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Rafael Lopes de Sousa História Contemporânea Revisada por Rafael Lopes de Sousa (maio/2012) É com satisfação que a Unisa Digital oferece a você, aluno(a), esta apostila de História Contemporâ- nea, parte integrante de um conjunto de materiais de pesquisa voltado ao aprendizado dinâmico e autô- nomo que a educação a distância exige. O principal objetivo desta apostila é propiciar aos(às) alunos(as) uma apresentação do conteúdo básico da disciplina. A Unisa Digital oferece outras formas de solidificar seu aprendizado, por meio de recursos multidis- ciplinares, como chats, fóruns, aulas web, material de apoio e e-mail. Para enriquecer o seu aprendizado, você ainda pode contar com a Biblioteca Virtual: www.unisa.br, a Biblioteca Central da Unisa, juntamente às bibliotecas setoriais, que fornecem acervo digital e impresso, bem como acesso a redes de informação e documentação. Nesse contexto, os recursos disponíveis e necessários para apoiá-lo(a) no seu estudo são o suple- mento que a Unisa Digital oferece, tornando seu aprendizado eficiente e prazeroso, concorrendo para uma formação completa, na qual o conteúdo aprendido influencia sua vida profissional e pessoal. A Unisa Digital é assim para você: Universidade a qualquer hora e em qualquer lugar! Unisa Digital APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................... 5 1 FRANÇA PRÉ-REVOLUCIONÁRIA .................................................................................................... 7 1.1 Estrutura Social do Antigo Regime Francês ............................................................................................................8 1.2 Crise Econômica e Desgaste Social ............................................................................................................................9 1.3 As Primeiras Medidas da Revolução ....................................................................................................................... 11 1.4 Convenção e Governo Jacobino .............................................................................................................................. 12 1.5 O Governo do Diretório .............................................................................................................................................. 13 1.6 Era Napoleônica ............................................................................................................................................................. 14 1.7 Consulado ........................................................................................................................................................................ 14 1.8 Implantação do Império ............................................................................................................................................. 15 1.9 Governo dos Cem Dias ................................................................................................................................................ 16 1.10 Congresso de Viena .................................................................................................................................................... 17 1.11 Resumo do Capítulo .................................................................................................................................................. 19 1.12 Atividades Propostas ................................................................................................................................................. 19 2 NACIONALISMO, LIBERALISMO E SOCIALISMO NO SÉCULO XIX .........................21 2.1 A Comuna de Paris ........................................................................................................................................................ 22 2.2 Liberalismo ...................................................................................................................................................................... 22 2.3 O Nascimento do Socialismo .................................................................................................................................... 24 2.4 Socialismo Científico .................................................................................................................................................... 25 2.5 Resumo do Capítulo ..................................................................................................................................................... 25 2.6 Atividades Propostas.................................................................................................................................................... 26 3 O MÉTODO DO PENSAMENTO MARXISTA .............................................................................27 3.1 Infraestrutura .................................................................................................................................................................. 27 3.2 Luta de Classes ............................................................................................................................................................... 28 3.3 A Mais-Valia ..................................................................................................................................................................... 28 3.4 Ideologia ........................................................................................................................................................................... 30 3.5 Alienação .......................................................................................................................................................................... 30 3.6 Ditadura do Proletariado ............................................................................................................................................ 32 3.7 Resumo do Capítulo ..................................................................................................................................................... 33 3.8 Atividades Propostas.................................................................................................................................................... 33 4 IMPERIALISMO E PARTILHA DA ÁFRICA E DA ÁSIA ........................................................35 4.1 Partilha da África ............................................................................................................................................................ 35 4.2 A Partilha da Ásia ........................................................................................................................................................... 36 4.3 Primeira Guerra Mundial ............................................................................................................................................. 37 4.4 As Principais Etapas da Guerra ................................................................................................................................. 38 4.5 Tratados de Paz .............................................................................................................................................................. 38 4.6 Resumo do Capítulo ..................................................................................................................................................... 39 4.7 Atividades Propostas.................................................................................................................................................... 39 SUMÁRIO 5 REVOLUÇÃO RUSSA .......................................................................................................................... 41 5.1 A Revolução Burguesa de Fevereiro de 1917 .................................................................................................42 5.2 Trotskismo ...................................................................................................................................................................425.3 Stalinismo ....................................................................................................................................................................43 5.4 Resumo do Capítulo ................................................................................................................................................43 5.5 Atividades Propostas...............................................................................................................................................44 6 CRISE DE 1929, REGIMES TOTALITÁRIOS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ................................................................................................................................................... 45 6.1 O Surgimento dos Regimes Totalitários ...........................................................................................................46 6.2 Segunda Guerra Mundial e as suas Consequências ....................................................................................47 6.3 O Mundo após a Segunda Guerra Mundial ....................................................................................................48 6.4 Guerra Fria ...................................................................................................................................................................49 6.5 Colapso do Socialismo: Fim da Guerra Fria .....................................................................................................50 6.6 Resumo do Capítulo ................................................................................................................................................50 6.7 Atividades Propostas...............................................................................................................................................50 7 PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO ................................................................................................ 