Prévia do material em texto
Carolina Lucchesi | Medicina UNIT Doença Pulmonar Intersticial (DPI) As DPIs compreendem diversos transtornos pulmonares agudos e crônicos com graus variáveis de fibrose pulmonar (Tabela 92-1). O termo intersticial na sigla DPI, comumente usada, é impróprio porque os processos fisiopatológicos não são restritos ao interstício, que é o espaço microscópico limitado pelas membranas basais das células epiteliais e endoteliais. A abordagem clássica é dividir as DPIs entre aquelas com causas conhecidas e desconhecidas: Causas conhecidas: incluem exposições ocupacionais (p. ex., asbestose), medicamentos (p. ex., nitrofurantoína) e aquelas relacionadas com doença sistêmica subjacente (p. ex., pneumonia em organização criptogênica [POC] em casos de polimiosite). Causas desconhecidas de DPI: incluem grupos de distúrbios raros muitas vezes com apresentações clássicas (p. ex., pneumotórax espontâneo em mulher jovem com alterações císticas difusas em TC de tórax pode sugerir linfangioleiomiomatose [LAM]) e o grupo mais comum de DPI, as pneumonias intersticiais idiopáticas (PII). Biopatologia As DPIs são consideradas o resultado de uma lesão tecidual desconhecida e tentativa de reparo do pulmão em uma pessoa geneticamente predisposta. Variantes genéticas nos componentes do gene da proteína surfactante e do gene da telomerase hTERT ou hTR têm sido associadas a um subconjunto de fibroses pulmonares familiares e a alguns casos esporádicos. 2 Um polimorfismo do promotor MUC5B está associado à pneumonia intersticial familiar e à fibrose pulmonar idiopática Na fibrose pulmonar idiopática, vários graus de fibroproliferação aguda, subaguda e crônica estão presentes nos pulmões no momento do diagnóstico. Em última análise, a fibrose progressiva resultará em faveolamento, um achado terminal que frequentemente é associado a resistência vascular pulmonar aumentada e hipertensão pulmonar secundária. Como reflexo desses processos dinâmicos, o exame histopatológico do tecido pulmonar Manifestações Clínicas Dispneia progressiva Tosse não produtiva Fadiga Dor torácica pleurítica: DPis relacionadas a doenças do tecido conjuntivo ou induzidas por medicamentos Dor torácica pleurítica aguda com dispneia: pneumotórax espontâneo Dor pleurítica aguda + dispneia+ linfangioleiomatose: esclerose tuberosa A hemoptise sugere síndrome hemorrágica alveolar difusa, lúpus eritematoso sistêmico (LES). Em pacientes com DPI preexistente, novos episódios de hemoptise devem levar em consideração neoplasia sobreposta, embolia pulmonar ou infecção como aspergilose. Em alguns pacientes, o primeiro e único indício da presença de DPIs pode ser o achado de estertores grosseiros (crepitantes) à ausculta dos pulmões. Essas crepitações grosseiras devem ser distinguidas dos estertores mais finos típicos da insuficiência cardíaca (Cap. 58) ou do edema pulmonar não cardiogênico **Sibilos não são comuns Em alguns pacientes, a apresentação inicial pode ser com cianose periférica, baqueteamento digital ou sinais e sintomas de uma doença sistêmica subjacente Abordagem diagnóstica a FPI ocorre mais comumente em pacientes com Idade. idade > 60 anos e é muito rara em pacientes < 50 anos A LAM (e a esclerose tuberosa relacionada) é Sexo. um distúrbio frequentemente diagnosticado em mulheres jovens. Muitas DPIs associadas a DTC são mais comuns em mulheres, com a exceção da DPI associada a AR, que é mais comum em homens. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595150706/epub/OEBPS/Text/B9788535284904000925.xhtml?favre=brett#bib90435 Carolina Lucchesi | Medicina UNIT As apresentações agudas de Duração dos sintomas. DPI (dias a semanas) são incomuns e são comumente diagnosticadas de forma errada como doenças mais comuns, como pneumonia, exacerbação de DPOC ou insuficiência cardíaca. As DPIs mais comumente têm apresentação crônica indolente (meses a anos), como no exemplo da FPI. Dispneia progressiva, mais Sintomas Respiratórios. frequentemente observada com esforços, é a queixa mais comum em pacientes com DPI (existe paciente com doença mais extensa, podem não relatar dispneia). Tosse, particularmente tosse seca, também é comum. A tosse costuma ser relatada em outras DPIs, particularmente naquelas com envolvimento proeminente das vias aéreas, incluindo sarcoidose e PH. **Fadiga é comum em todas as DPIs A história mais pertinente Historia clínica Pregressa. inclui uma história pessoal de DTC ou de sintomas comumente associados a DTC (p. ex., fenômeno de Raynaud). Uma história de asma e rinite alérgica pode sugerir um diagnóstico de GPA eosinofílica. Metotrexato, azatioprina, rituximabe e Medicamentos. agentes bloqueadores do fator de necrose tumoral α. Também é reconhecido que medicamentos específicos em muitas classes causam DPI, incluindo antibióticos (p. ex., nitrofurantoína), antiarrítmicos (p. ex., amiodarona) e muitos agentes antineoplásicos (p. ex., bleomicina). . Uma história de tabagismo está quase Histórico social sempre presente em algumas formas de DPI Exame Físico Os estertores finos no final da expiração, ou crepitantes, observados nas bases pulmonares são encontrados na maioria dos pacientes com FPI e podem ser um dos primeiros sinais da doença. Os sinais de doença avançada incluem cianose, baqueteamento digital e cor pulmonale. Provas de função pulmonar A maioria das formas de DPI acabará resultando em um déficit restritivo nas provas de função pulmonar. O déficit restritivo se caracteriza por redução da capacidade pulmonar total (CPT) e medidas simetricamente reduzidas de volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1) e capacidade vital forçada (CVF) Estudos de Imagem do Tórax O aumento de linfonodos hilares Radiografia do tórax. e um padrão de opacidades nodulares centrais em campos pulmonares médios e superiores podem sugerir sarcoidose. Um padrão reticular basal, com pequenos espaços císticos, na ausência de evidências clínicas de insuficiência cardíaca, pode sugerir FPI. TC do Tórax. A TC de tórax de alta resolução (TCAR) é atualmente considerada como o padrão na avaliação inicial de um paciente com suspeita de DPI. A TCAR também ajuda a definir a extensão da DPI e a presença de características mais preocupantes sugestivas de doença avançada (p. ex., faveolamento), pode oferecer informações sobre doenças coexistentes (p. ex., enfisema e câncer de pulmão) e, quando não confirma o diagnóstico, pode ajudar a definir o local mais útil para a obtenção de amostras de biópsia pulmonar. Tratamento Quando a causa da DPI é claramente conhecida (p. ex., pneumonite por hipersensibilidade aguda ou subaguda, DPI ocupacional, iatrogênica), é essencial o afastamento do agente ou agentes causadores A suplementação de oxigênio de suporte é ditada pelas necessidades clínicas. Para pacientes selecionados com DPIs terminais, como as associadas à fibrose pulmonar importante e hipertensão pulmonar, o transplante pulmonar Fibrose Pulmonar Idiopática A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é uma doença rara, crônica e com risco de vida que se manifesta ao longo de vários anos e é caracterizada por formação de tecido cicatricial nos pulmões e dispneia progressiva. É a forma mais comum de doença pulmonar intersticial entre as pneumonias intersticiais idiopáticas, que compartilham as características clínicas de dispneia, infiltrados pulmonares difusos em exames de imagem e graus variados de inflamação, fibrose ou ambos na biópsia pulmonar. Carolina Lucchesi | Medicina UNIT Epidemiologia Aproximadamente dois terços dos pacientes com FPI têm mais de 60 anos de idade no momento da apresentação, com uma idade média no diagnóstico entre 60 e 70 anos. A FPI é mais comum entre homens que entre mulheres. Estima-seque o tempo mediano de sobrevida de FPI é 2 a 5 anos a partir do