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- 1 - - 2 - Comitê Científico Presidente Yvone Dias Avelino (PUC/SP) Vice- presidente Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP) Membros Alfredo González-Ruibal (Consejo Superior de Investigaciones Científicas-Spanish National Research Council e Institute of Heritage Sciences) Ana Paula Nunes Chaves (UDESC - Florianópolis/SC) Barbara M. Arisi (UNILA - Foz do Iguaçu/PR) Benedicto Anselmo Domingos Vitoriano (Anhanguera – Osasco/SP) Carmen Sylvia de Alvarenga Junqueira (PUC/SP - São Paulo/SP) Claudio Carlan (UNIFAL - Alfenas/MG) Cristian Farias Martins (UFAM - Benjamin Constant/AM) Denia Roman Solano (Universidade da Costa Rica) Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP - São Paulo/SP) Estevão Rafael Fernandes (UNIR - Porto Velho/RO) Fábia Barbosa Ribeiro (UNILAB – São Francisco do Conde/BA) Gilson Rambelli (UFS - São Cristóvão/SE) Graziele Acçolini (UFGD – Dourados/MS) Heloisa Helena Corrêa (UFAM - Manaus/AM) José Geraldo Costa Grillo (UNIFESP - Guarulhos/SP) Júlio Cesar Machado de Paula (UFF – Niterói/RJ) Karel Henricus Langermans (Anhanguera - Campo Limpo - São Paulo/SP) Kelly Ludkiewicz Alves (UFBA - Salvador/BA) Lilian Marta Grisólio (UFG - Catalão/GO) Lucia Helena Vitalli Rangel (PUC/SP - São Paulo/SP) Luciane Soares da Silva (UENF – Campos de Goitacazes/RJ) Marilene Corrêa da Silva Freitas (UFAM – Manaus/AM) Odenei de Souza Ribeiro (UFAM – Manaus/AM) Patricia Sposito Mechi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR) Paulo Alves Junior (FMU - São Paulo/SP) Raquel dos Santos Funari (UNICAMP – Campinas/SP) Renata Senna Garrafoni (UFPR - Curitiba/PR) Rita de Cassia Andrade Martins (UFG – Jataí/GO) Thereza Cristina Cardoso Menezes (UFRRJ - Rio de Janeiro/RJ) Vanderlei Elias Neri (UNICSUL - São Paulo/SP) Vera Lúcia Vieira (PUC - São Paulo/SP) Wanderson Fabio Melo (UFF – Rio das Ostras/RJ) - 3 - UMA HISTÓRIA DO POVOAMENTO DO CONTINENTE AMERICANO PELOS SERES HUMANOS: A ODISSÉIA DOS PRIMEIROS HABITANTES DO PIAUÍ Gabriel Frechiani de Oliveira Michel Justamand Pedro Paulo Funari - 4 - UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS CONSELHO EDITORIAL Presidente Henrique dos Santos Pereira Membros Antônio Carlos Witkoski Domingos Sávio Nunes de Lima Edleno Silva de Moura Elizabeth Ferreira Cartaxo Spartaco Astolfi Filho Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel COMITÊ EDITORIAL DA EDUA Louis Marmoz - Université de Versailles Antônio Cattani - UFRGS Alfredo Bosi- USP Arminda Mourão Botelho - UFAM Spartacus Astolfi - UFAM Boaventura Sousa Santos - Universidade de Coimbra Bernard Emery - Université Stendhal-Grenoble 3 Cesar Barreira - UFC Conceição Almeira - UFRN Edgard de Assis Carvalho - PUC/SP Gabriel Conh - USP Gerusa Ferreira - PUC/SP José Vicente Tavares - UFRGS José Paulo Netto - UFRJ Paulo Emílio - FGV/RJ Élide Rugai Bastos - UNICAMP Renan Freitas Pinto - UFAM Renato Ortiz - UNICAMP Rosa Ester Rossini - USP Renato Tribuzy – UFAM Reitor Sylvio Mário Puga Ferreira Vice-Reitor Jacob Moysés Cohen Editor Sérgio Augusto Freire de Souza - 5 - UMA HISTÓRIA DO POVOAMENTO DO CONTINENTE AMERICANO PELOS SERES HUMANOS: A ODISSÉIA DOS PRIMEIROS HABITANTES DO PIAUÍ Gabriel Frechiani de Oliveira Michel Justamand Pedro Paulo Funari Embú das Artes - SP 2019 - 6 - © Alexa Cultural Direção Gladys Corcione Amaro Langermans Nathasha Amaro Langermans Editor Karel Langermans Capa Klanger Foto de Capa Klanger Editoração Eletrônica Alexa Cultural Revisão Michel Justamand Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) OLIVEIRA, G. F JUSTAMAND, M. FUNARI, P. P. Uma história do povoamento do continente americano pelos seres huma- nos: a odisséia dos primeiros habitantes do Piauí, Gabriel Frechiani de Oliveira, Michel Justamand e Pedro Paulo Funari, Embu das Artes/SP: Alexa Cultural; Manaus/AM: EDUA, 2019 14x21cm - 118 páginas ISBN - 978-85-5467-075-7 1. Arqueologia - 2. Antropologia - 3. História - 4. Piauí - 5. Brasil I- Sumário - II Bibliografia CDD - 510 Índices para catálogo sistemático: 1. Arquerologia 2. Antropologia 3.História Todos os direitos reservados e amparados pela Lei 5.988/73 e Lei 9.610 Alexa Cultural Ltda Rua Henrique Franchini, 256 Embú das Artes/SP - CEP: 06844-140 alexa@alexacultural.com.br alexacultural@terra.com.br www.alexacultural.com.br www.alexaloja.com Editora da Universidade Federal do Amazonas Avenida Gal. Rodrigo Otávio Jordão Ramos, n. 6200 - Coroado I, Manaus/AM Campus Universitário Senador Arthur Virgilio Filho, Centro de Convivência – Setor Norte Fone: (92) 3305-4291 e 3305-4290 E-mail: ufam.editora@gmail.com - 7 - As melhores histórias são aquelas que surpreendem até os melhores historiadores. Walter Bueno - 8 - - 9 - O contexto intelectual do estudo da antiguidade da presença humana nas Américas Pedro Paulo A. Funari A busca das origens e gênese estão presentes nos pensamentos de todas as sociedades humanas. Há até um termo para designar essa preocupação: a cosmogonia, “o tornar-se mundo”, daí criação do mundo, sendo mundo tanto o universo, como a so- ciedade, toda a ordem de coisas, como de viventes e imortais considerados existentes. Essas narrativas são tão variadas como as sociedades, em diferentes épo- cas e lugares, a mostrar que são maneiras de dar conta de entender e dar sentido aos fenômenos naturais e culturais. A modernidade e o Iluminismo viriam a propor explicações das origens a partir da nascente ciência objetiva. Esta afastava-se do sobrenatural e fundava- -se na experiência e na razão e a busca das origens naturais e sociais tomaram novas feições. As origens naturais e humanas só prescindiram do sobrenatural a partir do século XIX, quando a antiguidade das rochas parecia ultrapassar os seis mil anos da datação atribuí- da à Bíblia e o evolucionismo propunha uma explica- ção das origens das espécies, inclusive do ser humano. Essa confiança na objetividade e numa expli- cação única viria a ser identificada como positivismo, quando a própria ciência foi questionada como conhe- cimento também subjetivo, dependente de teorias. No âmbito das Humanidades e da Teoria Social, houve - 10 - crescente discussão sobre as narrativas, a partir de pa- radigmas diversos, que até mesmo constituem como documentos objetos distintos. Isso teve consequên- cias para todos os temas, com destaque para a ques- tão das origens humanas, a começar pelas definições de origens e humanas. Origem é um termo mais genérico, que se pode aplicar a tudo e cuja etimologia indica o crescimento (daí Oriente, de onde cresce o Sol). O grego gênese e genealogia, usado por Michel Foucault, remete à no- ção de “tornar-se”, de modo que ambos remontam à noção de algo que nasce, surge, de algo anterior (ou mesmo interior). Neste sentido, origens e genealogia tratam das causas anteriores. Já o segundo termo, o humano, é ainda mais abstrato e sujeito a disputas. A definição biológica do humano está sujeita a aspectos relativos tanto à ge- nética, como à morfologia, sem contar aspectos cul- turais. O humano seria a espécie atual, com cerca de 40 mil anos? Ou incluiria seus antepassados imediatos (200 mil anos?), incluiria espécies de cruzamento mú- tuo, como os neandertais? Ou deveria recuar aos mais antigos hominídeos, há milhões de anos? Em qualquer caso, só se pode estudar esse tema a partir de uma variedade de teorias, pois sequer é possível determi- nar com total certeza a vinculação entre as espécies de hominídeos. O povoamento do continente americano apre- senta desafios particulares, a esse respeito. A antigui- dade dos hominídeos no Velho Mundo (África, Ásia e Europa) é bem documentada, ainda que o relaciona- mento dos vestígios esteja sujeito à diversidade de es- quemas interpretativos. Já no Novo Mundo, há mais - 11 - incertezas, evidências menos abundantes e mais con- troversias, o que instiga a uma variedade ainda maior de interpretações. Este volume apresenta, de forma clara e didática, as principais evidências, teorias e es- quemas interpretativos.Para isso, inicia-se com algu- mas das perspectivas do início da Modernidade, quan- do os europeus encontraram os ameríndios. A Bíblia e os autores clássicos, gregos e romanos, inspiraram as explicações das origens desses humanos. Em seguida, explicações baseadas nas evidências materiais e em teorias sociais multiplicaram-se e são apresentadas, de maneira direta e bem fundamentada, por este volume, que serve tanto a especialistas, como aos interessados em geral. O livro conclui-se com uma interrogação, como convém a um livro que, antes de tudo, faz pen- sar. E isso é o mais importante, não? - 12 - - 13 - Sumário O contexto intelectual do estudo da antiguidade da presença humana nas Américas 09 Pedro Paulo A. Funari Capítulo 1 Em busca de novos caminhos para a história 15 1.1 - A relação entre a história, a pré-história e a arqueologia 23 Capítulo 2 Em busca das origens dos seres humanos no continente americano: as perspectivas biblíca e dos povos da antiguidade 35 2.1 - uma perspectiva biblíca sobre o povoamento do continente americano 2.2 uma perspectiva dos povos da antiguidade sobre o povoamento do continente americano 40 Capítulo 3 Em busca das origens dos seres humanos no continente americano: uma perspectiva científica 47 3.1 - uma perspectiva sobre o povoamento pelo norte do continente americano 48 3.2 uma perspectiva sobre o povoamento pelo sul do continente americano 60 Capítulo 4 A importância das pesquisas arqueológicas no Parque Nacional Serra da Capivara 75 - 14 - Consideramos que... 87 Referências 89 Sobre os autores 105 Coleção Arqueologia Rupestre 109 Coleção FAAS - Fazendo Antopologia no Alto Solimões 111 Coleção FAAS Teses 113 Coleção Carmen Junqueira 113 Coleção Diálogos Interdisciplinares 115 - 15 - CAPÍTULO 1 EM BUSCA DE NOVOS CAMINHOS PARA A HISTÓRIA1 Ao abrimos um livro de História do Brasil do en- sino médio e folhearmos o sumário, observamos que o período que corresponde ao Brasil Colonial (1500- 1822) abrange poucos capítulos em relação ao período do Brasil Império (1822-1889) e Republicano (1889--), mas o período colonial corresponderia cerca de 322 anos da nossa chamada História. A História do Brasil parece ter iniciado somente com a chegada dos portu- gueses em 1500. Segundo Borges (2004, p.14), Quem inaugura a história do Brasil é o colonizador europeu e tudo que vem antes da sua chegada é pré- -história, ou então, entra nas páginas dos livros como o diferente, o pitoresco, como a contribuição do ele- mento indígena para a raça brasileira, como mão-de- -obra escrava, como resistência, mas sem existência própria, sem dinâmica social, sem sua própria vida. Essa História do Brasil sempre foi vista pela ótica do colonizador, do europeu carregado com sua espi- ritualidade cristã, procurando integrar os chamados índios2 na sua sociedade colonial. Gabriela Martin ex- plica que “(...) a história da América é a história dos es- panhóis, portugueses e ingleses na América, e o indí- gena apenas parte da paisagem, mas sem constituir a 1 Parte desse título foi extraído do livro “A História Negada” de Jónia Freitas Borges, citado na bibliografia. 