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Estudo de caso conceitualização cognitiva

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292 ■ Terapia Cognitivo-comportamental
EXEMPLO DE UM PROCESSO DE FORMULAÇAO
C. veio encaminhado pelo psiquiatra com uma queixa de depressão. E um in­
vestidor aposentado de 60 anos, tardiamente casado, com dois filhos, um com 10 
e outro com 14 anos. Sua família de origem é nordestina, ele é filho de um pai que 
já era rico em decorrência de heranças e também do próprio trabalho e de uma 
mãe de família rica os quais tiveram, além dele, mais 3 irmãs. A sua família era de 
pessoas poderosas, de usineiros e latifundiários e de alguns nobres, com expressiva 
influência sociopolítica. Os negócios da família envolviam, em sua fase mais des­
tacada durante a geração do seu pai, empresas de açúcar e de álcool, petroquímicas, 
bancos, indústrias têxteis, fazendas etc.
Foi o primeiro neto das duas famílias, tendo nascido “como se fosse um menino 
Jesus”. Era visto como um belo menino, inteligente, mas com muita preocupação 
de que nada de ruim lhe acontecesse, o que lhe favoreceu que ficasse muito ame­
drontado de perder aquela posição.
O seu desempenho acadêmico foi marcado por uma ligação forte com os es­
tudos num colégio de destaque do Rio de Janeiro, num ambiente em que se prezava 
muito as origens sociais de cada aluno. Desenvolveu relações de amizade com 
outros colegas que também vieram a se tornar influentes no futuro. Seus pais cui­
daram de introduzi-lo no mundo social da época.
Desde os 15 anos, ele freqüentou psicólogos, sendo-lhe sugerido que seguisse 
carreiras como a da área diplomática. Sonhava em ser administrador de empresas, 
mas esse curso só existia em São Paulo. Isso acabou o levando a fazer Engenharia 
na PUC2 do Rio de Janeiro, tendo se formado em Engenharia Mecânica com ex­
tensão em Engenharia de Produção no ano de 1964.
No último ano fez estágio numa empresa aérea e numa empresa têxtil perten­
cente à família. Seu primeiro trabalho depois de formado foi o de incentivar grupos 
nacionais e internacionais visando ao licenciamento de empresas no Nordeste. 
Depois se dedicou a importar malte para uma grande cervejaria brasileira, além 
de ter negócios com grandes investidores do mercado de capitais do nosso país. 
Subseqüentemente, dedicou-se à implantação de projetos de petroquímica e 
cervejaria naquela região.
Na área afetiva teve dificuldades de expressar os próprios sentimentos e medo 
de ser rejeitado pelas outras pessoas, sobretudo garotas. Mesmo assim foi se dedi­
cando a isso, com garotas humildes, para que, depois dos 30 anos, viesse a se de­
dicar mais seriamente às mulheres. Casou-se aos 44 anos com receio de manter 
uma casa própria. Vem vivendo com sua esposa e já tem dois filhos.
Sua apresentação durante a entrevista era de uma pessoa bem vestida e limpa. 
Seu olhar era baixo e ele tendia a manter a mesma postura no sofá quase o tempo 
todo. Sua linguagem era correta, precisa e ele pensava bastante antes de responder 
e, quando o fazia, falava com um tom de voz muito baixo. Na época das primeiras 
entrevistas falava de modo excessivamente lento, interrompendo o discurso fre­
qüentemente durante períodos relativamente longos, o que exigia que o terapeuta 
repetisse as perguntas que havia feito algumas vezes como no exemplo seguinte.
2 Pontifícia Universidade Católica
Conceituação Cognitiva ■ 293
Cliente: “Eu tenho observado que, pelas minhas tentativas de evoluir nessa 
sistemática...” (pausa) “eu sempre esbarro com ...” (pausa)
(pausa de cerca de 1 minuto)
Terapeuta: “O quê?”
Cliente: (pausa) “...a mudança dos pensamentos, quer dizer...” (pausa) “eu 
identifico os pensamentos que estão me deixando... ” (pausa) “meu estado de hu­
mor angustiado, depressivo, desesperado, sejao que for... mas...”
(pausa de cerca de 1 minuto)
Terapeuta: “Mas...?”
Cliente: (pausa) “... mas eu sinto que, apesar de eu colocar as evidências de que 
eles não têm pertinência... ” (pausa)... “quer dizer, tenho pensamentos, por exem­
plo, de que vou falir, que vou tomar uma decisão totalmente desastrosa... ” (pausa) 
“vai ser uma loucura de prejuízo... vai ser um negócio horroroso” (pausa)...
(pausa de cerca de 1 minuto)
O cerne das suas preocupações era “Nada dá certo comigo.” C. pensava ser um 
incapaz, um fracassado, sem valor como pessoa. Para ele, qualquer perda foi uma 
fonte de tormento, não importando se fosse uma lapiseira sem valor ou algum 
prejuízo significativo em suas aplicações finaceiras. O principal motivo para essas 
avaliações foi o fato dele sentir que não conseguiu alcançar suas grandes aspirações.
