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FSCE 52/2020 Profissional FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA II Organizadores Adriana Pacheco do Amaral Mello Claudinéia Cristina Valim Cristiane de Oliveira Alves Fátima Christina Calicchio Jessica Akemi Kawano Ribeiro Márcio Ricardo Dias Marosti Marta Ferreira Gomes de Lima Coordenação Fabiane Carniel APRESENTAÇÃO Quando recorremos ao significado da palavra experimentar, chegamos à ideia de “submeter à experiência; ensaiar, testar”. Pois bem, é isso que propomos a você, que a partir da leitura dos textos selecionados seja possível uma experiência de imersão nessa leitura permitindo conhecer mais sobre cada um desses temas e ainda como eles circulam em nossa sociedade. Assim, uma leitura crítica na qual você se permita interagir com o texto, considerar seu autor e sua fonte, que possa relacionar com outras leituras e outras linguagens será fundamental nesse processo. Diante disso, apresentamos os textos selecionados e desejamos uma boa leitura! Equipe e Formação Sociocultural e Ética. PILAR INTELECTUAL Política, Economia e Meio Ambiente TEXTOS SELECIONADOS POLÍTICA, ECONOMIA E MEIO AMBIENTE Túlio Lima Botelho A Academia Real Sueca de Ciências anunciou os economistas americanos, William Nordhaus e Paul Romer, como prêmio Nobel de economia de 2018. Seus trabalhos estão relacionados com Política, Economia e Meio Ambiente. O trabalho de Paul Romer trata da regulação e da política que encoraja novas ideias e prosperidade http://eurekabrasil.com/author/tulio/ http://eurekabrasil.com/wp-content/uploads/2018/11/Figura-1.jpg a longo prazo. O trabalho de Willian Nordhaus enfoca a interação global entre economia e o clima. Professor de Economia na Universidade de Yale, Nordhaus relacionou a economia com as mudanças climáticas. Mostrou que a natureza não é algo que apenas restringe as atividades humanas (afinal, os recursos naturais são limitados). A natureza é influenciada pelas atividades econômicas. O economista foi o primeiro a criar um modelo que descreve a interação global entre economia e clima, na década de 90. Nesse modelo, ele já alerta sobre as consequências econômicas que o aquecimento global pode causar. Além disso, os modelos podem ser utilizados pelos governos para traçar cenários para seus países, buscando ações e soluções para evitar problemas maiores. De forma simples: a mudança climática altera o regime de chuvas e a temperatura. Isso prejudica certas plantações afetando a produção de alimento. Sem alimento, pessoas passam fome e agricultores não ganham dinheiro. Com a previsão de possíveis consequências de suas ações, os países podem evitar impactos ambientais que custam muito às pessoas e a economia. Nordhaus analisou que o crescimento econômico deve levar em conta, também, o impacto ambiental. O solo mal cuidado, em uma monocultura intensiva, se exaure e fica infértil por muito tempo. Isso acontece mesmo com o investimento em fertilizantes. De acordo com o economista americano, o meio ambiente influencia a economia (e vice-versa). Ou seja, qualquer plano de desenvolvimento deve levar em conta os aspectos naturais da região, as relações desenvolvidas ali e como as atividades econômicas não irão impactar o local. Todos os países precisam ter planos bem elaborados para conciliar essas duas áreas. De nada adianta um plano de crescimento econômico que não respeite a natureza, pois o futuro cobrará os danos do presente. São necessárias instituições que fiscalizam, punam e eduquem as pessoas a agir da maneira certa. O meio ambiente não é algo longe de todos e a natureza não está aí para o homem usar como bem entender. Somos parte dela e sentiremos, junto com ela, toda a destruição. O Prêmio Nobel de Economia de 2018 mostrou a importância de se falar na estreita relação entre economia e meio ambiente. O desenvolvimento sustentável e seus três pilares (natureza, economia e sociedade), nos mostra que é preciso aliar http://eurekabrasil.com/quanto-vale-vida-do-planeta/ esses campos na busca por um futuro melhor. Afinal, um crescimento econômico desenfreado não mantém a natureza sadia. É preciso que os três pilares estejam em equilíbrio para um futuro melhor para todos. BOTELHO, Túlio Lima. Política, Economia e Meio ambiente . Disponível em: http://eurekabrasil.com/politica-economia-e-meio-ambiente/. Acesso em 17 mar. 2020. ECONOMIA OU ECONOMIA POLÍTICA DA SUSTENTABILIDADE? Josivaldo Dias A publicação no periódico “Texto para Discussão” n.102 set.2001 do Instituto de Economia-IE da Unicamp, pelo professor Ademar Ribeiro Romeiro do IE, intitulada Economia ou economia política da sustentabilidade? Fala do desafio da sustentabilidade na perspectiva teórica considerando as dimensões culturais e éticas no processo de tomada de decisão. Romeiro começa informando em sua publicação sobre um pensamento que ele concorda de Myrdal (1978) onde afirma que “a economia é sempre economia política na medida em que todo ser humano pensa e age a partir de u ma escala de valores”.(p.2) Ao adentrar especificamente nos aspectos minuciosos da economia da sustentabilidade, Romeiro aponta os argumentos da economia convencional , sendo nela a alocação de recursos é para corrigir problemas, com o objetivo de maximizar a utilidade. O Estado teria a função coletiva, com o papel de corrigir as falhas de mercado, devido boa parte dos serviços ambientais ser bens públicos como o ar, água, capacidade de assimilação de dejetos, dentre outros. O outro argumento da sustentabilidade, o da economia política , ele trata do problema, sendo na distribuição de recursos naturais finitos, precisar de limites para http://eurekabrasil.com/politica-economia-e-meio-ambiente/ o seu uso, e no processo que envolve os agentes econômicos. Chegando a afirmar ser complexo, devido as motivações que incluem as dimensões sociais, culturais, morais e ideológicas. (p.2) O texto de Romeiro é divido em 4 sessões e mais a introdução, abordando a temática da sustentabilidade. Na primeira sessão fala as questões relacionadas “ a evolução histórica”; na segunda sessão as “perspectivas teóricas”; na terceira sessão “da dinâmica do capitalismo e meio ambiente”; e na quarta e última sessão, ele explica o surgimento de um instrumento jurídico, o “princípio da precaução”. (p. 3-4) Sobre a “perspectiva histórica”, o autor pontua para início de conversa, sobre o controle do fogo pela espécie humana. Para ele, este controle possibilitou novos caminhos para uma interação entre o homem e a natureza, não percebida anteriormente. Apesar desta evolução inicial do homem, Romeiro usa como exemplo os índios Yanomamis, vivendo insolados dos outros povos. Para mostrar a existência ainda de caraterísticas do homem no período neolítico, e que o controle do fogo apenas, não levou a “mudanças radicais e progressivas” na inserção do homem com a natureza. (p.4) A “ invenção da agricultura” provocou mudança radical no ecossistema. Isso começou a dez mil anos, porém de acordo Romeiro a “agricultura não é necessariamente incompatível com a preservação dos equilíbrios ambientais fundamentais”. Pode, por exemplo, ter uma rotação de culturas com alternância de cultivo de espécies distintas e garantir um mínimo de biodiversidade para o equilíbrio do ecossistema. (p.5) Mas é com a Revolução Industrial a maior intervenção da espécie humana na natureza. Com ela aumentou o uso intensivo de fertilizantes químicos e provocou erosões no solo em várias regiões agrícolas. As atividades humanas ultrapassaram os limites ambientais e modificaram os padrões do consumo em massa, como assinala o autor: A Revolução Industrial baseada no uso intensivo de grandes reservas de combustíveis fósseis, abriu caminho parauma expansão inédita da escala das atividades humanas, que pressionara fortemente a base de recurso naturais do planeta. (ROMEIRO, 2001 p. 6) Na “perspectiva teórica”, sobre o olhar do desenvolvimento sustentável, Romeiro sinaliza-se pela presença de duas correntes de pensamentos diferentes. Uma representada pela Economia Ambiental, que acha no longo prazo, os recursos naturais “não representam um limite absoluto á expansão da economia”, e a outra corrente a denominada Economia Ecológica, que enxerga os sistemas econômicos como um subsistema de um todo, impondo restrição absoluta a expansão” da economia. (p. 8-12) Para a corrente da Economia Ambiental, o progresso científico e tecnológico é importante para que não limite o crescimento econômico a longo prazo. Eles defendem que “os mecanismos através dos quais se dá a ampliação indefinida dos limites ambienteis ao crescimento econômico devem ser pelo mecanismo de mercado”. (p. 8) Já a corrente da Economia Ecológica, argumenta, que “o progresso científico e tecnológico é fundamental para aumentar a eficiência na utilização dos recursos naturais”. No “longo prazo a sustentabilidade do sistema econômicos não é possível sem estabilização dos níveis de consumo per capita de acordo a capacidade de carga do planeta”.(p.12) Falando sobre a perspectiva “da dinâmica do capitalismo e meio ambiente”, Romeiro traz para os leitores, uma avaliação de que no modelo de produção capitalista “o uso dos recursos tanto humanos como os naturais passa a ter quase nenhum controle social”. O autor diz, em relação “aos recursos naturais só muito recentemente os agentes econômicos passaram a sofrer restrições em relação a forma como vinham usando”.