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Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR PROBLEMA 1 – ABERTURA: O DNA E OS CROMOSSOMOS: ESTRUTURA E FUNÇÃO DO DNA: Uma molécula de ácido desoxirribonucleico (DNA) é formada por duas cadeias longas de polipeptídios formadas por quatro tipos de subunidades nucleotídicas, cadeias essas conhecidas como fitas de DNA. Essas estruturas são antiparalelas (“de ponta cabeça”) em relação umas com as outras, sendo unidas por ligações de hidrogênio. Os nucleotídeos são formados por pentoses (açúcares de cinco carbonos) ligadas a um ou mais grupos fosfatos e a uma base contendo nitrogênio. Para o DNA, o açúcar é uma desoxirribose ligada a um único grupo fosfato, tendo como opões de bases a adenina (A), citosina (C), guanina (G) ou timina (T). Esses compostos estão atrelados aos fosfatos de forma covalente e alterada, criando assim a cadeia principal, que se assemelha a um colar, tendo como “contas” a projeção das bases, cujas siglas por vezes representam todo o nucleotídeo. A dupla-hélice de DNA, estrutura tridimensional característica desse composto, é decorrente das características químicas e conformacionais de suas duas cadeias de nucleotídeos. Uma vez que essas duas fitas são mantidas unidas por ligações de hidrogênio em suas bases, todas as bases estão voltadas para o interior, e a cadeia principal de açúcar-fosfato encontra- se na porção externa. O pareamento das bases é feito de forma que purinas (estruturas com dois anéis) se liguem sempre a pirimidinas (apresentam só um anel). Assim, A sempre forma par com T, e G, com C. Essa relação entre bases complementares permite que os pares sejam dispostos em um arranjo energético mais favorável no interior da estrutura. Nessa organização, cada par de bases possui uma largura similar, mantendo a estrutura alternada a intervalos regulares ao longo de toda a fita. Para potencializar a eficiência do empilhamento dos pares de bases, as duas cadeias principais de açúcar-fosfato enrolam-se uma sobre a outra, formando uma dupla-hélice orientada à direita, que completa uma volta a cada 10 pares de base. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR O encaixe dos pares de bases na estrutura do DNA somente ocorre se as fitas estiverem dispostas de forma antiparalela, ou seja, somente se suas polaridades forem opostas. Graças a essa intrincada estrutura, os elementos que compõem uma fita serão sempre complementares àqueles presentes na outra sequência. A ação do DNA para a propagação genética hereditária está intimamente relacionada a sua estrutura de fitas complementares, pois cada um desses componentes pode agir como um molde do outro, copiando prontamente suas informações. Desse processo de replicação irão surgir duas fitas complementares, idênticas àquelas presentes na fila original A mensagem expressa por determinado segmento da dupla-hélice de DNA corresponde ao “reflexo” de seus nucleotídeos organizados em série, que se alinham a aminoácidos inseridos numa cadeia de proteínas. A correspondência entre as combinações específicas que criam cada uma das 20 variações de aminoácidos forma o código genético, que por sua vez é expresso através de uma série de processos em que a célula converte a sequência nucleotídica de um gene primeiro numa sequência de nucleotídeos na molécula de RNA e, então, na sequência de aminoácidos de uma proteína. Todo o conteúdo de informações genéticas de um organismo é denominado genoma, responsável por codificar todos os compostos sintetizáveis ao longo da vida de um determinado organismo. Além de permitir essa estratificação, é com base nesse compêndio e nos mecanismos de splicing gênico que são produzidas as diversas proteínas que formam o corpo, em número bem maior que aquelas inicialmente formadas diretamente pelos dados genéticos. Em seres eucariotos, o DNA se restringe ao núcleo celular, que é recoberto por um envelope de duas membranas lipídicas concêntrica, com poros que permitem a troca de moléculas entre essa região e o citoplasma. Esse envelope está diretamente ligado ao chamado retículo endoplasmático, que se estende do núcleo ao citoplasma. A lâmina nuclear permite que as já citadas camadas se mantenham estáveis, fornecendo apoio por meio de uma malha Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR delgada localizada logo abaixo da membrana nuclear interna. DNA CROMOSSÔMICO: Cada cromossomo é formado por uma única molécula extensa de DNA linear junto a proteínas responsáveis por enovelar esse material numa estrutura mais compacta. Além desses compostos, importantes para o modelamento do material genético, tais estrutura também se relacionam com outros compostos proteicos e com RNA, necessários para a expressão gênica, replicação e reparo do DNA. O complexo que engloba todos esses materiais densamente empacotados se chama cromatina, visto que apresenta grande capacidade de coloração. Cada núcleo celular humano contém duas cópias de cada cromossomo, uma materna e outra, paterna, com exceção dos gametas e de alguns poucos tipos celulares que não podem se multiplicar ou não possuem DNA (como as hemácias e plaquetas). Os cromossomos de um par são chamados de homólogos. O único par que não apresenta um homólogo (complementar) é o formado pelas informações sexuais do macho, que possuem conformação X (herdada da mãe) e Y (oriunda do pai). Dessa forma, cada célula humana contém um total de 46 cromossomos, com 22 pares compartilhados por homens e mulheres, e um que os distingue (XY nos indivíduos do sexo masculino e XX nos indivíduos do sexo feminino). A identificação e determinação de todas essas informações é denominada cariótipo, representação que permite observar a morfologia símile regular entre cromossomos homólogos, detectando, seja pela coloração ou pelo padrão das bandas, a presença de translocações ou deleções. A complexidade de um organismo é por vezes relacionada à extensão de seu genoma, porém nem todo esse comprimento é “útil”, havendo, em plantas e animais, uma enorme quantidade de DNA intercalante com função pouco conhecida, mas que tem papel fundamental para a expressão adequada dos genes. Esse material excessivo apresenta papel relevante para os eucariotos, que precisam ser ativados e desativados de acordo com instruções complexas ao longo do desenvolvimento. Após a divulgação do genoma humano em 2004, características marcantes deste foram identificadas, como a existência de uma porção codificadora muito reduzida (cerca de 1,5% do volume genômico). Outro ponto de destaque é o grande tamanho médio dos genes formadores, que apresentam segmentos pequenos de nucleotídeos entremeados por DNA não codificador. Nesse sentido, as sequências capazes de produzir proteínas ou RNA são denominadas éxons, ao passo que as porções intercaladas, não codificadoras, são conhecidas como íntrons. A maioria dos Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR genes humanos, portanto, é formada por uma longa sequência alternada de éxons e íntrons, com prevalência desses últimos. Além desses segmentos, cada gene está associado a sequências de DNA regulador, responsáveis por assegurar que cada gene será ativado e desativado no devido tempo, expresso no nível adequado e apenas em determinados tipos celulares. De forma a compor um cromossomo funcional, uma molécula de DNA deve ser capaz de se replicar, e as cópias replicadas devem ser separadas e divididas de forma adequada entre as duas fitas filhas. Esse processo ocorre por meio do ciclo celular, que segmenta a duplicação dos cromossomos e sua separação entre as duas células-filhas conforme critérios temporais. Durante a interfase, fase de longa duração, os genes são expressos e os cromossomossão replicados, mantendo as réplicas unidas, sob a forma de cromátides- irmãs. Nesse período, os cromossomos estão estendidos e sua cromatina está disposta no núcleo sob a forma de longas linhas enroladas, inviabilizando a visualização dessas estruturas. Apenas durante um breve intervalo na mitose os cromossomos são condensados, permitindo que as duas cromátides se separem e sejam distribuídas aos núcleos-filhos. É nesse período que os cromossomos são melhor visualizados, uma vez que apresentam DNA intensamente enovelado. Após a replicação do DNA, as duas cromátides-irmãs permanecem unidas uma à outra e, com a progressão do ciclo celular, são mais condensadas para produzir cromossomos mitóticos. A presença de uma segunda sequência especializada de DNA, chamada de centrômero, permite que cópias de cada cromossomo sejam dirigidas às células-filhas no momento da divisão celular. Nessa estrutura surge um complexo proteico denominado cinetocoro, que liga o fuso mitótico aos cromossomos duplicados, permitindo que eles sejam separados. Uma terceira sequência especializada de DNA forma os telômeros, extremidades dos cromossomos. Essas estruturas contêm sequências nucleotídicas repetidas, o que favorece a replicação cromossômica eficiente. Os telômeros também desempenham o papel de diferenciadores entre cromossomos e moléculas de DNA quebradas que necessitam de reparo pela célula. As proteínas que se ligam ao DNA e formam os cromossomos em células eucariotas são divididas em duas classes: as histonas e as proteínas cromossômicas não histonas. O Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR complexo dessas duas classes de proteínas associado ao DNA nuclear é conhecido como cromatina. As histonas são responsáveis pela forma de organização mais básica do cromossomo, compondo o nucleossomo. Ao romper o núcleo celular interfásico, a maior parte