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Rotinas em Ginecologia- Freitas PARTE I- GINECOLOGIA GERAL Doença Inflamatória Pélvica (DIP) É uma síndrome clínica secundária à ascensão de microrganismos da vagina e/ endocérvice ao trato genital feminino, acometendo útero, tubas uterinas, ovários, superfície peritoneal e/ou estruturas contíguas do trato genital superior. Por definição, DIP é uma infecção adquirida na comunidade, iniciada por um agente sexualmente transmissível, distinguindo-se de infecções pélvicas causadas por procedimentos médicos, da gravidez e de outros processos primários abdominais. É uma das ISTs mais comuns. Dentre as mulheres com infecções não tratadas por gonorreia e/ou clamídia, 10 a 40% desenvolvem DIP. Além das complicações agudas da doença, as mulheres com DIP apresentam também risco aumentado de dor pélvica crônica e infertilidade tubária, mesmo nos casos pouco sintomáticos ou assintomáticos (DIP silenciosa). Outras sequelas incluem dispareunia, piossalpinge, abscesso tubo-ovariano e aderências pélvicas, que são motivo de inúmeras intervenções cirúrgicas. É uma patologia rara em mulheres que não menstruam, grávidas e pós-menopáusicas, e é mais comum em pacientes tabagistas, de raça não branca, jovens, nulíparas e em pacientes com história de DIP prévia. É um processo infeccioso agudo, salvo nos casos em que é provocada por microrganismos, como os causadores da tuberculose e da actinomicose. O diagnóstico e o tratamento precoce das infecções genitais do trato genital inferior em homens e mulheres e do quadro inicial de DIP são essenciais para evitar as complicações e o estresse emocional na saúde reprodutiva da mulher. Agentes etiológicos Etiologia polimicrobiana. Agentes mais agentes: - Bactérias pertencentes às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) (Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis). Mais importantes! - Micoplasma hominis e Ureaplasma urealyticum. - Bactérias não pertencentes às ISTs, presentes na flora vaginal endógena (aeróbios e anaeróbios Gram- positivos e Gram-negativos, principalmente Bacteroides, Peptoestreptococcus, Gardnerela vaginalis, Escherichia coli, Streptococcus β-hemolítico do grupo A). - Actinomices israeli, importante em mulheres usuárias de dispositivo intrauterino (DIU). - Vírus: papel incerto como agente etiológico A DIP geralmente inicia com infecção cervical por clamídia ou gonococo e ascende ao trato genital superior, levando à infecção polimicrobiana na maior parte dos casos. Patogênese É uma infecção do trato genital superior causada pela ascensão de microrganismos da endocérvice, infectando o endométrio, as trompas, os ovários e o peritônio; é frequentemente acompanhada de envolvimento de órgãos vizinhos na pelve. Com a infecção ascendente, há destruição do endossalpinge com produção de exsudato purulento, resultando em pelviperitonite. Para proteger o abdome superior, as fímbrias se fecham, formando a piossalpinge e, havendo envolvimento do ovário, forma-se o abscesso tubo-ovariano. A disseminação não canalicular é rara, mas pode acontecer por meio dos linfáticos parametriais. Salpingite (inflamação das trompas) Alguns fatores contribuem para a ascensão de bactérias ao trato genital superior: instrumentação uterina, como colocação de DIU; alterações hormonais durante o ciclo menstrual causadoras de mudanças no muco cervical (barreira mecânica); gestação; menstruação retrógrada, podendo facilitar a progressão das bactérias nas tubas e no peritônio, e virulência dos microrganismos. Fatores de risco Mulheres virgens e mulheres com longos relacionamentos monogâmicos raramente apresentam DIP, enquanto aquelas com múltiplos parceiros têm risco aumentado. O status clínico do parceiro, a idade, a história anterior de DIP, a raça e o método contraceptivo utilizado são fatores que devem ser considerados. São fatores de risco para DIP: adolescência, idade entre 15 e 25 anos, início precoce das relações sexuais, parceiros sexuais mais velhos, tentativa de suicídio anterior, uso de álcool antes de relacionamentos sexuais e história de infecções, principalmente por clamídia. Em relação à anticoncepção e ao risco de DIP: - Métodos de barreira: muito efetivos em diminuir o risco de doença quando usados adequadamente. Incluem preservativos masculino e feminino, diafragma e espermicidas. Os últimos evitariam a contaminação cervical por patógenos sexualmente