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Thaís Pires 1 Sífilis Congênita Definição – a sífilis congênita é resultante da disseminação hematogênica do Treponema pallidum a partir da infecção materna em QUALQUER ESTÁGIO CLÍNICO da doença ou em qualquer idade gestacional. A transmissão dessa bactéria ocorre ou VIA TRANSPLACENTÁRIA ou pela contaminação ao passar pelo CANAL DE PARTO – as mães nas fases primária e secundária apresentam risco de transmissão vertical de 70-100% dos casos, que reduz para 30% nas fases tardias da sífilis (latente e terciária). Diante destes altos índices de transmissão, vale destacar que 50% das crianças infectadas NÃO APRESENTARÃO SINTOMAS LOGO APÓS O NASCIMENTO, podendo ser percebido somente aos 3 meses, justificando a necessidade da TRIAGEM SOROLÓGICA DE GESTANTES em todas as maternidades! • Transmissão Fetal – Cerca de 1,6% das gestantes brasileiras apresentam o VDRL POSITIVO, sendo que a transmissibilidade é maior quanto mais precoce tiver adquirido a doença, principalmente nas formas primária e secundária, pois a PARASITEMIA É MAIOR! Além do estágio da doença, os estágios gestacionais também podem “favorecer” a transmissibilidade, como acontece APÓS O 4 MÊS em que aumenta o FLUXO PLACENTÁRIO e, consequentemente, o risco de contaminação! Após infectar o feto, o T. pallidum acomete inicialmente o FÍGADO e só depois se dissemina pela PELE e MUCOSAS, ESQUELETO, PULMÕES e SNC. Especialmente nos pulmões, a bactéria pode causar PNEUMONIA ALBA, uma condição que surge ainda no período fetal, sendo incompatível com a vida. o Obs: Cerca de 40% dos casos de sífilis não tratada na gestação terminam em ÓBITO FETAL (abortamento espontâneo, natimorto) ou MORTE NEONATAL PRECOCE. A incidência de sífilis congênita é de 1:1000 nascidos vivos. • Clínica – É dividida de acordo com o período de aparecimento das manifestações clínicas! Denominada PRECOCE quando ocorrem entre NASCIMENTO – 2 ANOS DE VIDA, e denominada TARDIA quando ocorrem dos 2 ANOS EM DIANTE. o Sífilis Congênita Precoce – Na maioria dos casos, a HEPATOMEGALIA e ESPLENOMEGALIA estão presentes, podendo ser acompanhadas de ANEMIA, PÚRPURA e ICTERÍCIA com aumento de TRANSAMINASES. Vale destacar que QUANTO MAIS PRECOCE os sintomas e sinais, maior a GRAVIDADE da doença. ▪ Lesões Cutâneomucosas • Pênfigo palmoplantar – são LESÕES BOLHOSAS circundadas por um HALO ERITEMATOSO de aparecimento muuuuito precoce e de fácil identificação. O principal diagnóstico diferencial deve ser feito com IMPETIGO ESTAFILOCÓCICO levando em consideração que este último poupa as palmas e plantas e evolui em DIVERSOS SURTOS. Na sífilis, o surto é único e é seguido de descamação das lesões. • Sífilides – lesões cutâneas como MÁCULAS, PÁPULAS, VESÍCULAS e CROSTAS, sendo mácula e pápula mais frequentes. Costumam estar localizadas no DORSO, NÁDEGAS e COXAS – quando acomete região palmoplantar, é comum que haja erupção VESICULOSA com conteúdo hemorrágico rico em Treponemas!! • Condilomas Planos – Vegetações condilomatosas que podem ocorrer em torno de orifícios, embora sejam pouco frequentes! • Placas Mucosas – lábios língua, palato e genitália • Paroníquia – processo exfoliativo das unhas • Rinite/Coriza Sifilítica – costuma aparecer após manifestações cutâneas em torno da 2-3ª semana. É marcada por secreção (rica em treponema) MUCOSSANGUINOLENTA ou PURULENTA que atrapalha o ALEITAMENTO e a RESPIRAÇÃO. Se houver lesão da CARTILAGEM NASAL, pode haver evolução para o “NARIZ EM SELA”. A lesão inflamatória do trato respiratório pode produzir LARINGITE e CHORO ROUCO! ▪ Lesões Ósseas – São as manifestações mais FREQUENTES, sendo caracterizadas por serem SIMÉTRICAS, LOCALIZADAS EM OSSOS LONGOS (rádio, ulna, úmero, tíbia, fíbula, fêmur) e de caráter Thaís Pires 2 AUTOLIMITADO (independente se trata ou não). A lesão mais PRECOCE e mais ENCONTRADA (75- 100%) é a OSTEOCONDRITE METAFISÁRIA nos raios-x, sendo mais frequente em úmero, fêmur e tíbia – as epífises são quase sempre