(p.15-17) Romeiro aponta para as práticas humanas das famílias, como um dos elementos a serem considerados no processo de educação ambiental e na mudança de valores socioculturais. “O modo como os seres humanos reagem emocionante, sua sexualidade, seu desejo de exercer atividades que tenham significados, bem como seus sentimentos em relação a natureza, evoluírem e se estabilizaram até esta época”. (p.18) Umas das mudanças existente positivas, é em relação as instituições, com a maior propagação do chamado “terceiro setor”, ajudando no processo de tomada de decisões, como frisa o autor: Sua atuação, por sua vez, tem sido extremadamente importante também para o aprofundamento do processo de conscientização ecológica e da consequente mudança de valores culturais que esta conscientização tende a estimular. Neste sentido estão sendo criadas condições objetivas que vão permitir o surgimento de novas instituições capazes de impor restrições ambientais que atinjam mais profundamente a racionalidade econômica atual. (ROMEIRO, 2001 p.21) A última, “perspectiva do princípio da precaução” é abordada por Romeiro neste breve ensaio, explica o surgimento de instrumentos jurídicos, para lidar com a tomada de decisões sobre as incertezas. Ele cita por exemplo, que no século XX , explodiu um conjunto de novos direitos sociais, onde o cidadão passa a ser compensado por danos resultantes de vários tipos de eventos a sua vida.(p.21) Para o autor “a noção de incerteza substitui a noção de probabilidade, o que significa admissão da incapacidade da sociedade em prever perdas catastróficas irreversíveis” . A dificuldade da ciência em propor soluções, “ levou a sociedade a buscar segurança em meio a incertezas através do Princípio da Precaução”(p. 22). Assim, o princípio objetiva: A aplicação deste princípio tem por objetivo precisamente tratar de situações onde é necessário considerar legitima a adoção por antecipação de medidas relativas a uma fonte potencial de danos sem esperar que se disponha de certezas cientificas quando as relações de causalidade entre a atividade em questão e dano tido. (ROMEIRO, p. 22) Antes de finalizar, o autor cita o exemplo do problema ambiental causado pelo “efeito estufa”, no qual, “cuja evolução da ciência deixa os tomadores de decisão numa nuvem de incerteza, não tendo as respostas” se o aquecimento global tem origem antropogênica, e se este aquecimento não pode ser naturalmente revertido. Mudar a matriz energética reduziria o risco, mas do ponto de vista político/econômico esta opção teria custo insuperável. A atitude precavida seria a de reduzir o máximo as emissões de gases, até que a ciência encontre alternativa de energia limpa. Logo se percebe uma relação conflituosa entre grupos e nações, e até mesmo estre os pesquisadores, considera o autor. (p.24-25) Josivaldo Dias é Economista, Especialista em Planejamento de Cidades (UESC), e estudante do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da UNIFACS. Disponível em: http://blogtempopresente.com/economia-ou-economia- politica-da-sustentabilidade/. Acesso em 17 mar. 2020, grifos do texto original. http://blogtempopresente.com/economia-ou-economia-politica-da-sustentabilidade/ http://blogtempopresente.com/economia-ou-economia-politica-da-sustentabilidade/ POLÍTICA E MEIO AMBIENTE As transformações capitalistas no espaço geográfico determinaram muitos efeitos nocivos para a sociedade e o meio ambiente. Júlio César Lázaro da Silva Partindo dos pressupostos estabelecidos pela cultura ocidental, a preocupação com as questões ambientais tem na década de 1960 a sua referência primordial. É necessário destacar a relação com a cultura ocidental porque diversas sociedades e comunidades ao longo da história tiveram uma relação de integração harmoniosa ou até mesmo de contemplação junto à natureza, bem diferente das sociedades ocidentalizadas que priorizavam a reprodução capitalista do espaço geográfico. Em meados do século XX, o capitalismo mundial conheceu o fenômeno de expansão das empresas transnacionais, o que estreitou os laços econômicos de interdependência entre os países desenvolvidos e as nações subdesenvolvidas. A preocupação com a qualidade de vida da população de países ricos fez com que as matrizes de grandes empresas enviassem suas unidades poluidoras para alguns https://s1.static.brasilescola.uol.com.br/be/conteudo/images/ee8010ef19773121cc900b04a2ae319d.jpg países subdesenvolvidos. Os países receptores, atualmente classificados como países emergentes, receberam essas empresas em prol de políticas desenvolvimentistas e da ideia de progresso, por vezes orientadas por práticas de caráter populista ou mesmo ditatoriais. Apesar desse cenário, a preocupação ambiental tornou-se recorrente nos meios acadêmicos e instituições políticas no decorrer da segunda metade do século XX. A partir daí, podemos destacar os seguintes encontros e conferências: ➢ Clube de Roma, 1968 : encontro que reuniu cientistas, economistas, empresários, intelectuais e alguns representantes governamentais para discutir alguns dos principais problemas ambientais. O primeiro encontro culminou com a produção de uma obra intitulada “Os limites do crescimento”, no ano de 1972, livro sobre meio ambiente que vendeu mais exemplares em todo o mundo. A entidade existe até os dias atuais e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é um dos membros honorários do grupo. ➢ Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente - Confer ência de Estocolmo, 1972 : primeiro evento ambiental organizado pela ONU. O encontro ficou conhecido pelas declarações diplomáticas, que não definiram grandes metas, mas tiveram como contribuição o estabelecimento de um debate político mundial, contando com a presença de alguns dos mais importantes chefes de Estado. ➢ Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio 92 ou ECO 92 , 1992: formação de princípios gerais, com uma ampla discussão sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, criado em 1987 pelo Relatório Brundtland. Durante a Rio 92, foi apresentada a Agenda 21 , uma sériede recomendações para as nações alcançarem o desenvolvimento sustentável. Uma das principais contribuições do encontro foi a Convenção Quadro sobre Mudança de Clima, responsável por debater as mudanças climáticas globais e que idealizou o Protocolo de Kyoto. ➢ Protocolo de Kyoto, 1997 : Determinou a redução de 5% nas emissões de CO2, tomando como referência o ano de 1990, com validade até o ano de 2012. Os Estados Unidos, que naquele momento eram os maiores emissores anuais de CO2 e que ainda hoje são os maiores emissores de CO2 acumulado desde a Revolução Industrial, não ratificaram o acordo. A Austrália também não ratificou o protocolo em 1997, mudando a sua posição e aceitando as condições de Kyoto apenas em 2007, durante a Conferência de Bali. O protocolo apresentou possibilidades para a os países se adaptarem às metas acordadas, o que ficou conhecido como Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, como os Créditos de Carbono . Os créditos são emitidos pelas empresas ou pelos países que conseguiram atingir as suas metas e são comprados por aqueles que não se adequaram, de maneira a incentivar uma economia mais sustentável e fomentar investimentos em fontes alternativas de energia. ➢ Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio + 20, 2012 : Buscou discutir o conceito de Economia Verde para alcançar o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza, assim como o papel das instituições nesse processo. Em razão de um cenário internacional voltado para a crise econômica mundial e as divergências entre os países desenvolvidos e os países emergentes, a reunião acabou produzindo muitas recomendações, mas pouco avançou no estabelecimento de metas para os diferentes grupos de países. SILVA, Júlio César Lázaro da. Política e Meio ambiente: Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/politica-meio-ambiente.htm. Acesso em 17 mar. 2020 (adaptado). https://brasilescola.uol.com.br/geografia/politica-meio-ambiente.htm PILAR PROFISSONAL Ciência e Tecnologia TEXTOS SELECIONADOS PANDEMIA NOS ENSINA QUE SEM CIÊNCIA NÃO HÁ FUTURO Ergon Cugler O avanço da Sars-Cov-2 e do covid-19 tem modificado rotinas drasticamente ao redor do mundo. Após o alastramento na China, Irã e Itália sofrem com letalidade acima do observado em território chinês. Mais recentemente, potências como EUA têm seu sistema de saúde sobrecarregado e países como o Brasil passam a seguir orientações sanitaristas e apostam em medidas para retardação da crise, tendo o SUS como determinante. Dentre as lições da Itália no combate ao coronavírus, cabe destaque ao gráfico elaborado por D. Harris e adaptado por C. Bergstrom sobre a retardação do pico da epidemia. Segundo pesquisadores, medidas de controle como lavar as mãos, trabalho remoto, evitar sair de casa, restrições a aglomerações e viagens podem proporcionar não apenas o achatamento da curva de contágio, mas retardar seu pico – evitando sobrecarregar o sistema de saúde e viabilizando tempo para adequação de normas e procedimentos em relação à pandemia –, caso contrário, não há leitos, máscaras, respiradores, equipe ou estrutura para atender a população contaminada. Nesse cenário, enquanto os altos custos limitam os cidadãos estadunidenses de realizarem os testes do covid-19 – desestimulando o atendimento primário –, o