51 7.1 Resumo do Capítulo ................................................................................................................................................53 7.2 Atividades Propostas...............................................................................................................................................53 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 55 RESPOSTAS COMENTADAS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS ..................................... 57 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 59 Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 5 Caro(a) aluno(a), Esta apostila contempla os conteúdos de História Contemporânea I e II. Procuramos abranger os processos históricos das sociedades, desde a Revolução Francesa até a atualidade da globalização. Nesse sentido, assuntos e aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais estão aqui contemplados. Esperamos, com isso, transmitir-lhe um referencial teórico que o estimule a refletir e a participar de ma- neira ativa das decisões que são tomadas em seu tempo. Uma variedade de temas é tratada aqui como parte integrante de um mesmo e diversificado pro- cesso, que envolve: transformações socioculturais, problemas relacionados ao nacionalismo, impactos e consequências da Primeira e Segunda Guerra Mundial, significado e desdobramento da Guerra Fria, formação dos Blocos Econômicos e os efeitos da globalização. O mundo pós-Guerra Fria foi reorganizado e constituiu uma nova disposição geográfica. Novos conflitos eclodem e muitos deles, por conta da economia globalizada, afetam direta ou indiretamente todos os países, alterando as relações de poder e apresentando novos desafios à humanidade. A História é uma ferramenta para compreender esse novo mundo. A análise dos conteúdos aqui apresentados está diretamente associada a uma visão de mundo do Autor, a partir da sua filiação historiográfica. Ela não está, entretanto, fechada e pode evidentemente ser alterada frente ao embate com outras ideias que expressem divergências fundamentadas sobre o con- teúdo apresentado. Esperamos que você, com sua experiência de vida e com a reflexão histórica dos assuntos aqui abordados, possa ampliar a participação cidadã no meio circundante. Será um prazer acompanhá-lo(la) nessa jornada. Esperamos que, ao final dela, você seja um(a) cidadão(ã) mais pleno(a) de seus direitos e mais consciente de seus deveres, só assim construiremos uma sociedade mais plural e democrática, na qual a diversidade e as diferenças sociais, étnicas, culturais e religiosas serão respeitadas. INTRODUÇÃO Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 7 Caro(a) aluno(a), Neste capítulo, analisaremos a situação da França pré-revolucionária, pois, para entender o processo revolucionário, algumas características da França no final do século XVIII são de funda- mental importância. Ao analisar esse processo, percebemos que a ideia de liberdade, igualdade e fraternidade foi uma bandeira levantada pelos revolucionários contra os privilégios da sociedade. Você acredita que esses princípios são respeitados no cotidiano das pessoas na atualidade? Esses di- reitos estão efetivamente garantidos para todos os povos e sociedades ou há ainda povos e socieda- des que lutam para conquistá-los? São essas ques- tões que queremos refletir com você ao longo des- te capítulo. Na segunda metade do século XVIII, a bur- guesia francesa controlava boa parte da estrutura de sua sociedade. Esse controle abrangia os mais diversos setores: comércio, finanças e indústria; faltava-lhes, porém, o controle da estrutura po- lítica para o domínio ser completo. A Monarquia mantinha-se, curiosamente, alheia a essas trans- formações e, julgando que as responsabilidades de administrar o Estado eram por demais onero- sas, ofertava mais participação aos burgueses no aparelho do estado. Os burgueses abraçaram essa oferta com total dedicação, pois viam nela a pos- sibilidade de ampliar seus negócios e ainda influir nos rumos políticos da nação. Eles estavam, aliás, convencidos de que eram os escolhidos para repre- sentar os interesses de um novo homem, de uma nova sociedade, de uma nova época, enfim, de um novo mundo. Afirmar que se avizinhava, na França do sécu- lo XVIII, uma nova sociedade parece mesmo con- traditório, principalmente quando constatamos que 80% de sua população ainda vivia no campo em regime de servidão. Ocorre que, por essa épo- ca, os benefícios da Revolução Industrial alteravam o cotidiano da população, com o aumento do con- sumo, a emergência de novos e diversificados pro- dutores e o surgimento de novos métodos de culti- vo da terra. Essa nova realidade ofereceu condições e argumentos para os camponeses questionarem as obrigações feudais que deviam aos senhores. Nessa época, os filósofos Iluministas intensi- ficaram suas críticas à ordem social vigente. Você sabe quem eram esses filósofos? Eles foram pessoas importantes para o pensamento ocidental; alguns deles serão trabalhados em nossas aulas, então, fi- que atento! Entre as ideias mais difundidas desses filósofos, estão aquelas vinculadas ao pensamento de Jean-Jacques Rousseau, que pregava a sobe- rania política do povo. Esse princípio espalhou-se pela França como um rastilho de pólvora e deu for- ça para o surgimento de importantes movimentos revolucionários. A estrutura de sustentação da so- ciedade francesa passou, agora, a ser questionada de maneira mais incisiva. FRANÇA PRÉ-REVOLUCIONÁRIA1 Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 8 Estudiosos da Revolução Francesa, entre os quais, podemos destacar Soboul (1995) e Hobs- bawn (1982), observam que a França antes da Re- volução de 1789 estava organizada em três esta- dos. O Primeiro Estado era formado pelo clero; o Segundo Estado era representado pela nobreza;e o Terceiro Estado era composto pelo restante da população. O Primeiro Estado estava subdividido em dois grupos. O primeiro era o Alto Clero e reunia bispos e abades; esse segmento representava a base moral da sociedade e era sustentado com os dízimos recolhidos dos fiéis e a renda proveniente do aluguel de imóveis de propriedade da igreja. O segundo grupo era representado pelo Baixo Cle- ro, composto por padres responsáveis pelas paró- quias mais carentes. A proximidade desse segmen- to com a população mais pobre emprestou a esse grupo certa simpatia com os ideais revolucionários da época. A composição do Segundo Estado estava também dividida segundo os interesses de cada segmento que o representava. Havia aí três gru- pos principais: o primeiro era a Nobreza Palacia- na, composta por quatro mil nobres que viviam na corte à custa do Estado francês; o segundo era a Nobreza Provincial, um segmento empobrecido da corte que vivia no interior do país, beneficiado pelos privilégios feudais; e o terceiro era a Nobreza de Toga, isto é, burgueses que compraram títulos de nobreza. O Terceiro Estado estava na base dessa pirâ- mide social, representava aproximadamente 97% da sociedade e estava dividido em diversos gru- pos, sendo que os principais eram os burgueses, os camponeses e as camadas populares da cidade, chamados sans-culottes. A soma desses três seg- mentos totalizava mais de 24 milhões de pessoas. Eles reivindicavam, entre outras coisas, o fim dos privilégios concedidos ao Primeiro e ao Segundo Estado. O descontentamento que esse segmento alimentava contra as privações dos direitos de ci- dadania pode ser percebido nos questionamentos que um folheto popular da época fazia à estrutura da sociedade francesa: O que é o Terceiro Estado? Devemos for- mular três perguntas: Primeira: O que é o Terceiro Estado? Tudo Segunda: O que ele tem sido em nosso sis- tema político? Nada. Terceira: O que pode ele? Ser alguma coisa. Embora seja verdade que todos os mem- bros do Terceiro Estado, artesão, campo- neses e burguesia estivessem tentando ‘ser alguma coisa’, foi principalmente o úl- timo grupo que conseguiu o que queria. A burguesia forneceu a liderança, enquan- to os outros grupos realmente lutaram. E foi a burguesia que mais lucrou. Durante o curso da Revolução, teve várias oportu- nidades para enriquecer e fortalecer-se. Especulou nas terras tomadas da igreja e da nobreza, e amontoou fortunas imensas através de contratos fraudulentos com o exército. (HUBERMAN, 1984, p. 162). 