do meu sobrinho. Texto incoerente: o interlocutor B não respondeu à pergunta do interlocutor A (era de se esperar que ele tivesse informado o local do mercado municipal ou que dissesse que não o conhecia). 3.3.5 Coerência Estilística 28 O estilo diz respeito à variedade linguística adotada em um texto. Se você optou pelo uso da variedade padrão, é coerente que você a preserve em todo o texto. Não faz o menor sentido começar uma redação utilizandouma linguagem culta e de repente alterar o estilo e empregar a linguagem coloquial, não é mesmo? É o tipo de coerência que exige que um único tipo de linguagem se mantenha em um texto do início ao fim. Quando se opta, por exemplo, pela variante culta da língua, deve- se mantê-la ao longo de um texto. É importante observar o gênero textual de que se está fazendo uso, para escolher a linguagem adequada. Na redação de um ofício, um bilhete para um amigo, um texto acadêmico, uma ata, seja qual for o gênero textual, é fundamental conhecer sua estrutura e qual a linguagem adequada. Este tipo de coerência não impede a interpretação de um texto nem a comunicação, mas deve ser evitada a mudança de estilo de linguagem, principalmente, em gêneros textuais formais. Quando se deseja produzir humor, a mudança de linguagem cria efeitos muito positivos, justamente por gerar o inesperado, o que cria graça. Exemplo: “Vimos a Vossa Excelência manifestar nossa indignação quanto ao descaso com o lixo em nosso bairro. Uma coleta semanal não é suficiente para a demanda dos moradores. Passamos a relatar os transtornos que temos enfrentado... [..] Terminamos dizendo que isso é uma pouca vergonha, uma sujeira, uma sacanagem dessa prefeitura.” Texto incoerente: o emissor começa o enunciado com uma linguagem formal, terminando-o numa linguagem totalmente informal, com gírias. 3.3.6 Coerência Genérica A coerência genérica está relacionada à escolha adequada do gênero textual. Existe um gênero disponível para cada ato de fala e escrita: por exemplo, se a intenção de quem escreve é anunciar algum produto para a venda, provavelmente ele optará pela linguagem utilizada nos classificados de um jornal. Se a intenção é contar uma história, o conto ou a crônica são opções possíveis 29 3.3.7 Níveis de coerência Vamos ver apenas três dos níveis em que a coerência deve ser observada: 3.3.8 Coerência Narrativa Quando estamos narrando, é essencial que haja coerência. Por exemplo, não é possível caracterizar uma personagem como possuidora de coragem, determinação, força, num momento narrativo e, em seguida, apresentar uma cena em que essa personagem desvia de um conhecido porque teve medo de ser cobrado de algum débito passado. É claro que uma personagem pode mudar de hábitos, modificar seu caráter etc. durante a narrativa; mas seria, então, necessário justificar como se deu essa mudança, quais fatores concorreram para que isso acontecesse. 3.3.9 Coerência Figurativa Trata-se da articulação harmônica das figuras do texto baseada na relação de significado que elas mantêm entre si. Vejamos um exemplo. Uma narrativa cuja ação se passa no sertão nordestino - em um tempo de seca - apresentará figuras como terra seca, vegetação rara, pedras, gado magro, ossos (de animais mortos ao chão), açudes secos etc. Não seria coerente em meio a essas palavras, juntar palmeiras, árvores carregadas de frutas, pessoas bem vestidas, animais bem nutridos, gramados etc. 3.3.10 Coerência Argumentativa Quando estamos defendendo um ponto de vista, seja oralmente ou por escrito, é necessário apresentar argumentos coerentes, ou seja, que justifiquem tal defesa, de modo lógico, claro, com provas concretas etc. Um exemplo: se eu estivesse redigindo um texto sobre pena de morte e usasse como argumento para defendê-la que “assim a criminalidade diminuiria”, eu estaria cometendo uma incoerência argumentativa, caso não tivesse dados estatísticos e/ou relatos de experiências de outros países onde essa 30 diminuição ocorrera. Quando argumentamos sobre algum assunto, apresentamos pressupostos e/ou dados sobre ele. Se eles não estão corretos e/ou dão margem para conclusões erradas, estamos sendo incoerentes do ponto de vista argumentativo. 3.4 Fatores Pragmáticos do Texto 3.4.1 Intencionalidade Diz respeito ao que o produtor do texto pretendia e/ou queria que eu entendesse, e/ou fizesse com aquilo (que produziu). A intencionalidade centra-se basicamente no produtor do texto, na sua intenção. 3.4.2 Aceitabilidade Diz respeito à atitude do receptor do texto, que recebe o texto como uma configuração aceitável, tendo-o como coerente e coeso, ou seja, interpretável e significativo 3.4.3 Situcionalidade A situcionalidade não só serve para interpretar e relacionar o texto ao seu contexto interpretativo, mas também para orientar a própria produção. Ela pode ser vista como um critério de adequação textual. Este princípio diz respeito aos fatores que tornam um texto relevante numa dada situação, pois o texto figura como uma ação dentro de uma situação controlada e orientada. (MARCUSCHI, 2008, p.128) Tomemos o caso de alguém que quer falar ao telefone: essa situação exigirá uma série de ações mais ou menos consolidadas e que vão constituir o gênero telefonema. Haverá a chamada, as identificações e os cumprimentos mútuos, a abordagem de um tema, ou vários, e as despedidas. (MARCUSCHI, 2008, p.128) 3.4.4 Informatividade 31 É a medida em que as ocorrências de um texto são esperadas ou não, conhecidas ou não, pelo receptor. Um discurso menos previsível tem mais informatividade. Sua recepção é mais trabalhosa, porém mais interessante e envolvente. O