SUS tem disponibilizado testes gratuitos em larga escala através de parceria com a https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/licoes-da-italia-o-que-o-brasil-pode-aprender-com-a-disseminacao-do-coronavirus-no-pais-europeu/ Fiocruz. A própria adoção de protocolo unificado de atendimento e proteção à população demanda articulação que só existe decorrente de anos de enraizamento da Estratégia Saúde da Família e de atenção básica que o sistema universalizado propicia. Para além do SUS, tal operação de retardação do contágio é somente possível através da cooperação da comunidade científica internacional. A questão é também econômica, pois ao não distribuir o contágio através do achatamento da curva, pessoas doentes ou em quarentena não poderão desempenhar suas funções, interrompendo cadeias de produção. Do distanciamento social até a mudança de rotina, foram necessários exemplos práticos do alastramento do covid-19 e da sobrecarga do sistema de saúde com mortes na Itália e Irã para que os governos de diversos países se mobilizassem aos alertas de cientistas. Vácuo No campo da ciência política, autores como P. Bachrach e M. Baratz (1963) apontam a não decisão como uma forma de decisão. Diversos são os exemplos no caso brasileiro, do contingenciamento de recursos para universidades e bolsas de pesquisa – incluindo no campo de saúde, da Capes e CNPq – à relativização do governo diante do exponencial desmatamento da Amazônia, como aponta a pesquisadora Gabriela Lotta. Como sempre, o obscurantismo não ataca apenas retoricamente as universidades e a produção científica, mas influi diretamente no corte de verbas e no esvaziamento dos institutos de pesquisa. Da mesma forma, minimiza os impactos climáticos e desdenha dos alertas da comunidade científica, tratando as evidências como opiniões a serem rebatidas sem dados ou referências. No entanto, com o covid-19, a imobilidade consciente causada por teorias conspiratórias no núcleo de governos foi varrida pelo avanço explícito do vírus, fazendo da comunidade científica linha de frente do real combate à pandemia – exemplo do sequenciamento genético do vírus pelas pesquisadoras da USP Ester Cerdeira e Jaqueline Goes, em apenas 48 horas, e da vacina em desenvolvimento por cientistas do Incor, da Faculdade de Medicina da USP. É da inércia de governos em meio ao caos que a comunidade científica pode – e deve – explorar contradições e se apresentar à população ao expor as consequências para seu futuro. Tal prontidão de cientistas nos mais diversos países tem constituído uma rede sólida de informações, colocando a ciência na vanguarda das decisões governamentais. Com a coalizão sendo pautada pela ciência, inaugura-se a oportunidade de combater o obscurantismo institucionalmente, utilizando da transparência e atualização constante das medidas adotadas como instrumentos de supressão das fake news, por exemplo. Responsabilidade O texto publicado pela jornalista italiana Mariella Bussolati no Business Insider, “Pandemia em tempos de Antropoceno”, nos recorda que “a emergência do coronavírus nos dá a oportunidade de nos prepararmos para enfrentar a emergência climática e ambiental” que se acirrará nas próximas décadas. Ainda, diante do imediatismo do governo dos EUA em cobrar vacina da comunidade científica após diversos cortes na saúde, em nota publicada pela centenária revista Science, o pesquisador e editor H. H. Thorp respondeu: “Ciência não se faz da noite para o dia, precisa de investimento e, sobretudo para uma vacina, precisa-se de tempo e investimento”. Durante a pandemia, aprendemos arduamente a necessidade de financiamento progressivo e constante para que a comunidade científica esteja a postos para eventuais crises. Aliás, ciência se faz a longo prazo, não para atender apenas ao imediatismo. Mais do que isso, a universalidade e gratuidade do atendimento do SUS, com sua excelência e eficácia no monitoramento e contenção do coronavírus, e a valorização da ciência e da universidade – junto aos institutos de pesquisa –, com sua incorporação aos processos de tomada de decisão governamental, se mostram cada vez mais fundamentais à vida. É necessário utilizar do protagonismo em meio à pauta para que além de conduzir cooperativamente com os governos a gestão da atual crise, se consolide espaço para a ciência ter voz e influência, pois a comunidade científica está provando que, quando um alerta é realmenteouvido, torna-se possível reagir rápido o suficiente para sua contenção. Por fim, com a experiência do covid-19 e antes que a emergência climática e ambiental se torne irreversível, por exemplo, é necessário também que estejamos atentos, pois todo filme de desastre começa com cientistas sendo ignorados. https://science.sciencemag.org/content/367/6483/1169.full CLUGER, Ergon. Pandemia nos ensina que sem ciência não há futuro . Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/pandemia-nos-ensina-que-sem-ciencia-nao-ha- futuro/. Acesso em: 18 mar. 2020. O QUE É A TECNOLOGIA ACR E POR QUE ELA ESTARÁ PRESENTE NA VIDA DE TODOS NÓS Cesar Sponchiado "Hey, Siri, vai chover hoje?" Quando você se comunica com algum dispositivo como a Siri no seu celular ou a assistente Alexa na sua casa, você está utilizando a tecnologia ACR (Automated Content Recognition), sigla em inglês para Reconhecimento Automático de Conteúdo. Apesar de usarmos essa tecnologia em parte dos nossos aplicativos, a promessa é que ela esteja ainda mais presente nas nossas ações daqui para frente, sendo a forma mais usual de estabelecermos comunicação com máquinas e robôs, por exemplo. O ACR funciona como um "decodificador" de conteúdos em áudio, vídeo e imagem. A partir de técnicas como Fingerprinting e Speech To Text, é possível reconhecer um áudio ou vídeo específico que está sendo veiculado (uma propaganda, por exemplo) ou determinar qual assunto está sendo falado na TV. A chegada do ACR, em 2011, com o aplicativo Shazam, decodificador de música, chamou a atenção da indústria televisiva e acabou sendo um divisor de águas no mercado de marketing, que investe cada vez mais na busca por dados específicos para a produção de campanhas mais bem sucedidas. Nos EUA alguns fabricantes de TVs conectadas, em parceria com empresas especialistas em ACR, usam a solução para oferecer aos anunciantes dados mais detalhados sobre o impacto de uma determinada campanha. É o caso das empresas Samsung e Vizio, que já contam com a inovação embutida nos seus produtos. Com os dados dos consumidores em mãos - autorização opt-in -, as empresas conhecem melhor os hábitos de consumo e entregam produtos e serviços que https://jornal.usp.br/artigos/pandemia-nos-ensina-que-sem-ciencia-nao-ha-futuro/ https://jornal.usp.br/artigos/pandemia-nos-ensina-que-sem-ciencia-nao-ha-futuro/ https://canaltech.com.br/equipe/cesar-sponchiado/ https://canaltech.com.br/produtos/O-que-e-Siri/ https://canaltech.com.br/empresa/shazam/ https://canaltech.com.br/empresa/samsung/ https://canaltech.com.br/empresa/samsung/ conversam com as preferências de cada um dos usuários. Inclusive, é possível entender de que forma ele interage com o funil de vendas. No Brasil, o ACR já abre caminho para novos negócios na comunicação. Por meio de plataformas de Moment Marketing, é possível fazer uso dessa tecnologia para entender o que está acontecendo na TV e ativar gatilhos de interação com os seus consumidores, conectando conversas entre os universos off e online em tempo real. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ibope, em 2019, sobre o alcance dos conteúdos de TV e a relação existente com o online, mostrou que quase 90% das pessoas assistem televisão com um smartphone em mãos. Além disso, o estudo revelou que as pessoas que assistem um comercial na TV estão 32% mais propensas a consumir aquele produto e 30% dos espectadores que se deparam com uma propaganda e têm interesse, pesquisam na internet. De longe, o dado mais interessante da pesquisa conclui que fazer uma campanha sincronizada com a TV aumenta sua efetividade em até 370%. Com tantas transformações no ambiente da comunicação, impulsionadas a partir das novas tecnologias, ACR vai ganhar mais espaço por oferecer um elevado grau de sofisticação e gerar dados e insights com velocidade e acuracidade muito expressivos. É uma solução que tem o potencial de impulsionar muita inovação e, se hoje ainda não ouvimos muito sobre, no futuro conheceremos todas as suas potencialidades. SPONCHIADO, Cesar. O que é a tecnologia ACR e por que ela estará presente na vida de todos nós . Disponível em: https://canaltech.com.br/software/o-que-e-a- tecnologia-acr-e-por-que-ela-estara-presente-na-vida-de-todos-nos/. Acesso em: 20 mar. 2020. https://canaltech.com.br/software/o-que-e-a-tecnologia-acr-e-por-que-ela-estara-presente-na-vida-de-todos-nos/ https://canaltech.com.br/software/o-que-e-a-tecnologia-acr-e-por-que-ela-estara-presente-na-vida-de-todos-nos/ BATERIAS DE ESTADO SÓLIDO PROMETEM REVOLUCIONAR A INDÚSTRIA DE TECNOLOGIA Elas são mais seguras e armazenam mais energia que as tradicionais baterias de íons de lítio. Mas são mais caras, e seu volume de produção é baixo Rafael Rigues As baterias de íons de lítio (Li-Ion) são uma das invenções mais importantes na história da tecnologia moderna, tanto que seus inventores receberam o Prêmio Nobel de Química em 2019. Baratas e com grande densidade energética (a relação entre seu volume