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MANUAL DE EXAME GINECOLÓGICO DA VACA Autores: Ariane Cláudia Alves da Silva1, Lucio Pereira Rauber2, Elizandra Rejane Rex1, João Luís dos Santos1, Carla Alexandra Nicolao1, Lucas Dalle Laste Dacampo1, Bruna Kubiak Duarte1. Identificação dos autores: 1Acadêmico do curso de Medicina Veterinária do IFC – campus Concórdia; 2 Orientador professor do curso de Medicina Veterinária do IFC – campus Concórdia. RESUMO O exame ginecológico é essencial para o manejo reprodutivo na bovinocultura. O aprendizado do exame ginecológico faz parte das disciplinas profissionalizantes do curso de Medicina Veterinária, e a elaboração de um manual visa repassar as informações necessárias para realizar o exame de forma correta. Este manual revisa passo a passo da palpação retal e vaginoscopia, assim como características de cada órgão do sistema reprodutor para aprimorar a sua identificação e avaliação, incluindo suas codificações que irão facilitar as anotações durante o exame e para posteriores registros. Baseado nos principais autores com referenciais em avaliação ginecológica de fêmeas bovinas, e voltadas principalmente para o corpo discente do curso de Medicina Veterinária do Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia, esta revisão deve auxiliar em aula e facilitar a compreensão do exame ginecológico. INTRODUÇÃO Junto com a nutrição e a sanidade, a reprodução é ponto chave para manter a cadeia produtiva. Conhecer a anatomia e fisiologia do trato reprodutivo da fêmea bovina é fundamental para compreender a semiologia, patologia e aplicação de biotécnicas da reprodução. O exame ginecológico é um exame clínico específico e complementar. Por tanto, devemos começar com levantamento do histórico do rebanho, que inclui verificar a idade média dos animais, resultados das últimas gestações, comportamento e tempo do ciclo estral, coberturas ou inseminações anteriores, eventuais tratamentos que tenham sido utilizados, que tipo de manejo nutricional adotado, além de informações sobre o ambiente e tipo de manejo ao qual os animais estão condicionados (Grunert, 1993). O exame ginecológico consiste basicamente em avaliarmos a história reprodutiva da fêmea, palpação retal uterina e ovariana, podendo ser complementada com a ultrassonografia e vaginoscopia (Grunert; Gregory, 1984; Van Camp et al., 1992; Pimentel, 1998). As recomendações, para rebanhos leiteiros, é que o exame ginecológico deva ser realizado entre 20 e 30 dias pós-parto e repeti-lo antes de liberar a vaca para inseminação, entre 45 e 60 dias pós-parto. Em casos de infecções uterinas ou de infertilidade, os exames devem ser acompanhados com maior frequência. Posteriormente, recomendamos o diagnóstico de gestação entre 45 e 60 dias após a inseminação. Para vacas de corte recomendamos o exame antes da estação reprodutiva e o diagnóstico de gestação. Antes da aplicação de biotécnicas reprodutivas, todos animais também devem ser examinados a fim de verificar a ciclicidade e a saúde reprodutiva. Manual de exame ginecológico Anatomia: Antes de iniciarmos os passos do exame ginecológico, precisamos estar cientes da formação anatômica do sistema reprodutor das fêmeas bovinas. Palpação Retal: O processo de palpação retal deve ser realizado delicadamente, evitando qualquer tipo de ferimento tanto na entrada do reto quanto na porção retal como um todo. É a principal forma utilizada para identificar as estruturas internas do sistema reprodutor de fêmeas. Realizada com os seguintes passos: Devemos utilizar luvas para palpação retal, apropriadas para tal função. É delicado, para evitar ferimentos no animal, inverter a luva de forma que a porção cortante da emenda fique em contato com a pele do braço que é menos sensível. Preferencialmente, a luva deve ser calçada na mão não utilizada para escrita; A lubrificação da luva deve ser realizada preferencialmente com gel de carboximetilcelulose, ou outros lubrificantes igualmente eficientes; Após a contenção correta do animal e o palpador estar devidamente 94 paramentado, podendo utilizar