2 Atribui-se a Cristóvão Colombo esse termo que pensava que tinha alcançado as Índias Orientais e assim justificando, o uso do termo índio para designar as populações do Novo Mundo. - 16 - história do continente antes da chegada dos europeus (MARTIN, 2002, p.20). Todorov (1999)3 afirma que a conquista da Amé- rica pelo europeu teria causado aproximadamente 70 milhões de mortos no período do século XVI e XVII, configurando um dos maiores genocídios da história da Humanidade. Um dos motivos atribuídos a esse ge- nocídio seria o fato de os europeus estarem motiva- dos pelo espírito das cruzadas, buscando riquezas, e acrescidos com seu espírito bélico. Segundo Theodoro (1991, p.9), O pensamento cristão havia-se adaptado muito bem à política expansionista. A teatralidade e a agilidade do cristianismo permitiam uma rápida penetração da doutrina entre os povos vinculados a uma outra estru- tura ritual. As igrejas foram o suporte básico em que se assentou todo o projeto colonizador. Uma batalha ganha, um saque farto ou mesmo um grande massacre das populações indígenas podia merecer uma missa e, muitas vezes, acaba numa construção de uma igreja. A construção da imagem dos índios giraria em torno de dois polos, o primeiro o bom selvagem des- crito muitas vezes pelo Frei Bartolomé de Las Casas e outros religiosos que não viam maldade naqueles seres humanos, atribuindo uma inocência de Adão e Eva; a outra imagem de mal selvagem, rebelde, canibal e pa- gão, obrigando ao homem branco inseri-lo nos ensina- mentos cristãos e assim, muitas vezes escravizando-os. 3 Tzvetan Todorov explicita bem esses impactos entre o contato do europeu com os habitantes do Novo Mundo ao afirmar que “Sem entrar em detalhes, e para dar somente uma ideia global (apesar de não nos sentirmos totalmen- te no direito de arredondar os números em se tratando de vidas humanas), lembraremos que em 1500 a população do globo deve ser da ordem de 400 milhões, dos quais 80 habitam as Américas. Em meados do século XVI, des- ses 80 milhões, restam 10. Ou se, nos restringimos ao México: às vésperas da conquista, sua população é de aproximadamente 25 milhões; em 1600, é de 1 milhão” (1999, p.158). - 17 - Podemos citar como exemplo Juan Gines de Sepúlveda que defendia a submissão dos índios em relação aos europeus, e assim utilizando no desen- volvimento das atividades coloniais, até a instituição jurídica do Requerimiento em 1514, que escravizava as sociedades indígenas. Laplatini (1995) afirma que a imagem do índio giraria em torno dessas duas ideolo- gias do bom selvagem e mal selvagem, sendo conside- rado um caminho entre a animalidade e a humanidade. Para Moniot (1988, p.100-101), A exclusão de tantos povos era tanto decretada de di- versas formas. Inicialmente por uma ideia já adquirida: não fizeram nada de notável, nenhum produto durável, antes da chegada dos brancos e da civilização – a selvageria como pré-história anônima e bronca, um dos estereótipos justificando do fardo do homem branco”. Mais ou menos grosseira, mas amplamente difundida, a idéia esterilizava os germes da curiosidade histórica, privada de objetos pela evidência. Diversamente, os filósofos colocavam fora da história as sociedades privadas de Estado – essa expressão manifesta do requinte e da permanência de um sen- tido – ou todas aquelas que, repetitivas ou somente agitadas no caos, não trabalhavam numa construção desejada, consciente, progressiva. Passado mais de cinco séculos do “descobrimen- to” e da colonização podemos constatar que quase todas as populações indígenas foram dizimadas pela mão do europeu, de forma direta, pelo uso da violên- cia ou indireta pelas doenças4 transmitidas pelo colo- nizador. Mas de onde vieram esses habitantes e qual 4 Em especial a varíola que foi utilizada em algumas situações pelos europeus para dizimarem as populações indígenas, como doação de roupas contamina- das para os indígenas, segundo Todorov (1999, p.73) “(...) os espanhóis, sem saber, inauguram também a guerra bacteriológica, ao trazer a varíola, que provoca muitas baixas no exército adversário.”, essa forma de guerra bacte- riológica foi utilizada pelo conquistador espanhol Hernan Cortez contra os Astecas, no México. - 18 - seriam sua importância para o contexto do piauiense? Não se sabe ao certo qual o primeiro ponto que esses seres humanos chamados de índios chegaram ao continente americano, mas somente que são oriun- dos de outras partes do mundo. De norte a sul do território piauiense, mais de mil sítios arqueológicos já foram catalogados pelo IPHAN. De acordo com Santos e; Gita Oliveira (1997, p.11), (...) cabe ressaltar a importância dos sítios arqueo- lógicos, constitutivos do patrimôniocultural, como testemunhos tanto históricos quanto imemoriais de ocupação do território bem como de sua utilização. Constituem provas concretas da presença e ativida- de humanas em parcelas do território que podem ser atestadas e datadas. Quando os desbravadores Domingos Afonso Sertão e Domingos Jorge Velho em meados do sécu- lo XVII adentraram no solo piauiense deparam-se com várias tribos indígenas: Timbira, Acroá, Jaicó, Tabajara, Tremembé, Gueguê, Pimenteiras que foram desterri- torializadas pelo processo de colonização, sendo es- cravizados como mão-de-obra, catequizados ou, em caso de resistência exterminados. Podemos fazer uma analogia com o livro Utopia5 de Thomas Morus (1478- 1535), que conta o processo de expulsão dos peque- nos agricultores ingleses de suas terras para criação de ovelhas, o que Karl Marx (1818-1883) denomina 5 Encontramos essa passagem em um diálogo do livro entre “Todavia, essa não é a única razão que obriga as pessoas a roubarem. Há uma outra, que me parece ser mais particular de vocês. – Qual é? – perguntou o cardeal. – Vos- sos carneiros – disse eu-. – Normalmente tão mansos, tão fáceis de alimentar com pouca coisa, ei-los transformados, dizem-me, em animais tão vorazes e ferozes que devoram até mesmo os homens, devastando e despovoando os campos, granjas, as granjas, as aldeias” (MORUS, 2006, p.31). - 19 - clearing state6, mas no lugar de ovelhas era o gado que comeria os indígenas piauienses e usurparia as suas terras. A região geográfica que faz parte o estado do Piauí era massivamente povoada por uma diversidade de tribos indígenas no período colonial, sendo com- parada como “(...) nos primeiros dias, os índios fer- vilhavam como formigas nos vales dos rios do Piauí e também por todo o Nordeste” (NUNES, 1972, p.12), descrito como um grande corredor migratório dos grupos indígenas na região Nordeste e Norte (NUNES, 1975). As estimativas demográficas acerca da popula- ção indígena piauiense remontam 369 mil pessoas no período colonial, estando segmentada em quatro prin- cipais grupos étnicos: 1) Cariri, composto pelos Tre- membés; 2) Caraíba, pelos Pimenteiras; 3) Tupi, com- posto pelos Tabajaras; 4) Jê, composto pelos Acroás, Gueguês, Timbiras e Jaíco (BAPTISTA, 2009). A historiografia piauiense que versa acerca dos grupos indígenas no período colonial é complexa e apresenta várias divergências no que tange a desig- nações dos grupos culturais, gerando problemas de conceituação e divergência nas narrativas históricas, a histórias dos índios no Piauí precisa ainda ser estudada com mais profundidade (COSTA, 1974; NUNES, 1975; 2007; ALENCASTRE, 1981; CARVALHO, 1993; CHAVES, 2005; MACHADO, 2010; CASTELLO BRANCO, 2011). Segundo Oliveira (2002, p.174-175), 6 Esse conceito clearing state foi extraído de Karl Marx que significaria “roçan- do dos bens pela raiz” seria “(....) o conjunto de atos de violência por meio dos quais se desembaraça dos cultivadores e de suas moradias, quando eles se encontram sobre bens de raiz destinados a passar ao regime de grande cultura ou ao estado pastoril” (MARX,1985, p.42). - 20 - A colonização no estado do Piauí teve início apenas no final do século XVI e começo do século XVII. Ao contrário do processo de povoamento de outros es- tados brasileiros do interior, teve início a partir do rio São Francisco e seguiu para o litoral quando chegaram as primeiras expedições bandeirantes e à procura da mão-de-obra indígena e metais preciosos. Posterior- mente, com a expansão da pecuária para o sertão nordestino, surgiram freguesias, missões e vilas. Mui- tos desses povoados e fazendas foram instalados em áreas de antigas aldeias indígenas.