e a quantidade de energia armazenada), é graças a elas que temos smartphones no bolso, notebooks que pesam menos de um quilo e funcionam por horas e carros elétricos com autonomia de centenas de quilômetros. Mas as baterias de íons de lítion não são perfeitas: entre outros problemas elas podem vazar ou pegar fogo, causando sérios danos, e tem uma vida útil (medida em quantidade de recargas) limitada. Por isso, pesquisadores e empresas em todo o https://img.olhardigital.com.br/uploads/acervo_imagens/2020/03/r16x9/20200316104939_1200_675_-_bateria_de_estado_solido_da_tdk.jpg mundo estão tentando aperfeiçoar o “próximo passo” na tecnologia: baterias de estado sólido. E algumas delas já estão chegando ao mercado. Uma bateria de íons de lítio tradicional, como a usada em smartphones, usa um líquido ou gel como eletrólito, meio que transporta os elétrons entre o ânodo e o cátodo. Em uma bateria de estado sólido, este eletrólito é substituído por um sólido. Além do menor risco de incêndio, a mudança permite que o ânodo da bateria seja feito de lítio metálico, ao invés de grafite como é usado hoje em dia. Com isso, uma bateria de estado sólido pode armazenar até 60% mais energia que uma bateria convencional de mesmo volume. O problema com a tecnologia é que baterias de estado sólido são caras: a produção mundial de lítio metálico é pequena, o que aumenta o preço da matéria- prima e limita a capacidade de produção. "As eficiências de escala das baterias de estado sólido não foram desenvolvidas no mesmo nível que a tecnologia convencional de lítio", diz Norio Nakajima, executivo c, uma das empresas que comercializa a tecnologia. Outra empresa que aposta nas baterias de estado sólido é a TDK, que produz 30 mil unidades por mês, e espera aumentar a capacidade de produção para 100 mil unidades por mês em breve. Do tamanho de um grão de arroz, elas são usadas em componentes para impressoras e medidores de consumo de energia. A Murata desenvolveu uma bateria para uso em vestíveis como fones de ouvido que deve entrar em produção em larga escala ainda neste ano. Mas está de olho em um prêmio maior: “nosso objetivo final é substituir as atuais baterias de íons de lítio nos smartphones”, diz Nakajima. Fonte: The New York Times RIGUES, Rafael. Baterias de estado sólido prometem revolucionar a indústr ia de tecnologia . Disponível em: https://olhardigital.com.br/noticia/baterias-de-estado- solido-prometem-revolucionar-a-industria-de-tecnologia/98064. Acesso em: 20 mar. 2020. https://www.wsj.com/articles/a-smaller-more-powerful-battery-begins-to-charge-devices-11584280800 https://olhardigital.com.br/noticia/baterias-de-estado-solido-prometem-revolucionar-a-industria-de-tecnologia/98064 https://olhardigital.com.br/noticia/baterias-de-estado-solido-prometem-revolucionar-a-industria-de-tecnologia/98064PILAR EMOCIONAL Ética, Sociedade e Direitos Humanos TEXTOS SELECIONADOS DA ARTE DE APRENDER A CAIR O desejo procura a queda porque ela é o impulso que temos para ser diferente de nós mesmos, diferente do que fomos até agora. Talvez seja por isso que entramos em relação Vladimir Safatle Eu sempre quis começar um texto perguntando-me por que livros de ética normalmente são tão ruins. Não falo apenas dos livros para grande público, normalmente repletos de descrições edificantes sobre virtudes que parecem feitas para animar palestras motivacionais de grandes empresas ou exortações morais que dificilmente escondem seu tom claramente redutor. Como se houvesse algo da ordem de palavras encantatórias que quanto mais repetidas mais teriam o dom de simplificar a existência e seus caminhos. Mesmo quando tais livros começam com um tom de ruptura e de rebeldia, é apenas para chegar a alguma digressão mágica sobre felicidade ou algum produto congênere da mesma família. Melhor seria se eles começassem por se perguntar por que a felicidade tornou-se historicamente, ao mesmo tempo, impossível e imoral para nós; por que ela deve começar por ser recusada se quisermos ainda permanecer fiel a seu impulso inicial. Parafraseando Kafka, dizer que há felicidade, mas não para nós, seria uma maneira de começar por lembrar que a verdadeira decisão ética aqui consiste em recusar qualquer compromisso com a permanência de uma situação histórica fundada na infelicidade de muitos. Mas, se voltarmos os olhos aos livros que circulam no mundo acadêmico na área que chamamos normalmente de “filosofia moral”, encontraremos uma terra devastada não muito distinta. Difícil não perceber como eles estão entre os mais esquemáticos. Alguém deveria começar por lembrar que não se fala de posições éticas sem definir as fronteiras de suas limitações históricas. Como se fosse possível falar de virtudes da mesma forma que Aristóteles, quando nem sequer fazia sentido a distinção entre as virtudes do cidadão (porque se trata de um problema de homens) e as virtudes privadas, já que o horizonte social de fundamentação da vida ética não era passível de questionamento. Ou melhor, só era questionado como ruína e catástrofe nos momentos mais dilacerantes do teatro, como vemos por exemplo em Antígona, de Sófocles. Mas poderíamos continuar este estranhamento em relação ao apagamento da situação histórica de enunciação nos perguntando sobre o erro de falar de dever como na época de Kant, quando a crença na forma procedural e universalizante do julgamento ético podia ainda aparecer como um ganho de racionalidade em relação à vinculação local dos costumes e tradições, quando a exortação a agir por amor ao dever podia ainda ser um contraponto à consolidação da redução de nossas motivações para a ação ao quadro calculador da maximização dos interesses individuais. Não perceber que a história dessa crença na universalização foi também a história de uma desafecção catastrófica em relação a contextos, de uma abstração que trazia no seu bojo as marcas das piores violências seria, mais uma vez, tomar a filosofia pela arte da descrição de estrelas imaginárias, ou seja, descrição de entidades aparentemente imutáveis que existem apenas nos olhos de quem as descreve. No fundo, todas essas estratégias, e elas são múltiplas, partilham ao menos um erro fundamental: o erro de acreditar que uma reflexão sobre ética seria a melhor forma de alimentar nosso desejo de invulnerabilidade e de inviolabilidade. A ética como uma forma, talvez a mais astuta, deste estranho desejo humano de inviolabilidade. Pois se soubéssemos nos orientar de forma segura na dimensão moral seríamos invioláveis, andaríamos em um solo firme, mesmo se nossas certezas morais produzissem continuamente equívocos e fracassos. Ou seja, a ética como a versão secularizada da procura por uma segurança ontológica. Por trás de suas questões do tipo “como quero ser?” ou "o que devo fazer?” haveria sempre este desejo por um último amparo, pela crença de que nada nos retirará do domínio de nós mesmos. Que este desejo esteja dirigido ao nosso vínculo aos deuses ou a nossa pretensa capacidade de julgar e avaliar nossas próprias ações e as ações de outros, isto não muda um dado fundamental, a saber, haveria uma segurança ontológica a me guiar. Nietzsche costumava dizer que nunca nos desvencilharemos de deus enquanto acreditarmos na gramática. Ele tinha razão, e poderíamos ainda acrescentar que nunca nos desvencilharemos de deus enquanto desejarmos nossa invulnerabilidade. E nós sabemos o quanto nossas regressões sociais periódicas estão vinculadas às formas do desejo de imunidade, do estar em possessão de si mesmo, do pertencer a si mesmo, do destruir tudo que me retire de tal possessão de si mesmo. No fundo, todas essas estratégias, e elas são múltiplas, partilham ao menos um erro fundamental: o erro de acreditar que uma reflexão sobre ética seria a melhor forma de alimentar nosso desejo de invulnerabilidade e de inviolabilidade Por isso, talvez a única posição ética à altura de nosso tempo deveria partir da procura em assumir uma insegurança ontológica fundamental. Nesse sentido, poderíamos mesmo dizer que a ética tornou-se para nós um aprendizado sobre como cair e como se quebrar. Há certos momentos em que fica claro como o mais importante é saber como cair, como se quebrar. Pois fomos feitos para nos quebrarmos. Em uma de suas raras declarações sobre educação (que ele julgava uma tarefa impossível), Sigmund Freud afirmava que toda educação estava fadada ao fracasso porque ela partia do aprendizado da norma, das situações ideais, dos princípios. Mas um princípio é o que é, ou seja, apenas algo que aparece no princípio, nunca um resultado. Melhor seria, dizia Freud, se ensinássemos as situações concretas e essas, bem, essas mostram coisas muito diferentes. Melhor seria se nos disséssemos desde o início: “prepare-se porque um dia você irá se quebrar, você irá se trair”. Você irá se deparar com aquilo que não se submete ao seu controle, aquilo que o tira da jurisdição de si mesmo, aquilo que o desfaz em suas identidades, aquilo que desorienta a ação e o julgamento. Nessas horas, faz toda a diferença saber como cair, como cair de outra forma. Não com a expectativa de restaurar o sentimento de estar intacto, não com esta fúria projetiva que procura jogar para outros a causa de nossas quedas, não com esse desejo mórbido de esconder nossa vulnerabilidade pregando o evangelho da culpabilidade e da punição para os que se afogaram. Mas cair com a solidariedade com os que caíram e