transmissíveis. - Anticoncepcionais orais (ACOs) alterariam o muco cervical, dificultando a ascensão de microrganismos, segundo dados ainda inconsistentes. - Dispositivo intrauterino (DIU): novos estudos têm demonstrado que existe pouca evidência de uma ligação causal entre o uso do DIU e a ocorrência de uma DIP. O aumento do risco de DIP em usuárias de DIU só ocorreria durante um curto período (3 semanas) após a inserção e para pacientes com alto risco para uma DST, estando provavelmente apenas associado à técnica da colocação do DIU. - Ligadura tubária: pode proteger as trompas distais do envolvimento, mas não altera a ocorrência de DIPs. Outros fatores também envolvidos são o baixo nível socioeconômico, a manipulação do trato genital, a ausência de equipe médica adequada ou a falha na procura ao serviço médico, o tabagismo e o uso de duchas vaginais Quadro clínico Muitas pacientes apresentam sintomas vagos e com início insidioso, causando dificuldades para o diagnóstico e atrasando o tratamento. Diante de um quadro clínico suspeito, o tratamento deve ser sempre instituído, evitando possíveis danos à saúde reprodutiva feminina. Classicamente, as pacientes apresentam dor pélvica, dor anexial e dor à mobilização do colo uterino; porém, sintomas atípicos como metrorragia e dispareunia podem ser as únicas alterações. Os sintomas geralmente iniciam durante ou logo após a menstruação. O tratamento deve ser instituído na presença dos critérios mínimos, exceto em situações especiais, como gestação e diagnóstico diferencial incerto. - Mais alguns critérios adicionais: Massa ou tumoração pélvica; presença de hipertermia e calafrios; sangramento irregular em pequenas quantidades de fluxo (pela endometrite); sintomas urinários; náuseas e vômitos; dor subcostal. - Secreção vaginal X Secreção cervical- Complementação por material extra: O corrimento vaginal é um termo que engloba qualquer fluido que sai da sua vagina fora a menstruação, tais como lubrificação vaginal, fluido de excitação, esperma do dia anterior e fluido cervical. Fluido cervical (muco cervical) é um dos principais componentes dos corrimentos vaginais. Produzido pelas células do seu colo do útero, o muco cervical muda ao longo do ciclo de seco para úmido, cremoso para aspecto de clara de ovo, elástico para pegajoso. Diagnóstico Majoritariamente feito pela história clínica e pelo exame físico. Sobre exames, alguns podem ajudar: - Hemograma: mostrará uma leucocitose acima de 10.000 a 12.000, com aumento do número de bastonados. - Exame comum de urina (para excluir infecção do trato urinário). - Culturais de material da cérvix uterina para gonococo (Thayer-Martin), Mycoplasma hominis e ureaplasma (meio A3 Shepard). Pesquisa de Gram da secreção cervical, exame direto da secreção cervicovaginal e pesquisa de imunofluorescência direta para clamídia. - Sorologia para sífilis (VDRL) e imunofluorescência indireta para clamídia. - Solicitação de teste anti-HIV. - Testes de gravidez quando houver dúvidas. - VSG e/ou proteína C-reativa elevados. - Ultrassonografia pélvica ou transvaginal: poderá mostrar tubas uterinas cheias de material espesso, líquido livre na pelve e presença de abscesso tubo- ovariano. Tem sensibilidade de 85% e especificidade de quase 100% para o diagnóstico. - Punção de fundo-de-saco vaginal (culdocentese) para Gram e culturais de microrganismos aeróbios e anaeróbios. - Biópsia endometrial comevidência de endometrite. - Laparoscopia: considerada o padrão-ouro para o diagnóstico, permite-nos o diagnóstico diferencial, a coleta de material para culturais e, muitas vezes, também pode ser terapêutica. Sensibilidade de 50% e especificidade de 85%. Não será decisiva no caso de endometrite e de inflamação incipiente das trompas. Raramente necessária para o diagnóstico. Diagnóstico Diferencial Causas gastrintestinais (apendicites, colecistites, constipação), renais (cistites, pielonefrites litíase renal, uretrites), e outras causas obstétricas e ginecológicas (dismenorreia, gravidez ectópica, complicações gestacionais, abortamento séptico, cisto de ovário, torção ovariana, torção de miomas, tumores de ovário, endometriose) podem provocar sintomatologia semelhante a quadros de DPI e causar confusões diagnósticas. Tratamento O tratamento tem como objetivos principais tratar a infecção aguda, aliviar os sintomas e prevenir complicações. Geralmente, a antibioticoterapia é suficiente para