(...) O processo de extermínio da população indígena no interior do sertão foi se intensificando, a partir do século XVIII, com o avanço dos colonizadores, interessados prin- cipalmente na liberação das terras e na obtenção da mão–de-obra indígena para a lavoura e a pecuária as- sim como para serviços de guias ou combater grupos indígenas. Essa fase é marcada também pela presença dos padres jesuítas que, com o objetivo de catequese, fundam as missões ou reduções destinadas a reunir as populações indígenas. Sobre a relação entre pecuária e extermínio dos indígenas, observamos o crescimento acelerado dessa atividade e sendo considerada junto com a escraviza- ção, um dos fatores de tal dizimação indígena. De acordo com Brandão (1999, p.64), (...) o ritmo expansionista das fazendas pode ser ob- servado através da quantidade de propriedades insta- ladas a cada ano. Entre 1697 a 1730, portanto em 33, o número de fazendas do Piauí passou de 129 a 400, correspondendo a implantação de 8,2 a cada ano. No corte cronológico de 1730 a 1762, criaram-se, a cada ano, 4,2 novas fazendas, pois, em 1762, havia um total de 536 unidades O principal objetivo da colonização do solo piauiense foi ocupação do espaço geográfico que sem- pre foi visto como terra de ninguém, terra de passagem - 21 - ou terra ruim, juridicamente pertencendo à capitania de Pernambuco, Bahia e do Maranhão. Como a região não possuía riquezas minerais (ouro e prata), não tinha pau-brasil e a agricultura em larga escala seria dificul- tada pelo transporte e a necessidade de mão-de-obra para o cultivo, a pecuária extensiva foi à atividade eco- nômica que melhor adaptou-se às condições naturais, necessitando de pouca mão-de-obra e impedindo que outras potências coloniais (França e Holanda) ocupas- sem para si esse território. Em busca de fazer alguns apontamentos para os rumos que segue essa pesquisa, o caminho do pro- cesso de construção histórica não é uma via de um úni- co sentido, no intuito de chamar atenção para esse pa- trimônio cultural que vem sendo destruído pela ação indireta através dos fatores naturais (intemperismos físico, químico e biológico) ou pela ação direta dos seres humanos sobre os sítios arqueológicos, e assim apagando esses registros históricos. Para Lemos (2004, p.49) “A deseducação, a in- diferença, o egoísmo e tanto outros comportamentos concomitantes e não controlados são os responsáveis pela desfiguração do nosso litoral e de suas cidade ve- lhas e não só suas aldeias”. Ressaltando a necessidade das autoridades governamentais agirem para proteção desse patrimô- nio e um programa de educação patrimonial nas es- colas, como forma salvaguarda do patrimônio. Logo, enfatizando a necessidade de pesquisarmos acerca das tribos indígenas piauienses que foram excluídas do processo histórico pelo colonizador europeu e as- sim a busca de novos caminhos para a construção do conhecimento histórico. - 22 - 1.1. A RELAÇÃO ENTRE A HISTÓRIA, A PRÉ-HISTÓRIA E A ARQUEOLOGIA A primeira indagação acerca do que seria a His- tória? A História já foi vista ao longo do tempo como, uma forma de expressão científica, religiosa, artística ou literária. Logo, não podemos fornecer uma única definição de História, mas fornecer um conceito. Pri- meiramente, com a relação o objeto da História7. Na visão de Febvre (1985, p.30) os objetos da história seriam, (..) os homens, únicos objetos da história – de uma his- tória que se inscreve no grupo das disciplinas humanas de todas as ordens e de todos os graus, ao lado da an- tropologia, da psicologia, da linguística, etc; uma his- tória que se interessa por não sei o homem abstrato, eterno, de fundo imutável e perpetuamente idêntico a si mesmo, mas pelos homens membros dessas socie- dades numa época bem determinada do seu desenvol- vimento, pelos homens dotados de funções múltiplas, de actividades diversas, de preocupações e de apti- dões variadas, que se mesclam todas, se chocam, se contrariam, e acabam por concluir entre si uma paz de compromisso, um modus vivendi que se chama a Vida. Podemos afirmar que a relação entre a História, a Pré-História e a Arqueologia seria o estudo dos seres 7 Para Veyne (1998, p.12-18) “A história não é uma ciência e não tem muito a es- perar dasciências; ela não explica e não tem método; melhor ainda, a História, da qual muito se tem falado nesses dois últimos séculos, não existe. (...) A his- tória é uma narrativa de eventos: todo o resto resulta disso. Já que é, de fato, uma narrativa, ela não faz reviver esses eventos, assim como tampouco o faz o romance; vivido, tal como ressai das mãos do historiador, não permite evitar alguns falsos problemas. Como o romance, a história seleciona, simplifica, or- ganiza, faz com que um século caiba numa página, e essa síntese da narrativa é tão espontânea quanto a da nossa memória, quando evocamos os dez últimos anos que vivemos”. Seria o que Bloch (2001) denomina do contato indireto com objeto histórico , logo, mesmo vivendo o acontecimento podemos ter uma grande multiplicidades de perspectiva sobre o acontecimento, podemos observar uma guerra da perspectiva de um general ao um simples soldado e assim fornecendo uma melhor visão sobre o fato em si, mas jamais sendo con- siderada a única e definitiva, podendo ser revisto o mesmo acontecimento por outros personagens da trama histórica ou teatro da vida, afirma Veyne (1998). - 23 - humanos e suas transformações ao longo do tempo. Mas o que denominamos de pré-história e sua diferen- ça para História? O conceito pré-história8 foi cunhado por Daniel Wilson em 1851, para designar os estudos relacionados aos períodos ou dados históricos em que existiam poucos registros inteligíveis pela escrita. Pos- teriormente, o termo foi utilizado por Sir John Lubbo- ck no seu livro Prehistoric Times em 1865, se difundin- do usualmente, como disciplina que preencheria os domínios onde a história não conseguiria alcançar pe- las ausências de fontes escritas inteligíveis. Segundo Braidwood (1985) a pré-história signifi- caria o tempo anterior ao surgimento da escrita, acer- ca de 5 à 6 mil anos atrás e assim compreendendo em torno de 99% do passado humano. O principal marco de divisão entre a História e Pré-História seria o adven- to da escrita, deixada como uma forma de registrar o passado. Com relação a esses povos que viveram an- tes do período da escrita e que deixaram seus regis- tros, a partir dessas de pinturas, gravuras, artefatos e fósseis podemos apreender um pouco da história des- sas sociedades ágrafas. Para Leroi-Gourhan (1988, p.92), 8 Segundo Trigger (2004, p.81) acerca do termo pré-história de Daniel Wilson “(...) definiu como o estudo da história de uma região antes da primeira apa- rição de registros escritos sobre ela. Sublinhou que a compreensão do passa- do derivável tão-somente dos artefatos era muito diferente da compreensão que se obtém a partir dos registros históricos. Contudo, ele tinha esperança de que, no devido tempo, os arqueólogos se tornariam capazes de descobrir alguma coisa a respeito da vida social e das crenças religiosas dos tempos pré- -históricos”. No entanto, segundo Laming-Emperaire (1973a) atribui-se a Paul Tournal (1805-1872), um jovem farmacêutico de Narbonne na França sugeriu a criação de dois períodos para caracterizar a história do homem, o primeiro “anti-histórico” e “histórico” que teria começado aproximadamente por volta de 7000 anos atrás. Outra referência que encontramos ao longo da pesquisa, Trigger (1973, p.3) afirma que (...) o “adjetivo préhistorique por Tournal desde de 1833 (Heizer, 1962:72-83), o nome pré-história foi proposto pela primeira vez, para designar uma disciplina, num livro cujo o era The Archaeology and Prehistoric Annals of Scontland, publicado por Daniel Wilson, em 1851”. - 24 - (...) a história antes da escrita é a história da mão an- tropiana, ou melhor (pois temos muito poucos esque- letos de mãos bastante antiga, e sua evolução seria difícil de ser evidenciada no detalhe), a história dos produtos do cérebro que a mão exterioriza, ou seja, os instrumentos. Mais corretamente ainda, a pré-história humana realiza sua continuidade nos milhões de mar- cos cronológicos que são constituídos de pedra talha- da, únicos testemunhos praticamente indestrutíveis. A partir da arqueologia podemos estudar esses povos sem essa escrita inteligível de acordo com os parâmetros da nossa sociedade9, a palavra arqueolo- gia vem do grego (archaîos, antigo e logos, conheci- mento) significando “conhecimento dos primórdios” ou “relatos das coisas antigas”. Segundo Childe (1977, p.9), Arqueologia é uma forma de história e não uma sim- ples disciplina auxiliar. Os dados arqueológicos são documentos históricos por direito próprio e não me- ras abonações de textos escritos. Exatamente como qualquer outro historiador, um arqueólogo estuda e procura reconstituir o processo pelo qual se criou o mundo em que somos criaturas do nosso tempo e do nosso ambiente social. Os dados constituídos por todas as alterações no mundo material resultante da ação humana, ou melhor, são os restos materiais da conduta humana. De acordo com Watson; LeBlanc e; Redman (1971, p.13), 9 Devemos ressaltar que olhar do observador com relação ao passado tem suas raízes no nosso presente, o passado em si é estático no tempo, consi- derando que os eventos já ocorreram, mas as perspectivas do passado estão em constante movimento, podendo variar de acordo com os olhos dos ob- servadores e período de tempo. Segundo Carr (1988, p.11-12) “O historiador é necessariamente seletivo. A crença num núcleo sólido de factos históricos existentes objetiva da interpretação do historiador é uma falácia absurda, mas difícil de extirpar, no entanto. (...) O que corresponde à nossa visão foi pré-se- lecionando e pré-determinado para nós, não tanto por acaso, mas antes por pessoas que estavam conscientes ou inconscientemente imbuídas por uma visão especial, pensando que factos que fundamentavam essa visão eram dig- nos de ser preservados”. - 25 - A arqueología é um termo que se aplica corretamente a várias disciplinas ou subdisciplinas bastantes diferen- tes. O motivo é que a palavra <<arqueología>> se utili- za com freqüência, simplesmente para referir-se a um conjunto de técnicas e métodos dirigidos a reconhe- cer informações acerca do passado (e pode, por tanto, se usada com vários propósitos) e não para identificar uma disciplina completamente com uma teoria, um método e um campo de estudo somente peculiares a ela. 10 Dentro dessa perspectiva, a partir da cultura ma- terial deixada por esses povos do passado, os arqueó- logos se debruçam sobre os questionamentos relati- vos as sociedades humanas. De acordo com Schnapp (1988, p.2) “A pesquisa etnológica ou histórica exige um conhecimento relativo da vida das sociedades, enquanto a arqueologia, tal como ela é conhecida, ao contrário, exige, antes de tudo, faro”. Neste sentido, o conhecimento do arqueólogo é fragmentado, cabendo ao arqueólogo reunir as in- formações com intuito de interpretar, mesmo saben- do que muitas informações serão perdidas ao longo da pesquisa. Eis o paradoxo do arqueólogo11, por isso a necessidade de deixarmos o testemunho nas esca- vações, deixamos a possibilidade das gerações futuras 10 Tradução nossa. 