excesso de informatividade pode ser rejeitado pelo receptor, que não poderá processá-lo. O ideal é que o texto se mantenha num nível mediano de informatividade, que fale de informações que tragam novidades, mas que venham ligadas a dados conhecidos. Todo texto tem um nível de informatividade, mas isso depende de quem lê. Um leitor que conhece o assunto terá um nível baixo de informatividade, mas para aquela pessoa que não tem nenhum conhecimento do assunto terá um nível alto de informatividade. Tanto a falta quanto o excesso de previsibilidade são prejudiciais à aceitação do texto por parte do leitor. Um bom índice de informatividade atende à suficiência de dados. (MARCUSCHI, 2008, p.128) 3.4.5 Intertextualidade É a relação de um texto com outros textos previamente existentes, isto é, efetivamente produzidos. Trata-se, pois, da presença de partes de textos prévios dentro de um texto atual. 32 4 GÊNEROS TEXTUAIS Nesse bloco vamos falar sobre os gêneros textuais e a sua importância no ensino de língua portuguesa. 4.1 O que são gêneros textuais Entende-se como gêneros discursivos ou textuais uma noção que faz referência aos textos materializados, com os quais o indivíduo tem contato no dia a dia, marcados por suas características sociocomunicativas. Diferentemente do caráter funcional, sociocomunicativo, cognitivo e institucional dos gêneros textuais, os tipos textuais designam “uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)” (MARCUSCHI, 2005, p. 23). Mas como trabalhar com os gêneros em sala de aula? A fala e a escrita devem ser estudadas a partir de um feixe de gêneros textuais. Na prática, percebe-se que fala e escrita caminham de mãos dadas, uma vez que entre os gêneros textuais, há um continuum de características de elementos orais e escritos nos textos em dados contextos. Fala e escrita apresentam-se em dois contínuos, ou seja, na linha dos gêneros textuais (GF1, GF2... e GE1, GE2...) e na linha das características específicas de cada modalidade. Dessa forma, os gêneros textuais, que se configuram nas sociedades, constituem-se ora específico de uma modalidade, ora como mistos. 33 Marcuschi, 2008 – p. 193 Para saber mais sobre gêneros textuais, assista à entrevista de Joaquim Dolz, um estudioso dos gêneros textuais - Jornal Futura - Canal Futura: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=c2bD4bDnZJY.Acesso em: 10 jul. 2018. 4.2 Entre a Oralidade e a Escrita É comum verificarmos nos textos escritos produzidos pelos alunos interferências de elementos característicos dos gêneros específicos da fala. Dessa forma, as relações entre as modalidades de uso da língua se misturam, indicando que os alunos transferem para a escrita características de suas práticas sociais. A partir dessa relação instituída nos textos produzidos pelos alunos, verifica-se que as instituições escolares conferem à oralidade uma atenção quase que inversa à da escrita. Observa-se que a prática dos professores, na maioria das vezes, está presa a uma concepção de língua homogênea, concepção essa atestada pelo próprio livro didático, conforme afirma Marcuschi (2005, p-22): Esta breve revoada na estrutura do livro didático de Língua Portuguesa permite identificar que a língua é tida por eles como: (a) um conjunto de regras gramaticais (ênfase no estudo da gramática), (b) um instrumento de https://www.youtube.com/watch?v=c2bD4bDnZJY 34 comunicação (visão instrumental da língua) e (c) um meio de transmissão de informação (sugerindo a língua como um código). Dessa forma, o professor recai numa prática centrada na reprodução dos livros didáticos e adota uma noção de língua como mero instrumento de comunicação transparente, uniforme, desvinculada de seus usuários e da sociedade. Nesse sentido, postula-se um ensino centrado em um ideal de fala baseado na escrita. Existem reflexões claras sobre o lugar da oralidade no ensino de língua, como vislumbram os próprios PCNs: Cabe à escola ensinar o aluno a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais: planejamento e realizações de entrevistas, debates, seminários, diálogos com autoridades, dramatizações etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato, pois seria descabido “treinar” o uso mais formal da fala. A aprendizagem de procedimentos eficazes tanto da fala como de escuta, em contextos mais formais, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar pra si a tarefa de promovê-la. Ressalta-se que o trabalho com a oralidade não se deve transformar em um conteúdo autônomo, mas deve ser vista de forma integrada com a escrita. De acordo com Marcuschi (2005), fala e escrita não devem ser concebidas exclusivamente como códigos, mas sim dentro de um continuum tipológico. Pensar sob essa perspectiva é compreender que fala e escrita mantêm relações mútuas e diferenciadas e que uma complementa e influencia a outra nas diversas formas de realização da língua. 35 É defender um ensino que focalize o aprendizado da língua portuguesa, baseado na exploração dos gêneros textuais, nas modalidades da língua falada e escrita, valorizando a obtenção, pelos alunos, da capacidade de se expressar distintamente nas manifestações às quais sejam expostos. É fundamental que a escola também leve em consideração a diversidade de usos da língua e deixe de entender a variedade padrão como possibilidade única de aprendizagem linguística. De acordo com Bastos (2001, p. 95), a interferência no texto escrito de recursos da oralidade é devido a uma falta de familiaridade com a escrita por parte do aluno e a própria falsidade da situação escolar de escrita, que começa pela não definição de interlocutores. Em outras palavras, observa-se que os alunos, em suas práticas de produções textuais, por não terem claro para quem escrevem e a funcionalidade dos textos produzidos, acabam reproduzindo, na escrita, traços oriundos de suas práticas sociais. Diante de tudo isso, concluímos que hoje é impossível investigar oralidade e escrita como sendo modalidades distintas no sistema linguístico. Não devem ser vistas como códigos, uma vez que já não se podem destacar características específicas, sem antes considerar a distribuição de seus usos na prática social. 