poupadas. Quando a osteocondrite atinge os metacarpos, é chamada de DACTILITE SIFILÍTICA e é caracterizada por dor à manipulação e impotência funcional nos MMSS, simulando uma paralisia (pseudoparalisia de Parrot) até os 3 meses de idade – diagnóstico diferencial com lesão do plexo braquial. Radiologicamente, a inflamação metafisária é traduzida pelo aparecimento de uma RAREFAÇÃO LOCALIZADA na margem superior interna da tíbia = SINAL DE WIMBERGER. Além deste, aparece a PERIOSTITE em torno da 10ª semana a partir do achado de ESPESSAMENTO EXTENSO e BILATERAL da cortical da diáfise. ▪ Lesões Viscerais • Hepatite – é manifestada por ICTERÍCIA devido à dificuldade para a excreção da fração direta – pode estar acompanhada de esplenomegalia e distúrbios hemorrágicos • Baço – muito comum o achado da hepatoesplenomegalia • Rim – aparece em torno do 2-3º mês, podendo ser do tipo síndrome NEFRÍTICA ou NEFRÓTICA – O tratamento com penicilina causa remissão ▪ Sistema Hematopoiético – a ANEMIA HEMOLÍTICA COM COOMBS NEGATIVO é muito comum e grave nas formas precoces da sífilis congênita. Esta anemia pode vir acompanhada de LEUCOCITOSE e TROMBOCITOPENIA, e alguns RNs apresentam LINFADENOPATIA GENERALIZADA. ▪ Lesões Nervosas – em LACTENTES, a meningite é a forma mais comum de comprometimento nervoso em torno do 3º e 6º mês de vida – laboratorialmente, o LCR tem celularidade aumentada por linfócitos e VDRL positivo! Ao fim do 1º ANO, pode ser diagnosticada uma HIDROCEFALIA OBSTRUTIVA por cronificação de quadro MENINGOVASCULAR com paralisia de nervos cranianos (III, IV, VI, VII), hemiplegia e convulsões. Thaís Pires 3 ▪ Lesões Oculares – predomina a coriorretinite na fase aguda com fundoscopia apresentando aspecto de “Sal e pimenta”. Outras lesões apresentadas são: ceratite intersticial, glaucoma, catarata, uveíte, cancro nas pálpebras e atrofia ótica. ▪ Outras Lesões – miocardite, síndrome de má-absorção, desnutrição, falta de ganho ponderal no RN o Sífilis Congênita Tardia ▪ Sequelas da Periostite na fase aguda – bossa frontal (fronte olímpica), espessamento da junção esternoclavicular, arqueamento da porção média da tíbia (tíbia em Sabre) ▪ Anormalidades Dentárias – dentes de Hutchingson e molares em forma de amora ▪ Face – maxilar curto, nariz em sela, rágades (fissuras peribucais) ▪ Articulação de Clutton – derrame articular estéril nos joelhos ▪ Ceratite intersticial, coroidite, retinite, atrofia óptica – possível evolução para cegueira ▪ Lesão do VIII par – pode levar à surdez e à vertigem. Este é o componente mais raro da TRÍADE DE HUTCHINSON = ceratite, alterações dentárias e surdez ▪ Hidrocefalia ▪ Retardo Mental • Diagnóstico o Pesquisa Direta do Treponema – Em técnica de CAMPO ESCURO, o material deve ser colhido de lesões ÚMIDAS (cutâneas e mucosas) do COTO UMBILICAL e das FOSSAS NASAIS. Essa pesquisa se torna negativa após o primeiro dia de tratamento!! o Reações Sorológicas para a Sífilis – esses testes demonstram os anticorpos contra o treponema ▪ Testes Não Treponêmicos – Estes testes utilizam ANTÍGENOS LIPÍDICOS NÃO ESPECÍFICOS isolados a partir do coração de boi, ou seja, não usa diretamente o Treponema, mas sim um complexo lipídico que é LIBERADO POR ELE! Os dois tipos de teste não treponêmicos são: Fixação de Complemento (Wassermann e Kolmer) e Teste de Floculação (VDRL e RPR) • Veneral Disease Research Laboratory (VDRL) – É um teste que, como identifica IgM e IgG, caso dê positivo, não significa infecção congênita, uma vez que a IgG materna ultrapassa a placenta - nessa condição, o título de anticorpos encontrados no RN for igual ou inferior ao da mãe – o exame deve ser repetido em 15 dias e, caso haja aumento dos títulos, a infecção ativa é provável. Na sífilis congênita, os títulos sorológicos do RN são SUPERIORES ao materno!! o Falsos-Positivos – algumas condições podem causar esse resultado, como mononucleose,LES, hepatite viral e febre reumática – para complemento diagnóstico, pode se realizar um TESTE