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PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 120 ISSN 2447-620X TECITURAS DE UMA EXPERIÊNCIA COMO PROFESSORA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E COMO PROFESSORA ARTICULADORA NO TRABALHO REMOTO EM TEMPOS DE PANDEMIA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO Ana Paula Lima da Silva anaufrrj@hotmail.com Professora de Educação Infantil do municı́pio do Rio de Janeiro/RJ Resumo Este artigo apresenta um relato de experiência a partir da relação vivenciada por uma professora de Educação Infantil, também professora articuladora, no exercı́cio de sua dupla função no trabalho remoto em tempos de pandemia, no contexto da Covid-19, em uma unidade de Educação Infantil do municı́pio do Rio de Janeiro. Este trabalho tem como objetivo refletir sobre as estratégias encontradas para a manutenção dos vı́nculos afetivos com as crianças e com as suas famı́lias, no necessário perı́odo de distanciamento social. Por meio de um diálogo entre documentos oficiais sobre a Educação infantil (BRASIL, 1996; 2010), Paulo Freire (1996; 2014) e Friedmann (2020), L`Ecuyer (2019), Martins Filho (2020) e Rinaldi (2014), apresentamos os caminhos encontrados para dar suporte à equipe pedagógica e discutirmos como as professoras têm estabelecido relação com as crianças e com as famı́lias por meio das redes sociais para contar histórias, cantar músicas, propor brincadeiras e orientar as famı́lias, respeitando o espaço doméstico. Consideramos que essas ações não têm a pretensão de substituir o papel da Educação Infantil, que se faz no coletivo. Palavras-chave: Educação Infantil; Trabalho Remoto; Pandemia. Introdução: Iniciamos o calendário letivo de 2020 com um perı́odo de acolhimento. Recebemos crianças que já faziam parte da nossa instituição e outras que chegaram neste ano. Também, recebemos novos profissionais para compor o nosso quadro funcional. Passamos pelo perı́odo do recesso de carnaval, retornamos com o perı́odo de acolhimento da equipe, das nossas crianças e de suas famı́lias. Tudo transcorria conforme fora planejado, no entanto fomos surpreendidos pela pandemia do novo Coronavı́rus. Vários PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 121 ISSN 2447-620X paı́ses tiveram que tomar medidas de isolamento social para conter a proliferação do vı́rus e assim evitar um colapso nos sistemas de saúde. Essa crise chegou à cidade do Rio de Janeiro e no dia 13 de março (sexta-feira), no final da tarde, o prefeito Marcelo Crivella decretou a suspensão das aulas em todas as unidades escolares. Diante desse cenário, apresentamos um relato de experiência a partir da relação vivenciada por uma professora de Educação Infantil, também professora articuladora, no exercı́cio de sua dupla função no trabalho remoto em tal realidade. O objetivo é refletir sobre as estratégias encontradas para manutenção dos vı́nculos afetivos com as crianças e com as suas famı́lias, no necessário perı́odo de distanciamento social. Apresentamos também, os caminhos encontrados para dar suporte à equipe pedagógica. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010), as propostas pedagógicas das instituições voltadas para essa etapa de formação deverão prever condições para o trabalho coletivo e para a organização de materiais, espaços e tempos, preconizando os eixos norteadores do trabalho com a Educação Infantil que são as interações e a brincadeira. Considerando o atual cenário de pandemia, é possıv́el dar continuidade ao trabalho pedagógico como se nada estivesse acontecendo? Vamos nos abster de reflexões sobre a possibilidade da manutenção dos vı́nculos afetivos com as famı́lias, com as crianças e com os profissionais? Além disso, como manter os vı́nculos afetivos com as famı́lias respeitando o espaço doméstico? Como manter uma relação com as crianças compreendendo que elas são o centro do planejamento curricular? Manutenção dos vínculos afetivos com as crianças e com as suas famílias Buscamos, inicialmente, apresentar as relações estabelecidas com uma turma de Maternal I atendida em horário parcial por uma professora de Educação Infantil e duas Agentes de Educação Infantil. A turma é composta por 25 crianças na faixa etária de 2 e 3 anos que ingressaram na instituição de Educação Infantil no ano anterior, no Berçário parcial. Conforme relatamos, desde o inı́cio do perı́odo letivo de 2020 tivemos menos de um mês de convıv́io com as crianças e com suas famı́lias. Vale ressaltar que quando houve PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 122 ISSN 2447-620X a suspensão dos nossos encontros diante da notıćia oficial de que as unidades de Educação Infantil do municı́pio do Rio de Janeiro estariam fechadas a partir do dia 16 de março de 2020, a instituição