4.3 Fala e Escrita A língua é composta de duas modalidades de uso – a fala e a escrita, porém são processadas em circunstâncias diferentes e têm características específicas. O texto escrito possui algumas características bem específicas, como: • Parágrafos; • Títulos e subtítulos; • Imagens, fontes e elementos gráficos; 36 • Processos coesivos. Pensando na modalidade da fala, sabe-se que ela não se baseia apenas na gramática e no léxico da língua, mas recorre a variados recursos verbais e não verbais. Para saber mais sobre as suas características, assista ao vídeo: Fala e Escrita. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XOzoVHyiDew&list=PLd_ISfoUu7qo9NcvJn3KHM MnxIIRnjZLl. Acesso em: 10 jul. 2018. 4.4 Por que trabalhar com gêneros textuais nas aulas de Língua Portuguesa? Considerando que a variedade de gêneros textuais com os quais o aluno tem contato no dia a dia são infindos, a unidade básica de ensino nas aulas de língua portuguesa deve ser o texto. Além de estar em consonância com as orientações teórico-metodológicas dos PCNs, um dos méritos do trabalho didático-pedagógico com os gêneros discursivos se deve ao fato de proporcionar o desenvolvimento da autonomia do aluno, no processo de leitura e produção textual, como uma consequência no domínio do funcionamento da linguagem, em situações de comunicação, uma vez que é, por meio dos gêneros discursivos, que as práticas de linguagem se incorporam nas atividades dos alunos. Porém, diante do vasto universo de gêneros textuais existentes, é preciso que uma seleção seja feita para a realização de um trabalho em sala de aula que atenda aos objetivos propostos e à compreensão que se tem do que é trabalhar/estudar/aprender a língua a partir dos seus verdadeiros e funcionais usos sociais. https://www.youtube.com/watch?v=XOzoVHyiDew&list=PLd_ISfoUu7qo9NcvJn3KHMMnxIIRnjZLl https://www.youtube.com/watch?v=XOzoVHyiDew&list=PLd_ISfoUu7qo9NcvJn3KHMMnxIIRnjZLl 37 5 TIPOLOGIAS TEXTUAIS Neste bloco vamos conhecer e compreender as questões ligadas às tipologias textuais. 5. 1 Tipologias Textuais Os textos, apesar de sua diversidade, apresentam características semelhantes entre si, que nos permitem classificá-los em tipos. Tipo textual designa uma espécie de construção teórica (em geral uma sequência subjacente aos textos) definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo.) Os principais tipos de textos são: Descrição, Narração e Dissertação. 5.2 Descrição É o texto em que se expõem propriedades e aspectos de seres particulares (pessoas, objetos, cenas etc.) considerados em uma relação de simultaneidade, num dado momento. A seguir, um exemplo de descrição (em versos – poema) Retrato Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; 38 eu não tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: – Em que espelho ficou perdida a minha face? (Cecília Meireles) Características do Texto Descritivo a) Figuratividade A descrição, por expor características de seres concretos, constrói-se predominantemente com palavras concretas, chamadas de figuras, por isso o termo figuratividade. Observe no exemplo a seguir as palavras em negrito: todas são substantivos concretos. Na sala empoeirada, móveis cobertos por lençóis, caixas enormes empilhadas pelos cantos e na parede alguns quadros esquecidos. Num deles, o avô da família que aqui morou. Um homem magro, de bigodes e cabelos pretos e rosto de traços marcantes. b) Simultaneidade Todas as frases de um texto expõem ocorrências simultâneas,ou seja, todas ocorrem ao mesmo tempo. Entre os enunciados não há relação de anterioridade e posteridade. Descrição de cena A descrição de cena tem as mesmas características de qualquer outra descrição, como a de uma pessoa, de um quadro, de um objeto. No entanto, a descrição de cena pode, aparentemente, ser confundida com uma narração. Por isso, é importante destacar as características descritivas, no texto que apresentaremos a seguir. Pretende-se acentuar que em uma descrição não há 39 progressão temporal, ou seja, todos os fatos ocorrem simultaneamente. Vamos ao texto: Uma manhã fria. São quase nove horas. Ninguém pode imaginar o que ocorre lá dentro. No mesmo momento, ocorre um assalto. Dois homens apontam armas para o gerente, que nervosamente está abrindo o cofre. No saguão, outros dois homens mantêm funcionários deitados no chão. Ameaçam-nos, impõem silêncio e ordenam que todos permaneçam imóveis. Uma moça soluça, tentando controlar-se, enquanto um segurança, que permanecia num dos banheiros, sem ter sido rendido pelos assaltantes, tenta acionar a polícia. Lá fora ouvem-se pessoas passando pela calçada. Percebeu como esse texto descritivo pode confundir-se como um texto narrativo? Vejamos, então, por que se trata de um texto descritivo? Observe que todas as situações ocorrem simultaneamente: Enquanto dois homens apontam armas para o gerente, este está abrindo o cofre. Num outro local, ao mesmo tempo, outros dois assaltantes ameaçam os funcionários que estão no chão. Eles pedem silêncio a todos que estão deitados. Entres estes, uma moça soluça, ao mesmo tempo que o segurança, num dos banheiros, tenta acionar a polícia. Enquanto todas as situações ocorrem simultaneamente no interior do banco, lá fora, outra situação ocorre do mesmo modo: pessoas passam pela rua. Observe que não houve mudança de estado de nenhuma situação. Por exemplo, o gerente não chegou a passar o dinheiro para os assaltantes nem a moça parou de soluçar, ou o segurança falou com a polícia, ou seja, nada indica também uma progressão temporal. c) Uso do tempo verbal Presente e Pretérito Perfeito do Indicativo. 