cairão, com a consciência da falibilidade de nossas ações e da violência de nossos trajetos. Cair perguntando-se por que se quis cair, o que quis de fato realizar, mesmo que de maneira desesperada. Isso poderia mudar de forma significativa nossa forma de relação a si e ao outro. As quebras são nosso destino porque somos seres em relação. Não há como evitar quebras porque procuramos colocar em relação corpos com tempos distintos, ritmos distintos, desenvolvimentos idem. Corpos que nos atravessam. Há uma relação fundamental entre desejo e queda, mas não devido à ladainha cristã da culpa por desejar o que não se deveria desejar. A melhor maneira de nos livrarmos dessa teologia travestida de psicologia moral é ressignificando todos os seus significantes. O desejo procura a queda porque ela é o impulso que temos para ser diferente de nós mesmos, diferente do que fomos até agora. Talvez seja por isso que entramos em relação. Mas isso é indissociável da descoberta de uma violência imanente às relações, uma violência seguramente inextirpável. Só mesmo uma ilusão liberal para acreditar que a diferença vem sob a forma pacificada da tolerância, e não sob a forma agonística da explosão. Menos Locke e mais FrancisBacon (o pintor, não o filósofo) seria útil. Nesse sentido, um erro contemporâneo clássico consiste em tentar reduzir à figura da opressão todas as formas de violência imanente às relações. Quando conseguirmos eliminar as relações de opressão (e nós um dia conseguiremos), ainda restarão essas violências que nos quebram quando estamos em relação. Mas estamos em relação desde o início e até o fim. Talvez uma verdadeira reflexão ética deveria partir disso. SAFATLE, Vladimir. Da arte e aprender a cair . Disponível em: https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-01-03/da-arte-de-aprender-a-cair.html . Acesso em: 03 abr. 2020. https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-01-03/da-arte-de-aprender-a-cair.html CORONAVÍRUS: AUTOR AMERICANO APONTA POTENCIAL DA COVID-19 PARA REDUZIR DESIGUALDADE NO MUNDO Daniel Buarque Apesar do duro impacto humano e econômico da pandemia de coronavírus em todo o mundo, a perspectiva histórica aponta que o Covid-19 tem o potencial de afetar positivamente o que é apontado como um dos maiores problemas do mundo atual: a desigualdade social. Isso porque, ao longo da história, grandes epidemias tiveram efeito "nivelador" da economia, defende o historiador Walter Scheidel, professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. O princípio visto ao longo da história é simples, ele explica em entrevista à BBC News Brasil: quando muita gente morre, há uma redução de mão de obra, então trabalhadores podem vender sua força de trabalho por salários mais altos, e as pessoas ricas passam a ter uma renda menor. Assim, a desigualdade diminuiria. O modelo é apresentado por Scheidel no livro The Great Leveller: Violence and the History of Inequality from the Stone Age to the Twenty-First Century, obra que traça a história da desigualdade social no mundo e analisa as rupturas levaram a sua diminuição. O livro seria lançado neste mês no Brasil pela editora Zahar, mas teve a publicação em português, com o título "Violência e a história da desigualdade", adiada por conta da pandemia. A pesquisa de Scheidel diz que apenas essas grandes disrupções, a que ele se refere como "quatro cavaleiros do apocalipse" conseguiram reduzir a desigualdade econômica ao longo da história: grandes epidemias, falências do Estado, revoluções comunistas e esforços em massa para a guerra. Segundo o historiador, entretanto, este tipo de impacto relacionado a epidemias se adapta melhor ao que acontecia em sociedades agrárias até o século 20. Desde então, com a urbanização e o desenvolvimento da medicina, crises globais como a atual acabam influenciando a desigualdade de outra forma. "Crises muito sérias podem afetar preferências políticas e escolhas políticas. Então, se este evento for severo o suficiente, ele pode alterar as preferências do eleitorado de forma que se mova para uma defesa de um estado de bem-estar social mais forte, impostos mais altos para pagar pelos déficits causados por pacotes de estímulo, mais assistência médica, maior proteção aos trabalhadores", avalia. É um modelo mais próximo do que se viu historicamente após esforços em massa de guerra, como na primeira metade do século 20. "Isso poderia no fim ter o efeito de preparar a sociedade para mudanças que a tornem mais inclusiva e progressista", disse. Leia abaixo a entrevista completa. BBC News Brasil - Seu livro lista pandemias letais como "caval eiros do apocalipse", rupturas que reduziram a desigualdade econô mica ao longo da história. Como acha que a atual pandemia de covid- 19 vai afetar a desigualdade no mundo? Walter Scheidel - Depende do quão longa e severa ela será. Podemos ver algumas tendências, entretanto. Uma delas é que os ricos neste momento estão menos ricos do que eram menos de um mês atrás, por causa dos efeitos na Bolsa de Valores. É um efeito de curto prazo, e vimos algo parecido após a crise financeira global depois de 2008. E levou alguns anos para que as ações se recuperassem. Então esperaria que algo semelhante acontecesse a partir de agora. Não deve haver tanta equalização nesta frente no longo prazo. Ao mesmo tempo, vemos que parte da força de trabalho está sendo afetada negativamente, especialmente pessoas em trabalhos menos protegidos, que estão perdendo emprego, trabalhando menos horas, assumindo dívidas. E vai levar mais tempo para eles se recuperarem disso, especialmente por conta das dívidas. Então, mais uma vez, não há efeito equalizador. Há um terceiro componente, que tem a ver com o fato de que, se olharmos para a história, crises muito sérias podem afetar preferências políticas e escolhas políticas. Se este evento for severo o suficiente, ele pode alterar as preferências do eleitorado de forma que se mova para uma defesa de um estado de bem-estar social mais forte, impostos mais altos para pagar pelos déficits causados por pacotes de estímulo, mais assistência médica, maior proteção aos trabalhadores, todas essas coisas que estão sendo impulsionadas por Bernie Sanders [pré-candidato democrata à Presidência] nos Estados Unidos, ou que foram defendidas pelos antecessores do atual presidente no Brasil. Essas ideias estão presentes, mas não são suficientemente fortes ainda. Elas podem se tornar mais fortes, se o deslocamento causado por essa pandemia for grande o suficiente. Essa é a minha previsão com base no que aconteceu em situações semelhantes a estas ao longo da história. Quando há crises fortes o suficiente, há uma mudança no tom do debate político, mudando o equilíbrio. BBC News Brasil - Isso parece alinhado ao que vemos nos Estados Unidos atualmente, com a aprovação de um pacote que inclui políticas de transferência de renda. Walter Scheidel - Sim. Todas essas ideias já estão presentes no debate. A ideia de renda básica já está sendo debatida há uma década. Todo o debate sobre desigualdade começou a ganhar força depois da última crise, doze anos atrás. Virou um grande assunto, mas não chegou a acontecer muita coisa em termos práticos. Acho que uma possibilidade real no caso de uma crise ainda mais severa, como a atual, é que essas ideias, que muita gente chama de radicais, se movam mais para o centro do debate. Isso aconteceu antes. Aconteceu na Grande Depressão, aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, então pode acontecer novamente. BBC News Brasil - Ainda assim, o senhor acredita que o covid- 19 vá se tornar uma pandemia com efeito muito fortes diretamente na desigualdade, como visto na história? Seu livro fala sobre a Peste Negra, e hoje há muitas comparações com a pandemia de influenza em 1918. Walter Scheidel - A comparação com 1918 é perigosa. Alguns estudos de economistas olham para as repercussões econômicas daquela pandemia, mas isso é algo difícil porque ela se mistura com os efeitos da Primeira Guerra Mundial, que foi um evento mais sério, de certa forma. Sim, as pandemias mais antigas, como a Peste Negra, ou as que dizimaram as populações indígenas nas Américas após 1492, tiveram impacto direto (na desigualdade). Não estamos falando de nada nesse nível, pois a taxa de mortalidade, mesmo no pior cenário possível, é muito menor e mais concentrada em populações mais velhas, sem afetar tanto a força de trabalho como aconteceu no passado. Então, não deve haver uma mudança demográfica ou um deslocamento econômico comparável ao que houve no passado mais distante. Por isso eu enfatizei o papel das mudanças políticas como o efeito que a pandemia pode ter na desigualdade. Ela tem o poder de afetar o que as pessoas querem e pensam que querem ao longo dos próximos anos, e como os políticos vão lidar com isso. BBC News Brasil - O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, está indo na contramão de outros políticos do mundo e rejeitando políticas duras de confinamento por conta dos efeitos negativos na economia. Acha que este comportamento podeter relação com uma tentativa de evitar este tipo de impacto da pandemia na política? Walter Scheidel - Acho que sim. Vemos isso todas as vezes ao longo da história. A elite entrincheirada não tem interesse nesse tipo de mudança, então sempre há resistência a mudanças trazidas por reformas progressistas. O resultado é determinado em ampla medida por quem vence, por que lado dessa disputa se coloca com mais força. Houve pessoas na Idade Média que tentaram fazer os pobres trabalharem pelos mesmos salários que recebiam antes, apesar de haver apenas metade dos trabalhadores ativos de antes, numa tentativa de coagir as pessoas a https://ichef.