11 Acerca desse paradoxo, André Leroi-Gourhan (2001, p.22) explicita esse pen- samento ao fazer a seguinte analogia “Com um manuscrito, pode-se voltar atrás e considerar de novo uma passagem já lida. A terra, porém, é um livro cujas as páginas são destruídas à medida que se passam; só pode ser lido uma vez no texto original; quando uma camada de terra é retirada, tudo o que não foi transcrito está irremediavelmente perdido”. Segundo Moberg (1968, p.51) “É preciso escolher decidir. Ora, as vezes escolhas são múltiplas: deverá ob- servar-se apenas sem tocar nem dissecar? Que informações registrar? Quais omitir? Esta recolha precisa terá utilidade? Toda a escavação é uma destruição; provoca danos, tal com as técnicas de laboratório que exigem a degradação total ou parcial de um objeto. É preciso portanto escolher: será mais importan- te (ou menos importante) salvaguardar ou conhecer?”- 26 - de arqueólogos utilizarem novas metodologias e assim extraindo informações que teriam passado desperce- bidos por nossa geração. Neste sentido Braidwood (1985) afirma que a interpretação dos achados seria a parte mais importante do trabalho do arqueólogo, considerando a forma que alcançariam as particulari- dades históricas dessas sociedades humanas. Conta Cleator (1963) que por meio de uma brin- cadeira quebraram o famoso vaso de Portland12 no Museu Britânico em 1845. Os peritos se debruçaram sobre um desafio, de como reconstruir o vaso o mais do próximo do que era antes, o arqueólogo no seu tra- balho de campo encontra muitos “vasos quebrados” no sentido figurado da palavra, tendo de produzir sín- teses na questão estratigráfica, na determinação das fases. Muitos pedacinhos desses vasos reconstruídos ficarão perdidos e outros podem estar colados de for- ma errada, mas o trabalho do arqueólogo torna-se se- melhante ao de um detetive, sempre buscando novas pistas e desconfiando das pistas que tem em mãos. Dentro dessa perspectiva, a arqueologia está dividida em vários segmentos que tem seu objeto de estudo delimitado, não estudando somente as socie- dades sem escrita. Existem várias outras disciplinas da arqueologia, como a Arqueologia Bíblica que aborda as questões relativas às religiões; a Arqueologia Clássi- ca que aborda as civilizações da antiguidade, em espe- cial, Grécia e Roma; a Arqueologia Histórica que estu- da as sociedades que possuem a escrita e; Arqueologia Pré-histórica que aborda as sociedades sem escrita. Para Bahn e Refrew (1993, p.11), 12 1845 O vaso de Portland, vaso romano feito de vidro datado do século primeiro a.C., foi partido por um visitante bêbado no Museu Britânico. - 27 - Um dos principais avanços das últimas décadas tem sido a tomada de consciência que a arqueologia pode contribuir em grande medida, não somente para a pré- -história e a história antiga, mas também das etapas históricas mais recentes. Com a arqueologia podemos estudar tanto o pre- sente quanto o passado, proporcionando uma maior visão do objeto de estudo e sendo de grande valia em situações de ausência das fontes escritas. Trigger (2004) afirma que podemos conside- rar o primeiro arqueólogo o italiano Aráico de Ancona (1391-1452) por seus estudos em monumentos antigos na Grécia e Mediterrâneo, mas não deixando de ressal- tar segundo Laming-Emperarie (1973 b) a importância de outros estudiosos, como, Michel de Mercati (1541- 1593) por ter estudado as pontas de flechas, cerâmicas e instrumentos de pedra, sintetizado no seu livro Me- thalloteca e Georgius Agrícola (1490-1555) que defen- deu publicamente que certos instrumentos líticos, pro- vavelmente teriam origem antrópica. Essa afirmação também seria feita por Ulisse Aldovandi (1522-1605) e Isaac de la Péyre (1594-1676) começando a questionar as origens bíblicas desses instrumentos, atribuindo a uma “raça pré-adamitas”13. A arqueologia nasceu em meio à ciência Históri- ca movida por um interesse na antiguidade clássica in- fluenciado pelo movimento renascentista do século XIV a XVI afirma Moberg (1968), marcando essa primeira fase da arqueologia descrita acima, e especialmente a Geologia, onde a arqueologia tomou emprestado o con- ceito de estratigrafia14 que é utilizado até os dias atuais. 13 A raça pré-adamita, uma raça anterior a Adão e Eva. 14 Segundo Bahn e Refrew (1993) sobre o conceito de estratigrafia foi desen- volvido por James Hutton na sua obra Teoria da Terra, estudando as formas de organização das rochas em níveis e assim fornecendo um dos princípios que - 28 - Segundo Trigger (2004, p.36), A apreciação da antiguidade clássica não ficou restrita à literatura, expandindo-se rapidamente de modo a incorporar os domínios da arte e da arquitetura, ob- jeto de particular interesse da nobreza italiana e dos mercadores ricos, que rivalizavam como patronos das artes. O estilo gótico foi rejeitado e envidaram-se es- forços no sentido de emular e arquitetura da Roma an- tiga. Esta evolução pouco a pouco tornou também os objetos materiais sobreviventes do passado, podiam constituir importantes fontes de informações sobre a civilização clássica. Com o movimento Iluminista na segunda meta- de do século XVIII, pautado numa ideia de progresso da raça humana, inaugura-se uma perspectiva evolu- cionista e questionadora das origens bíblicas que em um futuro próximo seria apoiado pelos estudos feitos por Charles Darwin (1809-1882). Trigger (2004) afirma que George Louis Leclerc Buffon (1707-1788) tentou buscar explicações de ori- gens naturais acerca do mundo e sua antiguidade de milhares de anos a milhões de anos, o geólogo George Cuvier (1769-1832) encontrou ossos de animais extin- tos em suas pesquisas na França e explanou uma anti- guidade de 80 mil para o planeta Terra. Bordes (1967) afirma que as pesquisas de Jac- ques Boucher de Perthes (1788-1868) trouxeram em evidência o “homem anti-diluviano”, um homem an- terior ao dilúvio descrito na Bíblia. Foram encontrado artefatos de sílex bifaces e ossos de animais extintos em Abbeville, no Vale Somme, França e assim desenca- deando uma série de questionamentos sobre os anti- gos donos desses objetos. Em 1797, John Frere (1740- 1807) encontrou sílex talhado em Hoxne na Inglaterra, são muito utilizados nas escavações arqueológicas, no caso, a estratigrafia. - 29 - atribuídos também ao homem antediluviano. Em geral, acreditava-se que esses artefatos en- contrados, como ossos, machados e pinturas fossem feitos pelos povos vikings e celtas, no intuito de for- necer uma explicação plausível e não questionando a explicação bíblica com relação ao dilúvio. Charles Lyell iria criticar essas ideias de catástrofes naturais e afir- mar que as mudanças ocorreriam de forma gradual e não bruscamente, fornecendo de certa forma um su- porte para Charles Darwin fundamentar seus estudos sobre a evolução humana. Segundo Bordes (1967) a primeira revista de sucesso sobre a Pré-História (Matériaux por l´histoire positive et philosophique de l´homme) e a classificação arqueológica dos artefatos da Idade da Pedra e do Bronze foi criada por Gabriel de Mortillet (1821-1898) em 1864. Seguidamente, Emile Cartailhac (1845-1921) torna-se editor da revista de Mortillet, dedicando-se aos estudos de arte rupestre, consagrando com seus estudos sobre a Gruta de Altamira, na Espanha. Um outro estudioso foi Edouard Larter (1801-1871) que pesquisou o Paleolítico e dividiu em quatro idades com nomes de animais: a primeira, do bisão; a segunda, da rena; a terceira, do mamute e rinoceronte e a quarta, dos ursos das cavernas, em ordem de antiguidade, res- pectivamente. Não deixando de evidenciar a importância de outros pesquisadores e seus feitos, como Victor de Commont (1866-1918) que realizou estudos acerca das glaciações nos estágios do Paleolítico e Joseph Déchelette (1861–1914) que publicou um manual de ar- queologia que abordava desde do paleolítico à idade dos metais em 1908. - 30 - Mas quem não se apaixonou pela história de Heinrich Schliemann (1822-1890) que quando criança ouviu a lenda da guerra de Tróia (Ilíada)? Posterior- mente, quando se tornou adulto e arrecadou uma de- terminada quantia foi em busca de sua cidade perdida nos seus sonhos infantis. Encontrando-a em Hissarlik, na Turquia e achando mais de 8 mil objetos de ouro15, obtendo êxito na sua busca por Tróia. Um outro aven- tureiro em busca de seus sonhos foi John Evans que pesquisou os vestígios da civilização creto-micênica na ilha de Creta, localizada no mar mediterrâneo (CLEA- TOR, 1963). Para Bahn e Renfrew (1993) os pais dos mé- todos de escavação arqueológica seriam General Pit- t-Rivers (1827-1900) que desenvolveu os métodos de organização nas escavações (planilhas, descrições, maquetes); Sir William Matthews Flinder de Petrie (1853-1942) que criou o método de seriação contex- tual através da cerâmicas em Dióspolis Parva, noEgi- to; Sir Mortimer Wheeler (1890-1976) conhecido divi- são do sitio arqueológico em quadrículas; Max Uhle (1856-1944) com suas pesquisas no Peru e; Alfred Ki- dder (1885-1963) que estudou a cultura Maia e depois desenvolveu trabalhos de arqueologia subaquática. Esses pesquisadores citados acima forneceram a metodologia para o trabalho de campo arqueológi- co, assim afastando a arqueologia do empirismo e do amadorismo que antes rondavam o meio arqueológi- co. Até mesmo, pessoas com problemas mentais fo- ram utilizadas para os procedimentos de escavação no século XIX e em parte do século XX. 15 Segundo Cleator (1963, p.105) “Lá se encontravam mais de 8.000 objetos de ouro, ao todo, na maioria coisas de pequeno tamanho, tais como contas, botões, etc., embora também houvesse certo número de braceletes (....)”