40 Em função da simultaneidade característica do texto descritivo, os tempos verbais básicos utilizados na descrição são o presente ou pretérito imperfeito do indicativo ou ambos. Esses dois tempos verbais, por indicarem simultaneidade, não denotam mudança de estado. O presente indica concomitância em relação ao momento da fala, e o pretérito imperfeito indica concomitância em relação a um marco temporal “no passado” instalado no enunciado. Exemplo: Há pouco, da janela do meu quarto eu via o mar que estava bastante agitado, por isso as ondas faziam tanto barulho. Agora, já deitada, sinto o cheiro do mar. Gosto de estar aqui, pensando nas trilhas por onde caminhava quando criança. Tudo permanecia igual. d) Verbos de estado Verbos de estado são aqueles que expressam uma particularidade, uma propriedade, uma condição que está no sujeito de quem se fala num texto. Exemplo: Maria mora em Buenos Aires. Atualmente eu estou desempregada. e) Organização espacial Uma vez que o texto descritivo se organiza pela simultaneidade das situações citadas, frequentemente, sua organização é espacial, ou seja, descreve-se de dentro pra fora, de cima para baixo, da esquerda para a direita. 5.3 Narração É um tipo de texto caracterizado por uma sucessão de eventos, de uma situação inicial à final, e que necessariamente, haja mudança de situação e progressão temporal, seja um simples fato ou um conto, uma novela. 41 Características do Texto Narrativo a) Transformação de situações concretas É o conjunto de transformação de situações referentes a personagens específicas, num tempo demarcado e num espaço determinado e preciso. b) Relações de anterioridade e posterioridade Em um texto narrativo, há sempre progressão temporal entre os episódios narrados. Isso significa que esses episódios se articulam em uma relação de anterioridade e posterioridade, são sequenciais uns aos outros. c) Utilização de tempos verbais do pretérito O tempo verbal presente indica concomitância em relação ao momento da fala do narrador, que relata uma situação determinada. No entanto se deve observar que essa fala (do narrador) sempre é posterior ao acontecimento narrado. Essa é a razão pela qual a narração faz uso de tempos verbais do pretérito (imperfeito, perfeito, mais-que- perfeito). d) Figuratividade A narração envolve personagens, situações, espaços bem determinados, de um universo objetivo, concreto, razão pela qual faz uso, predominantemente, de termos concretos, que são chamados de figuras, por isso o termo figuratividade. Exemplo de texto narrativo: Quando você me deixou, meu bem Me disse pra ser feliz e passar bem Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci Mas depois, como era de costume, obedeci 42 Quando você me quiser rever Já vai me encontrar refeita, pode crer Olhos nos olhos, quero ver o que você faz Ao sentir que sem você eu passo bem demais E que venho até remoçando Me pego cantando Sem mais nem porquê E tantas águas rolaram Quantos homens me amaram Bem mais e melhor que você Quando talvez precisar de mim Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim Olhos nos olhos, quero ver o que você diz Quero ver como suporta me ver tão feliz (Chico Buarque) Observe as características narrativas: Há a perceptível progressão temporal. Há relação de anterioridade e posterioridade entre os fatos que ela narra. Há transformação de situações concretas. No presente, ela está bem, sente-se segura, feliz, liberta da dependência do homem que a abandonara. No entanto, ela relata um passado (bem anterior), quando fora abandonada e narra como sofrera por isso. Relembra seu comportamento dependente deste homem e como aceitou a separação de modo obediente. Depois ela relata como foi mudando (passado mais próximo do presente), como conheceu e amou outros homens, como “tantas águas rolaram”, como chegou ao presente estado. É importante salientar que textos narrativos não são somente “histórias” como a que vimos acima. Uma notícia pode ser passada de modo narrativo. Observe as mesmas 43 características já vistas: progressão temporal. Há relação de anterioridade e posterioridade entre os fatos que ela narra. Há transformação de situações concretas. Os manifestantes estavam na rua em frente ao sindicato desde aproximadamente 7h, aguardando os líderes que negociariam com os empresários nesta manhã. Por volta das 10h, foi anunciado que ainda não havia resposta para a proposta e que as negociações foram interrompidas. É meio-dia, inconformados e resistentes, os manifestantes permanecem no local. 5.4 Dissertação É um texto temático que explica, classifica, avalia, analisa, interpreta dados da realidade. Características do texto dissertativo a) Temático O texto dissertativo não trata de seres concretos e particularizados nem relata histórias, acontecimentos. É um texto que opera com análise, classificação, avaliação, interpretação geral de dados da realidade. Sua referência ao mundo é feita por meio de conceitos amplos e genéricos. b) Mudanças de situação Como o texto dissertativo trata de temas de uma determinada realidade inserida em um tempo e espaço sujeitos a mudanças, é natural que elas caracterizem esse tipo de texto. No entanto, a relação de anterioridade e posterioridade não tem importância entre essas mudanças de situação. c) Relações Lógicas O texto dissertativo se ordena por relações lógicas de comparação, confronto, pertinência, causa e consequência etc. entre as ideias, temas e assuntos nele tratados. 