um avental se achar necessário, podemos iniciar a 95 palpação. Importante ressaltar que as unhas do palpador devem estar curtas, sem 96 adereços como relógio e anéis para evitar ferimentos; A introdução na porção retal deve ser feita com a mão em forma de cunha ou em partes, colocando primeiramente um dedo, depois dois, três e assim em adiante até introduzir a mão inteira; A ampola retal deve ser esvaziada para facilitar a identificação das estruturas, para isso devem ser realizados movimentos suaves de “vai e volta” com a mão em formato de concha, puxando o conteúdo até o esfíncter sem retirar a mão totalmente para evitar a entrada de ar, os movimentos devem ser repetidos até esvaziar a porção. Geralmente as ondas peristálticas auxiliam neste processo; Quando a porção retal estiver esvaziada podemos começar a identificação das estruturas do sistema reprodutor. Como o trato reprodutor não é fixo, não há uma localização exata, podendo ser encontrado na cavidade pélvica ou caindo para a abdominal. Dentre as estrutura, a mais facilmente palpável é a cérvix pois sua consistência não se altera durante as fases do ciclo estral ou anestro; Para facilitar a palpação da mesma colocamos o dedo polegar no assoalho da pelve e giramos delicadamente os restantes dos dedos até encontrar a estrutura, que normalmente tem uma consistência mais firme e podemos sentir os seus anéis pela parte externa. Em novilhas essa estrutura é menor. Se houver dificuldade, insira a mão mais profundamente e em com um movimento na direção caudal traga as estruturas para a cavidade pélvica e repita o procedimento; Seguindo cranialmente logo iremos palpar o pequeno corpo uterino e os cornos uterinos, seguindo pelo corno direito encontramos o ovário direito e pela esquerda o ovário esquerdo. Essas são as estruturas que deveram ser palpadas, avaliadas e descritas conforme a metodologia. Avaliação e Descrição: Cérvix: Normalmente encontrada no assoalho da pelve, próxima a crista púbica, em novilhas é uma estrutura pequena, já em vacas pode ter de 7 a 10 centímetros de comprimento e de 2 a 7 centímetros de espessura, sendo móvel em todos os sentidos. Alterações patológicas podem levar ao aumento e até a inexistência dessa porção, levando em consideração outros sinais clínicos observados. Não possui códigos específicos para descrever essa porção, mas é de extrema importância a sua avaliação, anotando tortuosidades, fibroses, entre outras alterações. Corpo do Útero e Cornos Uterinos: O útero possui o corpo, com cerca de 5 centímetros de comprimento, podendo diferenciar conforme a idade, e os cornos uterinos. Em animais jovens o útero repousa próximo a crista púbica tanto na cavidade pélvica quanto na abdominal, em vacas mais velhas pode estar deslocado ventralmente na cavidade abdominal e repousando contra a parede abdominal direita. Úteros gravídicos e com alterações de conteúdo tentem a estar posicionados na cavidade abdominal. Ao palpar o útero avaliamos grossura, simetria, consistência e contratilidade, usando os seguintes códigos e denominações: Grossura: avaliamos a grossura dos cornos uterinos em relação a grossura dos nossos dedos, quando esses não ultrapassam essas medidas. Para tanto posicionamos a mão sobre a curvatura dos cornos uterinos, identificando a bifurcação e comparando a grossura de um corno de cada vez. Lembramos que essa medida é relativa, pois cada pessoa possui uma medida diferente de dedos. Dentre os principais fatores afetando a grossura dos cornos uterinos estão a idade, tamanho do animal, número de gestações, patologias e presença de conteúdo. Medimos cada corno e codificamos então: Tabela 1: Siglas e significados utilizados para grossura uterina. SIGLA SIGNIFICADO G I Grossura de um dedo G II Grossura de dois dedos GIII Grossura de três dedos G IV Grossura de quatro dedos Caso ultrapasse essas medidas procuramosuma melhor maneira de descrever a situação, podendo utilizar palmos se necessário. Simetria: baseada na comparação da grossura dos cornos uterinos, a simetria é de extrema importância pois úteros normais