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1 Bruna Lago Santos SÍFILIS CONGÊNITA • INTRODUÇÃO A sífilis congênita é o resultado da disseminação hematogênica do Treponema pallidum a partir da infecção materna. Cabe lembrar que a transmissão vertical do T. pallidum ocorre principalmente intraútero, mas também é possível a contaminação do concepto durante passagem pelo canal de parto, caso existam lesões ativas. Dados do ano de 2017 indicam que nos últimos anos, no Brasil, foi observado um aumento no número de casos de sífilis em gestantes, congênita e adquirida. As razões para este aumento incluem: aumento da cobertura de testagem, ampliação do uso de testes rápidos, redução do uso de preservativo, resistência dos profissionais de saúde à administração da penicilina na Atenção Básica, desabastecimento mundial de penicilina, entre outros. • FISIOPATOLOGIA As gestantes nas fases primária e secundária da doença apresentam risco de transmissão vertical de 70 a 100% dos casos, taxa que se reduz nas fases tardias da doença. A transmissão pode ocorrer em qualquer fase da gestação, mas o risco aumenta com o avanço da idade gestacional. O tratamento adequado da gestante é capaz de prevenir a sífilis congênita e é importante lembrarmos que a infecção não confere imunidade permanente, daí a importância da investigação a cada gestação, mesmo quando há relato de doença prévia. A maior parte dos diagnósticos feitos em gestantes ocorre na fase de sífilis latente, quando não há manifestações clínicas. Logo, é fundamental a realização de testes padronizados durante o pré-natal para a correta identificação dos casos. A infecção fetal pode ter graves consequências. A infiltração placentária pode causar redução do fluxo sanguíneo para o feto e levar a um quadro de CIUR ou óbito fetal. Nem todas as crianças infectadas terão manifestações clínicas ao nascer, mas estas podem ser identificadas em pelo menos 20% dos RNs. A infecção intraútero leva a uma grande disseminação do microorganismo, de forma análoga ao que ocorre na sífilis secundária. • QUADRO CLÍNICO As manifestações clínicas são separadas em dois grupos: sífilis congênita precoce, que compreende as manifestações clínicas durante os dois primeiros anos de vida, e sífilis congênita tardia, que compreende os sinais e sintomas evidentes a dos dois anos de vida em diante. ➢ PRECOCE A maioria das crianças é assintomática ao nascer. A maior parte das lesões surge até os três meses de idade, sendo a maioria ainda nas primeiras cinco semanas. As lesões da sífilis congênita precoce são o resultado da infecção ativa, causando inflamação. LESÕES CUTANEOMUCOSAS: Todas as secreções mucosas são ricas em treponemas e altamente infectantes. a) LESÕES CUTÂNEAS = são evidentes em até 70% das crianças infectadas. As lesões são tipicamente maculopapulares, com coloração vermelhoacobreada, tornando-se mais amarronzada com o passar dos dias. Essas lesões são mais evidentes nas mãos e pés. É possível que sejam identificadas lesões desde o nascimento, que costumam ser bolhosas e são 2 Bruna Lago Santos denominadas de pêngo silítico, também acometendo a região palmoplantar. Essas bolhas podem se romper, evidenciando uma área desnuda, que evolui com maceração e formação de crostas. b) PLACAS MUCOSAS E CONDILOMA PLANO = as placas mucosas podem ser evidenciadas ao redor da cavidade oral e na região genital. As lesões do condiloma plano podem ser evidenciadas após os primeiros dois ou três meses de vida. c) ALTERAÇÕES ECTODÉRMICAS = processo esfoliativo das unhas, perda de cabelo e sobrancelhas. d) RINITE = frequentemente é a primeira manifestação. Indica o acometimento do trato respiratório superior e cursa com secreção nasal mucosa, que pode tornar-se sanguinolenta. A lesão inflamatória do trato respiratório poderá produzir também laringite e choro rouco no RN. LESÕES ÓSSEAS: acometem até 80% das crianças não tratadas. As lesões costumam ser múltiplas e simétricas. Mesmo sem tratamento, estas lesões costumam resolver-se espontaneamente nos primeiros seis meses de vida da criança. É uma forma de distinguir a congênita da adquirida, já que as alterações ósseas são encontradas apenas na sífilis congênita. As alterações ósseas consistem em periostite e desmineralização da cortical, acometendo principalmente a diáfise dos ossos longos, bem como a osteocondrite, com acometimento articular. A pseudoparalisia de Parrot é causada pela recusa da criança em movimentar a extremidade e relaciona-se com as alterações ósseas e eventuais fraturas associadas. SISTEMA HEMATOPOIÉTICO: A presença de anemia, trombocitopenia e leucopenia ou leucocitose são achados comuns. A anemia hemolítica com Coombs negativo (pesquisa anticorpos ligados às hemácias) é um achado típico, sendo grave nas formas mais precoces da sífilis congênita. A icterícia encontrada nestas crianças pode estar relacionada com o aumento