44 Exemplo de texto dissertativo: O textoa seguir foi escrito por Isadora Peter Furtado (Enem 2015, Rio Grande do Sul), que está entre as Redações Nota Dez do ENEM. A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira é um problema muito presente. Isso deve ser enfrentado, uma vez que, diariamente, mulheres são vítimas desta questão. Neste sentido, dois aspectos fazem-se relevantes: o legado histórico- cultural e o desrespeito às leis. Segundo a História, a mulher sempre foi vista como inferior e submissa ao homem. Comprova-se isso pelo fato de elas poderem exercer direitos, ingressarem no mercado de trabalho e escolherem suas próprias roupas muito tempo depois do gênero oposto. Esse cenário, juntamente aos inúmeros casos de violência contra as mulheres, corroboram a ideia de que elas são vítimas de um histórico-cultural. Nesse ínterim, a cultura machista prevaleceu ao longo dos anos a ponto de enraizar-se na sociedade contemporânea, mesmo que de forma implícita, à primeira vista. Conforme previsto pela Constituição Brasileira, todos são iguais perante à lei, independente de cor, raça ou gênero, sendo a isonomia salarial, aquela que prevê mesmo salário para mesma função, também garantidas por lei. No entanto, o que se observa em diversas partes do país, é a gritante diferença entre os salários de homens e mulheres, principalmente se estas forem negras. Esse fato causa extrema decepção e constrangimento a elas, as quais sentem-se inseguras e sem ter a quem recorrer. Desse modo, medidas fazem-se necessárias para corrigir a problemática. Diante dos argumentos supracitados, é dever do Estado proteger as mulheres da violência, tanto física quanto moral, criando campanhas de combate à violência, além de impor leis mais rígidas e punições mais severas para aqueles que não as cumprem. Some-se a isso investimentos em educação, valorizando e capacitando os professores, no intuito de formar cidadãos comprometidos em garantir o bem-estar da sociedade como um todo. 45 Disponível em: https://blogdoenem.com.br/redacao_enem_nota_1000/. Acesso em: 05 jun. 2018. Nesse momento, é importante reforçar a diferença entre tipologia textual e gênero textual: TIPOS TEXTUAIS GÊNEROS TEXTUAIS São constructos teóricos definidos por propriedades linguística intrínsecas. São realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas. Constituem sequências linguísticas ou sequências de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos. Constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas. Abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal. Abrange um conjunto aberto e ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função. Designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição. Exemplo de gêneros: crônicas jornalísticas, folhetos publicitários, atas de reuniões, relatórios, ensaios etc. 46 6. A PRÁTICA DA PRODUÇÃO TEXTUAL NA SALA DE AULA Chegamos ao último bloco da disciplina Linguística Textual. Nesta última fase, você vai estudar sobre a prática da produção textual na sala de aula. Para isso, vamos pautar a nossa abordagem nas orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais. 6.1 O que são os parâmetros curriculares nacionais (PCNs)? Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa pretendem apresentar referenciais de qualidade para a educação no ensino fundamental e médio em todo o Brasil. Desde seu lançamento e distribuição aos professores, os PCNs já foram objeto de inúmeros estudos, pesquisas, críticas e defesas, debates, encontros, congressos. Desde 1997 vêm orientando ações docentes em geral. Os principais fatores que motivaram a concepção e concretização dos Parâmetros Curriculares Nacionais são, entre outros, o fracasso da escola no enfrentamento de problemas relacionados à evasão, repetência e analfabetismo. A função dos PCNs é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual. (BRASIL, 1997, p.13) Estudando os PCNs, chega-se à conclusão de que o ensino da leitura e da escrita teve suas práticas revisadas, considerando-se não só o conhecimento didático acumulado, mas também as contribuições de outras áreas, como a Psicologia da Aprendizagem, a Psicologia Cultural e as Ciências da linguagem. Essas ciências, assim como a Psicolinguística, a Sociolinguística; tanto da Pragmática, da Linguística Textual, quanto da Semiótica, da Análise do Discurso, contribuíram sobremaneira na construção dos PCNs, atestando seu grau de qualidade como referencial. 47 A perspectiva construtivista na educação, entre outras influências, como os pressupostos da Psicogenética, da Teoria Sociointeracionista e das explicações da atividade significativa, são elementos embasadores dos documentos dos PCNs de Língua Portuguesa. O ensino da língua tem como objetivo o desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas, que são falar, escutar, ler e escrever. Na perspectiva dos PCNs, o domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. A escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da cidadania. 