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/1388B/production/_111611008_2a9ed529-6b9e-4305-95f1-3c2faa9c329e.jpg continuar no mesmo status quo, o que não era possível. Em outros momentos, isso foi possível, como em situações do feudalismo. Há diferentes tipos de resposta para este tipo de crise que enfrentamos agora, e vai depender muito do tipo de país em que se vive. É possível que as forças reacionárias do status quo sejam tão fortes que, ao fim da crise, a vida volte ao mesmo sistema que havia antes, mas com mais polarização e desigualdade, o que pode criar instabilidade no longo prazo. Por outro lado, podemos pensar que o outro lado sai com vantagem, e vemos uma mudança de trajetória. Isso está em aberto atualmente, especialmente em países como os Estados Unidos e o Brasil, onde já há muita desigualdade e os interesses entrincheirados são muito poderosos. Se estivéssemos falando da Suécia, a diferença não seria tão grande, já que já existe um estado de bem-estar social, que deve dar ainda mais apoio à população. Mas em países como os nossos, está tudo muito em aberto e não temos como saber que lado vai vencer. Ainda assim, acredito que as forças progressistas agora têm uma chance maior de serem bem-sucedidas enquanto a crise piora, pois se torna mais fácil eles apresentarem seus argumentos. BBC News Brasil - O confinamento reduz o número de mortes, mas afeta a economia e os argumentos da política. Mas, se a população abandonar o confinamento, como o presidente do Brasil chegou a sugerir, podemos ver uma taxa de mortalidade maior, o que pode até afetar o tamanho da população e o número de trabalhadores também, não? Walter Scheidel - Sim e não. Precisamos levar em consideração que, todos os anos, 1% da população morre. E muitas das pessoas que agora são vítimas da covid-19 talvez fossem morrer de qualquer forma, já que são especialmente pessoas idosas e com outras doenças. Não está inteiramente claro quanto o resultado da pandemia será terrível do ponto de vista quantitativo. Um ponto importante é que isso assusta as pessoas, e o medo vai ser um aspecto importante para definir mudanças de prioridade política - mais até do que o número de mortos. Atualmente, nos EUA, vemos pressão de políticos dos Estados contra o governo, com uma perspectiva muito mais séria do que a de Trump. São os Estados que estão propondo ações mais radicais de confinamento. Pelo que sei, isso é parecido com o que acontece no Brasil. BBC News Brasil - O senhor fala sobre os impactos de pandemias em desigualdades, e falou sobre as mudanças de prioridades por conta da propagação do coronavírus. Aqui no Brasil há uma expectativa de que a população mais pobre sofra mais com os efeitos da doença, por conta de uma desigualdade já muito grande. Acha que esse tipo de situação pode ter impactos políticos e econômicos no país? Walter Scheidel - No curto prazo, sem dúvida isso vai aumentar a polarização, pois vai fazer com que as pessoas se sintam ainda mais alienadas por verem que não são parte do sistema. Se nada mudar, isso pode desestabilizar a sociedade além do que já vemos no Brasil atualmente. Isso ainda pode ser usado por políticos para acelerar mudanças para um lado ou o outro do espectro político dessa polarização. Mas acho que há um potencial para um reforço a políticas progressistas, muito mais do que havia um mês atrás. BBC News Brasil - Seu livro fala de pandemias como "niveladores", rupturas que diminuíram a desigualdade no mundo ao longo da história. Pode explicar como isso acontece? Walter Scheidel - Isso está muito claro na história, especialmente até o século 20, quando o mundo era formado por sociedades agrárias. O princípio é muito simples: Se pessoas demais morrerem, vai haver uma redução de mão de obra, mas a quantidade de terra para o trabalho continua sendo a mesma, então o valor do trabalho sobe enquanto o valor da terra cai. Como resultado, trabalhadores podem vender sua força de trabalho por salários mais altos, e as pessoas ricas que são proprietárias de terra vão ter uma renda menor, pois a terra vai valer menos e vão ter que pagar salários mais altos. É um mecanismo muito simples, mas que vemos se repetir ao longo da história até o século 20. É fácil ver ao longo da história como epidemias severas tinham um resultado positivo - se é que se pode dizer isso - em termo de empoderamento da classe trabalhadora e atrapalhando os interesses dos mais ricos. Isso não funciona mais exatamente assim porque não somos mais uma sociedade agrária. BBC News Brasil - Desde que deixamos de viver em sociedades agrárias, nenhuma pandemia teria mais esse tipo de efeito? Walter Scheidel - Quando escrevi o livro, tentei pensar que tipo de cenário terrível poderia criar impactos assim atualmente. Epidemiologistas explicam que hoje, se uma epidemia for muito letal, ela não se espalha tão rapidamente pelo mundo. Além disso, com o desenvolvimento das últimas décadas, a ciência passou a ter a capacidade de salvar o status quo. Pois a ciência é muito mais rápida em produzir tratamentos e vacinas para diminuir o impacto dessas epidemias e fazer mais fácil voltar à vida normal. Há tantos avanços científicos, que a realidade é muito diferente do que era um século atrás. Assim, diminuiu muito a probabilidade de uma praga realmente devastadora que tenha potencial de reduzir tanto a população. BBC News Brasil - Pode falar mais sobre os outros três "cavaleiros do apocalipse" que afetam a desigualdade e que apresenta no livro? Walter Scheidel - Em sociedades mais antigas, eram pandemias e o colapso do Estado que reduziam a desigualdade. Eram sociedades muito desiguais e que tendiam a beneficiar os ricos e poderosos. Então, se os Estados se desfaziam, os ricos perdiam seus privilégios e seu poder e sua riqueza. E todo mundo podia acabar pior do que estava antes, mas os ricos tinham mais a perder. Era um mecanismo bem simples, que vimos por milhares de anos. A partir do século 20, temos dois novos "niveladores", que estão muito conectados, que são a mobilização em massa para guerra, nas duas Guerras Mundiais, e as revoluções comunistas, especialmente na Rússia e na China. As revoluções são autoexplicativas, já que a função delas é buscar uma redução da desigualdade e atacar os ricos. https://ichef.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/07B6/production/_111547910_corona3.jpg A mobilização para a guerra é um caso interessante porque o que temos é uma intervenção maciça do Estado na economia para impulsionar os esforços de guerra. Assim temos controles sobre lucros, preços, salários, e fica mais difícil para os donos do capital terem lucro. Os impostos costumam aumentar para pagar pela guerra e controlar a inflação. Ao mesmo tempo, temos pleno emprego e o poder de barganha dos trabalhadores aumenta. Além disso, a experiência compartilhada de medo, mortes, racionamento, estar sob ataque, muda a atitude das pessoas e faz com que haja mais apoio após guerras a políticas de redistribuição de renda. Por isso vimos o Ocidente desenvolver o Estado de Bem-Estar Social logo após a Segunda Guerra Mundial. Eles tinham dinheiro para investir em saúde pública, educação, previdência, e uma rede de proteçãoque não existia da mesma forma antes. Então houve uma mudança no que o Estado oferecia por conta do aumento da capacidade do Estado, do aumento de impostos e das atitudes das pessoas. Assim, acabamos com sociedades mais igualitárias. Isso não vai durar para sempre necessariamente. Desde os anos 1970, começou a haver várias ondas de liberalização da economia, e as populações que viveram o processo de maior igualdade começaram a morrer, e novas gerações têm perspectivas diferentes, o que acabou aumentando a desigualdade. Mas podemos ver um efeito muito claro da guerra numa redução de desigualdades por mais de uma geração. É importante deixar claro que isso não aconteceu na América do Sul, pois o continente ficou de fora da guerra, então não vemos efeitos semelhantes aí. BBC News Brasil - Alguns governos ocidenta is falam em "esforço de guerra" contra a propagação da doença. Isso pode ter efeito parecido com o que guerras tiveram sobre a desigualdade no passado? Walter Scheidel - Políticos fazem isso porque eles sabem que a retórica de guerra funciona. A atenção das pessoas fica preparada para isso. Pode-se dizer que essa retórica vai ser útil, no fim das contas, se puder criar um senso de que a população está nisso junta, e que vai haver um sacrifício compartilhado por todos. Claro que só a retórica não vai ser suficiente, mas algumas das medidas realmente são similares às que vemos em guerras, como intervenção do Estado na economia, restrição de liberdades, déficits gigantescos para manter a economia ativa. No longo prazo, podemos ver nacionalizações de algumas indústrias, intervenção em setores privados para fazer as empresas terem uma participação maior na área de saúde. Não é nada que chegue perto do que há numa guerra, mas vai um pouco nessa direção. Então temos a retórica de guerra e ações que vão na direção de políticas de tempos de guerra. Isso poderia no fim ter o