da cromatina parece estar na forma de uma fibra que, quando desenrolada, permita a observação de “contas em um colar”. O colar é o DNA, e cada conta é uma “partícula do cerne do nucleossomo”, que consiste em DNA enrolado em um núcleo de histonas. Cada partícula do cerne nucleossômico consiste em um complexo de oito histonas, com duas de cada tipo (H2A, H2B, H3 e H4) e a fita dupla de DNA, com 147 nucleotídeos de comprimento. Assim, o octâmero de histonas forma uma base de proteínas sobre a qual se enovelam as fibras de material genético. Mesmo que a interação entre nucleossomo e fibras de DNA seja intrínseca e forte, é necessário certo grau de afrouxamento entre seus segmentos, permitindo assim que esse “novelo” de material genético possa ser manipulado durante a leitura dessas fitas, o que ocorre por meio de complexos de remodelagem da cromatina dependentes de adenosina trifosfato. Esses complexos, ao hidrolisar sequencialmente o ATP, permite que os nucleossomo se movam (deslizamento), expondo assim fragmentos de DNA, que podem sofrer ação de diversas proteínas celulares. Alguns complexos de remodelagem, quando ligados a “chaperonas de histonas”, permitem a retirada integral ou parcial de componentes do nucleossomo. Para formar a cromatina, no entanto, esses nucleossomos devem ser compactados, o que acontece principalmente por empilhamento, garantindo assim a formação de DNA bastante agrupado. Tal organização é decorrente das ligações nucleossomo- nucleossomo que envolvem as caudas das histonas, especialmente a cauda da H4. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR Outro fator importante é a presença de uma histona adicional, a H1, maior do que as frações do cerne, sendo consideravelmente menos conservada na evolução. Uma única molécula H1 liga-se a cada nucleossomo, fazendo contato com o DNA e com a proteína, e alterando a direção primeiro quando ele sai do nucleossomo, auxiliando a compactar a estrutura. CROMATINA: A cromatina, fita de DNA altamente compacto presente no núcleo celular, apresenta duas apresentações distintas durante a interfase: uma forma altamente condensada, chamada de heterocromatina, e uma estrutura menos condensada, chamada de eucromatina. A heterocromatina representa uma forma compacta especial, cujas propriedades moleculares não são bem conhecidas. Ela é grandemente concentrada em algumas regiões específicas, principalmente nos centrômeros e telômeros, mas também é encontrada em outros sítios, que variam conforme a etapa fisiológica da célula. Nessa conformação, o DNA normalmente contém poucos genes, com a maior parte sendo desligada durante o processo de conversão da eucromatina. Assim, a heterocromatina não deve ser considerada uma forma de agrupar o DNA “morto”, e sim como um modo de descrever domínios compactos de cromatina são excessivamente resistentes à expressão gênica. Graças a uma sequência de quebras e religações, segmentos eucromáticos podem ter sua capacidade gênica suprimida ao serem alocados próximos a uma estrutura heterocromática, fenômeno denominado efeito posicional. Uma vez silenciado, essa região será transformada em heterocromatina, que, por sua vez será herdada por toda a descendência celular. Tal condição é presente em mulheres, que apresentam um processo aleatório de determinação do cromossomo X que será inativado, ainda no início do período embrionário, perpassando essa característica para todas as células filhas. Dessa forma, os organismos adultos apresentam um mosaico de células diferentes, porém sem expressão genética. Observando esse comportamento, nota-se que heterocromatina gera mais heterocromatina. Tal feedback positivo pode atuar tanto de forma espacial, causando a propagação do estado de heterocromatina pelo cromossomo, como temporalmente, por meio das gerações. As cadeias laterais, principalmente a cauda das histonas, são susceptíveis à ação de diversas reações conformacionais que modificam a ligação covalentes dessas estruturas, como a acetilação de lisinas, a Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR (mono, di ou tri) metilação de lisinas, e a fosforilação de serinas. Essas mudanças são todas reversíveis, sendo ativadas em diversas fases da vida celular, sendo a principal delas a transcrição celular. Algumas vezes, no entanto, as modificações covalentes permanecem nos nucleossomos por muito tempo após o desaparecimento dos fatores de transcrição que as induziram, fornecendo à célula, portanto, uma memória de seu desenvolvimento, que pode, bem como no efeito posicional, repassar para as células filhas essas alterações. A modulação de histonas é constantemente avaliada, dada a importância de suas consequências. A acetilação de lisinas nas caudas N-terminais afrouxa a estrutura da cromatina, em parte porque esse processo remove sua carga positiva, reduzindo a afinidade entre caudas e os nucleossomos adjacentes. O efeito mais significativo desse fenômeno, no entanto, é sua capacidade de recrutar outras proteínas específicas ao segmento de cromatina modificado. De forma genérica, as proteínas recrutadas atuam junto com as “novas histonas” para determinar como e quando os genes serão expressos, além de outras funções cromossômicas. Além da possibilidade de alteração de ligações covalentes, as histonas podem se diferenciar de acordo com a inserção de compostos distintos, criando assim variantes de histonas já prontas, no período de intérfase. Todo esse processo é mediado por meio de complexos de remodelagem dependentes de ATP, que promove a ligação do composto a sítios específicos, de forma seletiva. Algumas dessas combinações são conhecidas por possuírem significados específicos na célula, podendo determinar quando e como o DNA presente nos nucleossomos poderá ser acessado ou manipulado, criandoassim um “código de histonas”. Alguns exemplos dessas marcas são indicadores de replicação recente de cromatina, dano genômico e determinantes de expressão gênica. Diversas proteínas reguladoras contêm pequenos domínios que se ligam a essas regiões específicas e as reconhecem com base no agente indutor da alteração. O resultado disso é um complexo de leitura que permite que uma combinação de alterações na cromatina atraia outras proteínas para executar uma função biológica específica no momento certo. As marcas nos nucleossomos são constantemente removidas e adicionadas a velocidades que dependem da localização cromossômica. Como as caudas das histonas projetam-se para fora do cerne nucleossômico, elas parecem propiciar um formato adequado para criar marcações que podem ser facilmente modificadas de acordo com a necessidade da célula. Esse processo de “escrita” e “leitura” de marcas no nucleossomo pode ser Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR disseminado ao longo do cromossomo, pois a proteína indutora da marcação pode ativar automaticamente a proteína de leitura, que, numa reação em cadeia, dissemina a marca por meio da excitação de diversos complexos semelhantes. É possível também observar a ocorrência desse fenômeno em sentido inverso, quando as alterações são sequencialmente deletadas em decorrência da super ativação enzimática. Para evitar que esses processos afetem outras estruturas genéticas adjacentes, algumas sequências de DNA indicam o limite do domínio da cromatina, separando regiões codificadoras distintas. A essas estruturas moduladoras é dado o nome de sequência de barreira, fundamentais para a engenharia genética. O mecanismo para formação de barreiras de DNA pode evolver tanto a ancoragem a um poro celular, ligações proteicas fortes e estáveis, quanto enzimas removedoras de marcas de nucleotídeos, mecanismos estes que impedem a propagação da heterocromatina, por exemplo. A herança epigenética das alterações cromossômicas envolve um intrincado processo colaborativo, no qual a porção modificada replicada atrai, por trofismo celular, estruturas afins, permitindo que esse estímulo seja constantemente reforçado ao longo das diferentes gerações de células, de forma análoga a uma semeadura. Isso é o que ocorre, por exemplo, com a cromatina centromérica (CENP-A), que é resultante de alterações na histona H3. A ESTRUTURA DOS CROMOSSOMOS: Os cromossomos plumosos, encontrados durante a preparação para a meiose do oócito, são claramente visíveis, sendo organizados em uma série de grandes alças de cromatina que se projetam a partir de um eixo linear. Nesses cromossomos, uma Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR determinada alça contém a mesma sequência de DNA que permanece estendida da mesma forma à medida que o oócito se desenvolve. Esses cromossomos estão produzindo grandes quantidades de RNA, e a maioria dos genes presentes nas alças de DNA está sendo expressa. Entretanto, a maior parte do material genético não está nas alças, mas sim condensada no eixo do cromossomo, onde os genes normalmente não são expressos. Mesmo que essa representação seja associada ao oócito na interfase, tal organização em alças pode ser aplicada a diversos tipos de células em seres eucariotos. A principal diferença reside no fato de que os cromossomos plumosos são maiores e, portento mais fáceis de serem identificados. Nota-se que, na interfase, as alças de cromatina, inicialmente bastante dobradas, se expandem e ocupam um volume maior quando um gene contido nelas é expresso. A posição de um gene no interior do núcleo é alterada quando este é muito expresso. Assim, áreas excessivamente transcritas às vezes são encontradas fora de seu território cromossômico, de forma semelhante a uma alça. O núcleo é muito heterogêneo, com regiões funcionais distintas para as quais determinados segmentos de cromossomos podem se mover, caso sejam sujeitos a diferentes processos bioquímicos. O nucléolo é o local da célula destinado à formação de ribossomos, bem como o sítio onde muitas outras reações especializadas ocorrem. Ele consiste em uma rede de RNAs e proteínas concentradas em torno dos genes de RNA ribossômico ativamente transcritos. Outras estruturas que também modulam o ambiente intracelular são os corpos de Cajal e os aglomerados de grânulos de intercromatina. Todos esses compostos podem criar ambientes bioquímicos distintos pela imobilização de determinados tipos de macromoléculas, de forma análoga à que ocorre no envelope e na lâmina nuclear. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR Esses subcompartimentos formados dentro do núcleo promovem a atração de diversas moléculas específicas, que irão se ligar de forma estável às proteínas presentes no enovelado de cromatina. Tais ambientes são formados apenas quando há necessidade e criam uma alta concentração local de diversas enzimas e moléculas de RNA necessárias a um determinado processo. Ainda dentro do núcleo, mesmo após vários processos de extração bioquímica, ainda resta uma estrutura insolúvel, a matriz nuclear/de suporte, geralmente provenientes da formação de compartimentos fibrosos, como mencionado anteriormente. Os cromossomos de quase todas as células eucariotas tornam-se bastante visíveis durante a mitose, quando formam espirais e produzem estruturas altamente condensadas, o que modifica grandemente a forma desse componente. As duas moléculas de DNA produzidas na replicação interfásica são dobradas separadamente, produzindo duas cromátides-irmãs, unidas pelos centrômeros. Esses cromossomos normalmente são recobertos por várias moléculas, incluindo grandes quantidades de complexos proteína-RNA. Uma vez removidos esses materiais, cada cromátide pode ser vista como alças organizadas de cromatina que emanam de uma estrutura central. A ordem das características visíveis ao longo de um cromossomo mitótico reflete, grosseiramente, a ordem dos genes dispostos nessa molécula de DNA. A condensação dos cromossomos mitóticos pode, desse modo, ser vista como o nível final da hierarquia de compactação cromossômica. O processo de condensação dos cromossomos interfásicos em sua forma mitótica é deflagrado no início da fase M e está intimamente relacionado à progressão do ciclo celular. Durante essa etapa, a expressão gênica é suspensa, e ocorrem modificações específicas nas histonas que Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR auxiliam na reorganização da cromatina enquanto ela é compactada. Duas classes de proteínas em forma de anel, chamadas coesinas e condensinas, auxiliam nesse enovelamento. Esse mecanismo é extremamente organizado e dinâmico, apresentando papel crucial em ao menos dois processos da replicação celular. Na metáfase, quando a condensação é completada, as cromátides- irmãs estão desemaranhadas umas das outras e dispostas lado a lado, permitindo sua fácil separação por meio dos fusos mitóticos. A segunda atribuição da compactação de material genético se dá por meio da proteção de moléculas de DNA, relativamente frágeis contra quebras no momento da separação entre as células- filhas. O CICLO CELULAR: Uma célula se reproduz ao executar uma sequência organizada de eventos em que ela duplica seu conteúdo e, então, divide-se em duas. Esse ciclo de duplicação e divisão, denominado ciclo celular, é o mecanismo essencial pelo qual todos os seres vivos se reproduzem. Os detalhes do ciclo celular variam entre organismos e até mesmo entre as fases da vida de um mesmo ser vivo. Certas características, contudo, são universais: no mínimo, a célula deve executar sua tarefa fundamental, que é passar as informações genéticas para a próximageração celular. Para produzir duas células-filhas geneticamente idênticas, o DNA de cada cromossomo deve primeiro ser fielmente replicado para produzir duas cópias completas de si mesmo. Os cromossomos formados devem então ser segregados para as novas células, assim cada uma recebe uma cópia completa do genoma. Além disso, a maioria das células também duplica suas outras organelas e macromoléculas, mantendo assim constância de tamanho ao longo de múltiplas replicações. Esses processos (duplicação e migração) definem as duas principais fases do ciclo celular. O primeiro ocorre durante a fase S (síntese de DNA), que requer de 10 a 12 horas e ocupa cerca de metade do tempo do ciclo celular de um mamífero típico. Depois desse estágio, a segregação do material genético e a divisão celular se desenvolvem na fase M (mitose), que dura muito menos tempo (menos de 1 hora nos mamíferos). Essa última fase compreende dois eventos principais, a divisão nuclear, ou mitose, durante a qual os cromossomos copiados são distribuídos para as células-filhas, e a divisão citoplasmática (citocinese), quando a própria célula se divide em duas. Ao fim da fase S, as moléculas de DNA em cada par de cromossomos duplicados se entrelaçam e se unem fortemente por meio de ligações proteicas especializadas. No começo da mitose, no estágio de prófase, as duas moléculas de DNA são gradativamente desembaraçadas e condensadas cromátides-irmãs, que permanecem ligadas por meio da coesão. Quando há o rompimento do envelope nuclear, esses bastonetes ficam ligados ao fuso mitótico, grande organização bipolar de microtúbulos, que desvia os bastonetes para polos Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR opostos. Por fim, as cromátides alinham-se na placa equatorial do fuso durante a metáfase. A destruição da coesão dos cromossomos no início da anáfase irá separar seus constituintes, que são puxadas para polos opostos do fuso. Em seguida, tal estrutura se desfaz e os cromossomos segregados são empacotados em núcleos separados na telófase. Então, a citocinese cliva a célula em duas, de forma que cada célula-filha herde um dos dois núcleos, formando assim estruturas independentes. A maioria das células necessita de muito mais tempo para duplicar seu material genético, proteínas e organelas do que duplicar seus cromossomos e se dividir. Dessa forma, de modo a reservar mais tempo para essa fase de crescimento, a maioria dos ciclos celulares possui fases de intervalo, compondo um ciclo clássico eucarionte em 4 fases: G1, S, G2 e M. Seus três primeiros componentes são, em conjunto, denominados como interfase. O crescimento celular ocorre ao longo do ciclo celular, exceto durante a mitose, momento de divisão do conteúdo replicado. As duas fases de intervalo são mais que um retardo temporal para crescimento, mas sim uma oportunidade para que a célula monitore o ambiente interno e externo a fim de se assegurar as condições ideais e a integridade da preparação antes que a célula se comprometa com as principais transformações da fase S e da mitose. Nesse sentido, a fase G1 é especialmente importante, tendo duração variável conforme os sinais intra e extracelulares. Caso o meio externo apresente condições desfavoráveis, a célula pode entrar em um estado de repouso especializado conhecido como G0, sendo mantida nesse estágio até que a proliferação seja novamente estimulada. Muitas células, no entanto, ficam permanentemente em G0 até que elas ou o organismo morram. Se as condições extracelulares são favoráveis e os sinais para crescer e se dividir estão presentes, as células no início de G1 ou G0 avançam até um ponto de comprometimento próximo ao fim de G1 conhecido como início ou ponto de restrição. Uma vez passado esse ponto, as células se comprometem com a replicação do DNA, mesmo que os estímulos iniciais sejam removidos. CONTROLE DO CICLO CELULAR: O sistema de controle do ciclo celular age de forma similar a um cronômetro, liberando o desenvolvimento de cada fase numa sequência estabelecida. Na maioria das células, esse sistema é responsivo a informações recebidas dos processos que controla. Se algum mau funcionamento impede a conclusão bem-sucedida da síntese de DNA, por exemplo, sinais são enviados ao sistema de controle para retardar a progressão da fase M. Tais atrasos permitem que o maquinário celular seja reparado e também previnem desfechos negativos decorrentes da progressão desmedida, como, de acordo com o exemplo anterior, cromossomos replicados de forma incorreta. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR O sistema de controle é baseado numa série de interruptores bioquímicos, cada um dos quais sendo responsável por iniciar um evento específico do ciclo celular. Esse conjunto possui muitas características importantes, responsáveis por aumentar tanto a precisão como a confiabilidade da progressão do ciclo. Esses interruptores geralmente são binários (ativo/inativo), deflagrando eventos de maneira completa e irreversível. O sistema de controle do ciclo celular é intenso e confiável, seja devido a mecanismos de reserva ou a outras características que permitam sua operação de maneira eficiente sob várias condições, mesmo que alguns componentes falhem. Por fim, esse mecanismo é altamente adaptável, sendo modificado para se adequar a tipos celulares específicos e para responder a sinais específicos. Na maior parte das células, todo esse ciclo é controlado por três importantes pontos de transição. O primeiro é o Início (ponto de restrição) no final de G1, anteriormente mencionado. O segundo é a transição de G2 para M, onde o sistema de controle dispara um evento mitótico precoce que leva ao alinhamento de cromossomos no eixo equatorial durante a metáfase. O terceiro é a transição entre metáfase e anáfase, no qual o sistema de controle estimula a separação das cromátides-irmãs, levando à conclusão da mitose e da citocinese. Caso sejam apontados problemas dentro ou fora da célula, esse conjunto de mecanismos impede a progressão em cada uma dessas etapas. Similarmente, se as condições extracelulares não são apropriadas à proliferação celular, o ponto de restrição será bloqueado, impedindo que ocorra a divisão do material genético até a posterior estabilização do meio. Os principais componentes do sistema de controle do ciclo celular são membros de uma família de cinases conhecidas como cinases dependentes de ciclinas (Cdks). As atividades dessas enzimas aumentam e diminuem à medida que a célula avança no ciclo, causando mudanças na fosforilação de proteínas intracelulares que iniciam ou regulam os principais eventos do ciclo celular. As mudanças cíclicas na atividade das Cdks são controladas por uma intrincada organização de enzimas e outras proteínas. As ciclinas são as mais importantes dessas reguladoras de Cdks, pois a menos que estejam fortemente ligadas a uma ciclina, elas não têm atividade de cinase. As modificações cíclicas nos níveis das proteínas ciclinas resultam no agrupamento e ativação cíclicos dos complexos ciclina- Cdk nos estágios específicos do ciclo celular. De acordo com a fase de ativação no ciclo celular, são identificados 4 tipos de ciclinas, porém 3 deles são imprescindíveis a qualquer célula, a saber: G1/S-ciclinas: ativam Cdks no final de G1, ajudando a desencadear a progressão ao Início, resultando no comprometimento à entrada no ciclo celular. Seus níveis diminuem na fase S; Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR S-ciclinas: se ligam a Cdks após o Início, estimulando a duplicação dos cromossomos. Os níveis das S-ciclinas permanecem elevados até a mitose, podendo inclusive contribuir em alguns dos eventos iniciais dessafase; M-ciclinas: são responsáveis por favorecer a transição entre G2 e a fase M, havendo redução em seus níveis na metade da mitose. Na maior parte das células também há um outro tipo de enzima catalizadora, a G1- ciclina, que tem papel regulador sobre a G1/S-ciclina. Para se ligar às ciclinas, existem 4 variedades de Cdks, duas interagindo com ciclinas G1, uma com ciclinas G1/S e S, e uma com ciclinas S e M, formando complexos como G1-Cdk, G1/S-Cdk, S-Cdk e M-Cdk. Na ausência de ciclinas, o sítio ativo na proteína Cdk é parcialmente obstruído por uma alça proteica, porém na presença do composto esse prolongamento se afasta do ponto de ligação, resultando em uma ativação parcial da enzima Cdk. A ativação total do complexo se dá quando uma outra cinase, a cinase ativadora de Cdk (CAK), fosforila um aminoácido próximo à entrada do sítio ativo da Cdk. Isso causa uma pequena mudança conformacional que aumenta ainda mais a atividade da Cdk pela cinase, permitindo a fosforilação eficiente de suas proteínas-alvo, induzindo assim eventos específicos do ciclo celular. Além da disponibilidade de cinases, outros mecanismos podem ajudar a modular a ação da Cdk. A fosforilação de um par de aminoácidos na cavidade do sítio ativo da cinase pela enzima Wee1 inibe a atividade das Cdks, enquanto a desfosforilação desses sítios por uma fosfatase conhecida como Cdc25 aumenta sua capacidade de ação, importante principalmente no início da mitose. A ligação de proteínas inibidoras Cdk (CKIs) inativa complexos ciclina-Cdk, uma vez que causa alterações morfofuncionais em seu sítio ativo. As células usam as CKIs principalmente para moderar a ação de G1/S-Cdks e S-Cdks no início do ciclo celular. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR A progressão entre metáfase-anáfase é desencadeada não pela fosforilação proteica, mas pela degradação de proteínas, levando aos estágios finais da divisão celular. O principal regulador desse processo é o complexo promotor da anáfase, ou ciclossomo (APC/C), membro da família enzimática de ubiquitinas-ligase, que poliubiquitinam proteínas-alvo específicas, resultando na sua degradação em proteossomos. O APC/C catalisa a ubiquitinação e a destruição de dois tipos principais de proteínas. A primeira é a securina, que protege as ligações proteicas que mantêm os pares de cromátides-irmãs unidos no início da mitose, ativando assim a protease que separa as cromátides-irmãs e desencadeia a anáfase. As S-ciclinas e as M-ciclinas são os segundos principais alvos do APC/C. A destruição dessas substâncias inativa a maioria das Cdks da célula, resultando em muitas proteínas fosforiladas por Cdks da fase S ao início da mitose sendo desfosforiladas por várias fosfatases na célula em anáfase. Essa desfosforilação de alvos das Cdks é necessária para a conclusão da fase M, incluindo as etapas finais da mitose e citocinese. Seguindo sua ativação na metade da mitose, APC/C permanece ativa em G1 para fornecer um período estável de Cdk inativa. Quando o G1/S-Cdk é ativada na fase final de G1, o ciclossomo torna-se inativo, permitindo, um acúmulo da ciclina no próximo ciclo celular. O sistema de controle do ciclo celular também utiliza de outra ubiquitina-ligase, chamada SCF, que tem como principal função ubiquitinar certas proteínas CKI em durante a porção terminal de G1, ajudando, a controlar a ativação de S-Cdks e a replicação de DNA. A SCF é também responsável pela destruição das ciclinas G1/S na fase S inicial. Ambos os compostos representam grandes complexos de multissubunidades que possuem componentes em comum, mas que são regulados de forma distinta. As modificações na atividade de APC/C durante o ciclo celular são decorrentes da relação com sua subunidade ativadora (Cdc20 na metade da mitose e Cdh1 a partir do final da mitose através de G1 precoce), que são responsáveis por guiar o ciclossomo a suas proteínas-alvo. A atividade de SCF depende das subunidades ligadas ao substrato chamadas proteínas F-box. Contudo, diferentemente da atividade do APC/C, a atividade da SCF é não é constante durante o ciclo celular. Em vez disso, a ubiquitinação pela SCF é controlada por mudanças no estado de fosforilação de suas proteínas- alvo, uma vez que as subunidades de F-box reconhecem somente proteínas específicas fosforiladas. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR Quando as condições para a proliferação celular são adequadas, vários sinais estimulam a ativação de G1-Cdk, que por sua vez favorece a expressão de genes que codificam G1/S-ciclinas e S-ciclinas. Dessa forma, a ativação resultante de G1/S-Cdk controla a progressão através do Início da transição. As G1/S-Cdks desencadeiam uma onda de atividade das S-Cdks, que inicia a duplicação dos cromossomos na fase S e também contribui para alguns eventos iniciais da mitose. Então, a ativação de M- Cdk dispara a progressão através da transição de G2/M e eventos da mitose inicial, levando ao alinhamento de pares de cromátides-irmãs na placa equatorial do eixo mitótico. Finalmente, a APC/C, junto ao seu ativador Cdc20, dispara a degradação de securinas e ciclinas, desencadeando a separação de cromátides-irmãs e a segregação e finalização da mitose. Quando a mitose está completa, múltiplos mecanismos colaboram na supressão da atividade das Cdks, resultando em um período estável, representado por G1. FASES DO CICLO CELULAR: FASE S: A duplicação dos longos cromossomos eucariontes é um processo complexo que demanda tempo, ocupando, portanto, uma fração importante do ciclo celular. A longa molécula de DNA de cada cromossomo deve não apenas ser precisamente duplicada, mas o empacotamento das proteínas que cercam cada região daquele DNA também deve ser multiplicado, assegurando que as células-filhas herdem todas as características da estrutura cromossômica. A replicação do cromossomo cria dois problemas para a célula. Em primeiro lugar, esse processo deve ocorrer com extrema precisão, visando minimizar o risco de mutações na próxima geração de células. Em segundo lugar, cada nucleotídeo do genoma deve ser copiado apenas uma vez, a fim de evitar os efeitos danosos da amplificação gênica. A replicação do DNA é iniciada nas origens de replicação, estão espalhadas por numerosos locais em cada cromossomo. Durante a fase S, a replicação do DNA é iniciada nessas regiões quando a helicase de DNA desenrola a dupla-hélice e as enzimas da replicação se ligam às duas fitas-molde simples. Isso leva à fase de alongamento da replicação, quando a maquinaria de replicação se distancia da origem em duas forquilhas de replicação. Para garantir ocorrência única a cada ciclo celular, a fase de iniciação da replicação do DNA é dividida em duas etapas distintas, que ocorrem em momentos diferentes do ciclo celular. O primeiro passo ocorre na mitose tardia e G1 inicial, quando um par de helicases de DNA inativas se ligam à origem de replicação, formando um grande complexo, chamado de complexo pré- replicativo ou pré-RC. Essa etapa pode ser chamada de licenciamento das origens de replicação, pois a iniciação da síntese de DNA ocorre somente em origens que contêm um pré-RC. O segundo passo ocorre na fase Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR S, quando tais enzimas são ativadas, resultando no desenrolamento do DNA e no início da síntese deste. Uma vez que a origem de replicação tenha sido iniciada nessa via, as duas helicases se movem para fora da origem na forquilha de replicação, e a origem não pode ser reutilizada até que uma nova pré-RC seja adicionada no final da mitose. Um importante fator para o controle desse processo é o complexo de reconhecimento da origem (ORC),que se liga