ainda realizava o perı́odo de acolhimento. As profissionais não eram mais as mesmas do ano anterior, voltávamos de férias e de um recesso de carnaval. Na oportunidade, havı́amos criado o grupo de WhatsApp da turma, contato favorecido nesse momento de pandemia para o nosso diálogo remoto. No inı́cio desse distanciamento social, entramos em contato com as famı́lias por meio do grupo de WhatsApp para explicar quais medidas estavam sendo tomadas pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro – SME/RJ. Além de divulgar as informações oficiais na página do Facebook da nossa instituição, produzimos e compartilhamos com a nossa comunidade escolar um vı́deo sobre a importância de higienizar as mãos para evitar a proliferação e o contágio pelo novo Coronavı́rus. Tivemos um excelente retorno da nossa comunidade escolar, o vı́deo foi bastante compartilhado e as famı́lias gravaram vı́deos das crianças lavando as mãos de acordo com as orientações das autoridades de saúde. Neste compasso, ainda sem termos a dimensão de quanto tempo tudo isso duraria, iniciamos o movimento de estabelecer contato semanalmente com as crianças através de contação de histórias, proposições de experiências e brincadeiras que poderiam ser realizadas em casa com as famı́lias. Recebemos o retorno das propostas através do grupo onde os pais postam as fotos e os vı́deos das crianças brincando, cantando, dançando, brincando de faz de conta, se alimentando, cuidando dos seus bichos de estimação e interagindo com os seus familiares. Produzimos vários vı́deos com registros fotográficos/vı́deos das crianças feitos pelos pais e com memórias dos nossos encontros presenciais. Depois, com a devida autorização dos responsáveis, publicamos na página oficial da instituição no Facebook, na qual recebemos muitos comentários das famı́lias que também compartilham as nossas publicações. Outra estratégia encontrada para a manutenção dos vı́nculos afetivos foi a produção de vı́deos com fotos em homenagem às crianças aniversariantes. Fizemos também gravações de áudios que foram enviados para a turma e também individualmente. Sempre pensando no coletivo e também nas singularidades de cada criança. Um dos retornos dessas ações foi o fato de que as crianças demonstraram muita alegria e PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 123 ISSN 2447-620X retornaram com áudios e emojis. Além dos áudios, combinamos com os responsáveis um dia e um horário para fazermos chamadas de vı́deos no WhatsApp com a duração de vinte minutos, para que as crianças pudessem se ver, conversar e interagir umas com as outras. Cada chamada foi organizada com cinco crianças por vez, pois o limite era de oitopessoas por chamada, incluindo as três profissionais que atuam com as crianças, sendo uma professora de Educação Infantil e duas Agentes de Educação Infantil. Esse momento foi bastante significativo e emocionante para nós profissionais da turma e para as crianças que demonstraram alegria e satisfação por verem os colegas novamente, ainda que virtualmente. No inı́cio, algumas crianças ficaram surpresas, envergonhadas, não queriam falar, mas depois começaram a interagir apresentando brinquedos e mostrando os seus bichinhos de estimação. Após o primeiro encontro, ficaram solicitando outros. AF medida que essas atividades aconteciam, as mães começaram a pedir para fazermos mais chamadas de vı́deo, algo que nos deixou muito satisfeitas por percebermos que estávamos trilhando um bom caminho, buscando estratégias e possibilidades para manter o acolhimento, o afeto, o cuidado e a atenção que as nossas crianças precisam e merecem. A fim de manter uma relação de confiança, respeito, empatia e diálogo com as famı́lias, orientamos para que conversassem com as crianças para que estivessem por inteiro nessa relação, permitissem que as crianças pudessem expressar os seus sentimentos, medos, anseios. Orientamos também sobre o calendário de vacinação contra a H1N1. Essa mensagem também teve retorno das famı́lias. As mães informaram no grupo que levaram as crianças para a vacinação com as devidas medidas de proteção. Nesses diálogos, conversamos também sobre o processo de desfralde, porque algumas crianças da turma ainda usam fraldas. As mães que já passaram por esse processo, trocaram experiências com as outras mães. A predominância de referência às mães nesses relatos reflete a realidade encontrada: no grupo de WhatsApp da turma apenas as mães e as avós se manifestam, embora seja composto por pais também. Além de todas as orientações, a da importância de se ter paciência com as crianças, dando-lhes atenção, contando histórias sobre a sua infância (brincadeiras, músicas favoritas), oportunizando momentos livres, em contato com a natureza, evitando que as crianças fiquem por longos