6.2 Os gêneros discursivos nos PCNs Vamos falar um pouco a respeito de gêneros discursivos? Há unanimidade entre a comunidade educacional de que a grande inovação trazida pelos PCNs - a despeito dos limites que eles possam apresentar - relaciona-se ao modo de se conceber e tratar a questão dos gêneros textuais e as questões da oralidade voltadas, em especial, ao ensino da língua oral em seus usos e formas pela escola. Os professores de língua geralmente se deparam com algumas perguntas: existe um gênero ideal para se trabalhar em sala de aula? Quais são os gêneros mais importantes? Há um gênero mais importante de que outro? Os próprios PCNs têm grande dificuldade para apresentar respostas. Existem gêneros mais apropriados para o ensino da língua? Tudo indica que a resposta seja não. “Mas é provável que se possam identificar gêneros com dificuldades progressivas, do nível menos formal ao mais formal, do mais provado ao mais público.” (MARCUSCHI, 1998, p. 207) O que é extremamente necessário é que o professor possa escolher os gêneros que considera adequados no momento em que está com seus alunos em sala de aula e que, 48 sobretudo, saiba diversificá-los. Essa prática favorece ao aluno formar uma postura mais reflexiva e crítica em relação à língua e a seus usos, uma vez que ao analisar textos de gêneros diferentes, estará refletindo sobre a adequação dos elementos linguísticos determinantes em sua utilização. (MARCUSCHI, 1998, p. 207) Os PCNs de Língua Portuguesa sugerem os gêneros mais adequados para o trabalho com a língua escrita e com a língua falada. A seguir, vamos (re)conhecê-los: Importante salientar que os conteúdos que seguirem foram resumidos e/ou compilados dos PCNs e comentados a partir deles, visando favorecer seu acesso a eles. Gêneros Discursivos sugeridos para o Ensino Fundamental Gêneros adequados para a prática de Escuta e Leitura de Textos: TERCEIRO E QUARTO CICLOS 49Fonte: PCNEF, p.5 Gêneros adequados para a prática de Produção de Textos Orais e Escritos: 50 Fonte: PCNED, p.57 6.3 Ensino da língua oral na escola Hoje, fala e língua são vistas como modalidades que se complementam, no entanto, a escola se dedica ao ensino da escrita, em detrimento ao da fala: aquela ocupa papel central na vida das sociedades letradas. A escola não assumiu seu papel de ensinar a modalidade oral, e segundo apontam os PCNs, quando o fez, equivocou-se ao tentar corrigir a fala “errada” de seus alunos, por esta diferenciar-se da variedade culta, reforçando assim o preconceito linguístico. Foi salientado que a ênfase no papel da escola em relação ao ensino da língua oral é uma inovação e um avanço proposto pelos PCNs. O que se pretende, então, é ensinar a utilização adequada da linguagem oral de forma mais competente em instâncias distintas daquelas do espaço privado: contextos informais, coloquiais e familiares. 51 Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da cidadania. (BRASIL, 1998, p.67) É fato que a escola não assume a função que, em princípio, deveria ser dela: ensinar usos e formas da língua oral. E se manifestam sobre essa questão ao declarar que “não é papel da escola ensinar o aluno a falar: isso é algo que a criança aprende muito antes da idade escolar”. Talvez por isso, a escola não tenha tomado para si a tarefa de ensinar quaisquer usos e formas da língua oral. O que se pode colocar como "novo" nos PCNs é a ênfase no papel da escola quanto à utilização adequada da linguagem oral de forma mais competente em instâncias distintas daquelas do espaço privado: contextos informais, coloquiais e familiares. (BRASIL, 1998, p.67) É preciso esclarecer que a postura que a escola deve assumir não se restringe à aceitação da linguagem com a qual o aluno chega a ela, mas a de ensinar a ele os usos e formas da língua adequados a diferentes situações de comunicação, sem as quais não se sentirá capaz, muitas vezes, de se expressar oralmente, mesmo em um ambiente acolhedor. Não basta deixar que as crianças falem; apenas o falar cotidiano e a exposição ao falar alheio não garantem a aprendizagem necessária. É preciso que as atividades de uso e as de reflexão sobre a língua oral estejam contextualizadas em projetos de estudo, quer sejam da área de Língua Portuguesa, quer sejam das demais áreas do conhecimento. (BRASIL, 1998, p.67) 6.4 Propostas de atividades – oralidade: fala e escrita Aqui vamos tratar de atividades que contemplam os conteúdos referentes à língua oral e à escrita, conforme sugeridos nos PCNs de Língua Portuguesa. 52 Os PCNs propõem inovações para o trabalho com a oralidade, por meio de atividades alinhadas aos objetivos e conteúdos. São duas as atividades dessa modalidade, a Escuta e a Prática e Produção de textos orais, atreladas aos gêneros discursivos. Escuta As atividades privilegiadas nos PCNs referentes à Escuta são as que colaboram na ampliação do conjunto de conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção dos sentidos. A escuta consoante desses referenciais consiste em criar situações reais de interlocução entre os alunos. Elas podem ser simultâneas ou gravadas. Os envolvidos podem participar de diversos modos: ouvindo sem se manifestar ou fazer interferências, fazer anotações para analisar o contexto da situação com a linguagem, observar e buscar compreender os fenômenos linguísticos da fala etc. Nessas atividades há espaço para interação com outras linguagens não verbais, como os gestos, expressão corporal e faciais etc. A escuta de textos pode ser real ou gravada. As gravações são um recurso valioso no processo de aprendizagem, uma vez que permitem voltar a trechos desejados, ouvir várias vezes para acertar transcrições etc. O professor precisa contar com uma coleção de textos