. - 31 - Da mesma forma que arqueologia teve muitos frutos ao se relacionar com geologia, geografia, histó- ria e biologia, a aproximação da arqueologia com as ciências da natureza trouxe muitos ganhos, em espe- cial com a Física e a Química. Com a descoberta do processo de datação do rádio carbono16 pelo americano Willard Frank Libby (1908-1980) em 1949, permitiu a arqueologia datar os artefatos no intervalo de até 50 mil anos com segu- rança, assim facilitando a construção de quadros cro- nológicos e permitindo uma melhor organização da pré-história, mas não abandonando o método compa- rativo muito utilizado no século XIX. Podemos considerar a datação por rádio carbo- no, como uma revolução para época e sendo utilizado até os dias atuais, mas tendo suas limitações, como os tipos de materiais e condições dos sítios. Segundo Trigger (1973, p.4), A história e pré-história complementam-se, assim, mu- tuamente e completam a crônica do desenvolvimento humano. Diferem, todavia, quando aos tipos de fontes utilizadas e quanto à modalidade de reconstrução vi- sada. O historiador tem como dados básicos os relatos de ideias ou do comportamento dos seres humanos; o pré-historiador, no entanto, deve satisfazer-se com o estudo dos restos materiais de culturas passadas que resistiram aos agentes de decomposição e foram recu- perados pelo arqueólogo. Para os períodos mais anti- gos, somente as evidências arqueológicas são disponí- 16 Para Leinz e Amaral (2003, p.26-27) “Para a determinação da idade de acha- dos arqueológicos de natureza orgânica é usado um isótopo radioativo de carbono, de peso atômico 14. Este isótopo é formado pelo bombardeamento de raios cósmicos no nitrogênio das camadas superiores da atmosfera. Este é logo combinado com o oxigênio, e o CO2 resultante entra numa proporção conhecidas nos tecidos nos tecidos vivos. Tendo o carbono 14 uma meia vida de 5.568 anos, transformando-se novamente em nitrogênio, torna-se possível a determinação da idade de achados orgânicos recentes, sob o ponto de vista geológico. Sua exatidão declina rapidamente a partir de cerca de 20 mil anos”. - 32 - veis e o pré-historiador se concentra na elaboração de tipologias de artefatos de pedra, relacionando-se com as sequências geológicas e paleontológicas. Para os períodos mais recentes tanto as evidências etnológi- cas e linguísticas como lendas e relatos históricos po- dem frequentemente ser utilizados como suplemento aos dados arqueológicos. Dentro dessa perspectiva podemos observar que a Pré-história e História estariam intimamente li- gadas, mas especialmente com relação ao seu objeto de estudo, os seres humanos. Os primeiros grupos humanos modernos (Homo sapiens) surgiram no continente africano por volta 200 mil anos atrás, o grande diferencial desses espécimes, junto com seu parente hominídeo (Homo erectus), era produtor de bens de culturais, fabricantes de utensí- lios para ajudar nas tarefas cotidianas de sobrevivên- cia (produção de ferramentas líticas), como caçar, coletar, construir habitações, controle reprodutivo, pescar e lutar contra seus adversários, seja outros hu- manos ou animais perigosos (KARLIN, JULIEN, 1996; TAYLOR, 1997; GOWNLETT, 2004). Esses grupos humanos migraram do continente africano para outros continentes, como Ásia, Europa, Oceania e América, povoando o planeta terra e se de- senvolvendo culturalmente e biologicamente, foram se adaptando ao ambiente e encontrando soluções para contornar os principais problemas encontrados, sen- do um sucesso adaptativo até os dias atuais (DARWIN, 1974; BERNARDI, 1978; LEWIN, 1999; NEVES, 2006). Seu pacote adaptativo era uma série de conhe- cimentos para produzir ferramentas para auxiliar nas atividades diárias, a partir de uma tecnologia oriunda das manufaturas de rochas, que foram aperfeiçoadas - 33 - com o passar do tempo e transmitidas de geração em geração, uma memória coletiva através um sistema de comunicação, constituído de uma linguagem17 inte- ligível (um depósito cultural), como a construção de símbolos e significados18 (EVANS-PRTICHARD, 1972; CLARK, 1985; LEROI-GOURHAN, 2001; LANGANEY ET AL, 2002). 17 “Na realidade, o que distingue verdadeiramente nossa espécie das demais é nossa linguagem: nós somos capazes de combinar palavras segundo uma gra- mática para construir frases, e estas adquirem, então, um sentido superior ao que se obteria com a simples adição das palavras entre si. Somente o cérebro humano é capaz de comunicar informações desse modo. Já se demonstrou que os grandes macacos podiam aprender várias certezas de palavras, até 900, no caso de certos chimpanzés, mas eles não produzem espontaneamen- te frases novas. (...) Há uma segunda característica, sem dúvida possibilitada pela primeira: nossa capacidade de diversificar- nos. Na natureza, uma mesma espécie animal ocupa sempre o mesmo tipo de ambiente, no qual eles adotam uma mesma gama de comportamento. Assim, em todos os pontos do planeta, todas as populações de uma mesma espécie ocupam o mesmo tipo de habitat, vivem da mesma maneira (....)” (LANGANEY ET AL, 2002, p. 19; 21). 18 De acordo com White (2009, p.9) “O homem é um animal. Porém, não é apenas mais um animal: Ele é único. Só o homem, entre todas as espécies, tem uma capacidade a que, por falta de um termo melhor, chamaremos capacida- de de simbolizar. Ela é a capacidade de originar, definir e atribuir significados, de forma livre e arbitrária, a coisas e acontecimentos no mundo desses signi- ficados.”. - 34 - - 35 - CAPÍUTLO 2 EM BUSCA DAS ORIGENS DOS SERES HUMANOS NO CONTINENTE AMERICANO: AS PERSPECTIVAS BIBLÍCA E DOS POVOS DA ANTIGUIDADE Houve uma época na história do continente america- no em que os povos indígenas eram os seus únicos habitantes. Com a chegada do europeu, construiu-se um mundo novo, de mistura e criação, de segregação e destruição. Do amálgama resultante deste encon- tro constitui-se o povo brasileiro. Nesse processo, os povos indígenas tiveram um papel fundamental, que pouco a pouco foi sendo apagado da memória, à me- dida que grande parte deles era destruída. (Ricardo Medeiros) O povoamento do continente americano pelos seres humanos constitui um assunto que gera muitas controvérsias no meio acadêmico, os pesquisadores não dispõem de informações conclusivas acerca de qual seria o primeiro ponto que os seres humanos adentraram no continente, provavelmente, oriundos de outras partes do mundo, podemos constatar isso devido à ausência de grandes primatas fósseis e ho- mens pré-sapiens (Homo erectus, Homo habilis e ou- tros). Segundo Rivet (1960, p.64), O homem americano não é autóctone. Vindo do Quar- tenário, depois do retrocesso das grandes glaciações, e só pôde chegar a ele utilizando vias de acesso iguais às existentes hoje, posto que a América possui, desde essa é época remota, os seus contornos atuais. - 36 - Ao realizarmos uma pequena revisão na litera- tura sobre as origens dos seres humanos no continen- te americano, desde do período do descobrimento até os dias atuais, podemos dividi-las em três categorias: a primeira, a perspectiva bíblica;a segunda, a perspecti- va dos povos da antiguidade; a terceira, a perspectiva acadêmica. 2.1 UMA PERSPECTIVA BIBLÍCA SOBRE O POVOA- MENTO DO CONTINENTE AMERICANO A perspectiva bíblica do povoamento do continente americano estaria baseado na possibilidade dos dois filhos de Jectão (Ophis e Jobal) que seriam filhos de Sem, descendentes de Noé19 tais quais des- cendentes teriam se espalhados pelo mundo. Segundo a Bíblia Cristã (1989, p.56-57), (...) os filhos de Sem, segundo suas famílias, segundo suas línguas, em seus diversos países e suas nações. Tais são as famílias dos filhos de Noé, segundo suas gerações e suas nações. É deles que descendem as na- ções que se espalharam sobre a terra depois do dilúvio (GENESIS, Cap.10, V.31). 19 Com relação a Noé, nos referimos as passagens bíblicas relativas ao Dilú- vio no livro 6 ao 10 do Gênesis, mas, possuindo uma versão diferente, Cleator (1963, p.82) afirma que “(...) a narrativa do Gênese, a respeito do Dilúvio, não é mais do que um eco de uma tradição babilônia de longos e longos anos.” E segundo Pinkys (1998, p.82-83) “O dilúvio sumério fala de Ziusudra construin- do um enorme barco, da inundação varrendo as cidades, de tempestade de vento, do barco jogado em todas as direções, da luz finalmente aparecendo no céu, do sacrifício que faz Ziusudra e da reconstrução do mundo. (...) O mito é mesopotâmico e foi apropriado pelos hebreus, para os quais o importante não era história, mas a moral da história. Nem teria muito sentido um mito sobre o dilúvio desenvolver-se numa região onde as chuvas são limitadas (400 mm anuais são excepcionais na região), os rios insignificantes (o Jordão qua- se pode ser atravessado por um bom saltador, em certos trechos) e não há degelo de montanhas nevadas. Já na Mesopotâmia os rios pregavam constan- tes sustos, ora mansos, ora violentos, em vista do degelo em sua origem, nas montanhas da Armênia. Até os deuses nos dão conta da instabilidade dos rios e do temor que os habitantes tinham de sua variação”. - 37 - Desde que iniciou o processo de colonização do continente americano pelos europeus e a implantação da instituição Igreja da Católica Apostólica Romana no final do século XV e XVI no continente americano, percebemos uma necessidade de construção de uma identidade para aqueles povos chamamos de índios. Esses novos habitantes eram completamente diferentes dos que europeus estavam acostumados, constatamos isso na narrativa da Carta Pero Vaz de Ca- minha ao Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil sob o comando da expedição de Pedro Álvares Cabral em 1500, no qual afirma Caminha (2003, p.93-113), (...) eram todos pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhe cobrisse suas vergonhas (...), os cabelos seus são corredios (...). Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm nem entendem nenhuma crença. E sempre enfatizando a sua inocência desses no- vos habitantes. Podemos observar o caso espanhol, em especial o contato de Cristóvão Colombo ao depa- rar-se com esses habitantes e pensando na possibilida- de de ter alcançado seu objetivo de chegar às Índias Orientais através do oceano Atlântico e suas ações frente essa nova descoberta. Segundo Todorov (1999, p.31), O primeiro gesto de Colombo em contato com as ter- ras recentemente descobertas (consequentemente, América) é uma espécie de ato de nomeação de gran- de alcance: é uma declaração segundo o qual as terra passam a fazer parte do reino da Espanha. Colombo desce a terra numa barca decorada com estandarte real, acompanhado por dois seus capitães, e pelo es- crivão real, munido de seu tinteiro. Sob os olhares dos - 38 - índios, provavelmente perplexos, e sem se preocupar com eles, Colombo faz redigir um ato. ‘Eles lhes pediu que dessem fé e testemunhou de que ele, diante de todos tomava posse da dita ilha’.(...) Que este tenha sido o primeiro ato de Colombo na América nos diz bastante da importância que tinham para ele as ceri- mônias de nomeação. Essa perspectiva dos europeus em procurar elementos cristãos dos habitantes do Novo Mundo, foi um âmago de desconhecimento dos europeus, que gerou um genocídio em um primeiro momento, como, a conquista do Império Asteca por Cortes e do Império Inca por Francisco Pizarro, em segundo momento, a tentativa de explicação por parte da Igreja Católica. Para Laming-Emperaire (1980, p.29-31), Para as ciências humanas, a descoberta do Novo Mun- do representou sobretudo das visões todas novas das civilizações indiferente com selvagem das América, era como o mundo dos primitivos. O interior da África, praticamente inacessível, permanece desconhecido da Idade Média. Até o momento da descoberta do Novo Mundo, os cristãos não realmente o Islã, por intermé- dio das Cruzadas e dos comerciantes, e em menor me- dida, os vilarejos da Ásia visitados por Marco Pólo e os enviados de Inocente III. O Islã, Ásia dos Kahns e os chineses são tecnicamente e culturalmente mais pró- ximos das civilizações cristãos medievais. O selvagem da América ao contrário, esta é a revelação de um ho- mem que nada parecido com vilas mediterrâneas e eu- roásiticas. Sua maneira de viver, seus costumes, suas armas ou ferramentas são citadas pelos pensadores e seu conhecimento preparou uma melhor compreen- são dos nossos ancestrais da pré-história.20 Em 1537, o papa Paulo III editou a Bula Veritas Ipsa na tentativa de resolver essa questão da nature- za dos índios americanos, concedendo-os a natureza 20 Tradução do autor. - 39 - humana. Outra tentativa de buscar as origens bíblicas foi associar os habitantes do Novo Mundo com as Tri- bos Perdidas de Israel21 e assim mantendo uma origem bíblica desses povos. Paul Rivet (1960) cita outro mito hebraico, na possibilidade dos cananeus expulsos por Josué da Palestina terem empreendido uma marcha para oeste em direção a África, cruzando o oceano Atlântico e chegando no continente americano. Segundo Cleator (1963, p.178), Os esperançosos proponentes de uma teoria rival têm favorecido a ideia da existência de uma rota terrestre (como boas razões, como se verá, e encarado os ame- ríndios como descendentes das Tribos Perdidas, de que nota falta desde o tempo do cativeiro babilônico. No século dezenove, já bastante como se percebe, muito tempo, muita energia e muito dinheiro foram despendidos pelo Lorde Kingsborough e outros, em decisivo esforço destinado a provar que os dez con- tingentes hebreus desaparecidos abriram caminho em direção às Américas, tratando, daí por diante, de po- voar o inteiro continente. O valor desta tese singular pode ser mais bem julgado, talvez, se tomar por base a explicação oferecida para desfazer o fato inconve- niente de que muitas línguas diferentes eram faladas pelo povos do Novo Mundo, sem que nenhuma delas fosse hebraica. A explicação implicava na dubiedade de maquinações satânicas, visando a impossibilitar uma subsequente conversão dos imigrantes à fé cris- tã.22 21 Segundo Franch (1985, p. 51), acerca das dez tribos de Israel “(...) foram expulsas da Samaria pelo o rei da Assíria em 721 a. de Cristo, tiveram que viver entre morar entre as tribos de Judá, Benjamin e a metade da tribo de Me- naseh, passaram a um país desabitado e chegaram finalmente, depois de um ano e meio de deslocamento contínuos, a fabulosa Arsareth, terra distante da Palestina que para muitos seria América e, em concreto, a região de Centro- -américa”. Tradução nossa. 22 Tradução do autor. - 40 - 2.2 UMA PERSPECTIVA DOS POVOS DA ANTIGUI- DADE SOBRE O POVOAMENTO DO CONTINENTE AMERICANO Essa perspectiva acerca do povoamento do con- tinente americano busca os elementos que validem vestígios da presença das civilizações antigas, no intui- to de evidenciar uma explicação para o povoamento do continente americano. Esse discurso fundamenta- -se em vários tipos de fontes, como bíblica a lendas daantiguidade. Inicialmente, podemos abordar duas origens lendárias, a primeira, diz respeito à possibilidade da existência de um continente chamado Atlântida entre Europa e América, que em um determinado período foi submerso pelo oceano Atlântico, obrigando seus habitantes a migrarem e desembarcando no continen- te americano. Esse discurso tem por fundamento bá- sico informações recolhidas por Platão e expostas no diálogo Timeu e Critias ou a Atlântida. A segunda lenda, segundo Laming-Emperaire (1980) seria a do continente perdido de Mu ou Lé- murie23, estaria localizado entre o continente asiático e americano, mais especificamente, inserido no ocea- no Pacifico e sendo submerso pelo mesmo, obrigando seus habitantes a migrarem para o continente ameri- cano. Tendo como principal pesquisador, o zoólogo alemão Ernest Heinrich Philipp August Haeckel (1834- 1917) e posteriormente, suas ideais foram retomadas pelo o inglês James Churchward (1851-1936), na déca- da de 30 do século XX (ver figura 1). 23 Segundo Franch (1985, p.73) “(...) abreviatura de Lemuria, foi uma invenção de Ernest (...) quem precisava que existirá um continente, atualmente desa- parecido, para explicar a peculiar existência dos lemurídeos e outro animais e plantas.” Tradução nossa. - 41 - Figura 1. Mapa do imaginário continente de Mu ou Lemuria. Fonte: FRANCH, 1985, p.74 Dentro de todas as civilizações da antiguidade a que possui mais menções acerca de elementos de sua cultura fenícia, encontramos apontamentos que variam desde fontes bíblicas até prováveis presenças físicas. Os fenícios se caracterizaram pela sua habili- dade de navegação nos mares, Harden (1971) afirma que existiria a possibilidade dos fenícios terem alcan- çados as ilhas Canárias, Açores e Madeira, caso obser- vamos, percebemos a navegação próxima a costa dos continentes, segundo o mesmo, chegando até o mar Vermelho, demonstrando assim sua perícia na arte da navegação (ver figura 2). Dentro desse quadro exposto acima se eviden- ciou a impossibilidade dos contatos dos fenícios terem alcançado o continente americano, mas inserindo no contexto piauiense encontramos fontes bibliográficas que afirmam na possibilidade de vestígios fenícios no Piauí. O professor austríaco Ludwig Schwennhagen nas primeiras décadas do século XX, sintetizou bem esse pensamento. - 42 - Figura 2. Mapa das navegações dos fenícios no litoral africano. Fonte: HARDEN, 1971, p.176-177. Para Schwennhagen (1986, p.28-29), As navegações dos Fenícios começaram 2500 a.C, mas limitaram durante muitos séculos, ao mar Mediterrâ- neo. (...) Em 1100 a.C. chegou a primeira frota dos Fe- nícios às costas do Nordeste do Brasil, e em 1008 a.C. entrou o rei Hirã de Tiro numa aliança numa aliança com o rei Davi da Judéia, para explorarem comumen- te a Amazônia Brasileira. (...) As frotas dos Fenícios, navegando nas costas brasileiras desde 1100 a.C, esta- beleceram aqui numerosas estações marítimas, onde os navios podiam abastecer-se de víveres e água doce. Foram lugares protegidos contra as violências do mar e escolhidos em terrenos onde moravam habitantes pacíficos. A longa prática daqueles navegantes tor- nou essa tarefa relativamente fácil. O autor encontrou vestígios de tais estações em muitos pontos do litoral, - 43 - desde Bahia até o Pará, que serão descritas nas partes de seus estudos sobre os respectivos Estados. O Piauí somente um curto trecho do litoral do Nordeste; mas os pontos pré-históricos que existem aqui são muito interessantes e instrutivos. O delta do rio Parnaíba chamou logo atenção dos peritos marinheiros. A água dum rio de curso curto, que enche com a maré e seca com vazante, tem aparência muito diferente dum rio, proveniente do centro do continente. Os navegantes, que conheciam o delta do Nilo, compreenderam bem que os braços da foz do Parnaíba pertenceriam a um rio importante, que daria acesso a o interior do país. Na costa de fora da ‘Ilha Grande de Santa Isabel’, onde se estende a praia quase 30 quilômetros, sem colinas ou alturas, existem dois rochedos isolados, que po- diam bem servir de balizar para navegação costeira. O que sintetiza melhor essa possibilidade da presença fenícia seria a mística que gira em torno de “Sete Cidades”24 localizada no município de Brasileira, no Piauí, onde segundo Coutinho (2000) 25seria utiliza- da para organizar reuniões entres os fenícios e tupis. Segundo Costa (1980, p.97-98), (...) do interior do Piauí, colocada às vizinhanças da vila de Piracuruca, ao norte do Estado, e chamada pelo povo ‘Sete Cidades’, nome de uma ilha misteriosa do Atlântico pré-colombiano. Descreve-se essa pseudo- -cidade como compreendida num recinto fortificado de mais de légua de circuito, encerrando sete praças, diversos arruados, grandes paredes e pilastrões arrui- nados, figura de pedra semelhantes a esfinges. (...) Assim, o que se evidencia da explanação do brilhante homem de letras é que as ‘Sete Cidades’ são cidades, 24 Para Martin (1996, p.17) “O mito das sete cidades, também relacionado com a ilha Brasil, surgiu na própria Península Ibérica. No século VII, um bispo católico, fugindo da invasão sarracena – que em algumas versões é o próprio rei D.Rodrigo, último da dinastia visigoda derrotada pelos árabes – embarcara em Lisboa rumo ao oeste chegando a um país desconhecido, uma ilha, onde fundara sete cidades”. 