perı́odos diante de aparelhos eletrônicos. Segundo L`Ecuyer PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 124 ISSN 2447-620X (2019), estudos apontam que o acesso às telas durante os três primeiros anos de vida revela problemas posteriores de atenção. Ela destaca, ainda, que a criança necessita de uma educação mais humana e, sobretudo, de ter contato com a realidade que a cerca. Nessa perspectiva, precisamos orientar as famıĺias sobre os riscos do acesso às telas na primeira infância. “Para crianças acima dos 2 anos, a Academia Americana de Pediatria recomenda limitar o tempo de exposição às telas a menos de duas horas por dia, tendo o máximo de cuidado com o que as crianças veem” (L`ECUYER, 2019, p. 45). Ademais, a autora argumenta que “o principal cuidador da criança é o intermediário entre a realidade e ela. Dá sentido às aprendizagens. Uma tela não pode assumir esse papel, porque não faz a calibragem da informação à criança. A criança recebe tal como é, sem filtro, o que a tela emite” (Ibidem, p. 47). Enfatizamos, portanto, que as crianças precisam manter relações interpessoais e que a nossa interação facilitada por meio do grupo de WhatsApp e dos vı́deos publicados na página do Facebook da instituição não tem a pretensão de substituir o contato e a interação presencial, primordial para o desenvolvimento da criança. As propostas organizadas diante do cenário de isolamento social pretendem estreitar os vı́nculos familiares, proporcionar encontros virtuais com os colegas e com as profissionais que atuam com a turma, e, ainda, orientar e acompanhar esse processo respeitando a privacidade das famı́lias, considerando a diversidade de seus arranjos. De acordo com Friedmann (2020, p. 106), “As famı́lias formam pequenos núcleos de cultura: lugares de experiências e modelos de valores que cada um leva para o mundo, para a convivência em grupo”. Nessa esteira, o papel da educação escolar, assim destacado pela autora: Educadores têm também a responsabilidade com relação às famı́lias, já que algumas delas precisam de informação e orientação que não conseguem obter por outros meios. EL necessário que creches e Centros de Educação Infantil criem esses espaços, acolham e partilhem as inquietações (Ibidem, p. 108). O grupo no WhatsApp também foi utilizado como um meio para combater a desinformação sobre a Covid-19. Dialogamos sobre o uso correto de máscaras, sobre a PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 125 ISSN 2447-620X importância da higienização das mãos, de evitar locais aglomerados e sobre o cuidado com a disseminação das Fake News. Quanto ao retorno ao chamado “novo normal”, algumas mães relataram, também por meio do grupo do WhatsApp, que temem pela reabertura das instituições de Educação Infantil, afirmando que se fosse para retornar naquele momento não levariam os seus filhos, pois as crianças são vetores da doença e poderiam passar para os avós. A fim de diminuir a apreensão das famı́lias, aponto que é preciso estabelecer articulações intersetoriais para tomada de decisões responsáveis na elaboração dos protocolos de segurança e que temos acompanhado várias discussões a respeito do retorno às escolas e que as manteremos informadas. Em diferente posicionamento, outras mães já demonstram em seus relatos que gostariam que tudo voltasse logo à normalidade, pois não sabem mais o que fazer com as crianças em casa. Esse movimento de diálogo, interação e manutenção dos vı́nculos afetivos é imprescindıv́el para diminuir a possıv́el violência doméstica, a falta de informação, a ociosidade das crianças que estão confinadas em espaços pequenos e que diante de uma pandemia não podem ir à praça, brincar na rua, visitar os avós, ou seja, um estar em casa que não significa férias. Está em questão uma outra configuração, um momento para o qual ninguém estava preparado, portanto não podemos fechar os nossos olhos, cruzar os nossos braços, silenciar. EL preciso buscar caminhos para escutar, acolher, afetar, favorecer encontros consigo e com o outro. Precisamos ainda ter esperança! A esperança do verbo esperançar, poeticamente apresentada pelo nosso grande mestre Paulo Freire (2014), pois “Ensinar exige esperança e alegria”: EL preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, Esperançar é ir atrás, Esperançar é construir, Esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, Esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo (p. 110-111). Em algumas ocasiões desafiadoras de minha trajetória profissional, rememoro este excerto do texto de Paulo Freire, trazendo assim somente aquilo que possa me dar PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 126 ISSN 2447-620X esperança. Ao olhar para a realidade relatada, senti a necessidade de me juntar às famı́lias, de me juntar às