Toda manhã, ele acordava com sentimentos de desespero, querendo morrer, 
achando que merecia ser punido. Sofria assim durante um bom tempo até se le­
vantar e ir tomar um banho (ele descobriu que isso o fazia se sentir melhor). Depois 
disso, tomava café e, em determinados dias, ia para a sua fisioterapia, da qual gos­
tava e saía de lá se sentindo um pouco melhor (sofria de tendinite). Ao longo do 
dia, ele tinha oscilações do humor e ficava vulnerável a uma queda com qualquer 
notícia ruim, desde as mais simples. Como investidor aposentado, preocupava-se 
obsessivamente com seus investimentos e buscava orientação com outras pessoas: 
peritos em investimentos de bancos com experiência internacional, um assessor 
pessoal para esse objetivo, sua esposa, uma de suas irmãs etc.
À noite, sentia-se desamparado pois a esposa dedicava mais atenção ao filho 
de 14 anos que apresentava algumas dificuldades escolares. Sentia-se péssimo 
nesses momentos, ficando atormentado com ideações suicidas e autopunitivas. 
Dormia cedo para tentar acordar melhor no dia seguinte.
Eles moravam com uma de suas irmãs, (supostamente) em decorrência de 
reformas que estavam sendo feitas no seu próprio apartamento. Essa irmã era 
muito rica e os acolheu de bom grado em seu amplo apartamento, sobretudo por 
causa dos sobrinhos, dos quais era madrinha e lhes queria muito bem.
A relação com sua esposa era satisfatória, porém, freqüentemente tumultuada 
graças às suas cobranças obsessivas e irrealistas. Ele mantinha um contato mais 
superficial com os filhos que eram totalmente absorvidos pela mãe (em parte para 
proteger C. de preocupações, em parte para proteger os meninos).
Sua vida social estava restrita a algumas idas ao cinema com a esposa e even­
tualmente com os filhos. Raramente encontrava amigos para jantar fora ou fazer 
alguma outra atividade (às vezes, por resistência da esposa que não se sentia con­
fortável na presença de outras pessoas).
294 ■ Terapia Cog nitivo-com porta menta I
0 lazer era, em grande parte, em função dos filhos, levando-os para jogar bo­
liche ou videogames no shopping com os amigos deles. Em conseqüência de seu 
problema de ruptura dos ligamentos do joelho direito, fazia pouca atividade físi­
ca, restringindo-se a eventuais passeios de bicicleta com os filhos e, quatro vezes 
por semana, dançar. As aulas de dança, às quais ia sozinho, eram encaradas como 
obrigações e fonte de freqüentes desgostos, pois ele se julgava falhando nos pas­
sos ensinados.
Suas tardes eram voltadas para seus investimentos ou para iniciativas em re­
lação à reforma do apartamento. As dúvidas que tinha em relação à reforma eram 
variadas: se eles contratavam ou não um arquiteto para serem orientados; com 
que tipo de empresa fariam a reforma da cozinha; com que firma comprariam o 
piso e os azulejos para os banheiros; quais seriam as marcas dos boilers} do fogão, 
da geladeira etc.
Seu BAI3 estava sempre muito baixo, em torno de cinco pontos. Já o IDB4 al­
cançava 40 pontos regularmente, portanto, existiam sinais de depressão grave, com 
destaque para as seguintes afirmações:
1. Estou tão triste ou infeliz que não consigo suportar;
2. Acho que o futuro é sem esperança e tenho a impressão que as coisas não 
vão melhorar;
3. Acho que sou um fracasso completo como pessoa;
4. Estou insatisfeito ou aborrecido com tudo;
5. Acho que estou sendo punido;
6. Sinto-me como se estivesse bem ruim e sem valor;
7. Às vezes, penso em me suicidar, mas não o farei;
8. Tomar decisões émuito mais difícil que antes;
9. Tenho que me esforçar muito para fazer qualquer coisa;
10. Acordo várias horas mais cedo do que costumava e tenho dificuldade em 
voltar a dormir;
11. Fico preocupado com problemas físicos como dores etc.;
12. Perdi completamente o interesse em sexo.
A patologia médica que apresentava era a seguinte: no último ano fez uma 
cirurgia para eliminar sinais cancerígenos na pele.
DIAGNOSTICOS PROVÁVEIS
Eixo I: Episódio Depressivo Maior;
Eixo II: Provavelmente, conforme avaliação pela SCID-TP5 e pela observação 
de seu comportamento nas sessões -T P Narcisista e TP Obsessivo-compulsivo; 
Eixo III: Doenças do sistema digestivo, da pele e tendinite;
3 Beck Anxiety Inventory (1988).
4 Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory, 1961 /2000).
5 Strutured Clinical Interview for DSM-III-R Personality Disorders - Entrevista Clínica Estruturada 
para D SM-III-R Transtornos da Personalidade (Spitzer etal , 1990).

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