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Resumo - Geografia e Modernidade (PCC Gomes)

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Geografia e Modernidade
Paulo Cesar da Costa Gomes - 1996
Introdução
	De acordo com o autor, saber se a geografia é uma ciência consiste, em certo sentido, em meditar sobre o caráter moderno desta disciplina. Aqui, o saber geografico é entendido como produtor e difusor de uma cosmovisão moderna.
	“A ciência condernada, algumas vezes caricaturalmente, é a "ciencia moderna", nascida do projeto iluminista e institucionalizada dentro de uma vertente positivista e normativa. Por positivista, se entende um saber sistemático que acredita na possibilidade de afirmar proposições a partir de certo grau de precisão e dentro dos limites de uma linguagem lógica, ou seja, de uma maneira positiva. Por normativo, se compreende que esta possibilidade só existe quando são seguidas determindas regras e condutas”.
	Do moderno ao pós-moderno – questionamento do poder da razão. Passa-se a questionar a ciência, os seus métodos e o seu poder hegemônico e a superação desse modelo é a primeira condição para o alcance da pós-modernidade. A Geografia, apesar das críticas de se manter desatualizada dos principais debates epistemológicos, nessa discussão, especificamente, se manteve atualizada, pois são abordados temas caros à tradição geográfica, tais como espaço, urbano, planejamento, regionalismo, escala local, natureza etc. 
	Para definir a influência do pós-modernismo na geografia é preciso lançar uma olhar retrospectivo sobre a mesma, considerando a sua natureza na “geografia moderna”, a sua identidade. Mas como definir a identidade geográfica? Pelo seu objeto científico? Pelo seu método? Pelo “espírito geográfico”?
	O objetivo deste livro consiste em acompanhar o desenvolvimento da geografia durante os dois últimos séculos, em suas múltiplas relações com o projeto da modernidade. Sendo assim, a definição progressiva do objeto da geografia, assim como as transformações metodológicas que contribuiram para a sua constituição, são os objetos privilegiados nessa anállise. 
PARTE 1 – O DEBATE DA MODERNIDADE
1 - Os dois pólos epistemológicos da modernidade
Junho de 1972 – Implosão do conjunto habitacional nos EUA projetado de maneira funcionalista por Le Corbusier. Início dos tempos pós-modernos.
	Até então, tudo era racionalidade e funcionalidade, tudo se justificava pela sua performace funcional, nada é inútil ou injustificável (exemplo de Brasília). Podemos dizer que se Paris foi o seio da modernidade, os Estados Unidos foi o cenário do seu enterro. Aos poucos começa a ser observada na Arquitetura uma preocupação decorativista, antes considerada inútil, legitimados em nome da singularidade e da subjetividade do julgamento estético. O mesmo acontece nas Artes, que passam a usar formas e objetos que em nada se relacionam com a função do objeto ou mesmo com uma mensagem metafórica. Na literatura acontece o mesmo, enquanto autores como Kafka apresentavam um emaranhado de informações que se relacionam com o objetivo final da trama, no pós-modernismo os textos são arredios a qualquer exercício objetivo. Já no cinema, as mudanças podem ser vistas na representação de cenas inexplicaveis que não acrescentam nada a narrativa principal (exemplo de Almodóvar).
	“Fica patente a afirmação de um certo particularismo ou de uma intenção de criar elementos únicos, em oposição à antiga conduta, que produzia projetos em série, baseados nos mesmos princípios gerais.” Ou seja, o pós-modernismo tem como principal característica a negação ao universalismo, à generalização glorificada pelos modernistas. As significações devem ser fluidas, mutantes e permanentemente reatualizadas, pois já não há uma preocupação com a inteligibilidade (sentimentos, polissemia, inspiração etc.). 
	Alguns autores apresentam propostas de rompimento com da ciência com o modernismo. Feyerabend, por exemplo, em “Contra o Método” afirma que as inovações teóricas são muito mais fruto do acaso do que da ordem, de forma que somente através do inesperado, da desordem, pode-se realmente abalar a estrutura hegemônica do conhecimento racional. Para ele, a ciência não detem todo o conhecimento, o mito e a razão devem manter relações de reciprocidade.
	Nas ciências sociais, a nova proposta é reintroduzir a hermenêutica e substituir o marxismo e o estruturalismo, abrindo espaço para um conhecimento não-hierarquizado, menos pretensioso em suas generalizações e mais atento às especificidades, pois não está comprometido com uma ordem lógica, estável e geral, ou seja, busca-se um saber alternativo à ciência racional.
	“A razão se transformou em instituição no final do século XVIII quando se transformou em ciência, constituida por modelos experimentais, segundo os principios galileanos. Nesse caso, a razão é a fonte de toda generalização, da norma, do direito e da verdade. A ordem, o equilibrio, a civilização, o progresso são noções saídas diretamente deste sistema moderno que se proclama como a única via de acesso a um mundo verdadeiramente humano.”
	O mote do pós-modernismo é justamente negar a razão como único princípio legítimo da cultura e do saber e os pós-modernistas não são os primeiros a negar essa razão. Durante a própria modernidade houve “contracorrentes” que propunham outros sistemas de organização do pensamento. É importante destacar que a modernidade se trata de um período caracterizado por um campo de tensões, bem menos monolítico do que parece ser. A quem diga (corrente neomoderna ou hipermoderna) que o pós-modernismo nada mais é que um breve momento de ruptura ou como um momento suplementar na grande marcha da modernidade.
Os dois pólos epistemológicos
	Em relação à definição de modernidade, não é possível delimitar quando e onde ela começa, é algo muito sutil e gradual que possui uma dinamica espaço-temporal demasiada complexa, o que sabemos é que ela define um novo código de valorização que interfere em diversas esferas da vida social. Um dos traços marcantes é o novo lugar conferido à ciência com a chegada da modernidade, tornando-se o novo código de valores. No caso da Geografia, desde a Antiguidade responsável pela descrição e criação de uma imagem de mundo, o objetivo passa a ser proferir um discurso científico e moderno.
	A ciência moderna apresenta dois pólos epistemológicos opostos e ao mesmo tempo complementares (novo/tradicional). O primeiro pólo surge no Século das Luzes e tem como idéia central a universalidade da razão, afirmando que a verdade do mundo é fruto de uma argumentação lógica, ordenada e sistemática. Esta argumentação deve seguir os principios da não-contradição, da generalização e da demonstração, isto é, deve ser submetido a uma prova pública, confrontado com outros pontos de vista e demonstrar sua superioridade explicativa.
	O sistema da racionalidade prevê que exista um movimento de progressão. O progresso é parte fundamental deste sistema que opera através de rupturas que denotam a ascensão gradual do conhecimento. O racionalismo possui uma concepção do movimento (histórico e científico) como uma alternância entre momentos de estabilidade e momentos de crise. A crise é o anúncio de uma modificação onde há uma dinâmica de confrontação entre o antigo e o novo. Sendo assim, a crítica é o principio fundador do racionalismo, o veículo e o motor do processo da renovação moderna.
	A ciência racionalista confere uma primazia fundamental ao método lógico racional, sendo ele o único meio de oferecer todas as garantias lógicas da relação entre pensamento e realidade. A forma cientifica do saber é o uso de um método que garante os limites racionais do pensamento, é ele também que diferencia o conhecimento geral do saber científico. Tal modelo de ciência racionalista procura construir sistemas explicativos, resultantes da análise dos aspectos regulares de um dado fenômeno. A explicação é, portanto, o produto da operacionalização de uma ordem formal instrumentalizada por uma lógica coerente e geral que relaciona o modelo abstrato à realidade. Esse tipo de ciência acredita realizar o caminho que leva do particular ao geral e sua meta final é conseguirestabelecer afirmações universais (normativo).
	O segundo pólo epistemológico da ciência moderna também surgiu no Século das Luzes. Tratam-se de posições anti-racionalistas que se manifestam a partir de múltiplos movimentos. O ponto central que liga esses movimentos, essas “contracorrentes”, é que a razão humana não é considerada como matriz da uniformidade pressuposta pelos racionalistas. Ou seja, a razão humana não é universal ou pelo menos não possui sempre a mesma natureza, as mesmas manifestações e a mesma forma. A razão concebida pelos racionalistas é um valor e a atribuição deste valor é relativa.
	Sendo assim, essas contracorrentes valorizam o particular, afirmando que um fato só adquire significado no interior de um contexto singular. A idéia é que todo fato ou fenômeno é composto por singularidades, especifidades próprias que não podem ser traduzidos em uma lei geral. Enquanto os racionalistas pregavam que através do método científico deveriam ser criadas as condições de distanciamento dos fatos, aqueles pertencentes a “contracorrente” alegavam que por meio deste procedimento perdemos a possibilidade de verdadeiramente compreender a riqueza da diversidade dos fenômenos: “O saber é uma função da sensibilidade da interpretação e não propriamente da forma para se conseguir isso.” Há ainda uma diferença entre racionalistas e não-racionalistas em relação as tradições – enquanto para os racionalistas a tradição é um obstáculo, algo defasado que teima em resistir, para a maioria dessas “contracorrentes” a tradição é o que sobreviveu as mudanças, exprimindo características singulares e dinâmicas. Além disso, as contracorrentes aceitam a subjetividade como algo incontornável enquanto os racionais a refutam.