TREPONÊMICO! o Falsos-Negativos – podem acontecer quando a mãe contraiu sífilis no fim da gestação, uma vez que a concentração de antígenos vai ser pequena o Vantagens – O VDRL é ótimo pois consegue medir a ATIVIDADE DA DOENÇA (teste quantitativo), sendo indicado, segundo o Ministério da Saúde, para DIAGNÓSTICO e SEGUIMENTO TERAPÊUTICO! Mesmo após anos da cura da infeção, o teste pode ser positivo ainda, porém com títulos menores e progressivamente diminuídos. Thaís Pires 4 ▪ Testes Treponêmicos – utiliza o treponema ou seus fragmentos para diagnóstico – principalmente para confirmação de um teste não-treponêmico positivo • FTA-ABS – Testes mais específicos importantes para exclusão de possível VDRL falso-positivo. Detecta o IgG e o IgM, também podendo indicar apenas transferência placentária de IgG materno!! Diante dessa possibilidade, foi criado o FTA-ABS-IGM, que parte do princípio que o IgM materno não atravessa a placenta, portanto, se positivo no RN, indica produção própria e, assim, infecção – não é disponível comercialmente!! Testes trepoêmicos permanecem positivos POR TODA A VIDA e, mediante a indisponibilidade do FTA-ABS-IGM, a utilização do FTA-ABS simples deve ser feita somente APÓS 18 MESES, pois os IgGs maternos passivos não são mais detectáveis!! • TPHA • ELISA ▪ Ministério da Saúde – Preconiza o VDRL no 1º trimestre da gestação, no início do 3º trimestre e repetição na admissão para trabalho de parto ou aborto. Se VDRL positivo, recomenda-se confirmar com teste treponêmico - se não houver disponibilidade deste, considera-se um caso de risco para sífilis, principalmente na gestante com VDRL não tratada o Reações Sorológicas no Líquor – A punção lombar deve ser realizada para investigação de COMPROMETIMENTO NEUROLÓGICO (60% dos casos são assintomáticos) nos casos suspeitos de sífilis congênita. Quando o VDRL for positivo no LCR, o RN deve ser considerado portador de NEUROSSÍFILIS CONGÊNITA – o VDRL negativo não afasta esse diagnóstico. Na presença de PLEOCITOSE (> 25 hemácias/mm³), aumento de PROTEÍNAS (> 150 mg/dL) ou LCR inconclusivo, o RN é considerado PORTADOR DE NEUROSSÍFILIS. FTA positivo segue o raciocínio anterior... pode ser IgG passivo materno. o Sorologia Materna – preconizada a realização do VDRL na 1ª consulta do pré-natal, no início do 3º trimestre e na admissão para parto ou aborto. O VDRL também deve ser coletado em sangue periférico dos RNs caso o VDRL materno seja positivo também!! o Avaliação Complementar do RN com suspeita de sífilis congênita ▪ VDRL de sangue periférico (não do cordão umbilical) ▪ RX de ossos longos ▪ LCR (VDRL, celularidade e proteinorraquia) ▪ Hemograma ▪ De acordo com manifestações: dosagem de bilirrubina, enzimas hepáticas, RX tórax, função renal Thaís Pires 5 • Tratamento – a droga de escolha é a PENICILINA, sendo as formas mais empregadas a CRISTALINA (RN internados) e a PROCAÍNA. A forma BENZATINA é usada apenas em situações especiais e de baixo risco, uma vez que não atravessa a barreira hematoencefálica. Aqueles RNs com manifestações CUTÂNEOMUCOSAS devem ser isolados pelo grande risco de transmissibilidade – cerca de 24h após início da penicilina os RNs não são mais infectantes. Se houver histórico familiar de hipersensibilidade à penicilina, pode-se utilizar ERITROMICINA ou CEFALOSPORINAS. • Critérios de Cura - As melhoras CLÍNICA, RADIOLÓGICA E LABORATORIAL constituem critérios de cura. Os exames sorológicos negativam-se em torno de seis meses. Caso o VDRL continue reagente com 18 meses ou os títulos forem ascendentes, a criança deverá ser retratada • Profilaxia - A profilaxia consiste no tratamento adequado das mães sifilíticas. A penicilina benzatina é empregada de acordo com o estágio da sífilis. O risco de sífilis congênita é extremamente baixo se o tratamento da mãe for realizado de forma adequada durante a gestação. É preciso lembrar que a penicilina atravessa a placenta e pode levar à cura da infecção fetal. • Manejo Clínico da Sífilis Congênita – Ministério da Saúde o Tratamento Inadequado para Sífilis Materna ▪ É definido por: • Aplicação de qualquer terapia não penicilínica, ou penicilínica incompleta (tempo e/ou dose), ou penicilínico inadequado para a fase clínica da doença; • Instituição de tratamento dentro dos 30 dias anteriores ao parto; • Ausência de documentação do tratamento; • Ausência de queda da titulação do VDRL após o tratamento; • Parceiro com sífilis sintomática, ou com testes imunológicos positivos não tratados ou tratados inadequadamente. o Seguimento da Sífilis na Gestação – gestantes infectadas após o tratamento deverão realizar testes NÃO TREPONÊMICOS MENSALMENTE ▪ Cura – queda de 2 ou mais títulos (1:32 para 1:8) ou negativação após 6 meses ▪ Novo tratamento – elevação dos testes em 2 diluições (1:16 para 1:64) • Manejo do Recém Nascido o Neonatal ▪ A - Mãe com sífilis não tratada ou inadequadamente tratada – independente do VDRL do RN, realizar hemograma, radiografia ossos longos, punção lombar. • A1 - Se houver alterações CLÍNICAS/SOROLÓGICAS/RADIOLÓGICAS/HEMATOLÓGICAS o tto deverá ser feito com penicilina G cristalina na dose de 50.000 UI/kg/dose IV 12/12h nos primeiros 7 dias de vida, e, após o 7º dia, a mesma dosagem de 8/8h; OU pode ser feito penicilina G procaína 50.000 UI/kg dose única, IM, 10 dias • A2 - Se houver alteração LIQUÓRICA – tto com penicilina G cristalina 50.000 UI/kg/dose de 12/12h nos primeiros 7 dias e, após o 7º dia, de 8/8h • A3 - Se NÃO houver alteração clínica/radiológica/hematológica/liquórica + a sorologia negativa – tto com penicilina g benzatina IM 50.000 UI/kg dose única. Nesses casos, o ACOMPANHAMENTO é obrigatório, incluindo o seguimento com VDRL sérico ▪ B – RN de mães adequadamente tratadas – realizar o VDRL em amostra de sangue periférico → se for positivo com titulações maiores que a materna E/OU na presença se alterações clínicas, deve-se realizar HEMOGRAMA, RX OSSOS LONGOS E ANÁLISE LCR: • B1 – Se houver alterações clínicas/radiológicas/hematológicas SEM ALTERAÇÕES LIQUÓRICAS o tto é o A1!! • B2 – Alterações liquóricas → tratamento é o A2!! ▪ C – RN de mães adequadamente tratadas – realizar VDRL em sangue periférico • C1 – se assintomático e VDRL negativo, fazer o acompanhamento clínicolaboratorial. Thaís Pires 6 • C2 – se assintomático e VDRL positivo com título IGUAL ou MENOR que o materno, acompanhar clinicamente. Se não for capaz de fazer o seguimento, realizar tto A1 (para aqueles sem alterações LCR) e o A2 (alterações no LCR). o Após período neonatal (a partir do 28º dia) - Crianças com quadro clínico e sorológico sugestivos de sífilis congênita devem ser cuidadosamente investigadas, obedecendo-se a rotina referida. Confirmando-se o diagnóstico, iniciar o tratamento (mencionado anteriormente), observando o intervalo das aplicações da penicilina G cristalina, que deverá ser de quatro em quatro horas, e da Penicilina G Procaína, de 12 em 12 horas, sem modificações nas dosagens descritas o Seguimento ▪ Avaliações MENSAIS até o 6º MÊS e BIMENSAIS do 6º - 12° mês. ▪ Realizar VDRL com 1, 3, 6, 12 e 18 meses, interrompendo quando se observar negativação em dois exames consecutivos. ▪ Diante das elevações de títulos sorológicos, ou da sua não negativação até os 18 meses, reinvestigar o paciente e tratar. ▪ Recomenda-se o acompanhamento OFTALMOLÓGICO, NEUROLÓGICO E AUDIOLÓGICO semestral por dois anos. ▪ Nos casos onde o LCR esteve alterado, deve-se proceder à reavaliação liquórica a cada SEIS MESES, até a normalização do LCR. ▪ Nos casos de crianças tratadas inadequadamente, na dose e/ou tempo preconizados, deve-se convocar a criança para reavaliação clinicolaboratorial. Havendo alterações, recomenda-se reiniciar o tratamentoda criança conforme o caso, obedecendo aos planos já descritos. Se os resultados forem normais, o seguimento é ambulatorial ▪ No caso de interrupção do tratamento por MAIS DE UM DIA, o tratamento deverá ser reiniciado ▪
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