25 Acerca de suas pesquisas o próprio Coutinho afirma “Meu trabalho não está preso ao tradicionalismo científico” em entrevista a Loureiro (2004, p.62), na sua obra “Pré-história :as origens do homem no Piauí”. - 44 - apenas, na lenda. A ciência, avançando mais, explica que as supostas ruínas não são mais que o produto de erosão das rochas de quartzito assumindo em mais de um ponto aspectos bizarros e pitorescos. É muito complexo fazermos inferências da presença desses povos da antiguidade no continente americano, sem uma fundamentação sólida pode-se cair em descrédito acadêmico. Martin (1996) afirma dessa impossibilidade da presença fenícia no Piauí e adjetivando Ludwig Schwennhagen de “semi-louco”, mas não deixando de ressaltar a importância de co- nhecermos esses mitos e lendas, para sabermos um pouco mais da História da América. Para Moberg (1968, p.27), (...) a imagem arqueológica do passado é conflituosa com o Antigo Testamento, por exemplo. Acontece igualmente não ser a representação do passado con- siderada suficientemente respeitável ou dramática. As Américas e o Pacífico são as terras de eleição das ilu- sões pré-arqueológicas contemporâneas e, em certos meios sociais, existe uma verdadeira selva de noções fantásticas, difundidas por uma abundante literatura (o mesmo acontece em todos os países europeus). Conta-se então como as grandes civilizações do Mun- do Antigo teriam atingindo o Novo Mundo graças a migrações ou explorações aventurosas. Descobrem- -se faraós egípcios misturados com tribos perdidas de Israel ou contingentes desaparecidos do exército de Alexandre (...) A mesma corrente do pensamento per- tence também o mito dos continentes desaparecidos - 45 - CAPÍTULO 3 EM BUSCA DAS ORIGENS DOS SERES HUMANOS NO CONTINENTE AMERICANO: UMA PERSPECTIVA CIENTÍFICA Esta perspectiva está baseado pela sua funda- mentação em dados fatuais; especificamente, a cul- tura material encontrada nos sítios arqueológicos do continente americano pelos pesquisadores, no perío- do histórico do final do século XIX ao século XX. Segundo Dorado e Lorenzo (1994, p.21), A Gênesis do homem americano constitui unos dos temas mais atrativos e sugestivos da investigação pré-histórica. Objeto de múltiplos estudos, ainda per- manecendo numerosas incógnitas por desvendar. A escassez de restos fósseis exumados no continente americano e a dificuldade na hora de datá-los impede responder satisfatoriamente as perguntas relativas a sua procedência e antiguidade. Excetuando, o paleontólogo argentino Florenti- no Ameghino(1854-1911) que defendeu a possibilida- de dos seres humanos terem evoluído nos pampas ar- gentino, baseado em estudo de fósseis, passando do estágio do Tetraprothomo, Triprothomo, Diprothomo e chegando ao estágio dos seres humanos atual, no caso de Ameghino, Homonuculus patagonicus26. As quatros perspectiva do povoamento do con- tinente americano pelos são descritas de forma resu- mida abaixo: 26 Acerca disso Fonseca faz paráfrase do arqueólogo português Correa Men- des “E, adiante, acrescenta Mendes Correa (1926; 164-165) ‘Se é certo que Homo pampeus e outros dos supostos tipos humanos ou pré-humanos estabe- lecidos por Ameghino , não passam do domínio da fantasia e dum sábio aliás ilustre por muito trabalho (...)” (FILHO,1970, p.13). - 46 - 1) Migração pelo estreito de Bering: os primei- ros grupos humanos27 teriam migrado do continente asiático para o continente americano pelo estreito de Bering por volta de 30 a 10 mil anos atrás. Foi postu- lada academicamente pelo antropólogo tcheco Ales Hrdlicka, no início do século XX. 2) Migração marítima pelo oceano pacífico: essa tese postula que os grupos humanos teriam chegado ao continente americano por navegação de cabota- gem28. Foi proposta pelo etnólogo francês Paul Rivet, no artigo Les Malayos-Polineses em Amérique, de 1926, e no seu livro As origens do homem americano, de 1943 (RIVET, 1960). 3) Migração via Antártida: esta hipótese foi formulada pelo antropólogo português A.A. Mendes Corrêa (1926), que postula a possibilidade de grupos humanos terem migrado da Austrália e Nova Zelândia para o sul do continente americano, utilizando a Antár- tida como ponte de passagem. 4) Migração Atlântica: essa hipótese é funda- mentada nas pesquisas de Rivet (1960) e foi defendida por Guidon na Segunda conferência sobre o povoa- mento das Américas, no ano de 2006. Dessa forma, explicando a possibilidade de grupos humanos terem 27 Esses primeiros grupos caçadores-coletores ficaram conhecidos como po- vos de Clóvis na década de 1930, devido à sua indústria de pontas líticas. As pontas de Clóvis foram encontradas por John L. Cotter no sítio Blackwater Draw, na localidade de Clóvis, Novo México, EUA. 28 De acordo com Rivet (1960, p.141), “Conhecendo perfeitamente as cor- rentes e os ventos, sabendo guiar-se pelas estrelas, viajavam sós, de noite, e percorriam normalmente e sem escala, distâncias de 2.000 e às vezes 2.500 e até 4.200 milhas. Para encontrar na imensidade do oceano as pequenas ilhas polinésicas, tomavam como ponto de referência a pequena nuvem que sobre elas se forma a 3.600 metros de altura e que um olhar experimentado percebe a 120 milhas de distância. Suas pirogas duplas faziam 7 a 8 milhas por hora, o que significava cerca de 75 milhas, numa jornada de 10 a 12 horas. Um desses barcos, por conseguinte, podia franquear a distância que separa o Havaí da costa californiana ou ilha de Páscoa, da costa sul-americana, em 20 dias”. - 47 - migrado por navegação de cabotagem do continente africano para o americano em um período anterior à migração via Bering, os fósseis de Zuzu29 e Luzia30, que apresentam morfologias africanas, seriam fortes argu- mentos na sustentação dessa hipótese. A periodização mais aceita acerca da ocupação dos grupos humanos foi elaborada pelos arqueólogos Gordon Willey e Phillip Phillips no seu livro Método e Teoria na Arqueologia Americana de 1958. Sua propos- ta original visava o estudo da criação de uma base ope- racional para integração histórico-cultural, unindo a perspectiva espacial e cronológica do registro arqueo- lógico. Sua perspectiva de estudo para abordagem do desenvolvimento da arqueologia americana ser seg- mentada nos seguintes estágios (WILLEY, PHILLIPS, 1970): 1º) Estágio Lítico, caracterizado por uma indús- tria lítica não muito elaborada oriunda os primeiros habitantes do continente americano por volta de 20 mil anos atrás; 2º) Estágio Arcaico, caracterizado por uma tran- sição entre o estágio lítico e formativo, marcado por uma indústria lítica mais elaborada e a primeira evidên- cia de atividade agrícola no continente americano; 3º) Estágio Formativo, marcado pelo desenvolvi- mento da agricultura, produção de cerâmica e o cres- cimento de pequenos grupos populacionais; 4º) Estágio Clássico, desenvolvimento das altas culturas como a maia, com um grande crescimento ur- 29 ZUZU: crânio com morfologia africana encontrado no Sítio arqueológico Toca dos Coqueiros, Parque Nacional Serra da Capivara, com uma datação es- timada de 9870+-50 BP (HUBBE et all, 2007) 30 LUZIA: crânio com morfologia africana encontrada no Sítio arqueológico Lapa Vermelha IV, região de Lagoa Santa, Minas Gerais, com uma datação aproximada de 11,5 mil anos atrás. - 48 - bano e formação de estados teocráticos e militaristas; 5º) Estágio Pós-clássico, marcado pelo desen- volvimento das culturas Astecas e Incas com grandes construções arquitetônicas. O arqueólogo André Prous (1992) esquematizou a cronologia da ocupações dos grupos humanos no Brasil nos seguintes segmentos: 1º) Pleistoceno ante- rior a 12 mil anos B.P., quando os primeiros grupos de caçadores e coletores chegaram ao território brasilei- ro, com uma tecnologia lítica, sem produzir cerâmica ou conhecer a agricultura; 2º) O período arcaico entre 11 a 8 mil anos B.P., grupos caçadores e coletores que se estabelecem, processo de sedentarismo, dotado de uma tecnologia de pontas de projéteis de rocha, surgi- mento da arte rupestre e surgimento da cerâmica em alguns pontos do Brasil; 3º) Arcaico recente de 4 a 1 mil anos B.P., surgimento da agricultura, surgimento das comunidades humanos, princípio de organização, di- fusão da cerâmica, tecnologia lítica aprimorada e arte rupestre. 4º) sociedades indígenas pré-cabralianas 1 mil anos B.P. até 1.500 d.C. os grupos indígenas conhe- cidos pelos colonizadores portuguesas na época do descobrimento. 