	Vários autores apontam para esse dualismo. Por exemplo, o filósofo belga Robert Legros afirma que existem dois núcleos em torno dos quais é pensada a relação do homem com a natureza: o das Luzes (homem e natureza são elementos distintos) e o do romantismo (idéia de pertencimento do homem à natureza). “A partir desta distinção se abre o abismo entre o pensamento universal, centrado em uma natureza humana independente da natureza, e o pensamento particular, que naturaliza as atitudes.”
	A epistemologia constitui o núcleo para onde converge o conjunto dessas discussões gerais da ciência. Ela apareceu no começo do século XX como concorrente da antiga Filosofia da Ciência, que possuía uma forte conotação positivista (vide Comte e Ampère) reunindo em seu âmago as discussões a respeito de um método único da ciência. Já a epistemologia surge como a análise crítica da validade e da eficácia dos conceitos fundamentais e, portanto, dos principios e dos resultados da pesquisa centifica. Trata-se de um terreno de reflexão sobre as diferentes maneiras de conceber a ciência.
Os caminhos da análise 
	“Parte-se da concepção de que a ciência moderna se alimenta da controvérsia entre estes dois pólos, através da qual são asseguradas, simultaneamente, a manutenção do movimento permanente da ciência e a renovação dos ritos do “novo”, verdadeiro mito da modernidade”.
	Essa bipolaridade da modernidade não é em si mesma uma hipótese, mas nos permite a construção de hipóteses sobre o tipo de desenvolvimento da ciência geográfica. Nesse momento, Gomes resgata o conceito de “tipo ideal” de Max Weber (1965) para analisar a modernidade e as suas contracorrentes. O “tipo ideal” força alguns traços e ligações entre fenomenos para tornar possível a leitura, formar um quadro de pensamento homogêneo. 	
	A partir desses “modelos ideais”, são construidas duas hipóteses sobre o desenvolvimento da geografia. A primeira é a que em torno dessa confrontação entre os dois pólos surgiu um gênero de debate na geografia, encontrado recorrentemente a cada momento de transformação ou de discussão metodológica. A segunda hipótese deriva da primeira e consiste em considerar que esta dualidade das posições metodológicas na geografia se deve ao fato de que esta disciplina constitui uma expressão da modernidade. Ou seja, ou a geografia incorporou essa dualidade pra si (geral x particular) ou a geografia é um produto dessa modernidade, portanto, intrinsicamente dualista.
	Gomes apresenta diferentes formas de interpretação da evolução epistemológica da geografia. Essa evolução poderia ser feita por meio da interpretação a partir da sucessão de escolas geográficas como constituindo etapas de mudança nos paradigmas, tal qual fez Thomas Kuhn (sociologia da ciência). No entanto, na análise de Gomes, não há exatamente paradigmas, trata-se muito mais de um processo de renovação em relação às posições fundadoras da modernidade científica. Outra fonte de inspiração para o autor foi a concepção de episteme de Michael Foucalt. Para o filósofo, existem três dimensões da episteme da modernidade: a das ciências físicas e matemáticas; a das ciencias da linguagem e da produção; e da reflexão filosófica. As ciências humanas, por sua vez, fazem apelo a esses três gêneros sem definir uma dimensão própria. Entretanto, neste livro, Gomes não adota essa divisão e baseia a sua análise nos dois discursos diferentes e opostos, os dois pólos.
	Desse modo, o autor se propõe a abrir uma nova perspectiva sobre a história da geografia, sem com isso fazer da história o objeto central de análise, esta última feita a partir do sistema de oposição entre as correntes da geografia. Logo, seu objeto de análise consiste nos debates que dizem respeito à natureza do conhecimento geográfico, seus métodos, sua finalidade e sua legitimidade científica. O procedimento de traduzir o debate geral da modernidade, entre racionalismo e as contracorrentes, toma uma forma específica no discurso geográfico e essa é a primeira etapa para entender a identidade entre modernidade e geografia.
	Faz-se necessário a identificação de alguns momentos na história da disciplina, onde esses debates foram mais fortemente vividos ou caracterizaram momentos de mudança na orientação do discurso predominante na geografia.	Paul Claval considera que existiram três grandes cortes no pensamento geográfico:
1) Tempos heróicos: marcado pelo triunfo do espírito naturalista no final do século XVIII, tendo como nomes marcantes Humboldt e Ritter. Trouxe para a geografia a sistematização da explicação e a descrição metódica.
2) Geografia clássica: situado no final do séc. XIX, foi o momento de institucionalização da disciplina e compartimentação do saber geográfico (geografia geral física e a geografia regional).
3) Geografia moderna: vivido nos anos 1950, correspondeu à transformação da geografia em uma ciência social.
	Em cada um desses períodos encontra-se a estrutura da dualidade. No 1º a dualidade é valorizada e justifica a geografia. No 2º a dualidade é uma dimensão implícita e inexorável que faz parte do próprio objeto da geografia. No 3º cada corrente se apresentou como uma alternativa, capaz de superar os termos desta dicotomia.
2. Os elementos da estrutura do mito da modernidade
	O autor inicia essa sessão apresentando as características fundamentais dos movimentos considerados modernos: o caráter de ruptura, a imposição do novo e a pretensão de alcançar a totalidade. “Todo fenômeno quando se apresenta como moderno parte de uma referencia negativa àquilo que existia antes e que a partir de então se transforma no antigo ou no tradicional. O moderno substitui alguma coisa do passado, defasada. Daí a idéia de estrutura em progressão, segundo a qual o avanço e a mudança são sempre elementos necessários. O resultado é uma cadeia de derivações na qual substituições consecutivas e progressistas são regularmente estabelecidas”.
	Para o novo substituir o antigo é preciso o mecanismo da ruptura, atraves da negação e prova da inadequação do velho. Trata-se de um debate contínuo, uma mudança radical e não uma adaptação ou ajuste progressivo. A ideia não é transformar setores específicos, mas sim redefinir toda uma lógica onde o “novo” impera sobre o tradicional.
	Essa estrutura repetitiva da modernidade se assemelhaà estrutura de um mito. Mito é um discurso que encadeia símbolos e exerce uma função comunicativa-comunitária, criando uma ligação entre o imaginário e a realidade de um grupo social por meio da semântica. São mensagem que reapresentam um certo vivido que é revivido a medida o mito se faz discurso. Analogamente, a modernidade se renova toda vez que o combate entre o novo e o tradicional se materializa em um discurso sobre a realidade. É nesse sentido que podemos falar em uma modernidade dual, onde a continuidade é rompida pelo confronto recorrente do “novo” e do “tradicional”.
Os fundamentos da modernidade
	De acordo com Jean Baudrillard, a modernidade não é um mero conceito (político, histórico, sociológico), ela é na verdade um modo de civilização característico, que se opõe ao modo da tradição, ou seja, a todas as outras culturas anteriores ou tradicionais – uma definição pouco operacional, pois rupturas com o “tradicional” nos mais diversos contextos poderiam ser tidas por modernas. 
	Como aponta Habermas, na Antiguidade (séc. V) o termo modeno já era utilizado pra diferenciar a nova ordem cristã do passado pagão (novo x tradicional). Apenas no século XVIII surge mais claramente a idéia de modernidade, a partir dos ideais iluministas, a “Querela entre os Antigos e os Modernos” e o confronto da ciência moderna com o romantismo que se afirma durante o século XIX.
	O movimento da modernidade se desenvolveu sob diferentes formas, domínios e cronologias variáveis, mas com algumas características em comum possibilitando estipular um marco histórico, no entanto, dependendo do campo que se examina, a modernidade pode apresentar datas variadas. Em geral, seu início está relacionado ao período do Século das Luzes (Iluminismo), por volta do fim do séc. XVII e ao longo do séc. XVIII e seu desfecho não tem consenso. O Século das Luzes é o século da crítica. Uma crítica que deveria definir uma ordem e distinguir entre a razão e a imaginação, entre o gênio e as regras, entre os sentimentos e a verdade.
	O iluminismo nos remete a um segundo gênero de delimitação: a espacial. As condições para a constituição de um território da modernidade nasceram simultaneamente em diversos pontos da Europa Ocidental (França, Inglaterra, Alemanha) e fortaleceram-se nos grandes centros urbanos (Paris, Londres, Amsterdam). A modernidade possui um caráter cosmopolita patente que, à luz da nova ordem que ela mesma vai fundar, não cessará de se expandir. Essa nova ordem se expande aos poucos, aumentando conforme melhoram os transportes e o nivel de instrução, aumentam os interesses por viagens ao exterior, construindo novas redes.
	A nova ordem se difunde rapidamente e vê-se surgir com força a ideia da Europa enquanto uma nova base de identidade. Um espaço que define, com certa homogeneidade, um mesmo grau de civilização, mesmo gostos, mesma moral – uma comunidade unida pela cultura nascida no Iluminismo. O homem moderno consiste no europeu e a própria Europa se trata de “uma grande república dividida em vários Estados”. Busca-se nesse momento a união a partir de um idioma comum. Na época, o francês foi adotado como “língua culta” e Paris era encarada como a capital do mundo, o centro civilizador por excelência.
	Mais uma característica importante desse período é a criação de uma nova temporalidade quando começam a criar instrumentos de precisão para medir o tempo (relógio, cronômetro). O tempo, antes medido pelas grandes festas e tempos de colheita, passa a ser mais linear, já que a nova produtividade exigia um controle mais preciso do tempo. A modernidade funda, portanto, uma nova ideia de sociedade, distanciada dos códigos da honra e da tradição que constituíam o sustentáculo da estrutura medieval. Desse modo, podemos dizer que a “nova” sociedade ampliou, sob todos os ângulos, o espaço e o tempo. 