efeito de preparar a sociedade para mudanças que tornam ela mais inclusiva e progressista. BBC News Brasil - Como a desigualdade mudou ao longo da história? Walter Scheidel - Sempre que temos tempos de paz e estabilidade por muito tempo, a desigualdade tende a se tornar muito alta, pois isso favorece as pessoas que têm predisposição a tirarem vantagem desse contexto. Quanto mais tempo esse período dura, mais a riqueza fica concentrada no topo, pois as pessoas herdam e passam ela adiante. Quando temos grandes disrupções da história, temos potencial de mudanças que não favorecem os mais ricos. Então, a história é marcada por altos e baixos de desigualdade. Vimos a formação de grandes impérios, como em Roma, e a desigualdade cresceu. O império caiu, e a desigualdade diminuiu. Na Idade Média, a peste negra veio, e a desigualdade caiu. Nas Américas, a sociedade colonial era muito desigual, mas as guerras de liberação diminuiram ao menos um pouco a desigualdade. Podemos ver isso acontecer em vários momentos, e isso ainda se aplica aos dias de hoje. Não é surpreendente que a desigualdade esteja mais alta hoje do que duas gerações atrás, mas no passado ela também já foi muito grande. BBC News Brasil - Um ponto da sua análise histórica diz que, apesar de a desigualdade ser apontada como fonte de muitos dos problemas do mundo hoje, os momentos que a diminuíram não foram necessariamente para beneficiar os mais pobres, mas mais para tirar dos mais ricos... Fora o pós- Segunda Guerra Mundial, é possível pensar em um mecanismo que levante as populações das camadas mais baixas? Walter Scheidel - Isso depende muito do tipo de crise. Quando um Estado colapsa, todo mundo fica numa situação pior do que estava antes. A diferença é que os pobres têm menos dinheiro a perder. Em pandemias, os ricos ficaram menos ricos e os pobres ficaram menos pobres, então há um pouco esse efeito de favorecer os mais pobres. Depois da Segunda Guerra Mundial, os pobres ficaram significativamente menos pobres. Nas revoluções comunistas, depende muito. Os ricos perdem tudo, e em algumas situações os pobres ficaram menos pobres, mas em outras eles ficaram mais pobres. Depende do tipo de sistema. Depende da natureza do desastre, ou da crise, que altera a distribuição. Por isso não está muito claro na situação atual se os pobres vão se beneficiar da pandemia. Há potencial para que isso aconteça, mas não é garantido. BBC News Brasil - O seu livro termina com uma conclusão um tanto pessimista sobre o futuro. Mesmo que as pessoas estejam falando mais sobre desigualdade, o senhor não vê uma possibilidade de esse quadro de distribuição de riqueza mudar sem uma grande disrupção? Walter Scheidel - Não acho que vá acontecer porque isso nunca aconteceu na história. Isso não significa que não possa acontecer, e há muita coisa imprevisível no século 21. Há sempre o potencial de vermos alguma mudança pacífica, mas considerando o que vimos ao longo da história, não há um modelo muito claro sobre como isso pode acontecer. BBC Brasil News - Ainda assim, seu livro menciona a América Latina do início do século 21 como um dos principais candidatos para uma equalização sem violência. Olhando para esse movimento, quão importante acha que ele foi e por que acha que ele não foi mais bem sucedido no sentido de diminuir as desigualdades? Walter Scheidel - É uma questão muito difícil, e tem muita gente tentando entender esse movimento. Aparentemente, foi um progresso muito limitado a um período de cerca de uma década em que o progresso foi alcançado por uma combinação rara de circunstâncias: havia mudança política, havia o resultado de reformas aprovadas nos anos 1990, havia demanda por commodities na China e em outras economias emergentes, havia o resultado de investimentos em educação feitos nos anos 1990. Foi a culminação de fatores que levaram a esse resultado, mas não está claro o quanto esses resultados eram sustentáveis. Além disso, sempre houve forças de reação presentes, que esperavam suas chances de se impor contra esses movimentos, o que vemos claramente no Brasil atualmente, mas também em outros países. Houve uma reação contra isso. Parece que as condições que favoreciam o movimento por menor desigualdade se enfraqueceram, e as forças de reação conseguiram ganhar mais força para lutar contra ela. BUARQUE, Daniel. Coronavírus: autor americano aponta potencial da covid- 19 para reduzir desigualdade no mundo . Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52145170. Acesso em: 06 abr. 2020. O FUTURO DO ENSINO SUPERIOR: A ERA DA EDUCAÇÃO 4.0 No futuro, a mão de obra humana será substituída por máquinas. Você já deve ter ouvido essa previsão. O aviso vem sendo dado por cientistas e pensadores desde a primeira metade do século 20. Pois saiba que a profecia está próxima de se concretizar. Ao menos é o que aponta o relatório The New Work Order, desenvolvido pela Foundation for Young Australians (FYA), em 2017. De acordo com o levantamento, seis de cada dez estudantes australianos estão aprendendo profissões que serão substituídas por máquinas dentro de 10 ou 15 anos. Mais: devido à automação dos processos, pelo menos 70% dos cargos ocupados por jovens podem desaparecer até 2037. Um sumiço que não se limita a postos operacionais. Algumas funções com maior grau de elaboração mental – como contadores e engenheiros – também podem ir parar nas mãos metálicas dos robôs. Diante desse cenário aparentemente nada auspicioso, a FYA recomenda que as Instituições de Ensino Superior (IES) estimulem o empreendedorismo e o desenvolvimento de habilidades digitais por parte dos alunos. Essas capacidades serão vitais daqui em diante. Na prática, a adequação das IES já está em curso. A nova era do aprendizado é uma realidade em diversas instituições ao redor do mundo. Impulsionadas pela tecnologia, as universidades estão adotando modelos disruptivosde aprendizagem – cujos pilares são a personalização do ensino, estímulo à experimentação dos alunos e a combinação entre a sala de aula e o ambiente online. O movimento está sendo chamado de Educação 4.0. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52145170 Da fábrica ao quadro negro A nomenclatura segue uma tendência registrada em outros setores, como a indústria. O termo 4.0 surgiu na Alemanha, em 2012, para identificar fábricas inteligentes que empregam recursos inovadores em seus processos produtivos. O leque de novidades abrange ferramentas como Inteligência Artificial (IA) – a capacidade de uma máquina simular o raciocínio humano – e a Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), sistema que conecta qualquer objeto à web. A aplicação dessas tecnologias é a principal responsável por transformações que já começam a ser notadas em diversos âmbitos da sociedade. No setor de educação, a revolução inclui o uso das inovações para privilegiar a personalização dos processos de aprendizado. Por isso o termo Educação 4.0, possível por meio de plataformas que mesclam recursos de IA e de Big Data Analytics – a tecnologia capaz de armazenar e interpretar quantidades gigantescas de dados. Os softwares conseguem entender os melhores métodos para desenvolver o aluno, conforme ele interage com o sistema. O design dos videogames e a lógica das redes sociais também são elementos que colaboram para a elaboração das novas estratégias de ensino. A ideia central é direcionar esses recursos para valorizar a experiência do estudante. Educação 4.0: além da conexão A Educação 4.0 está centrada no conceito do “aprender fazendo” – ou “Learning by Doing”, na expressão cunhada em inglês. O modelo prioriza o autodesenvolvimento do aluno e a construção de valores, conhecimentos e habilidades a partir da vivência de diferentes atividades. Aqui, a tecnologia surge como trunfo para flexibilizar e incrementar o aprendizado. Um exemplo dessa orientação pode ser notado no método Ensino Híbrido. O modelo prega a integração de abordagens on e offline para criar um ambiente propício à educação alicerçada na experiência. Vai além da simples inserção de smartphones e computadores na sala de aula. O Ensino Híbrido propõe o uso conjunto de recursos que realmente estimulem as habilidades digitais e a inteligência dos estudantes. A prática tem até um ambiente próprio para acontecer: são os chamados makerspaces – espaços de criação, em tradução livre. https://desafiosdaeducacao.grupoa.com.br/?s=ensino+h%C3%ADbrido Os makerspaces são laboratório de experimentação, equipados com diversos recursos – de serrotes e cortadores de madeira até impressoras 3D e softwares de programação. Também conhecidos como hubs de inovação, esses ambientes propiciam a elaboração de produtos e projetos, incentivando a criatividade e a tolerância ao erro por parte dos alunos. “São espaços para reprodução de artefatos DIY [do conceito Faça Você Mesmo, em português]. Vários deles têm uma dinâmica de aprendizado em conjunto que favorecem o desenvolvimento de projetos criativos”, explica Bia Martins, doutora em Comunicação e pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Informação, vinculado ao Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ) Além dos makerspaces, a experimentação também pode acontecer em hackerspaces. O diferencial desses espaços é a horizontalidade da troca de conhecimento – outra característica importante da Educação 4.0. Aqui, a dinâmica professor-aluno sai de cena e dá lugar à