profissionais que também trabalham com a turma para fazer de outro modo, para fazer do modo possıv́el. Ser um instrumento de transformação num momento de dor, de perdas, de medo, angústia, incertezas, levar alegria e esperança atravésda música, da arte, da contação de histórias, ou até mesmo através dos simples gestos de ouvir, orientar e acolher. Freire (1996, p. 42), ao abordar os saberes necessários à prática educativa, aponta que “às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um educando um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo”. Nessa perspectiva, percebo que o gesto do professor de Educação Infantil, no sentido de aproximação e de acolhimento das crianças e das famı́lias pode romper com o silêncio, com a ausência, com o vazio, fazer pontes, reconectar, estabelecer uma relação de confiança e de afeto nesse momento de pandemia. Nessa esteira, informamos por meios oficiais, orientamos as famı́lias sobre o recebimento do cartão com um auxı́lio no valor de R$ 100,00 fornecido pela Prefeitura do Rio de Janeiro apenas para as mães que tinham filhos matriculados em nossa unidade beneficiárias do cartão Bolsa Famı́lia, entrega feita com dia e horário marcado pela direção da instituição com todas as medidas para evitar a aglomeração. Como o auxı́lio da prefeitura estava vinculado ao do Governo Federal, nem todas as famı́lias foram contempladas e isso gerou bastante insatisfação, reclamação e comentários no grupo da turma. Considerando ser um direito de todas as crianças, sempre respondemos prontamente todas as dúvidas dos responsáveis sobre o recebimento/recarga do cartão e demonstramos preocupação e interesse diante da dificuldade financeira que muitas famı́lias estão vivenciando, tendo em vista que muitas são autônomas, estão desempregadas ou fazem trabalhos informais e, com o necessário perıódo de isolamento social, ficaram sem renda. Como professora da turma sempre me disponibilizei a informar, tirar dúvidas através de fontes fidedignas, ouvir as reclamações com respeito e atenção PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 127 ISSN 2447-620X considerando o papel social da educação nesse momento de pandemia nunca vivido por esta geração1. Como professora da turma, acompanhei todo esse processo que não foi imediato, mas composto gradativamente por expectativas, dúvidas, preenchimento de links para inscrição e muita espera. Finalmente, recebemos a informação oficial através da diretora da unidade de que as famı́lias iriam receber mensagens através de e-mail ou SMS, de acordo com o que colocaram no link da inscrição, contendo a informação sobre o local, data e horário para a retirada de cestas básicas em pontos distintos de distribuição, e não mais nas unidades escolares. Após o recebimento da cesta básica percebemos um contentamento por parte das famı́lias. Algumas mães relataram que em casa as crianças estão comendo muito, estão com bastante apetite, que sempre solicitam algo para comer e que a cesta básica já iria ajudar bastante para suprir, minimamente, essas necessidades. Considerando que uma parte das famı́lias são autônomas, Microempreendedores Individuais (MEI) ou trabalhadores de serviços informais, em diálogo com a minha equipe propus que utilizássemos o grupo da turma para divulgação dos trabalhos de vendas de produtos, artesanatos que as mães produzem, dentre outras coisas, para que uma pudesse ajudar a outra. A partir disso, em sintonia e diálogo com a diretora, ampliamos a proposta e criamos o projeto “Rede do Bem”, com o objetivo de divulgar o trabalho das famı́lias de todas as turmas da instituição na página do Facebook. Dessa forma, todas as famı́lias foram contempladas. Solicitamos o envio de uma imagem com a descrição do serviço que elas gostariam de divulgar. Ao receber ficamos surpresas com a diversidade de trabalhos que elas produzem e o quanto essa simples ação repercutiu na comunidade, favorecendo uma relação de parceria, contribuindo para conhecermos ainda mais o perfil da comunidade e, sobretudo, possibilitou o estreitamento dos vı́nculos afetivos entre a instituição e as famı́lias. 1 Esse cenário deu origem a um segundo movimento. A Secretaria Municipal de Educação - RJ informou que todas as crianças matriculadas na rede iriam receber uma cesta básica e que os cartões não seriam mais recarregados. Diante disso, mais um movimento de insatisfação manifestada por algumas mães que não teriam mais o cartão recarregado. Ao mesmo tempo, outras mães ficaram esperançosas e aliviadas por saberem que agora seriam contempladas com a cesta básica mesmo sem receber o cartão do Bolsa Famı́lia. PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 128 ISSN 2447-620X A interação com as famıĺias e com as crianças da turma é um movimento ainda em processo, sendo