A reestruturação do poder
	A base social desta nova organização foi dada pela constituição do Estado moderno. Até o séc. XVI, a esfera do Estado se confundia com os interesses privados daqueles que o representam. As monarquias absolutas rompem com isso e os regentes, que antes lutavam pelo indivíduo ou pela família, agora passam a lutar por uma nação com unidade física de um território. Desse modo, as mornarquias absolutas europeias do Século das Luzes se constituíam como um núcleo do futuro Estado de Direito. Gradualmente, a imagem do Estado deixa de ser representada por um personagem físico para torna-se aquela de um território, tendo a Revolução Francesa (1789) como um marco dessa mudança. São criadas então uma série de leis, regras e condutas para todo o território e a esfera pública e a privada tornam-se mais bem delimitadas.
As bases ideológicas da nova sociedade
	A Revolução de 1789 foi um movimento de ruptura fundamental e de crítica generalizada que instaurou pela primeira vez as bases de uma nova sociedade ou uma sociedade moderna e inspirou outros movimentos ao redor do mundo, todos com pontos em comum com este modelo primordial. Todos tentantavam estabelecer as bases de uma nova sociedade, radicalmente diferente da antiga. 
	É nesse período também que se cria o estilo literario utópico que projeta, a partir da racionalidade, um mundo plausível e inverso ao da realidade. O mesmo caráter utópico se manifesta em outros campos, como nos planos de urbanismo. É preciso levar em conta também as antiutopias, que utilizavam o universo urbano para ilustrar os poderes negativos da razão.
	Outra manifestação da mudança na mentalidade do homem moderno são as viagens do séc. XVIII que passam a ser essencialmente urbanas, dando fim à admiração de bucólicas cenas campestres que retornarão com Rousseau e os românticos no séc. XIX. O Romantismo viria a ser a contracorrente que se opõe ao modernismo no mundo das artes, surgindo em oposição ao classicismo. 
	Após uma longa exposição a respeito da presença da modernidade nas mais variadas áreas do conhecimento, Gomes encerra este capítulo afirmando que a ciência figura no cume dessa redistribuição de horizontes à qual a modernidade está associada. Para ele, a constituição da ciência se confunde a tal ponto com o nascimento da modernidade que é dificil pensar em uma sem fazer referencia a outra. O pensamento científico moderno, portanto, é a própria essência da modernidade, a sua testemunha mais eloquente.
3. A evolução do racionalismo moderno e o pensamento da natureza
	Este capítulo se propõe a fazer uma breve síntese de alguns marcos no desenvolvimento, ao longo da modernidade, da ciência em geral e da geografia em particular.
	Uma das marcas fundamentais da ciência racionalista reside na natureza do saber. Nas ciências gregas e medievais buscava-se o alcance de uma verdade suprema, definitiva, relativa à essência das coisas e do mundo (metafísica). A revolução epistemológica do séc XVIII consistiu no foco dado ao método científico. O que se punha em questão era a forma mais adequada de construir um saber científico, garantindo a progressão do conhecimento e mudando as concepções de natureza.
	Tem-se como condição da modernidade o distanciamento entre o sujeito conhecedor e o objeto deste conhecimento, tudo isso através da razão, sendo este o único instrumento capaz de isolar esses dois termos. A objetividade é o fetiche do discurso científico e vem dessa possibilidade de construir um objeto do conhecimento por intermédio do método. Sendo assim, tendo definido o objeto, é possível aplicar uma conduta geral a partir de origens lógicas e racionais, construindo assim um saber rigoroso e o único válido.
	Os filósofos (depois conhecidos como homens da ciencia) foram os primeiros intérpretes da modernidade nascente, são eles os promotores de um tempo novo. 	Nessa época, um dos principais temas dizia respeito à natureza. As questões centrais da modernidade científica nesse momento são: rejeição da finalidade teológica, afirmação de uma “natureza humana”, possibilidade de um conhecimento lógico desta multiplicidade e a relação entre natureza e cultura. Novas cosmogonias são criadas, ondeo homem é uma espécie única que compõe o quadro dos animais.
	A consolidação do conhecimento científico engedrou debates sobre a natureza, agora vista como objeto do saber científico – considerava-se que a razão poderia extrair conhecimento lógico submetendo seus fenômenos ao escrutínio do método. As preocupações da geografia coincidem com estas últimas: relação homem-natureza, conexão dos fenômenos naturais na superfície do globo, influência da natureza sobre a cultura. Busca uma lógica na ordem natural e suas possíveis relações com a dinâmica da organização social. Ou seja, as questões que surgem nesse perído moderno são apropriadas pela geografia.
A natureza máquina e a ciência como cadeia explicativa
	O sistema cartesiano é o primeiro grande modelo de ruptura, quando a natureza passa a ser um sistema de leis matemáticas estabelecidas por um Deus racional (“matemático”). 
	Na obra de Descartes (sistema mecanicista) foram previstos os princípios fundamentais que guiariam a reflexão no Século das Luzes: o principio da crítica, a dúvida metódica, o uso da razão natural, a idéia de ciência progressiva, o uso de uma linguagem única para toda ciência (matemática) etc. Só pecou por creditar tudo isso a providência divina, como se Deus tivesse criado todas as leis, sendo ele o único avalista racional. 
	Para a geografia, o mais importante no sistema mecanicista de Descartes reside na essência da matéria definida enquanto extensão. Toda distinção provem da forma, do tamanho e da posição relativa. A natureza é geométrica e, pela primeira vez, aparece claramente uma noção abstrata do espaço. 
	No modelo newtoniano (séc. XVIII) foi proposta a experiência e a observação como ponto de partida da pesquisa científica. Além disso, cunhou o conceito de força, afirmando que esta move a natureza. Para isso, precisou definir as categorias de tempo e espaçi absoluto. É quando Newton faz a distinção de espaço primeiro (sem relação ao que quer que seja de exterior) e espaço relativo (definido por corpos, pode ser objeto da experiência sensível). Desenha-se uma nova concepção de natureza inteligível pelo esforço de uma observação atenta e racional.
	Da mesma forma que os corpos celestes podem ser estudados através de leis, o movimento da sociedade tambem pode se tornar objeto de observação, extraindo-se daí regras e modalidades do seu funcionamento. Ou seja, a essência do homem e o seu desenvolvimento poderiam ser conhecidos assim como a natureza, de maneira objetiva.
	Outra grande referência foi a obra de John Locke (séc. XVIII) que argumentou contra as ideias inatas proferidas por Descartes, afirmando que todo conhecimento vem inicialmente das sensações e das reflexões. O conhecimento é dado pela percepção de uma relação, que é, ao mesmo tempo, experiência externa da percepção e estabelecimento de uma relação, logo, de uma representação abstrata. O papel da razão é extrair, a partir da impressão imediata, correlações fenomenais que nos permitam compreender como age a natureza.
	Spinoza afirmava que “o homem é natureza dentro da natureza”, em oposição aos valores antropomórficos (vindos de uma subjetividade ignorante) comumente associados à natureza (beleza, perfeição, sabedoria etc.) Diz que a ciência não deve estar interessada em questoes teleológicas, mas sim pelo que é necessário. Concebe o papel do raciocínio na criação de um verdadeiro conhecimento.
	Esse período marca também o surgimento da Enciclopédia, em um contexto de especialização do saber e sistematização de novas teorias, característico do Século das Luzes. A Enciclopédia tem por objetivo sistematizar e difundir o conhecimento de todos os domínios do saber. Sua função de síntese se assemelha a definição da geografia como uma ciência de síntese dos fenômenos na superfície terrestre. 
	Desde que a Providência deixou de ser a finalidade explicativa, foi preciso substituí-la por uma causalidade oriunda da própria natureza, por meio de um processo racional. O traço fundamental desta orientação filosófica é o estabelecimento de uma noção de natureza composta de fenômenos imbricados em uma cadeia de ligações necessárias. Sendo o homem parte dessa natureza, está ele também submetido aos mesmos imperativos naturais, participante dessa relação de causa e efeito determinante. A sociedade está ligada de maneira necessária à natureza e o desafio é procurar elucidar as leis que regem esta relação (raiz do determinismo ambiental).
	Kant marca uma ruptura com os filósofos do Século das Luzes ao estabelecer fronteiras entre a razão e a metafísica. O autor defende a existência de questões que ultrapassam os limites da experiência (antinomias) e, desse modo, não podem ser verificadas pela razão. Sendo assim, a metafísica está fora dos nossos limites de conhecimento. Com isso, Kant supera duas posições predominantes: o ceticismo e o determinismo (dogmatismo), fundando a Crítica da Razão Pura (a coisa em si x fenômeno). Isto é, para Kant não é possível apreender o que é o objeto de fato, pois o mesmo sempre será uma representação individual, uma construção intelectual.
	Entre as principais contribuições de Kant, figuram: a diferenciação “ciência da natureza” e “filosofia da natureza” (metafísica); o seu trabalho na geografia física, descobrindo o mecanismo dos ventos alísios e das monções; a tentativa de interpretação do conjunto de determinações naturais e culturais; a definição dos limites da razão, propondo uma alternativa à ciência. Kant se trata, portanto, de um marco da história do racionalismo moderno. Ao mesmo tempo, foi continuador do Século das Luzes tanto pela sua escolha de temas quanto pela direção crítica que adotou. Preparou o prosseguimento do espírito iluminista no século XIX.