da BI, pelo processo de hemólise, ou da BD, pelo acometimento hepático. LESÕES NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL: O quadro de neurossífilis pode se desenvolver mesmo na ausência de outras manifestações clínicas. Algumas crianças podem apresentar manifestações agudas nos primeiros meses de vida, enquanto outras desenvolvem um quadro mais protraído, com manifestações mais evidentes no final do primeiro ano de vida (desenvolvimento de hidrocefalia, alterações nos pares cranianos e lesões vasculares cerebrais). LESÕES OCULARES: Pode haver a coriorretinite na fase aguda, com o fundo de olho apresentando um aspecto de "sal e pimenta". OUTRAS ALTERAÇÕES: a) HEPATOMEGALIA = pode estar relacionada com o desenvolvimento de insuficiência cardíaca ou com infecção hepática e hematopoiese extramedular. A hepatite pode manifestar-se por aumento das aminotransferases. Sua ocorrência indica prognóstico mais reservado. Clinicamente, manifesta-se por icterícia por deficiência de excreção da BD. Pode acompanhar-se de esplenomegalia e distúrbios hemorrágicos. b) BAÇO = o aumento do baço é um dos achados mais frequentes na sífilis congênita, sendo junto com a hepatomegalia a mais comum manifestação visceral da doença. c) RIM = a lesão renal poderá apresentar-se como síndrome nefrótica ou síndrome nefrítica associada a depósito de complexos imunes na membrana basal do glomérulo. Ela geralmente aparece em torno do segundo ao terceiro mês. 3 Bruna Lago Santos NEFRÓTICA: Ocorre aumento da permeabilidade do capilar glomerular à passagem de proteínas → proteinúria maciça. Proteinúria maciça (superior a 3,5g/ 24 horas), com tendência a edema, hipoalbuminemia (albumina sérica inferior a 3,4g/dl) e hiperlipidemia. NEFRÍTICA: Ocorre perda abrupta da superfície de filtração → redução da excreção de líquidos, pequenos solutos, eletrólitos. Decorrente de uma inflamação glomerular aguda: hematúria, proteinúria leve (não-nefrótica, ou seja, menor que 3,5g/24h) e oligúria (400 ml/dia de urina d) LINFADENOPATIA: pode haver adenopatia generalizada, com acometimento de linfonodos epitrocleares. e) Miocardite, síndrome de má-absorção, desnutrição e falta de ganho ponderal no RN são outras manifestações clínicas da doença. ➢ TARDIA As alterações encontradas na sífilis congênita tardia estão tipicamente associadas com o processo de cicatrização das lesões encontradas na sífilis precoce e com reações a um processo inflamatório persistente ainda em curso. a) Sequelas da periostite na fase aguda: bossa frontal (fronte olímpica), espessamento da junção esternoclavicular (sinal de Higoumenáki), arqueamento da porção média da tíbia (tíbia em sabre). b) Anormalidades dentárias: dentes de Hutchinson e molares em formato de amora. c) Face: maxilar curto; nariz em sela, com ou sem perfuração do septo nasal; rágades (por fissuras peribucais). d) Articulação de Clutton (derrame articular estéril nos joelhos). e) Ceratite intersticial, coroidite, retinite, atrofiaóptica com possível evolução para cegueira. f) Lesão de 8º par craniano, levando à surdez e à vertigem. A sífilis poderá afetar a audição por lesão do VIII par, uni ou bilateral. A tríade de Hutchinson é caraterizada por ceratite, alterações dentárias e surdez. g) Hidrocefalia. h) Deficiência intelectual. • DIAGNÓSTICO ➢ AVALIAÇÃO SOROLÓGICA Esses testes têm como base a demonstração de anticorpos contra o treponema: a) TESTES TREPONÊMICOS: Os testes treponêmicos detectam anticorpos específicos contra o treponema. São de uso bastante limitado no período neonatal, posto que os anticorpos maternos da classe IgG passam pela placenta e são detectados na criança. Quando realizados após os 18 meses, um teste treponêmico reagente sugere a infecção, pois após este período não existe mais IgG materna circulante. Os testes treponêmicos disponíveis incluem: TPHA, FTA-Abs, ELISA e testes rápidos. b) TESTES NÃO TREPONÊMICOS: Detectam anticorpos não específicos anticardiolipina, material lipídico liberado pelas células danificadas durante a infecção e possivelmente contra a cardiolipina liberada pelos treponemas. São exames usados também para evolução da doença. É possível correlacionar os títulos encontrados no RN com a presença ou a ausência de sífilis congênita, pois mesmo que ainda exista a passagem de anticorpos maternos pela placenta, é possível presumirmos se os mesmos são apenas de origem materna ou foram produzidos pela criança a partir da análise da titulação. 