apresentam-se simétricos, quando essa não é identificada devemos anotá-la da seguinte maneira: Tabela 2: Siglas e significado utilizados para simetria uterina. SIGLA SIGNIFICADO S Ambos os cornos do mesmo tamanho As Assimetria entre os cornos +As Assimetria leve no corno esquerdo As++ Assimetria moderada no corno direito +++As Assimetria grave no corno esquerdo Podemos observar como é identificado o lado da assimetria com o posicionamento das cruzes, no corno direito no lado direito e no corno esquerdo no lado esquerdo. Consistência ou Contratilidade: importante indicador da fase do ciclo estral que a fêmea está, obtido através da palpação e de leves apertos na estrutura, codificado da seguinte maneira: Tabela 3: Siglas e significados para consistência e contratilidade uterina. SIGLA SIGNIFICADO C I Útero macio e flácido C II Útero de contratilidade moderada, intermediário CIII Útero contraído e firme Quando flácido indica que que o animal está na fase progesterônica (ou anestro), quando intermediário indica um útero em condições normais e contraído indica útero na fase estrogênica (cio). Devemos ainda descrever se possui mais alguma alteração encontrada, como possível conteúdo, flutuação ou crepitação no órgão. Ovidutos e Ovários: Os ovidutos se tornam palpáveis facilmente apenas quando possuem alguma alteração, quando normais não são uma porção comumente palpável, pois possuem um diâmetro de 2 milímetros e são macios. Os ovários são localizados a cerca de um palmo da linha média ou do assoalho da pelve em novilhas e de dois a cinco dedos a frente da crista púbica ou no mesmo nível da crista ou abaixo dela em vacas adultas. Podem estar deslocados devido a dilatação uterina. São facilmente encontrados contornando os cornos uterinos até a sua porção final. O ovário esquerdo pode estar localizado mais abaixo do corno uterino. Além de analisar os ovários, é necessária a avaliação das estruturas funcionais que podem estar em sua superfície como: folículos, corpo lúteo, corpo hemorrágico e cistos. Os folículos normalmente são mais “escorregadios”, o corpo lúteo possui uma estrutura maior e é macio e aparente quando novo (5 a 9 dias) e mais firme e internalizado quando velho (> 10 dias), ficando mais discreto à palpação. Geralmente, o ovário que apresenta o corpo lúteo é maior. O tamanho do ovário varia com as estruturas que apresenta e quantidade. Tamanho do ovário: é codificado individualmente, são posicionados entre os dedos em direção à palma da mão e sua superfície investigada pela exploração com as pontas dos dedos. Tabela 4: Siglas e significados para tamanho ovariano. SIGLA TAMANHO E Ervilha Fe Feijão branco A Avelã, 1 a 1,5 centímetros C Cereja, 2 centímetros No Noz, 3 centímetros Po Ovo de pomba, 4 centímetros Og Ovo de galinha, 6 a 7 centímetros Oz Ovo de ganso, 7 a 8 centímetros P Punho, 10 cm Mais importante que a própria nomenclatura, é a ideia do tamanho do ovário e o que isto representa no contexto do exame ginecológico. Estruturas encontradas do tamanho de ovo de galinha, ovo de ganso ou maiores indicam possivelmente ovários com cistos e neoplasias. Ovários pequenos ou chatos indicam falhas de desenvolvimento ou aciclicidade. A ilustração do ovário é feita através de um circulo, colocando ao seu lado a letra que indica seu tamanho. Os tamanhos mais encontrados em bovinos é a avelã, noz e o ovo de pomba. Consistência dos Folículos: é verificada após identificar um folículo na superfície do ovário, é ilustrado por um contorno de um circulo aberto onde internamente é utilizado um dos números abaixo: Tabela 5: Siglas e significados para consistência folicular. SIGLA CONSISTÊNCIA 1 Firme e tensa, sem flutuação 2 Flutuação tensa 3 Flutuação nítida 4 Flutuação intensa, indicando um folículo maduro 5 Plástica, flácida e macia, indicando ruptura do folículo Quando encontrado um corpo lúteo o mesmo pode ser identificado por um circulo preenchido e quando a estrutura for um corpo hemorrágico representamos por um triangulo. O corpo hemorrágico é o corpo lúteo degenerado. Estas estruturas devem ser colocadas