A natureza organismo e a ciência progressiva
	Após a agitação causada pelos filósofos no século anterior, no século XIX a acumulação e ampliação do conhecimento passam a ser o objetivo principal. O continuador do projeto do Século das Luzes é o positivismo (saber puramente objetivo, geral, progressivo e afirmativo); este manteve o conhecimento normativo (enunciação de leis gerais, procedimentos uniformes e obediencia a uma recionalidade estrita). A novidade trazida por A. Comte, grande pensador do positivismo, é o papel que este propõe para as ciências sociais: guiar a organização da sociedade, dando-lhe as bases positivas em vez de crenças teológicas ou metafísicas. Essa base positiva vinha principalmente da medicina e da biologia, noção da sociedade como um organismo (analogia com a dinâmica biológica). São desse período as teorias evolucionistas e as concepções que associam a dinâmica natural a uma funcionalidade.
	O positivismo deve ser visto como uma doutrina geral, pra além de uma teoria da ciência, que relaciona estes três elementos: natureza, sociedade e ciencia. As questões sobre a relação do homem e da natureza, a importância do meio físico no desenvolvimento social, a natureza biológica como a norma e o modelo, são os temas que no séc. XIX são abordados não mais de um ponto de vista filosófico estritamente, mas constituem o objeto de pesquisas das ciências humanas.
A natureza sistema e a ciência das estruturas
	No final do séc. XIX, o princípio do racionalismo fundado sobre a natureza exterior inteligível, através de um raciocínio normativo, e a ideia de que a sociedade é submetida à leis análogas estavam sendo muito criticadas. A cultura passa a ser o diferencial da humanidade com outras manifestações da natureza e isso impede que concebamos os fatos sociais de maneira simplesmente orgânica.
	Entre as constribuições que foram fundamentais para a renovação do racionalismo podemos citar a psicanálise de Freud e o estruturalismo de Levi-Strauss. Para este último, a cultura consiste em uma função simbólica, expressa por uma linguagem que enche de significações o conteúdo da natureza. A essência do fato social não deve ser buscada nele mesmo, mas sim na estrutura que o sustenta. 	
	O Estruturalismo se inscreve na filiação positivista de A. Comte. Diz que uma estruturaé como um sistema: quando há uma modificação, esta desencadeia uma série de modificações nos demais. Essa proposta reintera os objetivos da ciência racionalista, porém substitui a concepção orgânica e mecânica da relação entre natureza e cultura por uma perspectiva de um sistema de interações. As concepções do homem dentro da natureza, suas relações recíprocas, os limites do conhecimento, as relativizações da cultura, entre outras, estão assim no séc. XX muito próximas dos temas das ciências sociais, inclusive da geografia.
	Ciências sociais e ciências humanas apesar de terem o mesmo objeto de estudo, diferenciam-se por uma atitude epistemológica – as ciências humanas procuram inspiração metodológica nas ciências exatas e naturais.
4. As Contracorrentes
	“Ao longo do processo de desenvolvimento da ciência objetiva, questões foram levantadas e novos limites e procedimentos instaurados. (...) Essas relações críticas também deram lugar a uma tradição de oposição ao próprio racionalismo como base para a ciência moderna”. 
Filosofia da Natureza
	Sua objeção principal à ciência racionalista consistia na ausência de unidade do saber, pois seus métodos estariam afastando a consciência do todo divino em nome da abstração racionalista. Apenas um conhecimento global daria conta da natureza, buscando nas artes, na religião, na poesia complementos ao saber científico – a natureza é a força motriz universal.
	Para Schelling, principal pensador dessa corrente, a ciência tem uma parte teórica, encarregada de identificar as forças (magnetismo, eletricidade etc.) e outra prática, responsável pela descrição dos organismos. Nessa concepção, o mais importante era ver a continuidade das formas pela observação direta da natureza, por intermédio de um método simples de analogia e de comparação e síntese. Entre os seguidores de Schelling, constam Lamarck e Hegel.
Romantismo
	Contra a generalização e o comum, os românticos opuseram o excepcional. O romantismo é uma visão avessa às generalizações que eclodiu nos movimentos artísticas. Nessa visão o mundo é concebido enquanto um agregado de comunidades, de raças e nações, todas marcadas por seu desenvolvimento individual e carregadas de identidade própria. O romantismo marca o surgimento do novo nacionalismo: exaltação da mística do povo, exaltação das crenças e tradiçoes populares enquanto manifestações vivas da personalidade de um povo e de uma cultura, costumes, leis, memória, língua, em suma, de um modo de vida. 
	A natureza é um tema de predileção romântica, sendo cultuada e recorrente em obras literárias desse estilo. Para estes, a natureza se reproduz em formas variadas (inclusive a forma humana), sendo múltiplos os níveis de compreensão da mesma. A missão da ciência romântica consiste em compreender a sua espontaneidade, seu papel singular no plano maior da organização terrestre. O romantismo rompe com a ideia de uma História predeterminada e desenhada por uma entidade divina e tambem com a ideia de um mundo máquina, previsível em suas causalidades, entendo a natureza como um organismo.
Hermenêutica
	Hermenêutica refere-se à toda atividade que se dirige para a possibilidade de extrair dos textos um conhecimento, mediante a interpretação – capaz de liberar sentidos ocultos, uma mensagem, algo inacessível aos não iniciados em seus mistérios. A tradição hermenêutica remonta à Antiguidade Clássica. 	Nessa concepção, o conhecimento não é construído pelo hermeneuta (aquele que interpreta a mensagem sagrada dos textos biblicos), mas alcançado. O conhecimento não seria algo a se reconstruir, mas sim algo ligado a ontologia das coisas, algo que é consubstancial e por isso a interpretação não pode chegar a um sentido definitivo, pois o sentido é recriado a cada tentativa. Via de regra, essa interpretação acaba se remetendo à teologia. 
	A hermenêutica moderna substitui os textos sagrados pela natureza, tida como um “livro aberto”. As ciências sociais foram expandidas pelas questões postas por esse movimento. A hermenêutica mostra a impossibilidade de objetificação dos fatos; diz que a ação só pode ser compreendida no contexto fenomenal, em sua totalidade, sendo, portanto, particular e subjetiva – os saberes provem do contato entre o sujeito e o objeto.
Fenomenologia
	Segundo Kant, a fenomenologia é o encontro entre o conteúdo empírico, ou seja, o elemento material de um fato, e a elaboração da forma para apreendê-lo, que depende diretamente do raciocínio. Isto é, o fenômeno é aquilo que aparece na percepção e o seu conhecimento depende do entendimento humano. O fenômeno é a parte inteligivel de uma experiência, sendo simultaneamente sensível e racional. A fenomenologia se coloca, desse modo, contra o relativismo cientifico, contra a subjetivação psicológica e contra toda sensação fundada sobre a ordem espiritual. 
	A racionalidade é, para Husserl, um elemento fundamental da ciência, mas não pode ser a base do conhecimento, pois o ponto de partida são os dados imediatos percebidos pela consciência pura. A despeito do fato de que a consciência esta submetida as condições particulares e pessoais, ela se comunica sobre a base de um realismo nascido da intuição sensível, visto que o subjetivo é indemonstravel. A consciência se orienta em um mundo de experiencias vivas. Sendo assim, o mundo vivido é a fonte e a base de todo conhecimento e a legitimidade de toda consciência.
		
PARTE 2 – A DINAMICA DUAL NO CONTEXTO DA GEOGRAFIA CLÁSSICA
5. Os fundamentos filosóficos da geografia científica
	A Renascença rompe com a ordem medieval e adota a Antiguidade clássica como fonte primordial de toda inspiração. Nesse momento, é retomada da geografia ptolomaica sob a forma de cosmografias – tinha como finalidade a cartografia, preocupação de explicar a Terra no que ela tem de geral, recusando-se a uma descrição apoiada unicamente sobre uma ou várias partes da Terra (corografia). 
	A conduta consistia em uma discussão sobre a criação do mundo, a forma da Terra, os círculos, as zonas climáticas e alguns temas relativos à fisica do globo. Ou seja, cosmografias (ou cosmogonias) parecidas com as da Antiguidade, porém mais ricas e precisas. As cosmografias estão na origem da tradição que define, simultaneamente, a escolha temática e confere uma metodologia geral à geografia. A partir disso, a geografia começa a definir a sua tarefa como a de produzir imagens do mundo, de compreender a sua organização e de decifrar a sua ordem, em suma, de veicular uma cosmovisão.
	Em seguida, são retomadas as obras de Estrabão (corografia, topografias, regionais). Trata-se de um período marcado pelo interesse por viagens, pelas terras desconhecidas e pelas descrições regionais. Podemos dizer que Estrabão se encaixava no gênero “narrativas de viagens”, apresentando um modelo histórico-descritivo em oposição ao modelo matemático-cartográfico de Ptolomeu. 
	Os dois fundam duas escolas de geografia que conviveram lado a lado até a revolução cientifica – cosmografia (geral) x corografia (particular). A integração dessas correntes é uma marca da tendência cientificista que buscava articular as relações de valor geral com as descrições regionais particulares – a manifestação na geografia dos procedimentos nomotético (generalista, racionalista e objetivo) e idiográfico (particularista, descritivo e subjetivo). Há ainda uma oposiçao da abordagem fisica x humana, dicotomia presente no fato da primeira ser mais próxima das ciencias naturais (metodo objetivo e geral) e a segunda não pode fugir das relativizações no que concerne à cultura, ela é então considera em parte subjetiva e de um certo particularismo.