1.1 Estrutura Social do Antigo Regime Francês Saiba maisSaiba mais A roupa da nobreza era uma calça justa denominada culotte. Os populares que moravam nas cidades usavam lenços na cabeça e vestiam calças largas, que necessitavam de uma faixa na cintura para prendê-las. Sans-culotte significa, literalmente, sem culote e é, geralmen- te, associado aos setores revoltosos da sociedade. História Contemporânea Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 9 A França foi, de meados do século XVII até meados do século XVIII, a maior potência europeia. Essa situação de destaque começou, contudo, a se inverter quando ela se envolveu em três guerras sucessivas, que ajudaram a correr as bases de sua estrutura social. Percebe, caro(a) aluno(a), como a guerra pode trazer glórias, mas muitas vezes carre- ga também o fracasso e a decadência. A primeira dessas guerras foi a Guerra de Sucessão Austríaca (1740-1748). Nessa guerra, a França tinha como intenção enfraquecer o poderio da família Habsburgo, uma das principais rivais da Coroa francesa à época, e com isso aumentar sua influência na região. A guerra mostrou-se, contudo, desastrosa para as pretensões dos franceses, que não conseguiram alcançar o seu objetivo e ainda viram a Prússia sair fortalecida do conflito. O segundo conflito ocorreu exatamente con- tra a Prússia, na chamada Guerra dos Sete Anos (1776-1783). Nessa guerra, a Inglaterra, temen- do o fortalecimento dos franceses no continente, aliou-se aos prussianos. A França foi derrotada e viu seu poderio diminuir. Enfraquecida, permitiu que a Inglaterra tomasse posse do Canadá fran- cês e dos portos franceses na Índia. O desgaste era grande para a Coroa francesa, que procurou rever- ter a situação prestando apoio ao movimento de independência dos Estados Unidos (1776-1783) contra a Inglaterra. A participação da França na Guerra de Inde- pendência (1776-1783) foi a terceira guerra vivida pelos franceses no curto período de 40 anos. Como é de conhecimento de todos, os Ingleses foram derrotados e os Estados Unidos proclamaram a sua Independência e tornaram-se a primeira nação republicana do mundo moderno. A vitória ameri- cana não se converteu, todavia, em ganho político ou estratégico para a Coroa francesa, que saiu da guerra com a sua estrutura social ainda mais esgar- çada e as finanças completamente debilitadas.1 A fim de melhorar essa situação, a Coroa au- mentou os impostos e taxou os segmentos dos no- bres e clérigos, até ali isentos de qualquer tipo de cobrança. Seria então correto afirmar que a perda de privilégios de alguns segmentos precipitou a decadência da nobreza? Não esteja tão certo dis- so, caro(a) aluno(a), pois você terá a oportunidade de constatar, na sequencia da leitura, que outras questões também contribuíram com a decadência da nobreza. Os corpos privilegiados da sociedade revoltaram-se e passaram a criticar abertamente as medidas da Coroa. Para complicar ainda mais a situação, a França era devastada por problemas climáticos, como seca e inundações, que afetavam a lavoura e prejudicavam o abastecimento de ali- mentos para a população. De tudo isso, resultava uma massa de desvalidos sociais que perambulava pelos campos faminta e disposta a qualquer tipo de sacrifício para sobreviver. Em 1774, Luís XVI assumiu o trono francês cercado de muitas expectativas. Esperava-se do novo soberano soluções rápidas para os problemas econômicos da sociedade. Para enfrentar esses problemas, ele nomeou o fisiocrata Turgot para ser o reformador das finanças. Assim, logo após a sua posse, Turgot adotou duas medidas inovadoras para a economia. Primeiramente, apresentou algu- mas ideias para modernizar o comércio e a indús- tria, retirando-lhes as amarras feudais que inibiam o crescimento desses setores. Posteriormente, apresentou uma proposta de cobrança de impos- tos do clero e da nobreza e sugeriu, ainda, o corte de despesas nos gastos diários da corte. O Primeiro e o Segundo Estado rechaçaram essas propostas e minaram o plano de reformas de Turgot, promovendo o boicote contra essas medi- das. Sem força e apoio político para levar adiante um plano consistente de reforma da estrutura eco- nômica da sociedade francesa, renunciou em 1776. 1.2 Crise Econômica e Desgaste Social 1 Mais informações sobre as consequências dessas guerras para a sociedade francesa ver: Hobsbawn (1982). Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 10 Para substituir Turgot, o rei convocou o ban- queiro Necker. Em sua gestão, trabalhou com de- terminação para concluir que boa parte dos pro- blemas financeiros da França estava localizado nos gastos exorbitantes da Coroa. A Coroa não gostou de ver os seus gastos tornados públicos e, assim, demitiu Necker em 1782. Em 1783, Calonne foi nomeado para ser o novo ministro da França e, tão logo tomou posse, demonstrou interesse em retomar alguns pontos importantes que foram trabalhados na política econômica de seus antecessores. Em 1786, Calon- ne colocou em prática um acordo comercial com a Inglaterra. Esse acordo revelar-se-ia desastroso para as pretensões econômicas e comerciais dos franceses. Pelo acordo, ficava acertado que a Ingla- terra compraria toda a produção de vinho francês e a França, em contrapartida, promoveria a aber- tura de seus portos aos manufaturados ingleses. O acordo foi excelente para os ingleses, que tinham uma manufatura mais competitiva,e assim conse- guiram se sobrepor à manufatura francesa. O mes- mo não aconteceu com o vinho francês, que teve o seu preço depreciado, levando à ruína um número considerável de camponeses. Frente às dificuldades financeiras do Estado, o controlador geral das finanças, Calonne, não teve alternativa senão convocar a Assembleia dos Notáveis. Essa Assembleia era composta por no- táveis, ou seja, representantes das duas primeiras ordens: clero e nobreza. Entre os privilégios desses dois segmentos, estava o de não pagar impostos. Calonne defendia, entretanto, que para melhorar a situação financeira da França esses segmentos de- veriam abdicar desses e de outros privilégios e con- tribuir também com o recolhimento de impostos. Os notáveis, entretanto, não abriram mão de seus privilégios; resistiram e, ainda, provocaram várias revoltas contra o poder real, numa clara demons- tração de insubordinação. Acossado pelas revoltas, Luís XVI não teve alternativa senão convocar a As- sembleia dos Estados Gerais, que era composta por notáveis e pelos diversos segmentos do tercei- ro estado.2 Em abril de 1789, ocorreram as eleições para eleger os representantes da Assembleia dos Es- tados Gerais. O terceiro estado elegeu 600 depu- tados, a nobreza elegeu 300 deputados e o clero conseguiu também eleger 300 representantes. De acordo com a tradição, cada estado tinha direito a um voto. Ocorre que, nas votações, o clero e a no- breza sempre votavam juntos contra as propostas do terceiro estado, que sempre ficava isolado e não conseguia levar adiante as suas reivindicações. Percebe, caro(a) aluno(a), como a elite sempre ma- nipulou o poder? Ao perceber essa situação, o ter- ceiro estado decidiu se reunir separadamente dos Estados gerais para proclamar-se Assembleia Na- cional. Defendia abertamente a extinção dos privi- légios da nobreza e do clero e a elaboração de uma nova Constituição para a França, baseada nos pre- ceitos do Iluminismo. Luís XVI tentou, mas não con- seguiu impedir essa iniciativa, pois os outros dois estados se aliaram ao terceiro estado para formar a Assembleia Nacional Constituinte. O rei já não tinha mais o controle da situação. Até mesmo destacamentos reais rebelavam-se e aderiam às manifestações contra a nobreza. Em meio a esses acontecimentos, as armas da guar- da real foram tomadas e distribuídas à população, que, desafiadoramente, organizou uma guarda nacional dos revoltosos, que teve La Fayette (um nobre dissidente) como comandante. No dia 14 de julho, a Bastilha, símbolo do absolutismo, em que eram mantidos os presos políticos, foi tomada pelos revoltosos, que libertaram todos os presos e, em seguida, se apossaram das armas ali estocadas, para defender os ideais do terceiro estado. 2 Mais informações sobre a crise financeira que antecedeu a Revolução Francesa ver: Souboul (1995) e Hobsbawn (1982). Saiba maisSaiba mais A chamada Escola Fisiocrática de eco- nomia surgiu no século XVIII e é consi- derada a primeira escola de economia científica. Embasava-se na economia agrária, identificando na terra a fonte única de toda a riqueza humana. História Contemporânea Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 11 As forças das circunstâncias obrigaram, por- tanto, o rei Luís XVI a reconhecer a legitimidade da Assembleia Constituinte. Logo após a sua efetiva- 1.3 As Primeiras Medidas da Revolução DicionárioDicionário Voto censitário: definido pelas posses do indivíduo, ou seja, estabelece a necessidade de comprovação de uma renda mínima para o indivíduo ter o direito de votar. Difundiu-se no século XIX com a consoli- dação da sociedade burguesa e a difusão dos siste- mas parlamentares representativos. ção, a Assembleia Nacional Constituinte tratou de ratificar algumas das principais reivindicações dos revoltosos. Em 4 de agosto de 1789, a Assembleia Na- cional Constituinte decidiu abolir os direitos feu- dais, privando a nobreza e o clero de antigos privi- légios, entre os quais, estava o não pagamento de impostos. No mesmo mês, anunciou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Seus pon- tos básicos eram: �� liberdade e igualdade dos cidadãos pe- rante a lei; �� inviolabilidade da propriedade; �� direito de resistência; �� liberdade de pensamento e de opinião. Essas medidas representavam uma radicali- zação do processo revolucionário que só fazia cres- cer, ano após ano. Em 1790, os bens do clero foram confiscados e colocados à disposição das causas revolucionárias. Em 1791, a Constituição ficou fi- nalmente pronta. Sua instituição alterava radical- mente a estrutura social e administrativa da França. A Constituição legou uma nova forma de governo a ser assumida pela França: a monarquia constitucional. Nessa forma de governo, o rei per- dia os “poderes absolutos” e a burguesia ganhava mais visibilidade e prestígio. A monarquia conti- nuaria hereditária. A Assembleia era agora com- posta por deputados, com mandato de dois anos, e, para exercer o direito de voto, o eleitor precisaria comprovar uma riqueza mínima, ou seja, o voto era censitário. As mudanças nas regras do jogo até então jogado despertaram sentimentos antagônicos. No plano externo, deram, por exemplo, estímulo aos revolucionários de diversas nacionalidades para or- ganizar manifestações de apoio aos rebeldes fran- ceses. No plano interno, despertaram a ira de Luís XVI, que passou a conspirar secretamente com os monarcas da Áustria e da Prússia, que também se sentiam ameaçados com os rumos da Revolução Francesa. A fim de impedir que os “desmandos” da revolução se espalhassem pela Europa, os mo- narcas do império austro-prussiano ordenaram a invasão da França pelos seus exércitos. Alguns dos líderes revolucionários, entre os quais, podemos destacar Danton e Marat, organizaram a luta de resistência contra a invasão. Em setembro de 1792, o exército invasor foi expulso pelas forças revolu- cionárias na Batalha de Walmy. Desse momento em diante, as ações da re- volução tornaram-se mais radicais. Luís XVI foi, por exemplo, acusado de traição por colaborar com os invasores na guerra e, por conta disso, teve seus po- deres suspensos pela Assembleia. Concomitante- mente a esses acontecimentos, foram convocadas eleições para uma nova Assembleia, que adotou o nome de Convenção. Dessa vez, os deputados foram eleitos por sufrágio universal masculino, ou seja, sem exigência de renda. O processo revolucio- nário estava causando grande prejuízo na estrutu- ra de poder monárquico, você não acha? Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 12 1.4 Convenção e Governo Jacobino Na convenção, os grupos políticos ficaram as- sim posicionados: �� os girondinos (sentavam-se à direita da Assembleia): eram um segmento moderado, que defendia os interesses da alta burguesia e pretendia formar uma república burguesa e, com ela, di- fundir os ideais da Revolução Francesa pela Europa; �� os jacobinos (sentavam-se à esquer- da da Assembleia): eram um segmento considerado radical e representavam os interesses da pequena burguesia; reivin- dicavam maior participação política e maior poder econômico para as baixas camadas e restrição do movimento re- volucionário aos limites da França. Entre suas principais lideranças, estavam Ma- ximilien Robespierre, Georges Danton e Jean-Paul Marat; �� a planície (sentavam-se na parte de baixo da Assembleia): era os represen- tantes da burguesia financeira e não ti- nha posição política definida. Fazia um jogo duplo, prestando apoio ora aos girondinos, ora aos jacobinos, ou seja, a quem estivesse no poder e atendesse às suas conveniências e interesses imedia- tos. Logo após a batalha de Walmy, a Convenção proclamou a República e instituiu um novo calen- dário. O ano de 1792 passou a ser considerado o Ano I da Revolução e o Ano IV da liberdade. Impôs também o Edito do Máximo, medida que consis- tia no tabelamento dos preços máximos dos gêne- ros de primeira necessidade.Em seguida, tornou a Educação livre e obrigatória. Posteriormente, criou uma Taxação das riquezas, com o aumento dos impostos dos ricos e medidas de proteção para os pobres e desempregados. Determinou, ainda, que as terras dos emigrados fossem Confiscadas para servir às causas da Revolução. Aboliu a escravidão nas colônias. O teor “radical” dessas medidas despertou a resistência dos segmentos conservadores (giron- dinos), que passaram a lutar contra as propostas de mudanças do governo jacobino. Ocorreram re- voltas separatistas na Normandia e na Provença. O governo jacobino trabalhou, todavia, para que esse sentimento revanchista não prosperasse; para tanto, adotou algumas medidas drásticas, sendo a instituição do regime do Terror a principal delas. Com o regime do Terror, instalou-se uma ditadura dos jacobinos, que teve Maximilien Ro- bespierre como o seu principal líder. Nesse regime, centenas de pessoas foram levadas à prisão, sob a acusação de estarem conspirando contra a Revolu- ção. Muitos desses suspeitos morreram esperando julgamento. Robespierre equilibrou-se durante o governo da Convenção entre as diversas tendências políti- cas que ela abrigava. Algumas dessas tendências estavam mais próximas da alta burguesia e outras mais próximas das aspirações e interesses das ca- madas populares. Governando com o apoio de uma nova Constituição, Robespierre conseguiu por Pelo novo calendário instituído em 1793, os meses receberam novas de- nominações, sempre segundo as mani- festações da natureza. Assim, os meses de outono passaram a ser Vindimário, Brumáripo, e Frimário; os de inverno, Nivoso, Pluvioso e Ventoso; os de prima- vera, Germinal, Floreal e Prairial; e os de verão, Messidor, Termidor e Frutidor. Daí as expressões Reação Termidoriana e Golpe de 18 do Brumário. CuriosidadeCuriosidade História Contemporânea Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 13 em prática algumas das principais reivindicações dos revolucionários, como o sufrágio universal, por exemplo.3 O avanço alcançado pelas medidas revolu- cionárias não conseguiu impedir, entretanto, o surgimento de divisões no interior do governo dos jacobinos. De um lado, havia a ala dos radicais, lide- rada por Herbert, um importante líder dos sans-cu- lottes, que defendia a intensificação das execuções contra aqueles que trabalhavam contra os avanços da revolução. Do outro, estava a ala moderada, do partido jacobino, liderada por Danton e Marat, que defendia o fim das execuções e argumentava que elas depunham contra os preceitos iniciais da revolução. Herbert, Danton e Marat foram acu- sados de traição e, em seguida, condenados pelo Comitê de Salvação Pública, que os enviou para a guilhotina. Diante desses acontecimentos, os sans- -culottes retiraram o apoio aos jacobinos, que fica- ram, doravante, cada vez mais isolados. A facção de centro dos jacobinos, liderada por Robespierre e Saint-Just, emergiu vitoriosa desse cenário, porém enfraquecida em suas bases de apoio. A burguesia aproveitou esse momento de divisão entre os jacobinos e iniciou uma cam- panha de retomada do comando da Revolução. Era o fim da Convenção e o Início do Diretório. Você está conseguindo perceber as muitas idas e vindas do processo revolucionário? 3 Mais informações a esse respeito ver: Hobsbawn (1982, p. 104). 1.5 O Governo do Diretório Em 9 de novembro de 1794, os membros da Planície, representantes da burguesia financeira, deram um golpe e tomaram o poder dos enfra- quecidos jacobinos. Os principais representantes do antigo governo, Robespierre e Saint-Just, foram detidos e executados na guilhotina. O feitiço havia se virado contra o feiticeiro. Para aplacar a onda de radicalismo, o governo do Diretório revogou a maioria das medidas instituídas pelo governo dos jacobinos. Proibiu, por exemplo, a execução da Marselhesa, hino nacional francês, aboliu a Lei do Edito do Máximo e eliminou do calendário políti- co o voto universal. Em seguida, promulgou uma nova constituição e, com ela, o voto censitário foi restabelecido. Os membros do Diretório levaram adiante os propósitos dos girondinos de espalhar a Revolução pelo continente europeu. Nesse contexto, alguns países foram dominados pelos franceses, mas a In- glaterra continuava a desfrutar de certa tranquili- dade, por conta de sua posição insular. Napoleão Bonaparte tentou enfraquecê-la dominando o Egito e cortando as suas relações comerciais com o Oriente. Temendo as consequências da movimenta- ção francesa no continente, a Inglaterra formou com a Áustria, a Turquia e a Rússia uma Coalizão para enfrentar os franceses. O território francês vol- tava a ser ameaçado pelas forças absolutistas da Europa. Diante dessas ameaças, Napoleão Bonapar- te foi convocado para voltar à França e protegê-la de seus inimigos. A incapacidade política do Dire- tório em conter as revoltas criou condições para Na- poleão Bonaparte ser alçado à condição de grande líder e foi com essa condição que ele foi apoiado pelo exército e pela burguesia para desferir um gol- pe de estado contra o Diretório e assumir o poder. Esse acontecimento ficou conhecido como Golpe do 18 de Brumário de 1799; ele assinala o início de uma nova etapa da Revolução Francesa. Sobre o golpe do 18 de Brumário, veja o que observou Karl Marx (1976, p. 18): Camile Desmoulins, Danton, Robespierre, Saint-Just, Napoleão, os heróis, bem como os partidos e massas da primeira Revolu- ção Francesa cumpriram, utilizando a rou- Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 14 pagem e a fraseologia romanas, a tarefa da sua época: a eclosão e instauração da so- ciedade burguesa moderna. Se os primei- ros reduziram a pedaços as instituições feudais e cortaram as cabeças feudais, que tinham crescido à sombra dessas mesmas instituições, Napoleão, por seu turno, criou no interior da França, as condições graças às quais se podia doravante desenvolver a livre concorrência, explorar a propriedade parcelar do solo e utilizar as forças produ- tivas industriais da nação que tinham sido libertadas, enquanto no exterior, varreu por toda a parte as instituições feudais, na medida em que isso era preciso para criar a sociedade burguesa em França, o ambiente de que ela tinha necessidade no continente europeu. 1.6 Era Napoleônica Na minha carreira encontrar-se-ão erros, sem dúvida; mas Arcole, Rivoli, as Pirâmides, Marengo, Austerlitz, Iena, Friedland [batalhas] são de granito; o dente da inveja nada pode contra elas... Eu aterrei o abismo anárquico e pus ordem no caos. Eu limpei a Revolução... E depois sobre que poderiam atacar-me de que um historiador não pudesse defender-me? Enfim, seria a minha ambição? Ah! Sem dúvida, ele encontra-la-á em mim – e muita; mas a maior e a mais alta que talvez jamais tenha existido: a de estabelecer, de consagrar o império da razão e o pleno exército, o inteiro gozo de todas as faculdades humanas... Em poucas palavras, eis, pois, toda a minha história... Milhares de séculos decorrerão antes que as circuns- tâncias acumuladas sobre a minha cabeça vão encontrar um outro na multidão para reproduzir o mesmo espetáculo. (BONAPARTE, 1976, p. 124). 