4 Bruna Lago Santos Os testes não treponêmicos disponíveis incluem o VDRL (Venereal Diseases Research Laboratory), o RPR (Rapid Plasma Reagin) e TRUST. No Brasil, o VDRL é o teste mais comumente utilizado. É importante frisar que as amostras do RN não devem ser obtidas no sangue de cordão, mas sim do sangue periférico. * realizar VDRL em amostra de sangue periférico de todos os recém-nascidos cujas mães apresentaram VDRL reagente na gestação, ou no parto, ou em caso de suspeita clínica de sífilis congênita. ➢ OUTROS EXAMES a) Radiografia de ossos longos (metáfises e diáfises de tíbia, fêmur, úmero) e radiografia de tórax; b) Avaliação do liquor: as alterações liquóricas sugestivas de neurossífilis congênita no período neonatal são: > 25 células/mm 3, proteína > 150 mg/dl e VDRL reagente. Na criança com mais de 28 dias, as alterações sugestivas de neurossífilis são: > 5 células/mm 3, proteína > 40 mg/dl e VDRL reagente; c) Hemograma, perfil hepático e eletrólitos; d) Avaliação audiológica e oftalmológica. • TRATAMENTO O ponto de partida inicial para a correta definição do tratamento da criança é a avaliação da adequação do tratamento da gestante. De acordo com os atuais manuais do Ministério da Saúde, para fins clínicos e assistenciais, o tratamento materno adequado é caracterizado pelos seguintes aspectos: a) Administração de penicilina benzatina; b) Início do tratamento até 30 dias antes do parto; c) Esquema terapêutico apropriado para o estágio clínico e com intervalo entre as doses respeitado; d) Avaliação quanto ao risco de reinfecção; e) Documentação de queda dos títulos do teste não treponêmico em duas diluições (ex.: de 1:64 para 1:16) em três meses após a conclusão do tratamento ou quatro diluições em seis meses após a conclusão do tratamento. ➢ RN VER FLUXOGRAMA! *O acrônimo STORCH é composto pelos os patógenos mais frequentemente relacionados às infecções intrauterinas: bactéria Treponema pallidum que causa a sífilis (S), o protozoário Toxoplasma gondii que causa a toxoplasmose (TO) e os vírus da rubéola (R), citomegalovírus (C), vírus herpes simplex (H). a) Para a determinação de neurossífilis, basta qualquer uma das alterações citadas anteriormente (aumento da celularidade, proteinorraquia ou VDRL reagente). b) Quando há alteração liquórica, o uso de penicilina cristalina é justificado porque níveis liquóricos treponemicidas de penicilina não são alcançados em 100% dos casos quando utilizada a penicilina G procaína. No entanto, em situações extremas, a penicilina procaína pode ser considerada uma alternativa à penicilina cristalina. c) Nas situações em que for facultativo o uso da penicilina cristalina ou da penicilina procaína (situações nas quais a neurossífilis foi afastada), a penicilina procaína deve ser a droga de escolha, pois favorece o tratamento fora do ambiente hospitalar, com o uso da medicação por via IM. d) Ainda não há evidências, até o momento, da eficácia do uso da ceftriaxona no tratamento de sífilis congênita. Deste modo, esta medicação deverá ser reservada para situações extremas de indisponibilidade de penicilina cristalina e procaína. 5 Bruna Lago Santos e) Os esquemas indicados para o tratamento são os seguintes: 1. Benzilpenicilina potássica/cristalina 50.000 UI/kg, intravenosa, de 12/12h na primeira semana de vida, de 8/8h após a primeira semana de vida, por 10 dias (é necessário reiniciar o tratamento se houver atraso de mais de 24 horas na dose). 2. Benzilpenicilina procaína 50.000 UI/kg, intramuscular, uma vez ao dia, por 10 dias (é necessário reiniciar o tratamento se houver atraso de mais de 24 horas na dose). 3. Benzilpenicilina benzatina 50.000 UI/kg, intramuscular, dose única. • ACOMPANHAMENTO Todos os RNs tratados para sífilis congênita confirmada ou suspeita devem ser acompanhados, para assegurar que o tratamento foi efetivo. Neste acompanhamento, uma série de medidas serão adotadas: a) Avaliações mensais até o sexto mês e bimestrais do sexto ao 18° mês. b) Realizar teste não treponêmico com 1, 3, 6, 12 e 18 meses, interrompendo quando se observar resultados negativos em dois exames consecutivos. c) Nas crianças que foram adequadamente tratadas no período neonatal, deve-se monitorar diminuição na titulação do teste não treponêmico aos três meses e negativação aos seis meses de idade. 6 Bruna Lago Santos d) Diante das elevações de títulos sorológicos, da sua não negativação até os 18 meses, ou da sua persistência em títulos baixos, a criança deve ser reavaliada e deve considerar retratamento ou nova investigação. A qualquer momento, diante do surgimento de sinais clínicos, uma nova avaliação clínica e laboratorial deve ser considerada. e) Recomenda-se o acompanhamento oftalmológico e audiológico semestral por dois anos. f) Nos casos onde o liquor esteve alterado, deve-se proceder à reavaliação liquórica a cada seis meses, até a normalização do mesmo. Caso as alterações persistam, indica-se reavaliação clínica a laboratorial e retratamento. g) Nos casos de crianças tratadas inadequadamente, na dose e/ou tempo preconizados, deve-se convocar a criança para reavaliação clínica e laboratorial. Havendo alterações, recomenda -se reiniciar o tratamento da criança conforme o caso, obedecendo aos planos já descritos. FONTE: MEDCURSO 2020
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