	Esse dualismo se estende pra ciência como todo, que vai se legitimizar de duas maneiras distintas nesse momento. Através de um estudo geral, observando fatos regulares, generalizando em detrimento de uma abstração do contexto particular, apoiado no raciocíonio. Ou ainda, através de um conhecimento adquirido de estudos de casos específicos, únicos e não redutiveis. Contudo, a questão continua sendo a respeitoda maneira possível de encarar o que é geral e o que é particular. Trata-se também de saber se os casos específicos podem ser integrados em um esquema geral sem perder suas características essenciais ou ainda, se o conhecimento de um fato em si mesmo é possível sem o recurso a um modelo abstrato e redutor.
Os fundamentos filosoficos e os antecedentes de uma geografia científica
	Questões sobre a relação homem-natureza eram centrais no discurso dos filósofos no século XVIII, ainda que com problemáticas diferentes da geografia. Há, por exemplo, uma semelhança entre Montesquieu e Ratzel, no sentido que os dois tentaram criar leis gerais sobre a relação homem-meio. 
	As diferentes perspectivas que surgiram no âmbito da ciência são as mesmas que, mais tarde, terão lugar no coração da geografia. Modelo dual são os modelos fundamentais que perduraram na geografia desde sempre até hoje. Essa oposição binária é verificada em vários momentos, em diferentes ciências e em diferentes autores, como é apresentado a seguir.
A dupla filiação filosófica fundadora: Kant e Herder
	O primeiro sistema filosófico capaz de definir o papel e o valor da geografia moderna apareceu na obra de Kant. Kant ministrou um curso de geografia fisica em uma universidade que não era o primeiro curso em nivel de graduação, mas era o mais prestigiado da época. Por meio de Kant, a geografia adquire prestígio devido a sua consagração pessoal. Para o filósofo, o pensamento científico é sempre um julgamento construído por uma conduta lógica. Seu nome é evocado na geografia muitas vezes para reforçar uma posição objetiva e racionalista. Hartshorne faz uma distinção entre dois tipos de geografia baseando-se em Kant (que na verdade não disse nada disso):
1. geografia geral e sistematica, ciências teóricas ao lado das ciências naturais, metodologica analítica, objetiva e normativa
2. geografia empírica e regional, metodológicamente análoga à História, empírico e descritiva.
	
	O debate gira em torno de: a conduta conceitual busca a generalização e deixa pouco espaço para as diferenças particulares, mas podemos nos interrogar sobre os limites para além dos quais esta generalização corre o risco de se distanciar da realidade.
	Em oposição às ideias de Kant (associadas aos procedimentos nomotéticos) está Herder (séc. XVIII), propositor de uma filosofia da História que seria centrada sobre a expressão das culturas nacionais. Segundo ele, as nações se inscrevem em um nível intermediário entre a globalidade dos Estados e a singularidade do indivíduo – os dois níveis de análise característicos do Século das Luzes.
	Herder falava que os gêneros de vida só podiam ser compreendidos a partir do meio ambiente e da cultura na qual se inscrevem. Os gêneros de vida são, portanto, os meios especificos que cada nação encontra para se enraizar em um dado território, graças às ferramentas que sua própria cultura desenvolve. Seu objetivo é produzir monografias nacionais em que figuram com detalhes os gêneros de vida, suas particularidades, sua relação direta com o meio e sua evolução histórica. Herder dizia ainda que cada cultura seria particular e única, mas possuiria também uma parte da universalidade, na medida em que cada cultura contém em si a perspectiva do plano global teleológico. 
	Este capítulo teve como objetivo evidenciar o enraizamento desta dupla filiação no pensamento geográfico. Esta filiação se exprime através das tradições da Renascença, da geografia do séc. XVIII, do discurso dos “filósofos” e ideólogos, enfim, através da dupla herança filosófica de Kant e de Herder.
6. A emergência da dualidade no discurso dos fundadores da geografia moderna
	No início do sec. XIX os dominios disciplinares específicos passam a se organizar definindo seu objeto próprio, devido ao excesso de dados e informações que não eram possíveis de sistematizar. Nesse momento, a geografia tinha extensos relatos de viagens pelo mundo, mas sem controle e regulamentação da sua produção, havendo a necessidade de se estabelecer um método legítimo do ponto de vista cientifico – substituir a dimensão metafísica da pesquisa por uma legitimidade epistemológica. A geografia tomou para si a responsabilidade de interpretar a dinâmica da natureza e de suas possíveis relações com a marcha histórica. Essa temática (relação homem-natureza) acabou por transformá-la numa espécie de porta-voz dos novos tempos.
Alexander von Humboldt
	
	Esse naturalista alemão do séc. XVIII é tido por muitos como o pioneiro da geografia moderna por seu método, ao unir as descrições de mundo – cosmogonias ptolomáicas – às “explicações” gerais, buscando sistemas e cadeias de sentido entre os elementos da natureza. Em suas descrições, ele demonstrou uma forte preocupação de proceder a comparações e a raciocínios gerais e evolutivos. “Humboldt combinou com criatividade as ideias recebidas do materialismo racionalista com as proposições do idealismo alemão e do romantismo filosófico (...) seu discurso é racional, lógico, mas também poético e emocional, sem que um corte claro permitisse distinguí-los”. Uma frase de sua obra que sintetiza essa dualidade é: “a descrição exata e precisa dos fenômenos não é absolutamente inconciliável com a pintura animada e viva das cenas imponentes da criação”. 
	Humboldt buscou uma nova atitude cientifica e sua originalidade consiste na utilização de um método que buscava o estabelecimento de laços analíticos, indo além do procedimento classificatório, frequente nas cosmografias até então. Ele aliava o espírito enciclopedista e o esforço de síntese, característicos do racionalismo do séc. XIX. No método humboldtiano, “o primeiro passo para desvelar o plano do mundo” consiste em generalizar fatos particulares; o papel da ciência é procurar regularidades e a partir dessas observações formular leis gerais. Em Humboldt constam elementos da ciência moderna: procedimento rigoroso, vontade de explicar por meio de generalizações e um método de observação submetido à criterios bem definidos. A busca metódica não pode vir, no entanto, separada de uma cosmovisão – a naturphilosophie. Ele legou à geografia dos novos tempos o papel de produzir um discurso e uma imagem coerente e científica do mundo moderno. Humboldt conclui afirmando que toda certeza não é senão um momento passageiro de saber. 
Carl Ritter
	Assim como Humboldt, é um dos fundadores da geografia moderna e científica. Os autores são contemporaneos, apresentam pontos em comum na sua trajetória e se elogiavam mutuamente. Assim como Humboldt, Ritter queria estabelecer as novas bases de um saber organizado e metodologicamente rigoroso. Para ele “a tarefa fundamental da ciência é a de resgatar uma coerência metafísica a partir da organização geral da natureza, uma coerência que possa exprimir e explicar todas as causalidades particulares”. Desse modo, a geografia é entendida como o domínio responsável pelo estudo da Terra em seu conjunto e das suas manifestações fenomenais; capaz de estabelecer a conexão entre o todo e suas partes.
	Em Ritter, existe uma organização harmônica e coerente na Terra, que cabe ao cientista interpretar (aos modos da hermenêutica), “descobrir sob a desordem aparente os elementos de uma harmonia e de uma simetria superior”. Ele era muito influenciado pelos conceitos românticos, associava a forma à matéria, dizia que os continentes eram nossos objetos primordiais de estudo e que a sua forma e posição tem a ver com o seu papel no sistema geral. Porpunha a interpretação do homem e da natureza através de uma matemática imanente ao universo – a mística dos algarismos. Toda a sua conduta estava centrada na procura de signos de uma ordem metafísica, pela qual se desvelaria toda a cadeia de causalidades particulares. Para o autor, cada organismo possui suas próprias leis de desenvolvimento, sua funcionalidade interna, e a única generalização possível é dada pela harmonia do todo orgânico. Há certa contradição no discurso de Ritter, que ora toma a forma de uma hermenêutica da natureza, ora recorre ao cientifisicmopositivo mais puro. 
O legado dos fundadores à geografia moderna
	Humboldt e Ritter são duais assim como a modernidade, estando ora em posição racionalista ora o contrario. Essa dualidade é a grande herança que ambos deixam pra geografia, visto que são considerados fundadores de um saber geografico moderno. Em ambos observamos a valorização do discurso cientifico, muito corrente em meados do sec XIX. Paradoxalmente, a geografia de Ritter, mais influenciada pelos conceitos romanticos, utiliza uma linguagem muito mais próxima da ciencia racionalista/positiva do que a linguagem de Humboldt que, a despeito de uma retorica por vezes poética, tinha uma aproximação muito maior com os cânones da ciencia racionalista. Posteriormente, cada nível constituirá um ramo: a geografia geral/sistemática e a regional. Esses autores são exemplos de como o racionalismo e as contracorrentes figuram antes como aspectos complementares de um mesmo e único conhecimento cientifico moderno.
7- Racionalismo e legitimidade científica: o caso do determinismo
	Por determinismo entendemos a atribuição do papel de causa a certas circunstâncias e explicar os fenômenos como suas consequências diretas. Ou seja, todo acontecimento ou estado é o produto direto de causas externas atuantes. Há uma forte relação entre determinismo e pensamento científico, ainda que controverso. Para os deterministas, a independência das manifestações fenomenais é apenas aparente e sempre seria possível reconduzir essas manifestações a outros fatos ou a outros fenômenos pelo viés de uma cadeia de causalidades. À ciência, portanto, caberia descobrir as associações objetivas entre os fatos para se chegar a uma explicação geral dos acontecimentos. Os princípios metodológicos do determinismo são: verificabilidade; capacidade de demonstração; generalidade, ou a condição de abstração; a positividade (poder de afirmar qualquer coisa investida de uma legitimidade metodologica); e objetividade (só apreendemos da realidade suas manifestações regulares e gerais). A ciência em sua forma determinista se propõe a tudo explicar sobre uma base lógica.