1.7 Consulado As dificuldades que o Diretório enfrentava para restabelecer a paz e a confiança da popula- ção na economia contribuíram decisivamente para o Golpe de 18 do Brumário. Logo após o golpe, a Assembleia foi dissolvida e o regime do Consula- do foi implantado. Nessa época, a França vivia em grandes dificuldades. A indústria e o comércio es- tavam com sua capacidade operativa severamente comprometida, o serviço público estava desorga- nizado e a desconfiança da população com o seu governo era imensa; por isso mesmo, o movimento de emigração só fazia crescer. Ao chegar ao poder, Napoleão tomou várias medidas para restabelecer a paz para o povo fran- cês. Vejamos, então, algumas dessas medidas: Napoleão Bonaparte nasceu na Córsega, em 1769.Estudou na Academia Militar francesa e tornou-se personalidade conhecida após a Revolu- ção de 1789. Com 26 anos de idade já era general e comandou o exército francês nas bem-sucedidas campanhas contra a Itália e Egito entre os anos de 1796 e 1797. Foi por isso mesmo uma alternativa política para solucionar os problemas que a França enfrentava na fase do Diretório. O governo de Napoleão Bonaparte pode ser estruturado em três fases, assim divididas: fase do Consulado (1799-1804), fase do Império (1804- 1814) e o Governo dos cem dias (1815). A seguir, analisaremos as características de cada uma dessas fases. História Contemporânea Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 15 �� paz: adotou uma política de reconcilia- ção com algumas províncias rebeladas (Bretanha e Vendeia), notadamente; �� segurança: adotou medidas de proteção para os transeuntes, inibindo as ações dos salteadores nas estradas; �� economia: criou o Banco da França, que, entre outras funções, passou a ser o res- ponsável pelo controle de emissão de papel-moeda; �� educação: reorganizou o ensino, com o intuito de preparar funcionários para o Estado. Os liceus que tinham essa função eram organizados em moldes militares; �� leis : criou o Código Civil, uma reforma das leis existentes no país, que atendiam, em grande parte, aos interesses da bur- guesia. Esse código ficou conhecido tam- bém como Código Napoleônico; �� religião: elaborou a Concordata, um acordo entre a Igreja Católica e o Esta- do. Por esse acordo, o papa Pio VII reco- nhecia o confisco dos bens eclesiásticos pelo Estado francês. O Estado francês reconhecia o catolicismo como religião oficial, mas Napoleão indicaria os bispos. O êxito alcançado por essas medidas aumen- tou o prestígio de Napoleão junto à população francesa. Assim, com apoio quase incondicional da população, Napoleão alterou as regras do regime do consulado e instaurou, em 1802, o Consulado Vitalício, espécie de Monarquia vitalícia, que pas- sou a ser hereditária em 1804. Podemos, então, dizer que Napoleão governou para atender aos in- teresses da burguesia? Fique atento(a), pois é disso que vamos tratar mais adiante. 1.8 Implantação do Império A fragilidade sociopolítica vivida pela Fran- ça nessa época ajudou Napoleão a manipular a opinião pública para lhe prestar apoio na implan- tação do Império. Assim, em 1804, 60% da popu- lação ratificou em plebiscito o retorno do regime monárquico, sendo Napoleão Bonaparte indicado para ser o primeiro imperador. Em 2 de dezembro daquele ano, Napoleão foi coroado na catedral de Notre Dame. Napoleão criou um novo staff político, con- ferindo títulos de nobreza para os seus familiares, nomeando-os para cargos de públicos de relevada importância, e criou uma nova corte com mem- bros da elite militar e da alta burguesia. Eram as decisões iniciais de um governo que se mostraria, com o passar do tempo, ainda mais despótico. A escalada autoritária do novo regime ficava evidente em cada novo ato. As Assembleias foram suprimidas; as Câmaras legislativas perderam suas funções; as liberdades individuais foram cerceadas; a liberdade de imprensa foi anulada. O controle político da sociedade estendeu-se até à educação, com a alteração do programa de disciplinas consi- deradas perigosas para o regime: História e Filoso- fia. Essas medidas sofreram resistência da burgue- sia, que reclamava a perda da liberdade e se dizia vítima de perseguições políticas. No âmbito externo, formaram-se Coalizões para enfrentar a expansão do Império Napoleô- nico. Em 1805, formou-se a Terceira Coalizão an- tifrancesa (Inglaterra, Rússia e Áustria). Em 1806, formou-se a Quarta Coalizão (Inglaterra, Rússia e Prússia). Napoleão saiu vitorioso de ambas e tor- DicionárioDicionário Staff: grupo qualificado de pessoas que assis- tem um chefe, um dirigente, em organizações governamentais ou privadas. Exemplificando: o governo faz um remanejamento do staff presi- dencial para tentar conter a corrupção. Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 16 nou-se o grande senhor da Europa continental. Os territórios que não eram diretamente dominados pelo imperador estavam distribuídos entre aliados e familiares. Diante desse quadro, a Inglaterra era a única nação europeia que permanecia incólume aos ata- ques do exército de Napoleônico. Primeiramente, porque sua posição insular lhe garantia certa pro- teção; em segundo lugar, porque tinha a marinha mais bem equipada da Europa. Como não podia enfrentar diretamente a Inglaterra, Napoleão de- cretou, em 1806, o Bloqueio Continental, pelo qual todos os países do continente europeu teriam de fechar os seus portos ao comércio inglês. Com essa medida, Napoleão esperava enfraquecer a in- dústria inglesa, abrindo espaço, consequentemen- te, para os produtos franceses, que seriam benefi- ciados sem a concorrência dos produtos ingleses. Pode-se dizer que essa medida foi um erro estra- tégico de Napoleão, uma vez que a indústria fran- cesa não conseguia suprir todas as necessidades do continente, gerando, assim, descontentamento entre os aliados. Com o Bloqueio Continental, a se- cular rivalidade França versus Inglaterra era reacen- dida, caro(a) aluno(a). A aliança entre franceses e russos foi rompida em 1812 exatamente por isso, ou seja, a Rússia não podia prescindir dos produtos ingleses que abas- teciam o seu mercado e, sendo assim, rompeu o bloqueio e voltou a comercializar com a Inglaterra. Napoleão tomou essa medida como um desafio e decretou guerra à Rússia no mesmo ano. O pode- roso exército napoleônico era composto por mais de 600 mil soldados e 180 mil cavalos. Chegou a ocupar Moscou, mas desgastado e sofrendo com o rigoroso inverno começou a sofrer contra-ataques do exército russo. Napoleão ordenou, então, a re- tirada do exército, que chegou à Paris com aproxi- madamente 40 mil soldados. O fracasso militar na Rússia encorajou os paí- ses europeus a formarem a Sexta Coalizão (Prús- sia, Áustria, Rússia e Inglaterra). Napoleão foi der- rotado em abril de 1814 e, no mesmo ano, enviado à Ilha de Elba e o trono francês foi entregue a Luís XVIII, irmão de Luís XVI, que havia sido condenado à guilhotina no governo dos jacobinos. Em outros momentos da história, caro(a) aluno(a), a Rússia se- ria também determinante para os rumos das guer- ras. 1.9 Governo dos Cem Dias Da Ilha de Elba, Napoleão acompanhava a evolução dos acontecimentos e, em 1815, fugiu e avançou em direção ao território francês com sua guarda pessoal de mil soldados. Ao tomar conhe- cimento dos fatos, Luís XVIII enviou tropas para prender Napoleão, porém, com grande habilidade e poder de persuasão, Napoleão convenceu os sol- dados a aliarem-se a ele. Marchou em direção a Pa- ris, onde foi recebido aos gritos de “Viva o Impera- dor!”. Instalou-se novamente no poder, obrigando a família real a fugir para a Bélgica. Preocupados com os acontecimentos e te- mendo represálias de Napoleão, os países da Coa- lizão internacional rapidamente se organizaram na Sétima Coalizão. Napoleão e suas tropas foram definitivamente derrotados na Batalha de Water- loo, em junho de 1815. Para o historiador Carlos Guilherme Mota (1986), o fim da Era Napoleônica não deve ser ex- plicada exclusivamente pelo fracasso militar. As razões internas do esvaziamento de Napoleão ligam-se basicamente ao fato de o regime imperial – uma ditadura, em verdade – criar suas próprias oposições. Católicos, liberais, realistas e republica- nos começam a ver em Napoleão a nega- ção de seus projetos e aspirações. Fora da França, ele é o continuador da Revolução Francesa; mas dentro, é um déspota nem sempre esclarecido. Além disso, o regime, fortemente militarista, negava na prática as eventuais reformas propostas ou acei- tas pelo Estado. (MOTA, 1986, p. 155). História Contemporânea Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 17 A derrota de Napoleão em Waterloo abriu espaço paraa recomposição do mapa europeu, que havia sido modificado pela expansão do Im- pério Napoleônico. O Congresso de Viena (1814- 1815) cumpriu esse papel e representou, ainda, uma reação às ideias liberais difundidas pela Re- volução Francesa no continente. Derrotado, o go- verno francês teve de se submeter a uma série de imposições, entre elas, estava o pagamento de in- denização aos países vencedores. O Congresso de Viena trabalhou, principalmente, para restabelecer a ordem existente antes da Revolução Francesa, ou seja, pretendia promover a recomposição das mo- narquias no continente europeu. Os principais países que participaram do con- gresso foram: Áustria, Inglaterra, Rússia, Prússia e França. Ele foi organizado em torno de três prin- cípios básicos: �� restauração: retorno do absolutismo monárquico e recomposição das frontei- ras conforme situação existente antes da Revolução Francesa; �� legitimidade: devolução do governo às antigas dinastias, que haviam sido de- postas durante as guerras napoleônicas; �� equilíbrio europeu: tinha o objetivo de preservar a paz no continente europeu por meio de uma equivalência de forças entre as grandes potências; tinha tam- bém o objetivo de reprimir a onda liberal democrática inaugurada pela Revolução Francesa. A França, mesmo derrotada, preservou a sua integridade territorial, como mostra o mapa a se- guir. A Rússia anexou parte da Polônia. A Alemanha e a Itália seguiram divididas e submetidas ao con- trole austríaco. Outra curiosidade perceptível no mapa é a difusão dos ideais da Revolução Francesa com a consolidação de diversas monarquias cons- titucionais, sinalizando, assim, o enfraquecimento do absolutismo no continente. 