conforme sua localização original no circulo representativo do ovário. Vaginoscopia: Por ser um exame complementar, devemos realizar a vaginoscopia sempre após a palpação retal. Para realizarmos vamos utilizar um espéculo tubular apropriado para fêmeas bovinas, com tamanho aproximadamente 40cm de comprimento e 3cm de diâmetro, um bisel de 45º e bordas não cortantes, solução desinfetante, lenços de papel, para realizar a limpeza da região vulvar, lanterna para facilitar a visualização através do espéculo. Devemos seguir os seguintes passo para o sucesso na realização do exame: 1. Higienizar o espéculo com desinfetante eficiente conforme o tempo recomendado do produto, lembrando que quando o exame for realizado em mais de um animal precisaremos de mais de um espéculo preparado, pois o intervalo de desinfecção deverá ser respeitado para evitar transmissão de doenças entre as fêmeas. Se for utilizar a flambagem para esterilizar, devemos resfriar o espéculo antes do uso; 2. Com o animal devidamente contido realizamos a limpeza da região vulvar com lenços de papel, a lavagem com água não é recomendada, pois pode levar a introdução do líquido da lavagem para a vagina, mas não deve ser descartada quando o animal estiver muito sujo. Deve ser perfeitamente limpo, inclusive internamente na entrada da vagina, pois será por onde o especulo passará, assim evitaremos carrear sujidades para dentro do canal vaginal; 3. O espéculo deve estar lubrificado com água destilada ou solução fisiológica quando for flambado ou vier esterilizado em calor seco. Quando utilizada soluções desinfetantes, a própria solução irá lubrificá-lo, os lábios vulvares devem ser separados e o bisel do espéculo paralelo aos lábios vulvares, posteriormente gira-se o espéculo 90º introduzindo o mesmo em direção dorsal até passar o meato urinário e após no sentido cranial até o fundo da vagina. A introdução deve ser realizada com cuidado evitando qualquer utilização de força; 4.Com auxílio de uma fonte luminosa vamos observar o fundo da vagina e o fórnix, que é a porção da cérvix inserida na cavidade vaginal. Os aspectos avaliados estão descritos nas tabelas que seguem. Tabela 6: Siglas e significados para formatos da entrada da cérvix. SIGLA FORMATO C Cônico E Espalhado R Roseta P Frouxo, flácido e pendente ou pendurada Tabela 7: Siglas e significados para grau de abertura do canal cervical. SIGLA ABERTURA 0 Fechado 1 Palha (palha de trigo) 2 Lápis 3 Um dedo 4 Dois dedos 5 Três dedos Tabela 8: Siglas e significados para cor da mucosa vaginal e da cérvix. SIGLA COLORAÇÃO A Pálida B Rosa pálida C Hiperêmica, indicativo de estro ou patologia suave D Vermelho patológico pronunciado E Vermelho escuro muito pronunciado, quando o vermelho está restrito a porção de dobras ou ao primeiro anel espiral da cérvix acrescentar a letra “p” a classificação Tabela 9: Siglas e significados para grau de umidade da mucosa da vagina e da cérvix. SIGLA UMIDADE I Seca pegajosa II Levemente úmida III Umidade moderada IV Muito úmida V Acúmulo de líquido na vagina, utilizamos as seguintes letras complementares para indicar o tipo de líquido: m – muco; as – sangue; m/p - mucupurulento Outras anormalidades encontradas devem ser anotadas, incluindo qualquer tipo de ferimentos, tumores, cistos ou outros achados. CONSIDERAÇÕES FINAIS O exame ginecológico é fundamental para o controle reprodutivo do rebanho. Registrar os resultados das avaliações é importante para manter um histórico dos animais, e saber interpretar estes resultados auxilia na tomada de decisões.REFERÊNCIAS BUSH W. ; WABERSKI D. Kunstliche Besamung bei Haus-und Nutztieren. Alemanha: Stuttgart, 271 2007. GRUNERT, E.; BIRGEL, E. H. Obstetrícia Veterinária. Porto Alegre:Sulina, 1982. GRUNERT, E.; GREGORY, R.M. Diagnóstico e terapêutica da infertilidade na vaca. Porto Alegre: Sulina, 1984. PIMENTEL, C. A. Infertilidade em bovinos. In: CORREA, F . R.; SCHILD, A. L.; SENGER, P. L. Pathways to Pregnancy and Parturition. 2ª ed. Washington: Current Conceptions, Inc., 2003. 289
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