	O determinismo não se define somente como uma metodologia que conduz à verdade, ele se define também como um instrumento de previsão, permitindo uma ação no mundo. A ciência deixa então de ser espectadora para se tornar o meio fundamental da intervenção. Em conclusão, o determinismo esta associado ao conhecimento positivo e a ciencia normativa. Se inscreve sempre no dominio de um saber que pode prever, afirmar e intervir. O debate sobre o determinismo na ciencia é longo e inacabado, apresentando posições bastante divergente quanto a sua legitimidade em todos os campos da ciência.
As vias do determinismo na geografia
	A discussão a respeito do determinismo na geografia foi extensamente documentada, principalmentee no que tange à oposição constante entre determinismo e possibilismo, onde normalmente se valoriza a segunda frente a visão reducionista do primeiro. Reducionista porque submete o homem às condições naturais (determinismo de Ratzel), entretanto, existem outras formas de determinismo que não estão necessariamente associadas a questão homem-meio.
	Paul Claval aponta três grandes momentos na História da tradição determinista na geografia: 
1) A tradição médica hipocrática – retomada no século XVIII por naturalistas e filósofos, essa tradição atribui uma importância fundamental aos elementos naturais na constituição da fisiologia humana. O naturalismo retomou essa tradição na medida que o comportamento social devia ser objeto de uma explicação tão objetiva quanto qualquer outro fenômeno. Em suma, tratava-se de encontrar o critério que permitisse apreender o comportamento humano (para o qual diversas tentativas foram feitas usando parâmetros como o clima, a morfologia, a etnia etc.). Um exemplo dessa concepção é a reflexão de Montesquieu sobre como os climas são a chave de compreensão do mistério da personalidade dos povos. 
2) A leitura teleológica da natureza (inspiração herderiana): a premissa fundamental desse tipo de determinismo é que Deus gravou na natureza o destino de cada povo. A natureza não é, portanto, um meio determinante, mas antes um meio de interpretação de uma determinação anterior, de natureza divina. Cada povo possui, portanto, de acordo com o seu ambiente a medida de sua possível progressão. A posteridade desse modelo na geografia, tão estranho ao racionalismo científico, foi assegurada por Carl Ritter, entre outros. 
3) Evolucionismo de Darwin: o determinismo mecanicista foi retomado como forma de sistematizar os dados geográficos. No entanto, sua apropriação é feita de maneira simplista que só vai adquirir uma nova perspectiva com Ratzel, onde a idéia de causa e efeito imediatamente determináveis é substituida por uma determinação produzida ao longo de um processo de evolução e de diferenciação. Esse tipo de reflexão vai predominar até a interferencia do Vidal.
O mito ratzeliano
	A análise de Ratzel descrevia vários gêneros de dinâmicas territoriais, tentando traçar um quadro geral ou um modelo para essas dinâmicas, isto é, seu objetivo final era construir uma teoria espacial positiva. Ele se interessava, sobretudo, pela relação solo/cultura e pensava ser capaz de estabelecer leis regulares explicativas. Para este autor, o solo rege as regras da vida de um povo e este, por sua vez, deve viver sobre o solo que recebeu do destino, deve morrer aí e suportar a sua lei.
	Sob a influência de Ratzel, a geografia ascende no ranking das ciências positivas modernas. Ratzel une ciências da natureza e as ciências do homem sob uma perspectiva de ecologia. Alguns dizem até que o determinismo geografico de ratzel representa a primeira versão de uma geografia moderna. De fato, Ratzel pode ser facilmente identificado como racionalista, mas a sua concepção de organismo é claramente inspirada no Romantismo. 
	A geografia viu nascer outros determinismos: o economico, o de influencia marxista, o logico-matematico, da Nova Geografia, o psicólogico da escola da percepção behaviorista, mas é sempre em relação a este momento fundador instituído por Ratzel que tais movimentos se situam.
	O determinismo de Ratzel foi objeto de dois tipos de críticas. A primeira, é interna, parte de outras correntes racionalistas e procura fazer uma diferenciação clara entre o método e o conteúdo histórico do determinismo. Sendo assim, constantemente são criados “novos determinismos” o que faz alguns se questionarem se é possível haver geografia sem ddeterminismo. A outra crítica se increve na tradição que se opõe ao racionalismo. 
	Uma crítica frequentemente aplicada ao modelo ratzeliano é o fato de o mesmo possuir resíduos “místicos” devidos ao recurso à analogia organicista. Nesse ponto, são feitas comparações do marxismo com o determinismo: o marxismo (método materialista histórico) é superior no sentido que se desvencilhou de todo aspecto místico ou religioso, explicando os fatos cientificamente sem influencia ideologica. O determinismo de Ratzel, por outro lado, ainda que positivista, não conseguiu afastar as influencias ideologicas ligadas ao contexto da época (imperialismo).
	
8. Vidal: um cruzamento de influências
	Um mesmo objeto de estudo em diferentes épocas obterá resultados distintos devido ao contexto no qual se insere e do percurso intelectual ao qual submetemos a leitura e o resgate de certos temas. Confrontação em relação à ideia de ciência até então hegemônica – Kant é resgatado tanto para criticar quando para justificar a ciência positivista. Um movimento geral de crítica se manifestou no seio das disciplinas contra o modelo dominante científico/positivista. Estudiosos (principalmente matemáticos e físicos) começam a impor restrições aos esquemas do determinismo. Os novos pontos de vista desses cientistas fazem da ciência uma atividade que não tem mais a pretensão de alcançar o real, mas antes de fornecer meios de adaptação ao mundo. A causalidade é uma ficção que tem como objetivo prático adaptar o homem àrealidade.
As categorias e a estrutura do pensamento vidaliano
	Vidal não se restringiu a descrever realidades, ele tambem criou categorias, noções gerais interligadas que constituem a própria base de seu discurso teórico. Quatro idéias principais são recorrentes em sua obra: organismo, meio, açao humana e gênero de vida.
a) organismo: Um lugar comum do séc. XIX, usado por vários autores dessa época. A Terra, a paisagem, a região, as nações, a cidade etc. eram todas concebidas como organismos. Organismo implica a noção de causalidade; o organismo, em sua totalidade, pode ser conhecido em si mesmo pela observação de seu desenvolvimento.
b) meio: em La Blache, o meio é uma idéia sintética, posto que corresponde à fusão de forças de origens diversas que agem simultaneamente dando-lhe uma forma, e circular porque essa forma que aparece como totalidade é todavia a reunião de diversos elementos em conexão, ao mesmo tempo causa e efeito uns dos outros. Ou seja, trata-se do resultado de um campo de ação e de tensão particular que é próprio do objeto de conhecimento. O estudo do meio era o ponto de partida da pesquisa geográfica. Era preciso observar o movimento de seus elementos, suas funções e limites, de forma a realizar o objetivo final que reside na reconstituição do conjunto enquanto “todo” organizado. 
c) ação humana: um fator importante para o estudo do meio é a ação humana, que representa uma grande força de tranformação. Aqui, percebemos em La Blache uma forte distinção com o determinismo. Enquanto no determinismo o homem era apenas um elemento entre os outros, com Vidal ele se faz mestre dos outros, pois se adapta à natureza e a transforma em seu próprio benefício. Assim, o discurso de Vidal parece as vezes com uma descrição da luta entre a cultura e a natureza, onde tudo depende da herança cultural e instrumental do homem. A atividade humana transforma a matéria bruta em ferramenta e utiliza a energia viva da natureza em seu benefício.
	
	Sendo assim, os desafios do homem são proporcionais aos obstáculos que a natureza impõe. O meio, nesse caso, é uma força viva que tem um movimento próprio e regras de conexões que escapam à intervenção do homem. Vale ressaltar que o meio não existe apenas necessariamente em relação ao homem, mas é o homem quem dá um sentido a esta multiplicidade, seja por sua intervenção direta, seja por seu espírito, capaz de reconhecer as suas formas. O homem se impõe então como um elemento central, de forma única e particular, segundo os diversos gêneros de vida. É pela ação humana que a força da natureza se realiza, de acordo com Vidal. Daí resulta um novo conjunto, sintese do homem e do meio. É na relação entre o gênero de vida e a obra de tranformação humana que se situa a própria essência do objeto da geografia.
	Segundo La Blache, “O homem criou para si gêneros de vida. Com a ajuda de materiais e elementos tomados da natureza ambiente, ele conseguiu, não só de um golpe, mas por uma transmissão hereditaria de procedimentos e invenções, constituir alguma coisa de metódico que assegura sua existência e que constroi um meio para seu uso”. O conjunto sintético que a natureza constitui é o principio de todo fenômeno e, portanto, de toda explicabilidade. A explicação se reporta sempre a ações concretas, das quais a finalidade ultima reside na construção da obra transformadora do homem. A geografia torna-se o inventário dessas ações que, enquanto concretas e essenciais, contem toda explicabilidade.