diagnóstico. Um subgrupo de pacientes com FPI tem uma forma familiar da doença chamada fibrose pulmonar familiar (FPF). Essa condição não pode ser diferenciada da forma esporádica, mas afeta pacientes mais jovens (idade média no diagnóstico de 55 a 60 anos. No entanto, dois estudos europeus estimaram que ela é responsável por 0.5% a 3.7% dos casos de FPI. Fatores de Risco História familiar positiva Tabagismo idade avançada sexo masculino. Etiologia A causa de fibrose pulmonar intersticial (FPI) é desconhecida. Uma possível teoria é que um irritante não identificado danifica o epitélio, o endotélio e a membrana basal alveolares. Tabagismo, poeira orgânica ou metálica, doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), diabetes e infecção têm sido associados à FPI; Acredita-se que a inalação de pequenas partículas orgânicas ou inorgânicas induz lesões, que, por sua vez, dão início à cascata de eventos que acabam causando FPI em algumas pessoas. Existem evidências de que uma história de refluxo gastroesofágico pode predispor ao desenvolvimento de FPI, supostamente pela lesão induzida por aspiração de ácido. Fisiopatologia Independentemente do fator de risco desencadeante real, a lesão resultante desencadeia uma resposta pró- fibrótica e pró-inflamatória que inclui um influxo de macrófagos, fibroblastos e outras células inflamatórias. Por motivos que não estão claros, existe uma desregulação do processo normal de reparo do tecido. A atividade fibroblástica e miofibroblástica persiste, resultando em formação de focos fibroblásticos, que são uma marca patológica da doença, depósito contínuo de proteínas da matriz extracelular (MEC) e fibrose progressiva. O padrão de lesão é heterogêneo e, no momento da biópsia, focos fibroblásticos podem ser encontrados em vários estágios de desenvolvimento próximos ao parênquima alveolado normal. Essa heterogeneidade sugere que a FPI pode, por fim, ser causada por lesões repetidas com resposta anormal associada a cada lesão. A atividade aprimorada e desregulada de fibroblastos e miofibroblastos em FPI resulta em destruição alveolar, infiltração do espaço intersticial com fibrose e distorção arquitetônica do parênquima pulmonar. Essas alterações patológicas causam as marcas clínicas da doença, que incluem dispneia progressiva e hipoxemia, um padrão de restrição e difusão comprometida no teste de função pulmonar, e achados radiográficos (incluindo faveolamento e bronquiectasia de tração). Manifestações Clínicas Dispneia gradualmente progressiva ao esforço Tosse não produtiva Perda de peso Mal estar Fadiga Os sintomas são insidiosos no início, e incluem tosse e dispneia ao esforço. Em geral, a dispneia é o sintoma mais proeminente e debilitante.[1] Ela é progressiva e pode estar presente por mais de 6 meses antes da manifestação. A dispneia tipicamente não é episódica, mas reproduzível com o mesmo nível de esforço físico. Diagnóstico Exame Físico No exame pulmonar, estertores bibasilares tipicamente são demonstrados. Em termos de qualidade, eles são geralmente "secos" e em "Velcro". É possível encontrar estertores inspiratórios bibasilares sem sinais ou sintomas de insuficiência cardíaca congestiva Teste de Função Pulmonar Carolina Lucchesi | Medicina UNIT Demonstrará reduções na capacidade de difusão e, normalmente, restrição concomitante (por exemplo, capacidade vital forçada reduzida, capacidade pulmonar total reduzida). Exames diagnóstico Critérios diagnósticos Critérios de diagnóstico da American Thoracic Society (ATS), da European Respiratory Society (ERS), da Japanese Respiratory Society (JRS) e da Latin American Thoracic Association (ALAT) Os critérios prévios para diagnóstico de fibrose pulmonar intersticial (FPI) na ausência de biópsia pulmonar cirúrgica, que envolvem critérios primários e secundários, foram abandonados. Os novos critérios de diagnóstico são os seguintes: • Exclusão de outras