às origens de replicação no decorrer do ciclo celular. Na mitose tardia e em G1 precoce, as proteínas Cdc6 e Cdt1 agem junto ao ORC para ligar as helicases inativas ao DNA, perto da origem, permitindo assim a formação do pré- RC. No início da fase S, S-Cdk desencadeia a ativação da origem pela fosforilação específica de proteínas iniciadoras, as quais promovem a formação de um grande complexo proteico que ativa a helicase de DNA e recruta a maquinaria para síntese de DNA. Outra proteína-cinase chamada DDK também é ativada na fase S e ajuda a desencadear a ativação da origem pela fosforilação específica de subunidades da helicase de DNA. De forma simultânea ao início da replicação de DNA pelo complexo S-Cdk, muitos mecanismos impedem a ligação de novos pré-RC. A fosforilação de S-Cdk inibe proteínas ORC e Cdc6. A inativação do APC/C no final de G1 também ajuda a evitar a formação do pré-RC. Na mitose tardia e G1 precoce, APC/C desencadeia a degradação de um inibidor da Cdt1 chamado geminina, permitindo, assim, que esse composto seja ativado. Quando APC/C é inativada em G1 tardia, a geminina é acumulada, inibindo os compostos-alvo que não estão ligados a moléculas de DNA. Também, a associação de Cdt1 com uma proteína na forquilha de replicação ativa, estimula a degradação desse composto. Nessas várias vias, a formação de pré-RC é impedida da fase S à mitose, assegurando, assim, que cada origem seja ativada apenas uma vez por ciclo celular. A recomposição dessa forma de controle se dá no final da mitose, quando a ativação do APC/C leva à inativação das Cdks e à degradação da geminina. Nesse sentido, ORC e Cdc6 são desfosforiladas e a Cdt1 é ativada, Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR permitindo a formação do pré-RC para preparar a célula para a próxima fase S. Ao final da fase de síntese de DNA, cada cromossomo replicado consiste em um par de cromátides-irmãs idênticas, ligadas uma à outra ao longo de sua extensão. Essa coesão é responsável por garantir uma mitose bem-sucedida, pois facilita bastante a ligação das duas cromátides-irmãs a polos opostos do fuso mitótico. Esse processo é intimamente dependente das coesinas, que se ligam a vários sítios nas fitas cromossomais após sua duplicação, formando anéis que circundam esses processos. MITOSE: Após a conclusão da fase S e do intervalo G2, a célula será fortemente abalada pela fase M, durante a qual as cromátides-irmãs são separadas e distribuídas para o par de núcleos-filhos, cada um com sua própria cópia do genoma. A mitose é tradicionalmente dividida em cinco etapas, prófase, prometáfase, metáfase, anáfase e telófase, definidas de acordo com a aparência dos cromossomos ao microscópio. Uma vez concluída a mitose, o segundo principal evento da fase M, a citocinese, divide a célula em duas metades, cada uma com um núcleo idêntico. De um ponto de vista de regulação, a mitose pode ser dividida em duas partes principais, cada uma influenciada por componentes distintos do sistema de controle do ciclo celular. Primeiro, um aumento abrupto na atividade de M-Cdk na transição G2/M desencadeia eventos no início da mitose (prófase, prometáfase e metáfase). Durante esse período, a M-Cdk e várias outras cinases mitóticas fosforilam uma série de proteínas, formando o fuso mitótico e permitindo sua ligação aos pares de cromátides-irmãs. A segunda parte principal da mitose começa na transição entre metáfase e anáfase, quando o APC/C provoca a degradação da securina, liberando uma protease que cliva a coesina e, com isso, inicia a separação das cromátides- irmãs. O APC/C também promove a degradação de ciclinas, levando à inativação das Cdks e à desfosforilação de seus alvos, o que é necessário a todos os eventos do final da fase M, inclusive a conclusão da anáfase, a dissociação do fuso e a segmentação celular. MECANISMOS DE REPLICAÇÃO DO DNA: FORMAÇÃO DE NOVAS FITAS DE DNA E O GERENCIAMENTO DE ERROS: A replicação do DNA ocorre em todos os organismos antes de cada divisão celular, tendo como base o uso de um DNA-molde, obtido através da separação das fitas helicoidais. Esse processo expõe os grupos doador e aceptor das ligações de hidrogênio em cada base do DNA, permitindo o pareamento com o nucleotídeo livre a ser incorporado e alinhando-o para a Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR polimerização catalisada pela DNA- polimerase na nova cadeia. A forquilha de replicação é uma estrutura em formato de Y que percorre a dupla-hélice de DNA usada como matriz para a duplicação do material genético, contando com um complexo de enzimas, dentre as quais está a DNA-polimerase, permitindo assim a síntese de material para as novas fitas. A replicação do material genético pela forquilha se dá apenas em sentido 5’-3’, uma vez que as fitas se encontram numa relação antiparalela, e a DNA-polimerase somente age nesse sentido. O crescimento no sentido 3’-5’ é mediado por meio de fragmentos de Okazaki, que se juntam posteriormente à consolidação da nova cadeia replicada, causando o crescimento retardado de sua fita. Logo, a forquilha de replicação possui uma estrutura assimétrica. A fita-filha de DNA sintetizada continuamente é denominada fita-líder, ou fita contínua, criada diretamente pela DNA-polimerase. Sua síntese precede levemente a formação da fita retardada, ou fita descontínua. Nessa última, a direção da polimerização dos nucleotídeos é oposta à direção do crescimento da cadeia de DNA, evidenciando que apenas o tipo de polimerase 5’ para 3’ é usado na replicação de material genético. A alta fidelidade da replicação do DNA depende não apenas do pareamento entre as bases complementares, mas também de vários mecanismos de “correção” que atuam de forma sequencial para retificar qualquer pareamento incorreto que possa ter ocorrido, evitando sua incorporação ao código genético final. A DNA-polimerase realiza a primeira etapa da correção, que ocorre imediatamente antes da adição covalente de um novo nucleotídeo à cadeia em crescimento. O nucleotídeo correto tem uma maior afinidade pela polimerase em movimento em comparação ao incorreto, devido a maior afinidade energética. Além disso, nesse intervalo a enzima precisa sofrer uma alteração conformacional que promova um ajuste do encaixe com o sítio de ligação. Como essa alteração ocorre mais prontamente com o pareamento correto do que com o incorreto, a polimerase pode verificar a geometria exata do pareamento de bases antes de catalisar a adição do novo nucleotídeo. A próxima reação de correção de erro, conhecida como correção exonucleolítica, ocorre de forma quase instantânea após a (rara) adição de nucleotídeos incorretos à cadeia crescente. As DNA-polimerases são altamente específicas para os tipos de cadeias de DNA que alongam, necessitando de um pareamento de bases previamente formado, com extremidade 3’-OH, de uma fita iniciadora (iniciador). As moléculas mal pareadas não servem como molde eficiente porque a polimerase tem dificuldades em alongar a fita. Assim, as DNA-polimerases irão agir por outros domínios para estimular a remoção das frações incorretamente anexadas. Essa exonuclease de correção de erro 3’-5’ remove qualquer nucleotídeo não pareado ou mal pareado na extremidade do Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR iniciador, processo que continua até que um número suficiente de nucleotídeos seja removido, período após o qual ocorrerá a regeneração de uma extremidade terminal 3’-OH corretamente pareada capaz de reiniciar a síntese de DNA. De forma oposta ao que ocorre com o DNA, erros na síntese de RNA não são passados para a próxima geração, e as moléculas com defeitos ocasionais nãotêm maior relevância. As RNA-polimerases são capazes de iniciar novas cadeias polinucleotídicas sem um iniciador, o que não ocorre com o DNA. Na fita-líder, apenas um iniciador é necessário para o início da replicação, pois uma vez que a forquilha de replicação esteja estabelecida, a DNA-polimerase é continuamente apresentada à extremidade da cadeia com o pareamento ao qual irá adicionar novos nucleotídeos. No lado descontínuo da forquilha, por outro lado, cada vez que a DNA-polimerase completa um pequeno fragmento de Okazaki, ela deve novamente iniciar a síntese de um fragmento completamente novo em um sítio mais adiante na fita-molde. A DNA-primase, enzima que utiliza ribonucleosídeos trifosfato para sintetizar pequenos iniciadores de RNA na fita retardada, permite maior dinamização desse processo. Como o iniciador de RNA contém um nucleotídeo corretamente pareado com um grupo 3’-OH em uma extremidade, ele pode ser estendido pela DNA-polimerase a partir desse ponto, iniciando um fragmento de Okazaki, cuja síntese termina quando a DNA-polimerase encontra o iniciador de RNA ligado à extremidade 5’ do fragmento anterior. Para produzir uma cadeia contínua de DNA a partir de vários fragmentos na fita retardada, um sistema especial de reparo atua rapidamente para retirar o iniciador de RNA e substituí-lo por DNA. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR A seguir, uma enzima chamada de DNA- ligase liga a extremidade 3’ do novo fragmento de DNA à extremidade 5’ do fragmento anterior, completando o processo. Esse processo, ainda que truncado, apresenta o melhor “custo-benefício” para a célula, uma vez que os iniciadores de RNA já marcam eventuais pontos incorretos como cópias suspeitas, passíveis de remoção. Para que a síntese de DNA ocorra, a dupla- hélice de DNA deve ser aberta (desnaturada) à frente da forquilha de replicação, permitindo o pareamento entre os nucleosídeos e fosfatos com a fita-molde. No entanto, essa estrutura é bastante estável sob condições normais, sendo necessárias temperaturas altas, quase 100ºC, para separar as fitas em testes. Por essa razão, duas proteínas de replicação adicionais, as DNA-helicases e as proteínas ligadoras de DNA de fita simples, são necessárias para promover a desnaturação da cadeia helicoidal e conseguinte acesso aos moldes usados pela polimerase. As DNA-helicases são impulsionadas pela fita simples de DNA por meio da hidrólise cíclica de ATP. Ao encontrar uma região de dupla-hélice, o deslocamento continua, dessa vez contando com a remoção das ligações entre os nucleosídeos. Esses tipos de enzimas podem estar presentes em ambos os sentidos da fita, embora seja mais prevalente a do tipo 5’-3’. As proteínas ligadoras de fita simples de DNA (SSB), também denominadas proteínas desestabilizadoras de hélices, ligam-se fortemente e de maneira cooperativa para expor fitas simples de DNA sem encobrir suas bases, que permanecem disponíveis como moldes. Essas proteínas são incapazes de abrir de forma direta uma longa hélice de DNA, mas auxiliam as helicases, estabilizando a conformação distorcida e de fita simples. Também, por meio de ligação cooperativa, elas cobrem e estendem as regiões de DNA de fita simples, que ocorrem a todo momento no molde da fita retardada, e evitam a formação de pequenos grampos (ligações entre uma mesma fita de DNA) que se formam rapidamente em estruturas de fita simples e podem afetar a síntese de DNA pela polimerase. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR Em sua maioria, as DNA-polimerases, por si só, sintetizam somente um pequeno segmento de nucleotídeos e logo se dissociam do DNA-molde. A tendência à rápida dissociação da molécula de DNA permite que essa enzima seja reciclada rapidamente e possa iniciar a síntese do próximo fragmento de Okazaki na mesma fita retardada. Essa rápida dissociação, no entanto, poderia dificultar a síntese de longas fitas de material genético, porém isso é remediado por meio de uma proteína auxiliar (chamada de PCNA) que atua como uma cinta deslizante. Essa cinta mantém a polimerase firmemente associada ao DNA enquanto está em movimento, mas a libera tão logo a polimerase encontre uma região de DNA de fita dupla. No molde da fita-líder, a DNA-polimerase em movimento está fortemente ligada à cinta, e as duas permanecem associadas por um longo tempo. A DNA-polimerase sobre o molde da fita retardada também utiliza a cinta, porém cada vez que a polimerase alcança a extremidade 5’ do fragmento de Okazaki anterior, ela será liberta da cinta e se dissociará do molde. Essa molécula de polimerase então se associa a uma nova cinta montada sobre o iniciador de RNA do próximo fragmento de Okazaki, reiniciando o processo. Mesmo que os mecanismos para replicação do DNA sejam vistos isoladamente, é necessário ressaltar que sua ação ocorre de forma simultânea, de forma análoga a uma máquina de costura, liderada pela DNA- helicase e prontamente seguida pela DNA- polimerase, iniciadores de RNA, SSB e pela cinta deslizante. Na fita retardada, a maquinaria de replicação de DNA abandona um grande número de fragmentos de Okazaki não ligados, que ainda contêm segmentos de RNA que iniciaram a síntese a partir das extremidades 5’. Esse material será removido, com o espaço por ele deixado sendo preenchido por material de reparo de DNA. Sendo observado o mecanismo básico para detecção e correção de erros, ainda é necessário saber qual fita de material genético alterar, diferenciando fita-molde e filha. Esse processo pode ser facilitado por meio da constatação de que a fita retardada de DNA recém-sintetizada contém quebras temporárias (ainda não unidas pela DNA- ligase), chamadas de quebras de fita- síntese, que fornecem o sinal que direciona o sistema de correção de mal pareamento à estrutura correta. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR EMARANHAMENTO DE DNA E DNA- TOPOISOMERASES: O deslocamento da forquilha de replicação ao longo da fita dupla de DNA dá origem ao “problema do enrolamento”, no qual as fitas parentais devem ser separadas e desenroladas para permitir a replicação, expondo seus nucleotídeos. Inicialmente, esse desenrolamento pode ser obtido pela rotação acelerada de todo o cromossomo à frente da forquilha em movimento, porém, isso promove prejuízo energético e causa supertorção do material. Esse último percalço pode ser mitigado pela ação de DNA-topoisomerases, enzimas de ação reversível que se ligam a fosfatos da cadeia principal de DNA, que será regenerada quando a proteína for liberada. Um tipo de topoisomerase, chamado de topoisomerase I, produz uma clivagem temporária na fita simples, permitindo que as duas porções da hélice de DNA, formadas dos dois lados da quebra, girem livremente uma em relação à outra, usando a ligação fosfodiéster na fita oposta à quebra como ponto de suporte. Um segundo tipo enzimático, a topoisomerase II, forma uma ligação covalente com ambas as fitas da hélice de DNA ao mesmo tempo, formando uma quebra de fita dupla temporária na hélice. Essas enzimas são ativadas em áreas nas quais duas duplas hélices foram cruzadas uma sobre a outra, como as produzidas por superespirais à frente de uma forquilha de replicação. Uma vez que a molécula de topoisomerase II liga-se a um desses sítios de cruzamento, a proteína utiliza a hidrólise do ATP para executar, de maneira eficiente, um conjunto de reações: clivagem reversível de uma dupla-hélice, criando uma “abertura” no DNA; passagem da segunda dupla-hélice, que está próxima, pela abertura; e religação da quebra e dissociação do DNA. Desta forma, as topoisomerases do tipo II podem aliviar a tensão do superenrolamento Júlia Figueirêdo– PROLIFERAÇÃO CELULAR formada à frente da forquilha. Seu mecanismo de reação também permite que as topoisomerases do tipo II separem dois círculos entrelaçados de DNA de maneira eficiente. INÍCIO E FINAL DA REPLICAÇÃO DO DNA EM CROMOSSOMOS: Para iniciar a replicação do DNA, a dupla- hélice deve primeiramente ser aberta e as duas fitas separadas de forma a expor as bases não pareadas. Esse processo é deflagrado por enzimas específicas, que rompem momentaneamente a estrutura helicoidal do material genético. As posições onde a hélice inicialmente é aberta são chamadas de origens de replicação. Essas áreas são mais propensas ao rompimento tanto pela maior avidez de ligação com proteínas específicas desse processo, como também pela presença de um maior número de ligações mais frágeis. Experimentos demonstram que entre 30 mil e 50 mil origens de replicação são utilizadas cada vez que uma célula humana se divide, porém o genoma humano possui muitas outras origens em potencial, e diferentes tipos celulares usam diferentes combinações de origens. Isso pode permitir que a célula coordene suas origens ativas com outras características de seus cromossomos como a expressão seletiva de seus genes. Esse excesso também fornece uma “reserva de segurança” caso a origem principal falhe. O término da forquilha de replicação se dá apenas quando elas chegam às extremidades cromossomais, validando a operação independente dessas estruturas, que podem gerar hélices-filhas completas. A REPLICAÇÃO DE DNA NO CICLO CELULAR: Durante o crescimento rápido, as bactérias replicam o seu DNA quase de forma contínua, o que não ocorre na maior parte das células de eucariotos, que apresentam período de crescimento limitado à fase S do ciclo celular. Ao término dessa etapa, cada cromossomo foi replicado e produziu duas cópias completas, que permanecem unidas pelo centrômero até a fase mitótica, a próxima do ciclo. A fase S normalmente dura cerca de 8 horas nas células de mamíferos, em oposição ao tempo médio de 1 hora gasto pela forquilha para realizar esse percurso. Isso sugere que as origens de replicação não são todas ativadas simultaneamente. A maioria das sequências de DNA que pode atuar como uma origem contém um sítio de ligação para uma grande proteína de iniciação com múltiplas subunidades chamada ORC, uma sequência de DNA rica em A e T (maior facilidade em desnaturar), ou pelo menos um Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR sítio de ligação para proteínas que facilitam a ligação do ORC, provavelmente pelo ajuste da estrutura da cromatina. A garantia de ativação única de cada origem no processo de replicação celular é garantida por meio da formação de complexo pré-replicativos, que inativam a origem até o término da fase mitótica atual A duplicação cromossômica necessita não apenas da replicação do DNA, mas também da síntese de novas proteínas cromossômicas e sua associação ao DNA atrás de cada forquilha de replicação. A célula necessita de uma enorme quantidade de novas proteínas histonas para formar os novos nucleossomos a cada ciclo celular. Por isso, a maioria dos organismos eucariotos possui múltiplas cópias dos genes para cada histona, criando um repertório de moléculas estáveis que perduram durante toda a vida da célula. A TELOMERASE E A ESTABILIZAÇÃO DAS EXTREMIDADES CROMOSSÔMICAS: Os telômeros representam a alternativa eucarionte ao “problema do final de replicação”, no qual a fita retardada não conseguiria ter seu iniciador final de RNA substituído por DNA, permitindo a perda de material genético a cada replicação. Nessas estruturas, uma sequência de bases é repetida constantemente (em humanos, GGGTTA), sendo reconhecidas por proteínas ligadoras que promovem a atração da enzima telomerase, responsável por repor tal segmento a cada replicação. A telomerase reconhece a extremidade de uma sequência