	Em La Blache, os gêneros de vida constituem formas específicas que cada grupo desenvolve. Sua maneira de ser e de viver. Conjunto particular de atitudes que tira sua significação do interior do próprio grupo, seja pela maneira de se vestir, de falar, habitar etc. Os generos de vida revelam ainda os meios desenvolvidos por uma coletividade para sua sobrevivencia, superando os desafios impostos pela natureza. Os generos são frutos de escolhas humanas frente ao ambiente, escolhas das quais a sucessão conduzirá ou não a uma progressão mais ou menos rápida, a uma conquista mais ou menos eficaz. Os generos de vida atuais são, portanto, resultados contingentes dos generos de vida anteriores, ao longo de uma cadeia contínua, regida não por uma idéia de necessidade, mas somente de possibilidade.
	A geografia de Vidal não possui uma filiação clara, foi influenciado por correntes diversas e apresenta grande originalidade. Dava muita importância a explicação e descrição. O objeto de estudo da geografia era a superfície da Terra e os fenômenos que aí se produzem. A geografia deveria integrar os fatos que as outras disciplinas estudavam separadamente. A proposta de Vidal para isso consistia em um método baseado em três proposições: observação (descrição), comparação e conclusão. 	Assim, a tradição das narrativas de viagens e das descrições regionais se encontrava incorporada em sua construção científica. Primeiramente, deveria haver observação direta, em contato direto com a realidade. O olhar deve ser erudito, para perceber estas ligações, pois aos olhos do profano, as coisas estão sempre em dispersão.
Pela reunião de elementos na observaçao é possível estabelecer relações explicativas ou perceber as relações entre suas recíprocas variações. Assim, para cada região existe um movimento particular resultante das combinações múltiplas entre os elementos que a compõem. E as descrições, que por serem seletivas já continham os germes da explicação, não eram descrições fechadas, mas sim flexíveis e variadas de acordo com o objeto. Não havia um roteiro de temas a seguir, era preciso identificar os elementos incluídos na cadeia explicativa de uma paisagem ou de uma região em particular (diferenciando-se das monogradia regionais que tinham temas obrigatórios a percorrer). O geógrafo lablacheano é um “leitor” erudito de paisagens e regiões; um intérprete, que pelo método rigoroso desvela o espaço estudado.
	Vidal exigia um pouco de interpretação (aos modos da hermenêutica) para que fossem identificados os elementos principais, o que deveria ser descrito/explicado e relacionado com demais elementos por meio de analogias que resultam em generalizações, sem renunciar ao carater individual de cada região. Para Vidal, o objetivo final do processo científico era o de conduzir ao estabelecimento de leis e regularidade. No entanto, havia uma forte preocupação em não proceder a uma exclusão da geografia geral em benefício da geografia regional e vice-versa. O geral deve se ligar aos estudos particulares, da mesma maneira que se deve sempre procurar nos casos particulares indícios de regularidades. Vale ressaltar que La Blache dava uma enorme importância ao método como fator definidor da geografia.
Vidal diante do modelo racionalista
	Podemos dizer, até certo ponto, que existe em La Blache certo compromisso com o modelo científico-positivista, quando afirma que a geografia era uma ciência que analisa, classifica e compara. La Blache dedicou parte dos seus estudos a temas que mais tarde foram retomados pela geografia, tais como fator urbano, industrialização, a modernização da agricultura, transportes etc. Essa parte mais “moderna” normalmente é negligenciada pelos estudiosos de sua obra. 
	A obra de La Blache é plena de influências da Biologia, em particular a concepção evolucionista, onde os estados avançavam dos mais simples até aqueles mais complextos – uma concepção, como nota Gomes, que enfraquece a sua própria concepção de gênero de vida, no sentido que estes se tornam simples graus de um desenvolvimento humano previsível, perdendo sua particularidade. A dualidade estava presente em sua obra, sendo vista por ele de maneira complementar. Inclusive, ele fazia referência tanto a Ritter como a Humboldt, demonstrando uma visão integradora entre razão e intuição. Nem moderna, nem tradicional, a obra de Vidal de La Blache incorpora a perpetuidade relativa das grandes referências de um passado, em que se podem encontrar tantas maneiras de interpretar, quanto são os pontos de vista daqueles que a examinam.
9.A renovação crítica
	As monografias regionais foram consideradas o método mais adaptado na geografia desde o fim do séc XIX até os anos 1940. O progresso da geografia era considerado como o produto da análise regional, a qual devia ser estendida ao conjunto das terras do globo. O objetivo maior durante este período era o de construir uma “geografia universal”, demonstração final da excelência do método regional. A metodologia de base das monografias era a descrição, e a generalização era vista como um objetivo distante, que só poderia ser alcançado uma vez que o conjunto das regiões conhecidas houvesse sido descrito. Esse é o período de apogeu da influência da escola francesa de geografia. Hoje em dia, tais monografias são entendidas como algo ultrapassado.
	Até 1870, as ciencias naturais ofereciam um modelo definitivo à pesquisa em geral. A partir da virada do século, esse positivismo científico começa a ser muito criticado e vários campos da ciência (física, psicologia, biologia) começam a levantar questões que não podem ser explicadas pelo positivismo clássico. Logo, em contraposição a maior parte do século XIX que viveu sob o signo dos grandes sistemas de síntese e sob a fé em um poder absoluto da razão, no começo do século XX predominaram características de relatividade, incertezas e inderteminação na ciência. As críticas ao positivismo clássico deixaram aparecer proposições que faziam apelo ao poder da intuição, aos sentimentos e ao indeterminismo, para substituir as doutrinas sustentadas pela racionalidade. Nesse momento, conviviam então as monografias regionais e tambem a valorização do intuicionismo e do indeterminismo. 
O retorno do racionalismo sob a forma de um positivismo crítico
	Passada essa “crise”, há uma retomada do positivismo, porém agora no lugar do determinismo, o novo racionalismo se exprimia pela probabilidade. A ciência que pretendia ter um só método e resposta para todos os problemas, agora passa a ser uma ciência de condutas múltiplas, adaptadas à especificidade dos objetos científicos, limitando também o estatuto da verdade a certas condições. As questões eram as mesmas, sobre a natureza de um metodo cientifico assim como seus limites e importância, mas as respostas tinham outro sentido. Mesmo quando usavam os mesmos autores, as interpretações dos mesmos eram diferentes da interpretação feita anos atras. 
	Toda a onda de intuição, do sentimento e do indeterminismo do periodo anterior é colocada em questao em nome da precisão metodológica. A metafísica, o subjetivismo, a vontade etc. são considerados não-cientificos. Um dos indícios dessa volta ao metodo científico e à aplicação dos principios gerais e objetivos às pesquisas é a eclosão do círculo de Viena, um grupo que se formou em torno das questões do método científico e dos conceitos objetivos. Essas novas correntes que resgatam o positivismo e negam essa onda intuicionista e espiritualista, são conhecidas como parte do “positivismo crítico” ou “neopositivismo”.
	Esse neopositivismo vai impactar as monografias regionais e representar uma ruptura com a geografia francesa, gerando as bases da Nova Geografia nos anos 1950. A seguir, três autores que foram fundamentais nesse movimento: Sauer (a partir de 1925), Hartshorne (a partir de 1939) e Schaefer (a partir de 1953). Esses autores representam linham originais de pensamento que renovaram a geografia, buscando torná-la uma disciplina rigorosa e científica, e que tiveram grande repecurssão.
 
Sauer e o método morfológico
	A geografia norte-americana, até os anos 20, teve na perspectiva determinista seu traço dominante. Foi sob esse ambiente intelectual que Carl O. Sauer teve sua formação acadêmica, o que não o impediu de ser um crítico desse modelo. Para Sauer, a geografia encontrava-se esquartejada, sem unidade estrutural, diante do vazio deixado pela crítica ao determinismo. A proposição de Sauer concernente ao estudo da paisagem era precisamente uma tentativa de resolver estes problemas maiores da geografia da época, isto é, suas dualidades fundamentais (física/humana, geral/regional) e a ausência de um método objetivo próprio. 
	Sauer tinha como inspiração principal a geografia alemã, principalmente Passarge e Schluter. Ambos defendiam que a paisagem devia ser analisada em função de suas características morfológicas e genéticas, ou seja, que deviamos ser capazes de interpretar as configurações morfológicas que estruturam o espaço e seus processos de desenvolvimento ao longo do tempo.
	A obra pioneira em que Sauer defende seu projeto para a geografia é publicada em 1925, sob o título “A morfologia da Paisagem” (The Morphology of Landscape). Sauer afirma que toda ciencia só adquire identidade atraves da escolha de um objeto e de um método. Para ele, o único objeto fundamental da pesquisa geográfica é a paisagem, evidente e imediata, sendo a paisagem uma associação de formas, físicas e culturais, o resultado de um longo processo de constituição e diferenciação de um espaço. Ele sublinha a importância da analise da estrutura e das funções de cada paisagem, as quais devem ser vistas sob um plano sistemático geral. Os geógrafos deveriam proceder de uma maneira analítica para reconhecer os elementos significativos na estruturação de uma paisagem. O objetivo da geografia seria estabelecer tipologias lógicas e comparações analíticas. Trata-se de uma critica as monografias regionais, pois ele considera a descrição da paisagem (no caso, das regiões) apenas uma fase preliminar do trabalho científico, que deve se prolongar, em seguida, pela análise lógica.
	O método proposto por Sauer é fundado sobre a análise da organização sistemática das formas que estão na base de toda estrutura espacial. Este método se caracteriza por três principios fundamentais: as estruturas possuem sempre elementos “necessários”; todas as formas podem ser reconhecidas por funções homólogas em diferentes paisagens; os elementos estruturais devem ser organizados em séries, para compor tipologias morfológicas. A geografia seria então capaz de gerar um conhecimento sistemático e geral, englobando todo o leque da diversidade espacial. Sauer foi o primeiro a falar em diferenciação de áreas, ou seja, que a diferenciação do espaço constituiria o objeto fundamental da geografia.