1.10 Congresso de Viena Saiba maisSaiba mais Criada em 1815, a Santa Aliança tinha por objetivo conter a difusão da revolução liberal (burguesa), semeada por Napo- leão. Sua base política estava estruturada em duas forças tradicionais: o trono e o altar, isto é, a monarquia e a igreja. Tinha por finalidade precípua reprimir os mo- vimentos emancipacionistas, preservan- do, assim, os privilégios monarquistas. Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 18 Buscando efetivar o princípio de equilíbrio de forças estabelecido pelo Congresso de Viena, o Czar russo Alexandre I propôs, em 1815, a criação da Santa Aliança, pacto militar firmado entre as principais potências europeias e que tinha como objetivo central reprimir os movimentos de cunho liberal que se propagava pelo continente. Fonte: Arruda (2002, p. 72). História Contemporânea Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 19 1.11 Resumo do Capítulo Caro(a) aluno(a), Neste capítulo, aprofundamos nossos conhecimentos sobre a Revolução Francesa e vimos também as contribuições que ela legou para as sociedades ocidentais. 1.12 Atividades Propostas Caro(a) aluno(a), agora, utilizando argumentos desta apostila, responda: 1. Como estava dividida a França pré-revolucionária? 2. O que foi o Edito do Máximo? Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 21 Caro(a) aluno(a), neste capítulo, estudaremos algumas características importantes do século XIX. O Congresso de Viena decretou o fim do sé- culo XVIII e deu início ao século XIX. A essa altura dos acontecimentos, o processo de industrializa- ção já estava consolidado e o sistema político repu- blicano era uma realidade reconhecida e aspirada até mesmo pelas colônias. O século XIX foi marcado por problemas que envolveram princípios nacionalistas, liberais e so- cialistas. Trataremos desses tópicos a seguir. A questão do nacionalismo é uma herança do Congresso de Viena, que não conseguiu resol- ver definitivamente as disputas territoriais no con- tinente, deixando feridas abertas e ressentimentos revanchistas que seriam retomados principalmen- te nos territórios da Alemanha e Itália. Veja, caro(a) aluno(a), como a Europa esteve sempre às voltas com as questões do nacionalismo. Em 1848, a Itália estava dividida em vários Estados, predominantemente despóticos. Apenas o governo de Sardenha possuía uma constituição liberal. A burguesia de Sardenha, visando à melho- ria de seus negócios, incentivava a unificação. Em 1859, o Conde de Cavour costurou alguns acordos políticos com a França para combater as interferên- cias austríacas no território italiano. Nessa época, conseguiu anexar os territórios da Toscana, Parma, Lombardia, entre outros. Em seguida, Giuseppe Garibaldi recrutou voluntários e formou um exér- cito com o qual ocupou o reino das Duas Sicílias, criando condições para Emanuel II ser proclama- do Rei da Itália, em 1861. Nesse momento, apenas Roma e Veneza resistiam ao movimento de unifi- cação. Completada a unificação em 1870, o papa Pio IX não aceitava entregar os territórios da Igreja Católica e permaneceu na Catedral de São Pedro. A inexistência de relações políticas e diplomáticas entre a igreja e o Estado na Itália prolongou-se até 1929. Essa situação ficou conhecida como Ques- tão de Roma e só foi resolvida com a assinatura do Tratado de Latrão (1929), pelo qual o governo de Benito Mussolini indenizava a igreja pela perda do território de Roma e concedia soberania sobre a praça de São Pedro, surgindo, assim, o atual Estado do Vaticano. A Alemanha, depois do Congresso de Vie- na, ficou dividida em numerosos Estados. Estava, assim, fragmentada e sem força política para con- duzir suas negociações externas em igualdade de condições com as potências europeias. Assim, sua política exterior passou a ser coordenada por uma Assembleia, que se reunia em Frankfurt e tinha a Prússia e a Áustria como líderes. Em 1834, os diver- sos Estados reuniram-se na Confederação Germâ- nica e criaram a Zollverein. Essa política econômica impulsionou o de- senvolvimento econômico e construiu o discurso para o encaminhamento das questões nacionalis- tas. A Prússia empreendeu a primeira tentativa de unificação em 1850 e não obteve êxito, pois ficou isolada em seu intento. Na segunda metade do século XIX, o rei prussiano Guilherme I nomeou Otto Von Bismarck como seu Primeiro Ministro. Bismarck organizou um poderoso exército e coor- denou o processo de unificação da Alemanha. Em DicionárioDicionário Zollverein: política aduaneira que possibilitava a livre circulação de mercadorias entre os países subordinados à Confederação Germânica. NACIONALISMO, LIBERALISMO E SOCIALISMO NO SÉCULO XIX2 Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 22 1864, sob a liderança da Prússia, decretou guerra à Dinamarca; fez o mesmo com a Áustria, em 1866, e com a França, em 1870. Ao final dessas lutas (1871), Guilherme I foi proclamado rei da Alemanha, que estava finalmente unificada. A unificação criou condições para a Alemanha se transformar em uma das principais economias da Europa. 2.1 A Comuna de Paris A derrota da França na Guerra Franco-Prus- siana gerou uma onda de revoltas em Paris. Enfra- quecido internamente e temendo a radicalização dos movimentos sociais, o governo francês iniciou uma onda de negociações com Bismarck. A popu- lação sitiada em Paris considerou essa negociação uma traição e iniciou uma série de revoltas, compli- cando ainda mais a situação. Em 1871, foi assinado um acordo de paz com a Prússia e, no mesmo ano, foram realizadas eleições para uma Assembleia Na- cional, a qual teve perfil notadamente conservador. As atividades do parlamento foram transferidas para Versalhes. Abandonados pelo governo e bom- bardeados pelas forças do exército prussiano, os populares de Paris organizaram uma frente de re- sistência denominada Comuna de Paris. Diversas correntes ideológicas apoiavam o levante popular, as principais eram: os socialistas, os anarquistas e os liberais. Em 1871, a frente de resistência popular tomou a cidade de Paris e anunciou uma série de medidas importantes, entre as quais, destacam-se: �� dissolveu o exército regular e transferiu seus poderes paraa Guarda Nacional; �� as fábricas passaram a ser administradas por conselhos de trabalhadores; �� o voto universal foi restabelecido; �� aluguéis, alimentos e gêneros de primei- ra necessidade foram congelados; �� criaram-se creches e jardins de infância para os filhos de trabalhadores. O governo conservador francês não conse- guia enfrentar sozinho os rebelados da Comuna e, por isso, requisitou o apoio de Bismarck para com- bater os rebelados. Convencido de que o exemplo da Comuna constituía um perigoso exemplo para a Europa, Bismarck aceitou, então, ajudar o governo francês. Os membros da Comuna eram numerica- mente inferiores e menos equipados. Assim, o exér- cito apoiado por tropas prussianas chegou a Paris em maio de 1871, derrotando os últimos focos de resistência ao restabelecimento da antiga ordem. Mais de 20 mil representantes da Comuna foram executados e outros 40 mil foram deportados para colônias francesas. O sonho de um governo popu- lar chegara ao fim. 2.2 Liberalismo O pensamento liberal começou a ser formu- lado a partir da obra do filósofo inglês John Locke (1632-1704), que se notabilizou pela grande defesa da liberdade. Locke, Hobbes e Rousseau são comumente lembrados como os pais da teoria contratualista, ou seja, a necessidade de um contrato social para a constituição da sociedade civil. Apesar de conver- girem na defesa do contrato social, há na concep- ção de cada um desses pensadores uma maneira diferente de representar o poder. Para Locke, o po- der político estava localizado no legislativo e todos os demais poderes deveriam ficar subordinados a História Contemporânea Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 23 ele, só assim, o poder não seria determinado pe- las condições de nascimento. Hobbes, por sua vez, defende que o executivo deveria ser soberano e os demais poderes deveriam, então, estar submetidos a ele. Rousseau vai além e defende que o poder so- berano é aquele que está localizado na vontade do povo; esse poder é o único verdadeiramente ina- lienável. Locke defende que, no Estado de Natureza, a terra era comum a todos e o homem desfrutava dela segundo as suas necessidades. A ideia de pro- priedade privada nasce exatamente quando o ho- mem passa a trabalhar essa terra para retirar dela algo além daquilo que estava sendo oferecido a ele por meios naturais. É o trabalho, portanto, que fun- damenta o direito de propriedade. Os homens criam o Estado Social (ou estado político) através de um Contrato Social. Para ser le- gítimo, o contrato social deve ter o consentimen- to da comunidade. Cada membro da sociedade abdica, portanto, sem reservas, de todos os seus direitos em favor do bem comum da comunida- de. Rousseau assim esclarece essa situação: “[...] este ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo composto de tantos membros quanto são os votos da assembléia e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade.” (ROUSSEAU, 1973, p. 39). O ser social abdica, portanto, de sua liber- dade e torna-se parte de um todo na composição do bem comum. A sociedade civil fundamenta-se, então, por meio de acordos, que tornam possível o seu funcionamento. O bem comum é regulamen- tado pelas leis instituídas por meio de uma vonta- de coletiva e pela liberdade que o indivíduo agora tem de opinar e contestar. Montesquieu (1689-1755) é outro pensador que também contribuiu para a consolidação do pensamento liberal. Investigando as relações das leis com os governos, Montesquieu conclui que os governos são temporais e as leis são