telomérica de DNA existente e a estende na direção 5’-3’, fazendo uso de um molde de RNA que compõe a própria enzima para sintetizar novas cópias da repetição. A parte enzimática da telomerase age como uma transcriptase reversa, produzindo DNA a partir de uma cadeia de RNA. Após a extensão da fita de DNA parental pela telomerase, a replicação da fita retardada na extremidade cromossômica pode ser completada pelas enzimas DNA- polimerases convencionais usando essas extensões como molde para a síntese da fita complementar. Para evitar que o mecanismo de detecção de erros intrínseco às células conserte os telômeros, ocorre a exposição destes à uma nuclease que remove a extremidade 5’ dessa região, criando uma saliência que, junto à presença de repetições de nucleotídeos, forma o ambiente ideal de ação da shelterina, proteína que forma uma “tampa” ao redor do telômeros, escondendo-os dos detectores de lesões. Essa dinâmica é evidenciada pela presença de alças-t, “invaginações” teloméricas rumo à cadeia helicoidal de DNA, que agem como mais uma forma de proteção. As estruturas teloméricas também podem agir como marcadores da idade celular, uma vez que a diminuição de sua concentração no final dos cromossomos reflete o número de divisões já sofridas pelo composto. O Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR encurtamento dessas estruturas, no entanto, não é garantia do fim da atividade replicativa, o que pode causar a disseminação de cópias com material genético degradado. MECANISMOS DE REPARO E RECOMBINAÇÃO GÊNICA: REPARO DO DNA: A estabilidade genética de um organismo depende não só de sua capacidade de replicação celular, mas sim da possibilidade de corrigir prontamente as múltiplas variações acidentais que afetam o material genético. Grande parte desses fenômenos são temporários, pois são imediatamente retificados por uma série de processos conhecida de forma geral como “reparo do DNA”. A importância do reparo de DNA é evidenciada pelo grande investimento enzimático realizado por diversas células com esse fim, fato que justifica porque uma enorme porcentagem da capacidade codificadora dos genomas é dedicada exclusivamente às funções de correção. Além disso, esse mecanismo também evita a elevação exacerbada das taxas de mutação, garantindo maior estabilidade celular e, consequentemente, melhores chances de desenvolvimento corporal. Nota-se portanto, que a ausência da capacidade de reparo ou sua insuficiência pode ser a origem de diversas doenças. Mesmo que o DNA seja um material de elevada estabilidade (o que é esperado, dado seu papel de armazenador de informações genéticas), ainda é possível infligir-lhe alterações espontâneas em diversos segmentos dos nucleotídeos, que culminariam em mutações caso não fossem corrigidas a tempo. Essas retificações ocorrem a todo o tempo, com cada célula humana perdendo milhares de purinas (adenina e guanina) todos os dias devido à hidrólise das ligações N-glicosil à desoxirribose, reação espontânea denominada depurinação. De forma parecida, a desaminação espontânea de citosina para uracila no DNA acomete centenas de células diariamente. As bases do DNA também podem, ocasionalmente, ser danificadas por metabólitos reativos produzidos na própria célula, seja por formas reativas do oxigênio ou pela exposição a produtos químicos no ambiente, como a radiação ultravioleta solar, que é capaz de produzir uma ligação covalente entre duas pirimidinas adjacentes no DNA, formando dímeros de timina. Se não fosse esse processo de retificação e Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR estabilização constante do material genético, tais mutações causariam a deleção ou troca de pares de bases, impactando no sucesso da replicação celular e permitindo a propagação das mutações, com consequênciasinevitavelmente deletérias. A estrutura de dupla-hélice do DNA é fundamental para a potencialização das ferramentas de reparo, pois possui duas fitas isoladas capazes de codificar o material genético. Assim, quando uma das fitas é danificada, a complementar será utilizada para a restauração da sequência nucleotídica original. Nota-se a importância dessa conformação ao observar que em estruturas menos complexas, moldadas numa fita simples, como o RNA ou o DNA de vírus, a ocorrência de mutações é frequente, não sendo possível aplicar esses métodos de pronta correção, causando assim disseminação das incorreções para as demais gerações celulares. Existem múltiplas formas para reparar o DNA alterado, cada uma utilizando diferentes enzimas de ação específica para certas lesões. As células possuem múltiplas vias para o reparo do DNA, usando diferentes enzimas que atuam em diferentes tipos de lesões. Em ambas, o segmento alterado é removido, sendo a fita original restaurada por DNA-polimerases que usam como base o segmento não modificado, com o ponto de rompimento sendo remodelado pela DNA- ligase. A diferença entre esses processos se dá por meio da maneira pela qual o erro é apagado do DNA. A primeira via, denominada reparo por excisão de bases, conta com uma bateria de ao menos 6 enzimas denominadas DNA- glicosidases, cada uma apresentando especificidade para o reconhecimento de um tipo específico de base alterada no DNA (desaminação de Cs e As, diferentes tipos de bases alquiladas ou oxidadas, com anéis rompidos ou aquelas nas quais a ligação dupla entre carbonos foi acidentalmente convertida em uma ligação simples) e capacidade de catalisar sua remoção hidrolítica. A detecção da base acometida tem como ponto-chave a projeção do nucleotídeo para fora da hélice, mediado por uma enzima que permite que as glicosidases façam buscas por todos os lados da fita, observando a presença de segmentos alterados. Uma vez reconhecida a lesão, a enzima remove a base do açúcar, momento após o qual a DNA-polimerase insere o nucleotídeo adequado. O segmento “vazio” resultante da ação da glicosidases passa a ser reconhecido por uma enzima denominada endonuclease AP (apúrica ou apirimídica), capaz de segmentar a cadeia principal do DNA. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR A segunda rota principal para o conserto de sequências de DNA é chamada de reparo por excisão de nucleotídeos, podendo corrigir acometimentos causados por praticamente qualquer alteração volumosa na estrutura da dupla-hélice de DNA. Essas lesões incluem aquelas decorrentes da ligação covalente entre bases do DNA e os hidrocarbonetos (ex.: benzopireno, carcinógeno encontrado na fumaça do tabaco e na exaustão do diesel) e os vários dímeros de pirimidinas resultantes da exposição à luz do sol. Nessa via, um grande complexo multienzimático verifica o DNA em busca de disfunções na dupla-hélice, ao invés de filtrar por modificações pontuais em bases. Ao encontrar um ponto lesado, a cadeia fosfodiéster da fita anormal é segmentada nos dois lados da distorção, e a DNA-helicase remove o nucleotídeo causador do distúrbio. Da mesma forma que no processo anterior, o intervalo decorrente do apagamento é suprimido por meio da DNA-polimerase e DNA-ligase. Em casos de acometimentos altamente tóxicos ou mutagênicos, uma terceira opção pode ser empregada, a química reversa da lesão de DNA, que repete, na ordem inversa, os fenômenos desencadeadores da lesão inicial (ex.: se a lesão se deu pela inserção de um grupo metil na base, será usado o processo de demetilação como solução). O direcionamento do processo de reparação pode ser realizado de forma a priorizar áreas com maior necessidade de conserto ou cujos dados tenham maior importância. Esse procedimento é realizado pela inserção de RNA-polimerase, enzima responsável pela transcrição de DNA em RNA, à via de reparo por excisão de nucleotídeos. Essa enzima irá, em seu percurso pela fita, parar nos setores de lesão de DNA e, por meio de proteínas acopladoras, direciona a maquinaria de reparo a esses locais. Não e somente a conformação global do DNA que facilita a realização de retificações, como também a estrutura de suas bases, que permite a identificação de pontos que demandam reparos, uma vez que a substituição de apenas uma base nucleica pode afetar o resultado proteico final, graças ao mecanismo intrincado de formação de aminoácidos. Em casos nos quais os danos ao DNA forem extremamente extensos, as medidas supracitadas não irão funcionar, sendo necessário adotar estratégias mais incisivas, que podem acarretar risco à sobrevivência celular. Polimerases de reserva, versáteis, porém menos precisas (polimerases translesão) são empregadas para replicar durante a lesão do DNA, uma vez que as enzimas altamente específicas param seu percurso ao encontrar segmentos amplamente comprometidos. Existem sete polimerases translesão, algumas capazes de reconhecer um tipo específico de lesão no DNA e acrescentar o nucleotídeo necessário para restaurar a sequência inicial, e outras com ação por meio de “chutes” bem pensados, especialmente frente a grandes impactos nas bases do molde. Esses compostos não Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR possuem atividade de correção de leitura e são menos rígidos do que as polimerases replicativas na escolha do nucleotídeo a ser primariamente incorporado. Possivelmente por meio desse comportamento, tais polimerases conseguem apenas implantar poucos nucleotídeos antes que as enzimas específicas possam retomar sua atividade. Mesmo que úteis à reorganização de fitas muito lesionadas, o emprego de tais polimerases ainda é bastante arriscado para a célula, sendo que essas enzimas são possivelmente responsáveis pela maior parte das mutações acumulativas de