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DO PARALELISMO OU DESDOBRAMENTO DA POSSE 1. INTRODUÇÃO Conforme leciona Flávio Tartuce, entende-se como “Direito das Coisas” (do alemão, “Sachenrecht”) ou “Direitos Reais”, o ramo do Direito Civil cujo conteúdo constitui-se do estudo das relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis. Como as coisas suscetíveis de apropriação e o disciplinamento da intersubjetividade são objetos de interesse da aludida codificação, é mister breve esclarecimento acerca do que dispõe a doutrina e o ordenamento pátrio sobre o instituto “Posse”, palco de acaloradas discussões e controvérsias na cena jurídica, haja vista a plasticidade do conceito. Consoante o disposto no Código Civil de 2002, especificamente no art. 1.196, “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Tal definição se justifica pela escolha do legislador em utilizar a “Teoria Objetiva”, de Rudolf von Ihering, na qual a posse era entendida como um direito, ou seja, um interesse juridicamente tutelado. Segundo esta teoria, em apertada síntese, para ser possuidor, é necessário comportar-se como proprietário da coisa, agindo como proprietário fosse, independentemente de ter contato ou não com a mesma. Objetivamente, a posse se revelaria pela exteriorização da propriedade e da visibilidade aferida ao domínio, bem como o uso econômico da coisa, possibilitando o exercício do direito (de propriedade). Ademais, em contraste ao teor essencialmente liberal e individualista do Código Civil de 1916, ressalvada a timidez do legislador em agregar amplamente, nesse particular, o novo dimensionamento social trazido pela Constituição Federal de 1988, o códex atual elencou disposições inéditas que evidenciam notável preocupação com a dignidade do indivíduo, bem como sua integridade. Desta feita, a alteração das estruturas sociais, como prescreve o Mens Legis idealizador da Constituição da República, motivou o surgimento de perspectivas jurídico-sociológicas, ensejando a incorporação destas teses nos estudos acerca do instituto “Posse. Destarte, teses como a “Teoria Sociológica da Posse”, incorporada na Codificação Civil vigente, preconizam a configuração da Posse não apenas como fruto de uma destinação econômica, mas sim ante a observância da chamada função social, não obstante a existência dos casos em que não se verifica destinação financeira. Tais considerações estão presentes nos contratos de comodato, por exemplo, onde resta devidamente esculpida a posse e a função social. 2. DO PARALELISMO OU DESDOBRAMENTO DA POSSE Como é cediço, a posse pode ser classificada de modo diverso. No presente trabalho, cumpre ressaltar que haverá enfoque na sua classificação quanto ao exercício e gozo (Posse Direta e Indireta), de modo a investigar suscintamente o fenômeno do desdobramento da posse. Em linhas gerais, configura-se a Posse direta (art. 1.197 do CC/02) mediante exercício do poder material ou contato direto com a coisa, podendo advir de uma relação jurídica pessoal ou real. Já a posse indireta é aquela que o proprietário conserva mediante cessão temporária do domínio da coisa. Desta forma, o desdobramento da posse ou paralelismo se dá quando posse direta e a indireta coexistem, sem prejuízo da defesa da posse em face de terceiros. Para fins de exemplificação, tal fenômeno ocorre quando o proprietário do bem (móvel ou imóvel), por meio de uma relação jurídica com outrem, como ocorre nos contratos de locação, concede temporariamente parte da posse para o locatário. Neste caso, observa-se que o locador, que é titular do direito real sobre a coisa (propriedade), passa a exercer a posse indireta, já que concedeu a um terceiro o poder físico imediato da coisa (posse direta), gerando assim uma limitação de uso do direito real de propriedade e consequente desdobramento da posse. Insta salientar que o supracitado contrato de aluguel, trata-se de obrigação de eficácia real, sendo certo que não se confunde com um direito real propriamente dito, por não ser especifico da coisa. Logo, é uma obrigação facultativa, feita por vontade própria do proprietário, sem prejuízo das limitações ao uso do bem impostas ao titular do direito real. 3. EXEMPLO DE CASO CONCRETO João comprou um apartamento, sendo assim, titular do direito real de propriedade, e resolve alugá-lo para Pedro, através de contrato de locação. A partir desse momento, Pedro, locatário, passa a ter a posse direta do imóvel e João a posse indireta, caracterizando o desdobramento da posse, uma vez que ambas coexistem. Ressalta-se que a posse direta não se confunde com a detenção, no sentido que a posse direta se caracteriza pelo poder de fato sobre a coisa e a detenção pela conservação da posse em nome de outrem, mediante relação de subordinação, ou seja, em cumprimento de ordens e instruções. 4. DAS DISPOSIÇÕES FINAIS De forma sintetizada, o presente propôs-se a tratar das diferentes nuances envolvidas nas teorias postuladas a título do estudo do instituto “Posse”, bem como sua concepção no ordenamento pátrio, responsável por importantes modificações no espectro da produção intelectual, sobretudo na literatura jurídica, na qual se constata notável fecundidade, haja vista as diversas significações axiológicas adquiridas com o tempo. No Brasil, a herança deixada por Rudolf von Ihering e as concepções de viés social podem ser facilmente percebidas nos detalhes, notadamente através da violenta ruptura de valores promovida pela Constituição Federal de 1988, que fortaleceu positivamente a luta contra o sonoro abismo social entre as classes econômicas do país. Assim, embora se tenha aperfeiçoado a disciplina da posse, como adverte Luiz Edson Fachin, “a estrutura fundiária brasileira suscita legítima demanda de transformação e reforma”, caminho pelo qual o país ainda precisa avançar – e muito -, de forma a promover a construção de um direito das coisas voltado à realização da dignidade humana, de modo equitativo e solidário. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ▪ TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. ▪ FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 12ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016. ▪ GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 5, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016 ▪ WALD, Arnoldo. Direito das coisas. v. 4, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. ▪ STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil. v. único, 4ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
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