colaboração. Em uma das pesquisas de Martins, ela contatou 16 hackerspaces existentes no Brasil. A maior parte deles conta com estudantes de graduação, pós-graduação e professores universitários entre os associados. “Algumas pessoas relataram que, nesses espaços, encontravam a oportunidade de realizar o que não conseguiram em sua passagem pela academia, demonstrando certa frustração com o ensino formal”, conta. Alguns desses empreendimentos surgiram dentro de universidades – como o Laboratório Hacker, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), e o Tarrafa Hacker, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Um ponto importante para a adoção da cultura maker nas IES é associar as práticas a projetos interdisciplinares, que possam não apenas desenvolver as competências socioemocionais dos alunos, mas também oferecer melhorias para a sociedade. Além disso, a ferramenta estimula a capacidades dos discentes para lidar com novas tecnologias e inovações. Isso, aliás, não é um desafio restrito aos estudantes. Na Educação 4.0, a qualidade das plataformas tecnológicas de ensino tem uma importância quase tão grande quanto a dos professores. Os gestores, dessa forma, devem conhecer a fundo os softwares educacionais disponíveis no mercado. Só assim eles poderão escolher qual a solução mais coerente para a realidade da instituição. O ambiente virtual de aprendizagem (AVA) e as plataformas de ensino adaptativo fazem parte desse cabedal. Desafios da Educação. O futuro do ensino superior: a era da Educação 4.0. Disponível em: https://desafiosdaeducacao.grupoa.com.br/educacao-4-0-futuro-do- ensino/. Acesso em: 06 abr. 2020. https://desafiosdaeducacao.grupoa.com.br/educacao-4-0-futuro-do-ensino/ https://desafiosdaeducacao.grupoa.com.br/educacao-4-0-futuro-do-ensino/ https://desafiosdaeducacao.grupoa.com.br/educacao-4-0-futuro-do-ensino/ PILAR ESPIRITUAL Cultura e Arte TEXTO SELECIONADO CULTURA E ARTE: BENEFÍCIOS NO DESENVOLVIMENTO SOCIOEMOCIONAL Veja como a arte e a cultura auxiliam no desenvolvimento socioemocional, trazendo melhores perspectivas pessoais e profissionais, desde a educação infantil. Desenho, dança, teatro, música, pintura e outras formas de expressão são consideradas por muitos como atividades recreativas e de pouca importância. No entanto, a arte e a cultura na educação infantil são disciplinas fundamentais , pois contribuem para o desenvolvimento integral da criança! http://escoladainteligencia.com.br/wp-content/uploads/2017/09/cultura-e-artes-beneficios-no-desenvolvimento-socioemocional-604x270.jpg Leitura e atuação crítica no mundo, autoconhecimento, exteriorização das emoções, criatividade, sensibilidade, empatia, autonomia e reconhecimento das diferenças são algumas habilidades — denominadas como socioemocionais — que são fortemente estimuladas por essas práticas. Sabemos que o conhecimento racional ainda é sobrevalorizado — em detrimento de outros tipos de saber — pelo atual currículo escolar. A questão que surge é que, na experiência humana, as esferas física, mental e afetiva não atuam separadamente. Isso significa que não há como alcançar um aprendizado efetivo se não for dada a devida atenção às diferentes formas de a criança vivenciar, perceber e conhecer o mundo. Para que as coisas façam sentido, os pequenos precisam estabelecer conexões externas e internas , e é exatamente nesse ponto que o ensino das artes se mostra relevante. Por que incorporar arte e cultura na educação infantil? Conforme foi dito, o contato com as manifestações artísticas e culturais nesse primeiro estágio da formação escolar contribui significativamente para o desenvolvimento infantil (compreendido em sua amplitude). Os benefícios oferecidos às crianças são muitos! A seguir elencamos alguns dos principais, confira! Estímulo ao autoconhecimento O ensino artístico na infância incentiva o conhecimento de si e o reconhecimento do outro como um ser igualmente dotado de características que o tornam único. Por meio de suas criações, a criança consegue acessar seus sentimentos e expressá-los. Ao apreciar as produções de seus colegas, ela consegue identificar o que as aproxima e o que as distingue. Ser capaz de reconhecer suas próprias limitações e potencialidades, assim como as do outro, é uma maneira de fortalecer a autoconfiança (processo de empoderamento) e a empatia. Além disso, crianças que aprendem desde cedo a expressar suas emoções tendem a construir relacionamentos interpessoais mais saudáveis e equilibrados. Ampliação de horizontes Perceber a variedade de cores, formatos, tamanhos, posições e símbolos que compõem o mundo amplia os nossos horizontes, ou seja, alarga o nosso universo de possibilidades de conhecimento e de interpretação do mundo que nos cerca. Quando dizemos que as artes estimulam a criatividade — ou que despertam a imaginação — é porque qualquer uma de suas expressões oferece elementos que modificam qualitativamente o nosso olhar . Saber que existem infinitas formas de sentir e representar a realidade vivida desenvolve nas crianças a capacidade de questionar as coisas, de enxergar e pensar para além do óbvio e, consequentemente, de elaborar soluções criativas para os desafios que surgem ao longo da vida escolar e extraescolar. Experiência da fantasia Experimentar a realidade por meio da fantasia: parece contraditório, mas não é. A ficção auxilia a criança a perceber que existe uma conexão entre símbolo e significado, isto é, entre o real e o representado. Essa assimilação ocorre de forma muito mais efetiva quando é vivenciada de modo prazeroso e intenso, por meio do faz-de-conta e da imaginação . No papel de personagens em histórias inventadas — e por que não, encenadas? — os pequenos conseguem identificar situações do cotidiano e se colocar nelas. Esse processo auxilia no fortalecimento dos vínculos afetivos e na inserção gradativa da criança na sociedade. Em outras palavras, ela começa a se entender como sujeito no mundo, como ator social dotado de singularidades, responsabilidades e direitos. Desenvolvimento de habilidades interculturais Nada melhor para combater o preconceito e a discriminação que a informação e o conhecimento! A criança que tem contato, desde sua primeira etapa formativa, com as mais distintas formas culturais e suas expressões, compreende que todos somos diferentes e merecemos ter nossas escolhas respeitadas. Mais do que isso, é necessário apreender que a diversidade cultural , ou seja, a pluralidade de pensamentos, ideias, expectativas e manifestações, não é negativa. Ao contrário, ela promove a consolidação e o enriquecimento da experiênci a humana . A percepção de que a realidade pode ser interpretada a partir de múltiplas perspectivas nos torna mais conscientes de nosso lugar no mundo. Dito de outra forma, conhecer o outro é também uma forma de conhecer melhor a si mesmo ! Abertura ao diálogo, empatia e respeito às diferenças são valores essenciais para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e inclusiva — na qual todos tenham o direito de ser exatamente quem são e a possibilidade de desenvolver suas próprias potencialidades. Como trabalhar as expressões artísticas e culturais na escola? Agora que já sabemos um pouco sobre a importância de inserir disciplinas de arte e cultura no currículo escolar infantil , que tal receber dicas de atividades para trabalhar na escola? Fizemos uma lista com algumas ideias diferentes de abordagem: ● Oferecer vivências de desenho e pintura livres (espontâneos); ● Trabalhar com contação de histórias (e incentivar as crianças a construírem, narrarem e encenarem suas próprias histórias); ● Visitar museus, galerias de arte e teatros; ● Conhecer aldeias indígenas e quilombos (ou trazer para o espaço escolar representantes dessas culturas para falarem sobre elas); ● Disponibilizar horários para escuta de estilos musicais desconhecidos; ● Proporcionar oficinas de expressão corporal ; ● Aproveitar os festejos tradicionais (por exemplo, a festa junina) para conhecer expressões regionais e organizar apresentações artísticas ; ● Estimular o contato com a linguagem poética e a criação de poesias coletivas e individuais. Encorajar uma criança a desenvolver suas habilidades socioemocionais pode fazer uma diferença significativa no nível de seu aprendizado e, do mesmo modo, nas relações que ela estabelece consigo mesma, com o ambiente e com as outras pessoas. Em outros termos, devemos olhar para os pequenos como sujeitos integrais e procurar promover práticas que trabalhem o desenvolvimento deles em amplo sentido — não somente visando o conhecimento racional. Será que estamos permitindo e estimulando a expressão plena daquela criança, ou melhor, de todo o universo daquela criança? Se queremos formar indivíduos autônomos, criativos e maduros, talvez seja essa a pergunta-chave para nos guiar! Há diversas ações que envolvem arte e cultura na educação infantil que podem ser apresentadas, todas elas impactando de forma muito positiva a vida da criança . BLOG GESTÃO ESCOLAR. Cultura e arte: benefícios no desenvolvimento socioemocional . Disponível em: http://escoladainteligencia.com.br/cultura-e-artes- beneficios-no-desenvolvimento-socioemocional/. Acesso em: 23 mar. 2020. http://escoladainteligencia.com.br/cultura-e-artes-beneficios-no-desenvolvimento-socioemocional/ http://escoladainteligencia.com.br/cultura-e-artes-beneficios-no-desenvolvimento-socioemocional/