	Sauer concorda com as monografias regionais quando diz que a geografia regional é considerada como a síntese e o objetivo último do trabalho geográfico. Sua divergência principal para com a conduta monográfica estava no método. O seu método tinha a proposição de acabar com a dicotomia da geografia. Primeiro, a dicotomia entre geral e particular seria superada pela descrição de “formas”. Essas formas são o produto de observações comparadas e revelam uma estrutura invariável que tem uma importância generalizada. Em suma, as paisagens são os elementos primários da observação empírica e, ao mesmo tempo, pela aplicação de lógicas genéticas e sistemáticas, tornam-se produtos teóricos finais da investigação geográfica.
	Para Sauer, o elemento morfológico mais importante é a cultura (superando assim a outra faceta da dicotomia geográfica, sociedade x natureza). Assim, a finalidade dos estudos geograficos é explicar as paisagens culturais, e a morfologia física deve ser vista como um “meio” transformado pelo desenvolvimento da cultura. A importância da História é fundamental no processo de constituição de uma paisagem, chegando Sauer a sugerir uma “geografia histórica” independente.
	A preocupação de Sauer, como dos autores da época, era a de construir uma geografia moderna. Se a geografia mantem um constante interesse pela diferenciação regional em sua historia, o que diferencia um saber moderno de um saber tradicional é o tratamento metodológico da matéria geográfica. Dessa forma, Sauer encontra-se alinhado as idéias positivistas/racionalistas, mas recusa várias vezes os principios deterministas, mesmo reconhecendo a importância de estabelecer regras gerais para a investigação científica. Ainda assim, ele acreditava que um conhecimentopoderia ser científico sem recorrer diretamente a uma fórmula causal. Segundo Sauer, a explicação determinista limita o campo da investigação, pois a realidade se apresenta sempre de uma forma mais rica do que aquela do esquema determinista. 
	Sauer faz muitos elogios ao Vidal e as suas monografias regionais, mas critica a falta de sistematicidade e de generalização para as descrições regionais. Utiliza muito as obras de Maximilian Sorre e Jean Brunhes, geógrafos franceses racionalistas positivistas do início do século, valorizando justamente os aspectos que revelam a influência positivista, ou seja, a preocupação classificadora e seu esforço para estabelecer uma tipologia sistemática dos fenômenos geográficos.
	Sauer era contra a subjetividade na ciência. Para ele, as dimensoes estéticas e subjetivas de uma paisagem existem sempre, mas não fazem parte do interesse científico. Para Sauer, a despeito da geografia trabalhar com elementos objetivos, ela deve estar consciente de que a realidade se estende para além dessas representações e que as certezas científicas são sempre relativas, posto que limitadas. Essa é uma grande diferença do positivismo clássico para o positivismo crítico: o reconhecimento de que a ciência não é detentora de todo o saber.
Hartshorne: por um classicismo metodologicamente fundado
	Muito do que foi dito para o Sauer, vale pro Hartshorne. Este último, inaugura a segunda grande tendência da geografia americana com a sua obra, publicada em 1939, sob o título “The Nature of Geography”. A solução proposta também é a de um método objetivo e positivo e sua inspiração tambem vem da geografia alemã.
	O problema inicial era o mesmo: dicotomia da geografia geral/regional e físico/humana. No entanto, apesar das semelhanças, os dois autores serão responsaveis e entendidos como ícones de duas escolas da geografia. A do Hartshorne (originaria as tradicionais escolas do Leste e do Meio-Oeste) seguiu uma abordagem regionalista e empírica, predominando nos círculos universitários até o início dos anos sessenta. A do Sauer (Califórnia) procurava renovar o estudo das relações homem-meio, a partir de uma abordagem histórica e antropológica. 
	Hartshorne fez muitas críticas a obra de Sauer. Em primeiro lugar, Hartshorne interroga a respeito da pertinência de introduzir o conceito de “Landscape”, que vinha substituir o de região, sem, no entanto, trazer mais precisão ou riqueza analítica para a geografia, já que a má tradução de “Landschaft” foi alvo de muitas críticas e, segundo Hartshorne, o conceito landscape seria carregado de ambiguidades e imprecisões, trazendo mais problemas para a geografia do que soluções.
	A segunda crítica de Hartshorne diz respeito ao uso de landscape em Sauer, que seria responsável por acentuar a dicotomia entre os fenômenos físicos e humanos, pois parte de uma distinção prévia entre a paisagem natural e a paisagem cultural. Essa seria uma distinção arbitrária e injustificada, pois ela só pode ser estudada por reconstituição histórica. 
	A terceira crítica feita a Sauer consiste na seleção dos elementos que Sauer recomendava para o estudo das paisagens. Para Hartshorne, limitar as pesquisas aos aspectos materiais é ilógico e sem justificativa metodológica, pois exclui fenômenos tradicionalmente estudados pela geografia e não promove um conhecimento unificado, pois a interpretação completa de um quadro regional supõe recorrer à análise também dos elementos não-materiais.
	Ao mesmo tempo em que Hartshorne valorizava a geografia clássica, a analisava de forma crítica, à luz de um método moderno, a fim de afastar as preocupações secundárias do objeto fundamental da pesquisa geográfica: a diferenciação regional.
	A crítica ao Sauer é então voltada pro fato dele não respeitar as tradições da pesquisa geográfica. Se tradicionalmente (Ver Humboldt e Ritter) o critério fundamental de seleção dos dados na geografia é a associação de fenômenos pela conexão causal expressa espacialmente, Hartshorne diz que uma paisagem não pode estar limitada ao imediatismo dos sentidos. Essa interpretação do Sauer se deve a ambiguidade do termo Landschaft, que tanto pode ser um recorte no espaço quanto um espaço tal como ele é imediatamente percebido. Esse seria então um conceito problemático que não corresponde aos objetivos precisos da ciencia. 
	Hartshorne prega pela sistematicidade e objetividade. Sua ênfase está nas funções ao invés de nas formas espaciais (como fazia o Sauer). Além disso, se posicionava de maneira crítica a respeito das tipologias, que seriam o objetivo final daqueles que trabalhavam com o conceito de paisagem. Para Hartshorne, este era um raciocínio primitivo e mencionar padrões sem comenta-los a fundo era totalmente acrítico. Para fundar um verdadeiro conhecimento científico, é preciso primeiro compreender a significação e a importância de um fenômeno em sua relação com os outros. Não basta inserir o fenômeno em um tipologia descritiva, é precisso explicar atraves de uma analise metódica para obter a medida de sua importância e de sua significação.
	Em suma, o criticismo de Hartshorne busca a generalização através do estabelecimento de conceitos claros e objetivos. O mais importante para o autor é a região. Ela está na base da concepção científica da diferenciação espacial e, a partir da sua definição, a geografia pode desenvolver um método regional fundado na análise comparativa das estruturas espaciais. Assim, o metodo corológico orientaria a geografia para a reunificação de seu campo, pois a região é a síntese destas relações complexas (fisico/humano). A dicotomia sistematico/particular estaria dissolvida, sendo entendida como complementar na noção de região. 
	Hartshorne também dizia que a geografia científica se define pelo método, ainda que tenha escolhidos métodos diferentes. Não acreditava que o que diferencia uma ciencia da outra é o objeto, mas sim como cada disciplina projeta seu ponto de vista particular atraves do metodo especifico. Inclusive, Hartshorne faz uma divisão: ciências sistemáticas; história (diferentes momentos na escala do tempo) e geografia (diferentes espaços e lugares). A geografia, por seu método corológico e seu ponto de vista, intercepta todos os outros domínios disciplinares (ciência de síntese).
	Hartshorne também utiliza a divisão nomotético x idiográfico, onde a primeira seria representada pelas ciências naturais e a segunda pelas ciências sociais devido o carater único dos fenômenos que submetem à investigação. 
	Hartshorne dizia que a ciência, como um todo, deve proceder sempre do particular para o geral. Logo, todos os campos deveriam ter esquemas universais, todos devem procura a generalização e objetivação do saber. No caso da geografia, os fenômenos estudados são muito singulares, o que faz com que as regiões possuam sempre aspectos únicos que são irredutíveis à generalização mas, ainda assim, o objetivo geral da geografia seria produzir uma classificação global das regiões.
	Este raciocínio nos permite concluir que para Hartshorne a geografia deve proceder à analise racional da realidade, organizando categorias gerais e tipologias funcionais explicativas. O conceito, para ele, é sempre uma obra do julgamento, que deve ser lógico e demonstrável, opondo-se assim à região da escola francesa. 
	Hartshorne faz ainda uma diferenciação entre “individual” e “único”. Para ele, o individual é aquilo que é passível de generalização, enquanto o único é aquele irredutível a generalização, que não permite comparações e tipologias. A região enquanto instrumento de identificação territorial do geógrafo é um objeto individual e é por isso que a geografia deve buscar. Por exemplo: Sauer tratava de aspectos culturais, coisas que são carregadas de subjetividade e particularidades necessariamente, portanto são únicas.
	Hartshorne, assim como Sauer, reinvindica a idéia de uma geografia geral e a necessidade de generalização e de objetivação da ciência moderna, mas ao mesmo tempo proclama a irredutível dimensão e importância do estatuto da singularidade.

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