atemporais; por isso, não são patrimônio nem reserva moral deste ou daquele governo, precisando ser preser- vadas para além da vontade individual deste ou daquele governante. Montesquieu observa que, para alcançar essa isenção, o governo precisa ser orientado por um constitucionalismo, pelo qual se busca distri- buir a autoridade por meios legais, de modo a evitar o arbítrio e a violência, práticas comuns nos Estados Absolutistas. Perseguindo os objetivos de uma sociedade em que os poderes seriam auto- controlados, Montesquieu afirma que “só o poder feria o poder”, daí a necessidade da separação dos poderes. Quando na mesma pessoa ou o mesmo corpo de magistratura o poder legislati- vo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse li- gado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria ar- bitrário, pois o juiz seria legislador. Se es- tivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer a leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos. (MON- TESQUIEU, 1973, p. 156). Adam Smith (1723-1790), economista inglês, é considerado o pai do liberalismo econômico. Em seu livro Riqueza das nações, defende a ideia de que a economia funciona por leis próprias, como se houvesse uma “mão invisível” a dirigi-la. Foi um fer- renho crítico do monopólio comercial e do sistema colonial, pois para ele somente os mercadores ga- nhavam com essa prática. Divergiu dos fisiocratas ao defender que o trabalho era a verdadeira fonte de riqueza das nações e que deveria ser conduzido pela livre-iniciativa particular. Preconizava que as relações econômicas de- veriam ser regulamentadas pelo mercado sem a interferência do Estado. As funções básicas do Es- tado, segundo Smith, eram: Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 24 �� proteger a sociedade dos inimigos exter- nos; �� estabelecer regras para os indivíduos se protegerem mutuamente; �� fornecer condições para a execução de obras públicas indispensáveis para a so- ciedade. A ideia de que o Estado não deveria interfe- rir na economia foi, contudo, colocada em xeque quando veio a crise de 1929. Frente às dificuldades que a iniciativa privada encontrava para superar a crise, o Estado interveio, adotando medidas de proteção social. John Maynard Keynes foi o gran- de incentivador de um novo modelo de Estado e conseguiu convencer o presidente Franklin Dela- no Roosevelt a tornar o Estado mais atuante. Na década de 1980, a grande presença do Estado na vida econômica da sociedade passou a ser severamente criticada pelos neoliberais (neo= novo), que voltaram a defender o ideal de um Es- tado minimalista, cuja ação se restringe ao poli- ciamento, justiça e defesa nacional. Nessa mesma década, os governos de Reagan e depois Bush, nos Estados Unidos, e Margareth Thatcher, na Ingla- terra, iniciaram um processo de enxugamento do Estado, que culminou na política de privatização dos organismos estatais e na abolição da reserva de mercado. 2.3 O Nascimento do Socialismo Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837), Robert Owen (1771-1858) e Louis Blanc figuram entre os principais representan- tes do socialismo utópico. Saint-Simon projetou as bases de uma nova sociedade, que teria como princípio o coletivismo solidário dos produtores. Nessa sociedade, todos produziriam e o governo de alguns homens sobre os outros seria substituí- do pela administração conjunta do coletivismo so- lidário. Charles Fourier defendia uma nova ordem social, baseada na organização dos falanstérios. Ocorreram diversas tentativas de criação de falanstérios na França e nos Estados Unidos, todas fracassaram. Robert Owen era um industrial parti- dário das ideias socialistas, por isso tentou implan- tar em sua fábrica alguns princípios trabalhistas propugnados pelos socialistas, como redução da jornada de trabalho,aumento de salários e adoção de mecanismos para a melhoria das condições de vida dos operários. Todas essas experiências fracas- saram diante das resistências conservadoras de sua época. Foi um dos idealizadores das trade unions, associação de trabalhadores que daria origem aos sindicatos. Louis Blanc pregava a igualdade social que poderia ocorrer se o Estado se apropriasse de todo o sistema econômico. DicionárioDicionário Falanstérios: comunidades socialistas em que seria abolida a divisão trabalho e cada homem desenvolveria ao máximo o seu talento em prol do coletivo. História Contemporânea Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 25 2.4 Socialismo Científico Em 1848, a Europa era varrida por uma nova onda de revoluções, que, pela primeira vez, contava com a participação direta da classe operária. Nes- se mesmo ano, ocorreu a publicação do Manifesto Comunista, dando, assim, origem ao socialismo científico. Basicamente, suas ideias repousavam nos seguintes princípios: a História da humanidade sempre foi marcada pela exploração de uma clas- se social sobre o outro – senhor e escravo, patrício e plebeu, nobre e servo, mestre de corporação e companheiro; daí a luta de classes ser a principal responsável pelas transformações da sociedade. O pensamento marxiano surgiu com a so- ciedade moderna, com a grande indústria e com o proletariado industrial. Surgiu como a concepção de teórica para expressar esse mundo moderno em suas contradições e em seus problemas e encami- nhou soluções racionais para a superação dos con- flitos existentes em contraposição às alternativas metafísicas e utópicas dos pensadores anteriores. Despindo o véu da ilusão utópica, afirma que a igualdade somente seria alcançada se o proleta- riado vencesse a burguesia, impondo a ditadura do proletariado. O estado proletário se apropria- ria, então, dos bens de produção (máquinas, terras, capital), conduzindo a sociedade para a igualdade total – o comunismo, último estágio da evolução histórica. Para Marx, as principais teorias desenvolvidas pelos “utópicos” tinham como traço comum a sim- plificação das contradições sociais da sociedade burguesa. Em sua maioria, percebia-se a elimina- ção do individualismo, da competição e da influên- cia da propriedade privada. Tratava-se, por isso, de descobrir um sistema novo e perfeito de ordem social apenas pela boa vontade do ser social. Com essa formulação, os “utópicos” desconsideravam a necessidade da luta política entre as classes sociais e o papel revolucionário do proletariado na cons- trução dessa nova sociedade. Depois de debater com os “utópicos”, Marx concentrou suas forças para enfrentar criticamen- te os economistas clássicos ingleses, em particular Adam Smith e David Ricardo. Esse trabalho tomou a atenção de Marx até o final da vida e resultou na maior parte de sua obra teórica. Essa trajetória foi marcada pelo desenvolvi- mento de conceitos importantes, como alienação, ideologia, valor, mercadoria, trabalho, mais-valia e infraestrutura. Vamos examinar alguns deles a se- guir. 2.5 Resumo do Capítulo Caro(a) aluno(a), Neste capítulo, estudamos o nacionalismo do século XIX, o liberalismo e a unificação da Itália e da Alemanha. Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 26 A partir do que foi estudado neste capítulo, responda: 1. Para Adam Smith, quais eram as funções fundamentais do Estado? 2. O que foi a Questão Romana? 2.6 Atividades Propostas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 27 É um pensamento materialista, que parte do objetivo para o subjetivo. A realidade é o campo de ação do homem. A realidade social é, porém, obra dos próprios homens. A história é, pois, feita pelos homens, mas não a partir das condições que dese- jariam e sim a partir da herança deixada pelas ge- rações passadas. É um pensamento dialético, que busca nas intervenções humanas e em suas contra- dições as explicações para a sociedade. Pode-se dizer, então, que é um pensamen- to que não se limita em interpretar o mundo, mas busca também transformá-lo. Até o advento do marxismo, não havia nenhuma descrição nem ex- plicação científica da divisão social que acompa- nhava a humanidade desde os primórdios. 3.1 Infraestrutura Para Marx, a sociedade se estrutura em níveis. O primeiro desses níveis é a infraestrutura, que é constituída por uma base econômica. A base eco- nômica é, segundo Marx, o aspecto fundamental de toda sociedade, pois é a responsável pela trans- formação de matérias-primas e fontes de energia em riqueza. A infraestrutura engloba, então, a rela- ção do homem com a natureza, no esforço de pro- duzir a sua própria existência. Assim, cada grande etapa do desenvolvimen- to das forças produtivas corresponde a uma forma de organização da sociedade diferente. Por exem- plo, no século XVIII, os agentes daquela sociedade fizeram uma mudança na técnica: com as mesmas matérias-primas e ferramentas que usavam os ar- tesãos individualmente, agruparam operários em grandes oficinas, nas quais cada grupo destes fa- zia uma parte da produção total, que até então era feita separadamente por cada artesão. Essa nova técnica ficou conhecida como manufatura e subs- tituiu a fase doméstica da produção. O segundo nível é chamado superestrutura e é constituído de uma base jurídico-política, que é representada pelo estado, que repercute as ideias da classe dominante. É composto também por uma estrutura ideológica, repercutida nas formas de consciência social, entre as quais, destacam-se: a religião, a educação, a arte e as leis. Por esses me- canismos, a classe dominada acaba sendo sujeita- da ideologicamente e seus valores de vida passam a refletir as ideias e valores da classe dominante. Ao viver em sociedade, os homens partici- pam da produção, da distribuição e do consumo de bens e serviços, ou seja, participam da vida eco- nômica da sociedade, transformando a natureza e, consequentemente, transformando também a sua vida. O trabalho é, pois, o grande motivador da vida em sociedade. Trabalho para