orais correspondentes aos gêneros. Essa coleção pode ser organizada a partir de textos dos alunos, registrados em suportes de áudio disponíveis, e da promoção de debates, entrevistas, palestras, leituras dramáticas, saraus literários organizados pela escola ou por outra instituição etc. Há muitos procedimentos de escuta. Vamos (re)conhecê-los? Tipos de Escuta Escuta orientada de textos em situações autênticas de interlocução, simultaneamente ao processo de produção, com apoio de roteiros orientadores para registro de informações enunciadas de modo a garantir melhor apreensão de aspectos determinados, relativos ao plano temático, aos usos da linguagem característicos do gênero e às suas regras de funcionamento; 53 Escuta orientada, parcial ou integral, de textos gravados em situações autênticas de interlocução, também com a finalidade de focalizar os aspectos mencionados no item anterior. A gravação, pela especificidade do suporte, permite, no processo de análise, que se volte a trechos que tenham dado margem à ambiguidade, tenham apresentado problemas para a compreensão etc; Escuta orientada de diferentes textos gravados de um mesmo gênero, produzidos em circunstâncias diferentes (debate radiofônico, televisivo, realizado na escola) para comparação e levantamento das especificidades que assumem em função dos canais, dos interlocutores etc. Escuta orientada de textos produzidos pelos alunos de preferência a partir da análise de gravações em áudio ou vídeo para a avaliação das atividades desenvolvidas, buscando discutir tecnicamente os recursos utilizados e os efeitos obtidos. Tomar o texto do aluno como objeto de escuta é fundamental, pois permite a ele o controle cada vez maior de seu desempenho. Vamos em frente? Prática de textos orais Quanto à prática de produção de textos orais, os PCNs também demonstraram uma visão reciclada e em consonância com práticas associadas aos gêneros discursivos. Postura coerente, uma vez que elegeram o texto como unidade básica de ensino, “como ponto de partida e de chegada”. Trabalhar com gêneros amplia as possibilidades de realizar um trabalho diversificado, com textos reais, estimulantes à participação dos alunos, considerando-se a diversidade daqueles. Ao selecionar os gêneros, o professor deve levar em conta os que se coadunam com o projeto da escola, com objetivos pontuais relacionados aos interesses e/ou necessidades do grupo de alunos. É interessante garantir que essa atividade conte com diversos tipos de textos orais e que as situações propostas também sejam diversificadas, visando sempre atender à demanda da sala. Por último, criar oportunidades para os 54 alunos transitarem de situações formais às informais, das coloquiais às bem estruturadas. Desse modo, os alunos poderão conhecer os usos e formas da língua de modo mais efetivo. A produção oral pode acontecer nas mais diversas circunstâncias, dentro dos mais diversos projetos. Citam os PCNs: • atividades em grupo que envolvam o planejamento e realização de pesquisas e requeiram a definição de temas, a tomada de decisões sobre encaminhamentos, a divisão de tarefas, a apresentação de resultados; • atividades de resolução de problemas que exijam estimativa de resultados possíveis, verbalização, comparação e confronto de procedimentos empregados; • atividades de produção oral de planejamento de um texto, de elaboração propriamente e de análise de sua qualidade; • atividades dos mais variados tipos, mas que tenham sempre sentido de comunicação de fato: exposição oral, sobre temas estudados apenas por quem expõe; descrição do funcionamentode aparelhos e equipamentos em situações onde isso se faça necessário; narração de acontecimentos e fatos conhecidos apenas por quem narra etc. 6.5 Propostas de atividades com leitura A leitura, como prática social, é sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade pessoal. Fora da escola, não se lê só para aprender a ler, não se lê de uma única forma, não se decodifica palavra por palavra, não se responde a perguntas de verificação do entendimento preenchendo fichas exaustivas, não se faz desenho sobre o que mais gostou e raramente se lê em voz alta. Isso não significa que na escola não se possa eventualmente responder a perguntas sobre a leitura, de vez em quando desenhar o que o texto lido sugere, ou ler em voz alta quando necessário. No 55 entanto, uma prática constante de leitura não significa a repetição infindável dessas atividades escolares. (BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental, p. 57). Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa têm assentado que a leitura pode fornecer a matéria-prima para a escrita: o que escrever. Por outro lado, contribui para a constituição de modelos: como escrever. A seguir, vejamos por que esses documentos assinalam que uma prática de leitura intensa é tão essencial. Ela pode: • ampliar a visão de mundo e inserir o leitor na cultura letrada; • estimular o desejo de outras leituras; • possibilitar a vivência de emoções, o exercício da fantasia e da imaginação; • permitir a compreensão do funcionamento comunicativo da escrita: escreve-se para ser lido; • expandir o conhecimento a respeito da própria leitura; • aproximar o leitor dos textos e os tornar familiares — condição para a leitura fluente e para a produção de textos; • possibilitar produções orais, escritas e em outras linguagens; • informar como escrever e sugerir sobre o que escrever; • ensinar a estudar; • possibilitar ao leitor compreender a relação que existe entre a fala e a escrita; • favorecer a aquisição de velocidade na leitura; • favorecer