eliminar a infecção, mas, em alguns casos, pode ser necessária uma intervenção cirúrgica. Os regimes terapêuticos utilizados devem incluir antibióticos de amplo espectro, efetivos contra Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomati, aeróbios e anaeróbios Gram-positivos e Gram- negativos, principalmente Bacteroides, Peptoestreptococcus, Escherichia coli e Streptococcus. Deve-se levar em conta também o custo, a suscetibilidade regional dos patógenos aos fármacos e a disponibilidade dos medicamentos. Parceiros devem ser tratados com regimes ativos contra clamídia e gonococo. Critérios de internação hospitalar: gestação, quadro grave por febre ou mal-estar geral da paciente, dúvidas diagnósticas, impossibilidade de tratamento ambulatorial por qualquer motivo e imunodeficiência. Tratamento ambulatorial Indicado para os casos de salpingite aguda não complicada. É instituído tratamento sintomático com analgésicos, antitérmicos, anti-inflamatórios e tratamento com antibióticos de ampla cobertura polimicrobiana. Esquemas recomendados: - Ceftriaxona 250 mg IM, dose única + doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias, com ou sem metronidazol 500 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias OU - Cefoxitina 2 g IM, dose única + probenicida 1g, VO, dose única + doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias, com ou sem metronidazol 500 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias OU - Cefotaxime 1 g IM, dose única, ou ceftizoxime 1g IM, dose única + doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias, com ou sem metronidazol 500 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias OU - Levofloxacina 500 mg ou ofloxacina 400 mg VO, 12/12 h, por 14 dias, com ou sem metronidazol 500 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias. Sobre o metronizadol: a adição desse antibiótico pode ser considerada em pacientes com abscesso pélvico comprovado, suspeita de infecção com Trichomonas vaginalis, vaginose bacteriana e história de instrumentação ginecológica nas últimas 2 ou 3 semanas. As pacientes devem ser reavaliadas em 72 horas e, se não responderem adequadamente, devem ser internadas para diagnóstico diferencial ou manejo com antibioticoterapia intravenosa. Tratamento hospitalar Instituído nos casos de salpingite complicada. Utiliza-se esquema com antibioticoterapia intravenosa polimicrobiana. Esquemas recomendados: - Cefoxitina 2 g IV, 6/6 h + doxiciclina 100 mg IV ou, VO, 12/12 h, por 14 dias OU - Clindamicina 900 mg IV, 8/8 h + gentamicina IV 2 mg/kg de peso corporal na dose de ataque e 1,5 mg/kg de peso de 8/8 h para manutenção ou dose única diária (180 mg-240 mg). Uma alternativa parenteral comprovadamente eficiente: - Ampicilina-sulbactam (3 g IV 6/6 h) Esquemas devem ser mantidos por 48 horas após a melhora clínica e da curva térmica do paciente. Após a alta hospitalar, a manutenção é feita com doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 h por 14 dias. A clindamicina 450 mg, VO, 6/6 h pode ser usada como método alternativo, exceto quando a clamídia for fortemente suspeita; nesses casos, a doxiciclina é o medicamento de escolha. Indicações de tratamento cirúrgico: falha da resposta esperada com o tratamento, piora clínica, suspeita de complicação de lesão secundária à DIP e abscesso em fundo-de-saco. O tratamento do parceiro é mandatório em todos os casos de DIP, seja confirmada em laboratório ou não. Esse tratamento é obrigatório, independentemente da gravidade do quadro que a paciente apresentar. Complicações - Sequelas precoces • Peri-hepatite • Abscesso tubo-ovariano • Morte - Sequelas tardias • Infertilidade: é a complicação mais importante e a mais frequente. • Gestação ectópica: secundária à lesão tubária ocasionada pela DIP. - Maiores complicações: gestação ectópica, infertilidade, dor pélvica crônica. - Dor pélvica crônica: ocorre em 17% dos casos. Relacionada às aderências causadas pelo processo infeccioso e à reação inflamatória. Dispareunia é uma queixa comum. - DIP recorrente: a DIP recorre em aproximadamente 25% dos pacientes. Prevenção Diagnóstico e tratamento precoces, preparo da equipe médica, tratamento das vaginoses bacterianas, rastreamento de gonococo e clamídia em populações determinadas, uso de métodos contraceptivos de barreira, redução do número de parceiros sexuais, entre outras medidas.
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