substituição de bases e deleção de um único nucleotídeo no genoma. É importante que essas polimerases sejam fortemente reguladas pela célula, sendo liberadas somente nos sítios da lesão no DNA, evitando assim danos à fita original. Uma forma de comprometimento do DNA que é potencialmente nociva ocorre quando ambas as fitas da dupla hélice são rompidas, não havendo uma fita molde intacta para o reparo. Quebras desse tipo são causadas por radiação ionizante, erros na replicação, agentes oxidantes e alguns outros metabólitos celulares. Se não corrigidas, essas lesões rapidamente culminarão na degradação dos cromossomos e na perda de genes no processo mitótico. Dois mecanismos distintos, no entanto, foram desenvolvidos para reverter essa forma de lesão. O mais simples é a ligação de extremidades não homólogas, em que as extremidades dos fragmentos são justapostas e religadas, havendo (normalmente) a perda de nucleotídeos no sítio de contato. Essa solução rápida e pouco sofisticada é uma resposta comum dentre, pois mesmo que haja uma pequena mutação resultante da “colagem” do DNA, essa mudança é frequentemente insignificante, acometendo apenas genes não codificadores. Para além desse risco, a ligação de extremidades não homólogas apresenta um outro perigo, a possibilidade de associação entre cromossomos distantes no genoma original. Como resultado dessa dinâmica, os cromossomos podem apresentar alterações morfofuncionais, como a ausência ou o dobro do número de centrômeros, estruturas essas que serão segregadas incorretamente na divisão celular. É nesse contexto eu os telômeros, anteriormente mencionados, evitam que as extremidades cromossômicas sejam confundidas com quebras no DNA e “reparadas” dessa maneira. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR No DNA recém-sintetizado (fases S e G2) é possível observar outro modo de reparo de lesões defita dupla, no qual o conserto se dá por meio do uso da cromátide-irmã como molde de replicação, permitindo assim a ocorrência de uma recombinação homóloga. Para evitar que os erros no código genético sejam repassados para outras gerações celulares, um conjunto de enzimas impede que o ciclo celular ocorra até a conclusão do reparo. Assim, os bloqueios podem impedir a progressão da fase G1 para a fase S, retardar a fase S, quando já em curso, ou restringir a transição da fase G2 para a fase M. DETALHES EM RECOMBINAÇÃO HOMÓLOGA: Uma característica fundamental da recombinação homóloga, que também é conhecida como recombinação geral, é a troca de fitas do DNA entre um par de sequências duplex homólogas, ou seja, segmentos de dupla-hélice com sequências nucleotídicas semelhantes ou idênticas. Esse intercâmbio permite que um segmento da hélice de DNA atue como um molde para recuperar informações perdidas ou danificadas em um outro segmento. Nesse contexto, como a base para o reparo não está limitado à fita complementar da fita que contém a lesão, a recombinação homóloga pode corrigir inúmeros tipos de lesões no DNA. As quebras de fita dupla são decorrentes da exposição à radiação e a compostos reativos, porém, na maioria das vezes, são causadas por forquilhas de replicação quebradas ou “empacadas”, sem relação com causas externas. A recombinação homóloga corrige com precisão esses tipos de acidentes, e, como eles ocorrem em quase todas as rodadas de replicação do DNA, esse mecanismo é essencial para as células em proliferação, apresentando características comuns a todos os tipos celulares. O princípio da recombinação homóloga é que ela ocorre apenas entre hélices de DNA com longas áreas de sequências similares. Logo, evidencia-se que o pareamento de bases é responsável por esse requerimento, e os dois duplex de DNA que sofrem a recombinação “testam” suas sequências com a do outro pelo extensivo pareamento de bases entre as fitas simples. Esse resultado não precisa ser perfeito, mas deve ser o mais próximo possível de forma a compor a homologia. A renaturação do DNA ou hibridização, processo de recombinação de fitas simples para a formação a dupla hélice, ocorre quando uma colisão ao acaso justapõe sequências de nucleotídeos complementares em duas fitas simples complementares, possibilitando a formação de um pequeno segmento de dupla-hélice entre eles. Essa etapa é seguida por uma fase de pareamentos rápidos (“fechamento de um zíper”), à medida que a região de fita dupla é estendida, maximizando assim o número de interações entre as bases. Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR A dupla hélice resultante do processo de hibridização pode ser formada por fitas de duas moléculas distintas de DNA, desde que sejam complementares (ou o mais semelhantes possível). A hibridização pode produzir uma região de dupla-hélice de DNA formada por fitas originárias de duas moléculas de DNA diferentes, desde que sejam complementares (ou quase complementares), criando assim um heteroduplex. A ligação de extremidades não homólogas, por não contar com um molde de replicação, pode causar mutações nos pontos juncionais. Em contraste, a recombinação homóloga pode corrigir quebras de fita dupla com precisão sem qualquer perda ou alteração de nucleotídeos no local do reparo. Para que esse fenômeno ocorra, no entanto, é necessário que os filamentos de DNA estejam próximos uns dos outros, favorecendo o contato entre o ponto rompido e sua fita complementar. É por essa razão que a recombinação homóloga ocorre normalmente imediatamente depois da replicação a replicação, período no qual as duas moléculas-filhas de DNA estão bem próximas e uma pode atuar como molde para a correção Na via mais simples para a consolidação desse tipo de reparo, o duplex de DNA quebrado e o duplex-molde realizam uma “dança das fitas”, de forma que cada porção danificada utilize uma fita complementar do segmento intacto para o reparo. Primeiro, as extremidades do DNA lesado são retiradas por nucleases especializadas, produzindo uma extremidade de fita simples 3’. Em seguida ocorre a inversão (ou troca) das fitas, momento no qual uma das porções 3’ da fita quebrada se desloca até o molde e procura a sequência homóloga pelo pareamento de bases. Uma vez estabelecido o pareamento entre as bases, encerrando a troca das fitas, uma DNA-polimerase altamente precisa alonga a porção “invasora” usando a informação fornecida pela molécula-molde não danificada, corrigindo os danos ao DNA. As últimas etapas, representadas pelo deslocamento da fita, pela síntese adicional do reparo e, por fim, pela ligação, recuperam as duas hélices originais, finalizando assim o processe de reparo. A recombinação homóloga é semelhante a outras reações de reparo do DNA, no sentido que a DNA- polimerase utiliza um molde de pristina para restaurar o material genético corrompido. No entanto, ao invés de empregar a fita parceira complementar como molde, como na maioria das outras modalidades de conserto, a recombinação homóloga utiliza um duplex separado. Duas proteínas foram identificadas como as responsáveis pelo processo de detecção da homologia, a RecA, mais prevalente em bactérias, como a E. coli, e a Rad51, que é encontrada em praticamente todos os eucariontes. Para catalisar a troca de fitas, a Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR RecA inicialmente se liga de forma cooperativa à fita simples invasora, formando um filamento que força o DNA em uma conformação não comum, com grupos de três nucleotídeos consecutivos mantidos unidos de forma como na dupla-hélice convencional, porém com segmentos estendidos e distorcidos entre essas tríades. A seguir, essa estrutura de proteína-DNA liga-se ao duplex molde e estende a dupla- hélice, que se desestabiliza, facilitando a separação das fitas. Assim, a fita-simples invasora consegue determinar a sequência do duplex por meio do pareamento convencional, aferindo 3 nucleotídeos por vez: caso os três sejam adequadamente encaixados em seus pares, o segmento seguinte será avaliado, e assim por diante. Assim, todas as possíveis incorreções da complementação de bases rapidamente são dissociadas, permitindo que apenas um segmento mais extenso de pareamento de bases (com pelo menos 15 nucleotídeos) estabilize a fita em conserto. A ação da proteína identificadora depende da sua ligação ao ATP ao formar um filamento. Em si, a busca pelo pareamento adequado de bases não demanda energia, ocorrendo por um simples processo de choque entre moléculas. Essa moeda energética será, portanto, utilizada no processo de desmonte da RecA do filamento de DNA, que será totalmente recomposto por meio do auxílio da DNA-polimerase e da DNA-ligase. Além da reparação direta de segmentos danificados de DNA, a recombinação homóloga também tem como uma de suas importantes atribuições a recuperação de forquilhas de replicação quebradas ou estacionárias. Quando a forquilha encontra alguma forma de lesão (lacunas na dupla hélice ou ruptura de fita simples, por exemplo), ela é danificada, resultando em um cromossomo-filho intacto e um quebrado. O mesmo mecanismo anteriormente citado para a recuperação da dupla hélice pode ser usado como forma de resgatar tais estruturas. Embora a recombinação homóloga resolva o problema de reparo de quebras na fita dupla ou de desgastes na forquilha, ela apresenta alguns possíveis problemas para a célula, pois às vezes ela reverte a lesão usando um segmento errado do genoma como molde. Isso pode, por exemplo, culminar na perda de heterozigose, quando a reposição é feita Júlia Figueirêdo – PROLIFERAÇÃO CELULAR trocando uma sequência cromossômica
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