3.1 UMA PERSPECTIVA SOBRE O POVOAMENTO PELO NORTE DO CONTINENTE AMERICANO A primeira perspectiva cientifica do povoamen- to do continente americano foi elaborada pelo antro- pólogo theco Ales Hrdlicka (1869-1943), que desen- volveu trabalhos no trabalhos no Museu Nacional do Estados Unidos desde de 1903, pondo em xeque as teses de Ameghino no Congresso Internacional Ame- ricanistas31, em 1910 e assim buscando um novo apon- 31 Os Congressos Americanistas são reuniões bienais onde os principais pes- - 49 - tamento para o povoamento do continente americano (TRIGGER, 2004). Ales Hrdlicka32 foi o precursor do discurso cien- tífico do povoamento do continente americano pelo norte, em especial, no sentido de derrubar as teses de Ameghino, através de seus estudos antropológicos e assim buscando as origens dos índios ameríndios33. Lavellé (1995) afirma que os estudos de Hrdlicka estavam baseados nos traços físicos – pele , cabelo, pilosidade e craniometria – no intuito de demonstrar que os índios americanos fariam parte de um único grupo mongoloide e sendo vindo de um ponto co- mum, da Ásia, passando pelo estreito de Bering, em um período do Holocênico. Portanto, a teoria de Ales Hrdlicka ganhou grande reputação no meio acadêmi- co e tornou-se um paradigma importante para o de- senvolvimento das pesquisas arqueológicas no conti- nente americano. Laming-Emperaire (1976) afirma que a aceitação das ideias de Hrdlicka pela comunidade cientifica, tornou-se um dos caminhos para o estudo do povoamento da América. quisadores da pré-história americana reúnem-se para discutir os problemas de povoamento, culturas indígenas e outros assuntos de relevância para o conti- nente americano. 32 Essa decisão de considerar Ales Hrdlicka baseado nos seus estudos antro- pológicos, inicialmente, o primeiro a mencionar essa possibilidade, segundo Trigger (2004, p.67) afirma que José Acosta em 1589 “[...] em sua História na- tural y moral de las Índias [História natural e moral da Índias], de que os indí- genas tinham cruzado o estreito de Bering comocaçadores errantes oriundos da Sibéria (Pagden, 1982:193-7). Embora Acosta acreditasse que os indígenas tinham perdido todo o conhecimento da vida sedentária no curso de suas mi- grações, proto-evolucionistas posteriores viram na América a demonstração de como tinha sido a infância de toda a humanidade.” 33 Segundo o Dicionário Aurélio (2001, p.38) acerca do significado de Ame- ríndio “[De amer(i)- + índio; t. sugerido pelo Dr. Charles Scott ao geólogo e etnólogo norte-americano John Wesley Powell (1834-1902), e empregado para distinguir o índio americano do índio asiático.] Bras. S. m. 1. O indígena americano”. - 50 - Ruiz (1953) afirma que Ales Hrdlicka acredita nessa unidade mongoloide dos seres humanos ame- ricanos. Propondo quatros “momentos migratórios”, o primeiro momento migratório, esses migrantes, um povoamento mais antigo, com indivíduos que possui- riam crânios dolicocéfalos34 que teriam originado as tribos iroqueses, astecas e algumas outras; o segun- do momento migratório, por indivíduos de crânio bra- quicéfalo35 que teriam chegado até o continente sul americano; terceiro momento e quarto momento, por migrantes que dariam origem aos esquimós que esta- beleceriam no extremo norte do continente america- no. Dentro dessa perspectiva procurou-se outros elementos que pudessem fornecer uma confirmação da presença dos seres humanos no continente ame- ricano, devido na época não existir uma técnica de datação absoluta (carbono 14) até final da década de 40 e início do século XX, dificultando de construção de quadros cronológicos seguros. Um outro fator as pontas de Clóvis36, afirma Mac- Neish (1996, p.187) “Na década de 30, Clóvis foi utiliza- do como um marco da presença humana nas Américas (...)” e as pontas de Folsom na década de 20, no Novo México (EUA). Laming-Emperaire (1973 a) considera a indústria de pedras lascadas com características gros- seiras (choppers), logo, como sendo referências para caracterizar esses povos “caçadores-coletores”. Com 34 Segundo o dicionário Aurélio (2001) “1.Diz-se do, ou o tipo humano cujo crânio é oval, sendo o diâmetro ransversal menor, em um quarto, do que o longitudinal”. 35 Segundo o dicionário Aurélio (2001, 1. Diz-se de, ou indivíduo cujo crânio, observado de cima, apresenta a forma de um ovo, porém mais curto e arre- dondado posteriormente. 36 As pontas de Clóvis foram encontradas por John L. Cotter, no sítio Bl- cakwater Draw, na localidade de Clóvis, Novo México, EUA. - 51 - a utilização da técnica de datação do carbono 14, co- meçou-se a construir quadros cronológicos mais pre- cisos para o continente americano e assim correlacio- nando os dados entre si. Segundo Roosevelt (1999, p.36-37), As culturas paleoíndias setentrionais parecem entre 11.200 a 10.900 e terminado no começo do Holoceno, por volta de 8.500 anos atrás. A cultura mais antiga dos sítios de matança, a cultura Clóvis, foi datada pela escavação de dez sítios onde foram obtidas datações radiocarbônicas entre 11.200 e 10.900 anos. A outra cultura da América do Norte bem caracterizada é Fol- som, resultante de escavação de mais de 20 sítios com datações principalmente entre 10.900 e 10.200.(...) Os paleoíndios têm sido considerados, com base na natureza das culturas Clóvis e Folsom, caçadores es- pecializados em animais de grande porte, altamente adaptados a ambientes terrestres abertos, de clima temperado das Américas, ambiente que tem servido de foco de pesquisas. Atualmente, Martin (1996) afirma que essa cor- rente que situa o povoamento das Américas entre 10 a 12 mil anos atrás, defendida por grupos mais conserva- dores da arqueologia americana, em especial o Bureau American Ethnology, da Smithosian Institution of Amé- rica (onde Hrdlicka foi diretor), seguindo muito dessa das ideais de Hrdlicka, sendo principais pesquisadores, Thomas Lynch, Dena Dinacauze e Betty Meggers em um momento de sua carreira acadêmica e interessan- te por ter tido grande influência para arqueologia bra- sileira (ver figura 3). Em um primeiro momento de sua carreira, a an- tropóloga Betty Meggers (1987, p.23-24) acerca do po- voamento das Américas afirma, - 52 - Existem provas que homem teria penetrado no hemis- fério por volta de 9.000 a.c. As discordâncias surgem das informações esporádicas inconclusivas, da presen- ça do homem no Novo Mundo entre 40.000 e 12.000 anos. (...) o homem entrou no Novo Mundo enquanto estava ainda subsistindo à base de plantas e animais selvagens. É tido como certo que ele entrou a pé, pro- vavelmente numa época em que a água do mar, retida nos glaciares, deixava uma conexão terrestre entre a Sibéria e o Alasca. Para Meltzer (1996, p.243), Graças às descobertas, que se iniciaram na década de 20, sabemos que os paleo-índios ocuparam este Continente 11.500 anos atrás, e que eles tinham um conjunto de utensílios característicos na América do Norte, marcado pelas pontas caneladas de Clovis e, na América do Sul, por uma variedade de bifaciais, pe- dunculados e não canelados, e uma série de utensílios unifaciais sobre seixos. As ocupações dos páleo-índios são virtualmente sincrônicas em todo o hemisfério e, se eles foram os primeiros americanos, conseguiram colonizar o Novo Mundo em apenas algumas centenas de anos. Figura 3. Mapa do povoamento do continente americano pelo norte. Fonte: DIAMOND, 2001, p.37. - 53 - Com a intensificação das pesquisas arqueológi- cas e descobrimentos novos achados com datações mais recuadas, nas décadas de 50 a 70 do século XX, a comunidade científica começou a aceitar o início de povoamento por volta de 30 mil anos atrás, mesmo as- sim com muita reticência. No Brasil durante o período de 1965-71 desenvol- veu-se através de uma parceria entre o governo bra- sileiro e norte-americano, o PRONAPA. Coordenados pelo Smithisonian Institution e o secretária do Patrimô- nio Histórico e Artístico, visando construir um quadro cronológico para arqueologia brasileira. Sob a direção de Betty Meggers e Clifford Evans que treinaram uma geração de arqueólogos e suas influências são presen- tes até os dias atuais. Segundo Martin (1996, p.74), O esforço que significou o Programa Nacional de Pes- quisas Arqueológicas (PRONAPA) para se conseguir, a curto prazo (1965-70), uma visão panorâmica da pré- -história do Brasil, proporcionou considerável quan- tidade de informações – seus autores falam de mais 1.500 sítios cadastrados – mas, como não poderia dei- xar de ser, no curto espaço de tempo de cinco anos, para um projeto que enquadrava todo o Brasil, os resultados foram apenas informações fragmentárias sem que, ao final do programa, se formulasse alguma base teórica conclusões ou na apresentação dos re- latórios nota-se, por parte dos seus coordenadores, preocupação para que se estabelecessem as bases teóricas da nova arqueologia brasileira, que deveriam surgir como encerramento natural do programa. Per- deu-se, assim, a grande oportunidade de se formular no Brasil os enunciados teóricos para o desenvolvi- mento de uma pré-história brasileira que entendesse o homem da tropicalidade e do sem-árido.(...) A meto- dologia aplicada pelo PRONAPA, brevemente exposta por C.Evans no primeiro volume dos relatórios, esta- belecia prospecções em grandes áreas e sondagens - 54 - de no máximo dois por dois metros, com níveis artifi- ciais de dez centímetros. Figura 4. Mapa das pesquisa arqueológicas no Brasil. Fonte: Prous, 1992, p.15. Nesse sentido, Gaspar (2004) afirma que os es- tudos do PRONAPA focalizaram-se especialmente em cerâmica, partindo do pressuposto inicial que o po- voamento do Brasil seria inferior ao paradigma Clóvis e assim não aprofundando os estudos nos locais pes- quisados (ver figura 4). A própria arqueologia passou por uma série de transformações denominadas de “Nova Arqueolo- gia”, segundo Trigger (2004), ao afirmar que a publi- cação do artigo “Nova Arqueologia” na revista Science - 55 - de Joseph Caldwell
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