a estabilização de formas ortográficas. A leitura consiste em um processo muito além da simples decodificação da escrita. É uma das atividades que fazem uso mais exigente dos sentidos, uma vez que o leitor constrói um significado para o texto, a partir do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, sobre o gênero, de acordo com seus valores etc. A seguir são apresentadas algumas sugestões para o trabalho com os alunos, que podem servir de referência para a geração de outras propostas 56 Tipos de leitura Leitura Diária O trabalho com leitura deve ser diário. Há inúmeras possibilidades para isso, pois a leitura pode ser realizada: de forma silenciosa, individualmente; em voz alta (individualmente ou em grupo) quando fizer sentido dentro da atividade; e pela escuta de alguém que lê. Leitura Colaborativa Na leitura colaborativa o professor lê um texto com a classe e, durante a leitura, questiona os alunos sobre as pistas linguísticas que possibilitam a atribuição de determinados sentidos; Leitura feita pelo Professor O professor efetua a leitura, os alunos participam ouvindo e interagindo conforme se estabelecerem os critérios. É o caso da leitura compartilhada de livros em capítulos, que possibilita aos alunos o acesso a textos bastante longos (e às vezes difíceis) que, por sua qualidade e beleza, podem vir a encantá-los, ainda que nem sempre sejam capazes de lê-los sozinhos. Atividades sequenciadas de leitura Essas atividades funcionam semelhantemente aos projetos, inclusive podem integrá-los; mas diferentemente destes, não têm um produto final predeterminado. O objetivo explícito é a leitura em si. Nessas atividades de leitura pode-se escolher um gênero específico, um determinado autor ou um tema de interesse etc, por um tempo determinado. Atividades permanentes de leitura As Atividades Permanentes de Leitura, ao contrário das sequenciadas, são situações didáticas propostas com regularidade e voltadas para a formação de atitude favorável à leitura. 57 Atividades Permanentes de Leitura (Exemplos) “Hora de...” (histórias, piadas, curiosidades científicas, notícias etc.). Os alunos escolhem o que desejam ler, levam o material para casa por um tempo e se revezam para fazer a leitura em voz alta, na classe. Dependendo da extensão dos textos e do que demandam em termos de preparo, a atividade pode se realizar semanalmente ou quinzenalmente, por um ou mais alunos a cada vez. “Roda de Leitores”: periodicamente os alunos tomam emprestado um livro (do acervo de classe ou da biblioteca da escola) para ler em casa. No dia combinado, uma parte deles relata suas impressões, comenta o que gostou ou não, o que pensou, sugere outros títulos do mesmo autor ou conta uma pequena parte da história para “vender” o livro que o entusiasmou aos colegas. Projetos de leitura A característica básica de um projeto é que ele tem um objetivo compartilhado por todos os envolvidos, que se expressa num produto final em função do qual todos trabalham. Os projetos são situações em que linguagem oral, linguagem escrita, leitura e produção de textos se inter-relacionam de forma contextualizada, pois quase sempre envolvem tarefas que articulam esses diferentes conteúdos. Alguns Exemplos de Projetos de Leitura: 1. Produção de áudios de contos ou poemas lidos para a biblioteca escolar ou para enviar a outras instituições; 2. Produção de vídeos (ou áudios) de curiosidades gerais sobre assuntos estudados ou de interesse; 3. Promoção de eventos de leitura numa feira cultural ou exposição de trabalhos. 6.6 Escrita Produção de textos Situações didáticas para a prática de textos 58 Projetos Uma coletânea de textos de um mesmo gênero (poemas, contos de assombração ou de fadas, lendas etc.), um livro sobre um tema pesquisado, uma revista sobre vários temas estudados, um mural, uma cartilha sobre cuidados com a saúde, um jornal mensal, um folheto informativo, um panfleto, os cartazes de divulgação de uma festa na escola ou um único cartaz. Situações de criação de textos As oficinas ou ateliês são formas privilegiadas para trabalhar a criação de textos. Tipos de Textos Escritos Textos provisórios A materialidade da escrita, que faz do seu produto um objeto ao qual se pode voltar, permite separar não só o escritor do destinatário da mensagem (comunicação a distância), como também permite romper a situação de produção do texto, separando produtor e produto. Essa possibilidade cria um efeito de distanciamento que permite trabalhar sobre o texto depois de uma primeira escrita. A maioria dos escritores iniciantes costuma contentar-se com uma única versão de seu texto e, muitas vezes, a própria escola sugere esse procedimento. Isso em nada contribui para o texto ser entendido como processo ou para desenvolver a habilidade de revisar. O trabalho com rascunhos é imprescindível. Produção com apoio A constatação das dificuldades inerentes ao ato de escrever textos — dificuldades decorrentes da exigência de coordenar muitos aspectos ao mesmo tempo — requer a apresentação de propostas para os alunos iniciantes que, de certa forma, possam “eliminar” algumas delas, para que se concentrem em outras. É importante que essas situações sejam planejadas de tal forma que os alunos apenas se preocupem com as variáveis que o professor priorizou por se relacionarem com o desenvolvimento do conteúdo em questão. Observe quantas sugestões! 59 Produção com Apoio • reescrever ou parafrasear bons textos já repertoriados mediante a leitura; • transformar um gênero em outro: escrever um conto de mistério a partir de uma notícia policial e vice-versa;
Compartilhar