Marx é, então, toda atividade desenvolvida pelo homem num esforço concentrado de transformação da natureza para produzir os seus meios de subsistência. Ainda que a sociedade capitalista queira fazer diferenciações, o trabalho será sempre a combinação do esforço fí- sico com a capacidade intelectual. Exemplificando: o trabalho de um operário é mais manual do que intelectual; ainda assim, exige um mínimo de esfor- ço intelectual. O trabalho de um arquiteto é mais intelectual que manual, mas, ainda assim, a sua ati- O MÉTODO DO PENSAMENTO MARXISTA3 Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 28 vidade tem um aspecto manual, que é a passagem da concepção de suas ideias para o papel. As relações que os homens estabelecem en- tre si para a sua subsistência são definidas por Marx como relações de produção. Essas relações existem em todas as sociedades e se dão entre os proprie- tários dos meios de produção, de um lado, e os tra- balhadores, de outro. No Brasil colonial, por exemplo, o trabalho era praticamente todo realizado por escravos. As relações de produção eram, portanto, relações escravistas. Atualmente, praticamente todo traba- lho é realizado por trabalhadores assalariados. Os meios de produção, por sua vez, estão nas mãos de empresas particulares. Essas relações de produção caracterizam o capitalismo. A organização e o funcionamento da socie- dade estão, pois, diretamente associados com as relações de produção. São essas relações, também chamadas modos de produção, por Karl Marx, que permitem distinguir um tipo de sociedade de ou- tro. 3.2 Luta de Classes A História da humanidade sempre foi a his- tória da luta de classes; a divisão da sociedade em classes seria definida por fatores de ordem econô- mica e, sobretudo, pela existência da propriedade privada. Os interesses antagônicos constituem a base do conflito entre as classessociais. Esses confli- tos se manifestaram, ao longo da história da huma- nidade, sob formas diferenciadas. Na Antiguidade, a luta acontecia entre patrícios e plebeus; na Idade Média, entre senhores e servos. No início dos tem- pos modernos, o choque ocorreu entre nobreza e burguesia e, finalmente, na época contemporânea, a luta se trava entre burguesia e proletariado. A luta entre burguesia e proletariado se transformou na característica principal da sociedade capitalista, co- locando frente a frente os proprietários dos meios de produção e os detentores da força de trabalho. 3.3 A Mais-Valia Segundo Marx, a causa determinante dessa luta está na estruturação da sociedade, na explora- ção indefinida dos operários pelos burgueses. No sistema capitalista, está tudo vinculado à produção de mercadoria. Mercadoria, para Marx, é tudo aqui- lo que é produzido não tendo em vista o valor de uso (por exemplo, o cachecol que a vovó faz para o próprio uso), mas o valor de troca, isto é, a comer- cialização do produto. Como o operário não detém os meios de pro- dução nem é dono das matérias-primas, precisa necessariamente vender seu trabalho para sobre- viver. O capitalista compra essa mercadoria, isto é, a força de trabalho do operário, que passa a tra- balhar para o capitalista num regime de trabalho aparentemente livre. Como vendeu sua força de trabalho ao capitalista, todo produto por ele criado pertence ao capitalista que o paga pelo trabalho realizado. Ocorre que o pagamento nunca corres- ponde ao tempo trabalhado; por exemplo, se o operário gastou quatro horas para fazer uma ca- deira, o capitalista lhe paga apenas duas, as outras duas horas ficam para o capitalista. Chama-se mais- -valia, portanto, aquilo que o operário cria além do valor de sua força de trabalho e que é apropriado pelo capitalista. Analisando as consequências da mais-valia para a vida do trabalhador, Chauí (1980, p. 50-51) argumenta: História Contemporânea Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 29 o preço da mercadoria no comércio é uma aparência, pois a determinação do valor dessa mercadoria depende do tempo de trabalho de sua produção e esse tempo o dos demais trabalhadores que tornaram possível a fabricação desse mercadoria. [...] o produtor da mercadoria recebe um salário, que é o preço de seu tempo traba- lho, pois este é também uma mercadoria. Suponhamos, então, que, para fabricar um metro de linho e para extrair um quilo de ferro, os trabalhadores precisem de 8 ho- ras de trabalho. Suponhamos que o preço desses produtos no mercado seja de R$ 16,00. Diremos, então, que cada hora de trabalho equivale a R$ 2,00. Porém, quan- do vamos verificar qual é o salário desses trabalhadores, descobrimos que não rece- bem R$ 16,00, mas sim R$ 8,00. Há, portan- to, 4 horas de trabalho que não foram pa- gas, apesar de estarem incluídas no preço final da mercadoria. Essas 4 horas de tra- balho não paga constituem a mais-valia, o lucro do proprietário da fabrica de linho. Formam seu capital. A origem do capital, portanto, é o trabalho não pago. Graças à mais-valia, a mercadoria não é um valor de uso e um valor de troca qualquer, mas um valor capitalista. Marx sistematizou essas reflexões em sua obra máxima, O capital, em que analisa detalhada- mente o funcionamento do sistema capitalista e mostra como suas próprias contradições produzi- riam a sua crise estrutural. Através do conceito da mais-valia, Marx de- monstrou que o capitalismo se baseia na explora- ção do trabalho, como verificamos anteriormente e que agora exemplificamos com outra ordem de pensamento: O sistema capitalista se ocupa da pro- dução de artigos para a venda, isto é, de mercadorias. O valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente encerrado na sua produção. O trabalhador não possui os meios de pro- dução (terras, ferramentas, fábricas etc.), que pertencem ao capitalista. O valor de sua força de trabalho, como o de qual- quer mercadoria, é o total necessário a sua reprodução - no caso, a soma neces- sária para mantê-lo vivo. Os salários que lhe são pagos, portanto, serão iguais ape- nas ao necessário a sua manutenção Mas, esse total que recebe, o trabalhador pode produzir em parte de um dia de trabalho. Isso significa que apenas parte do dia de trabalho o trabalhador estará trabalhando para si. O resto do dia, ele está trabalhan- do para o patrão. A diferença entre o que o trabalhador recebe de salário e o valor da mercadoria que produz é a mais-valia. A mais-valia fica com o empregador – o dono dos meios de produção. É a fonte do lucro, dos juros, das rendas – as rendas das elas classes que são proprietárias. A mais- -valia é também a medida da exploração do trabalhador no sistema capitalista. (HU- BERMAN, 1984, p. 232-233). Ao patrão o que interessa é o aumento constante da mais-valia, porque assim seus lucros também aumentam. Para fazer isso, o capitalista usa algumas formas básicas, como, por exemplo, aumentando ao máximo a jornada de trabalho – mais-valia absoluta –, de modo que, depois de o operário ter produzido o valor equivalente ao de sua força de trabalho, possa continuar trabalhan- do muito tempo mais; essa forma de obter maior quantidade de mais-valia é muito conveniente ao capitalista, porque ele não aumenta seus gastos nem em máquinas nem em locais e consegue um rendimento muito maior da força de trabalho. Era o método mais utilizado no começo do capitalis- mo. Mas, não se pode prolongar indefinidamente a jornada de trabalho. Existem limites para isso: limi- tes físicos – porque, se o operário trabalha durante muito tempo, não pode descansar o suficiente que dê para refazer sua força de trabalho na forma devi- da, produzindo um esgotamento intensivo e, logo, uma baixa no rendimento, o que não interessa ao patrão – e limites históricos – porque, à medida que o capitalismo foi se desenvolvendo, a classe operária também se desenvolveu, se organizou e começou a lutar contra a exploração capitalista. Através de árduas lutas, a classe operária foi conse- guindo reduzir a jornada de trabalho, obrigando o capitalista a buscar outras medidas para aumentar a mais-valia. Então, para isso, o patrão teve de lançar mão de outras formas para fazer com que o operá- rio produzisse mais, reduzindo o tempo de trabalho Rafael Lopes Sousa Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 30 necessário – mais-valia relativa –, sem reduzir a jor- nada de trabalho: introduzindo máquinas mais mo- dernas, incentivando a produtividade etc. Portanto, segundo Marx, a exploração do tra- balhador não decorre do fato de o patrão ser bom ou mau e sim da lógica do sistema: para o empre- sário vencer a concorrência entre os demais produ- tores e obter lucros para novos investimentos, ele utiliza-se da mais-valia, que constitui a verdadeira essência do capitalismo. Sem ela, este não existe. No entanto, a exploração do trabalho acabaria por levar, por efeito da tendência decrescente da taxa de lucro, ao colapso do sistema capitalista. 3.4 Ideologia A palavra ‘ideologia’ carrega vários significa- dos e é usada para diferentes finalidades. “A ideolo- gia é – de qualquer maneira – o processo pelo qual as idéias da classe dominante se tornam idéias de todas as classes sociais, se torna idéias dominan- tes.” (CHAUÍ, 1980, p. 92). A ideologia tem, então, influência marcante na conformação social da sociedade capitalista, pois ajuda a ocultar suas contradições. Ela tem, pois, a função de apagar as diferenças, como as de classe, oferecendo referenciais universais para a unificação da sociedade. Nesse sentido, é interessante notar que a ideologia trabalha para a naturalização das contra- dições sociais, justificando e criando condições para a aceitação de determinadas situações aparente- mente naturais, mas que, na verdade, são produ- tos da intervenção humana. Um exemplo disso é a ideia da divisão de classes da sociedade capitalista, isto
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