causas conhecidas de doença pulmonar intersticial (por exemplo, exposições ambientais domésticas e ocupacionais, doença do tecido conjuntivo e toxicidade medicamentosa) • A presença de um padrão de pneumonite intersticial usual (PIU) na tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) em pacientes não submetidos à biópsia pulmonar cirúrgica • Combinações específicas de TCAR e padrão de biópsia pulmonar cirúrgica em pacientes submetidos à biópsia pulmonar cirúrgica. Uma abordagem diagnóstica multidisciplinar, que envolve pneumonologistas, radiologistas e patologistas, é de extrema importância para definir um diagnóstico preciso. Critérios diagnósticos definidos em diretrizes recentes incluem a exclusão de potenciais causas de pneumopatias intersticiais e a definição de padrão morfológico de pneumonia intersticial usual (PIU) na TCAR ou em combinações específicas de padrões na TCAR e biópsia cirúrgica. Padrões da pneumonite intersticial usual (PIU) : padrão PIU típico (biópsia cirúrgica não recomendada), padrão PIU possível e padrão Carolina Lucchesi | Medicina UNIT inconsistente com PIU (esses últimos requerendo correlações histopatológicas por biópsia cirúrgica). O padrão PIU típico apresenta Padrão PIU Típico. opacidades reticulares de predomínio periférico e basal, associado a faveolamento, estando presentes ou não bronquiolectasias de tração. Havendo preenchimento de todos esses critérios, os achados são considerados patognomônicos para PIU, dispensando a correlação com a biópsia cirúrgica. . O padrão PIU possível apresenta Padrão PIU Possível opacidades reticulares de predomínio periférico e basal, sem faveolamento ou alterações descritas no padrão inconsistente com PIU. O principal diagnóstico diferencial a ser considerado é a pneumonia intersticial não específica (PINE) fibrótica. Padrão inconsistente com PIU. Dentre as características desse padrão, temos: a) doença de distribuição longitudinal nos campos pulmonares médios e superiores; b) predomínio peribroncovascular das alterações no eixo axial ; c) padrão em vidro fosco desproporcional (maior extensão que as opacidades reticulares); d) micronódulos esparsos, bilaterais, predominando em campos pulmonares superiores; e)cistos (múltiplos, bilaterais, dissociados das áreas de fibrose); f) padrão de perfusão em mosaico/aprisionamento aéreo, bilateral, em mais de três lobos; e g) consolidações. Os achados descritos nesse padrão devem suscitar a busca por diagnóstico diferencial **As imagens devem ser adquiridas em inspiração plena Tratamento primário Embora ainda não haja um fármaco com capacidade curativa da FPI, as presentes diretrizes sugerem que nintedanibe e pirfenidona sejam considerados para o tratamento da doença (recomendação condicional). As evidências indicam que tais agentes antifibróticos são, de fato, as únicas opções de tratamento farmacológico capazes de induzir uma redução do declínio funcional na FPI. Pirfenidona A pirfenidona é um agente oral que tem propriedades anti-inflamatórias e antifibróticas. A pirfenidona (1.800 mg/dia durante 1 ano) diminui as taxas de declínio da capacidade vital forçada em ensaios clínicos de pacientes que apresentam fibrose pulmonar idiopática e deterioração leve a moderada da função pulmonar Nintedanibe O nintedanibe é um derivado de indolinona, anteriormente conhecido como BIBF 1120, que bloqueia receptores de tirosina quinase, incluindo o receptor do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF-R), o receptor do fator de crescimento derivado de plaquetas (FCDP-R) e oreceptor do fator de crescimento de fibroblastos (FGF-R). O tratamento com nintedanibe (um inibidor da tirosina quinase na dose de 150 mg duas vezes aodia, por via oral) também diminui a taxa de progressão da doença avaliada pela CVF ao longo de 52 semanas em pacientes com fibrose pulmonar idiopática e com deterioração leve a moderada da função pulmonar