ressignificado e reconstruı́do a cada manhã até o dia em que poderemos nos reencontrar pessoalmente. Provavelmente, neste dia não poderemos nos abraçar, beijar, estar bem perto. Como será? Nos perguntamos, mas ainda não sabemos. Nem mesmo sabemos quais serão os protocolos utilizados, mas de uma coisa eu tenho certeza: não seremos mais os mesmos. Nem as crianças, nem as famı́lias e nem os profissionais. EL importante reconhecer isso. Acolhimento, cuidado e apoio à equipe pedagógica em tempos de trabalho remoto Neste segundo momento, abordamos o papel da professora articuladora na relação com a equipe pedagógica num perı́odo de trabalho remoto. Todas as ações relatadas foram realizadas em conjunto e em constante diálogo com a diretora da unidade que contribui, apoia e estabelece uma relação de parceria para a realização do trabalho pedagógico. Sou professora de Educação Infantil no municı́pio do Rio de Janeiro desde 2011. Durante esses nove anos já tive o privilégio de trabalhar com turmas do Berçário a Pré- escola. Há cinco anos, além de atender uma turma no horário da manhã, faço dupla regência no turno da tarde como professora articuladora nessa mesma unidade. Por isso, é possıv́el contemplar neste artigo a dupla posição na relação com os meus pares, com as famı́lias e com as crianças que aconteceram de forma simultânea. Ao receber o convite da diretora da unidade para assumir a função de professora articuladora, confesso que fiquei temerosa diante da responsabilidade, mas decidi aceitar tendo em vista uma relação de parceria e profissionalismo tanto por parte da direção, quanto por parte da equipe pedagógica. Ao longo de todos esses anos construı́mos pontes, atamos laços, choramos, sorrimos juntos, comemoramos aniversários, casamentos, bodas, nascimento dos filhos... criamos vı́nculos afetivos! Vivenciamos muitas experiências enriquecedoras, formações em pequenos e grandes grupos, Centros de Estudos parciais e integrais, eventos internos e externos, jornadas pedagógicas, momentos de trocas, de compartilhamentos, de debates, de muita aprendizagem, construção e desconstrução de PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 129 ISSN 2447-620X conhecimentos. Foram muitos desafios, mas nada semelhante ao que estamos vivendo nesse perı́odo de trabalho remoto, lidando com todas as questões apresentadas. O medo do desconhecido. E, novamente, o que fazer diante deste cenário de distanciamento social e do necessário fechamento das instituições de Educação Infantil? Será que nos veremos novamente? Quando será o retorno? Como será o retorno? Quais serão os protocolos de segurança? Muitas perguntas ainda estão semrespostas, mesmo já tendo passado mais de três meses de isolamento social. Logo no primeiro dia de fechamento das unidades escolares no municı́pio do Rio de Janeiro, numa linda segunda-feira, celebrando mais um ano de vida, parei no meu quintal, olhei para as árvores, para as minhas plantas, ouvi o canto dos pássaros, respirei fundo e pensei que terı́amos duas possibilidades: esperançar ou esperar? Trouxe à memória o verbo esperançar (FREIRE, 2014) e então decidi entrar em contato com a equipe pedagógica para pensarmos em propostas e possibilidades de contato com as crianças e com as suas famı́lias. Seguindo a deliberação do Conselho Municipal de Educação do Rio de Janeiro (CME/RJ) nº 39 de 02/04/2020 que orienta as instituições do Sistema Municipal de Ensino do Rio de Janeiro sobre a realização de atividades escolares em regime especial domiciliar, em caráter excepcional, no perı́odo em que permanecerem em isolamento social fixado pelas autoridades municipais e pela comunidade médico-cientı́fica, em razão da necessidade de prevenção e combate a COVID-19 – Coronavı́rus, destacamos o 8º artigo e o parágrafo único que trata especificamente da Educação Infantil: 8º Ficam as unidades da rede pública do Sistema Municipal de Ensino do Rio de Janeiro encarregadas de manter contato com a comunidade escolar, por meio digital, com a finalidade de promover a divulgação das ações recomendadas pelos órgãos de saúde para controle da pandemia. Parágrafo único. As atividades escolares realizadas em regime especial domiciliar dirigidas à Educação Infantil, deverão ter como finalidade a manutenção dos vı́nculos afetivos, sociais e culturais, não sendo admitida a antecipação de conteúdos relacionados ao Ensino Fundamental, conforme estabelecem as Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação Infantil e os atos normativos deste Conselho. (BRASIL, 2010). PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 130 ISSN 2447-620X Também por meio de um grupo de WhatsApp, o da nossa unidade, iniciamos o contato com os profissionais para mobilizar e incentivar o vı́nculo afetivo com as crianças e com as famı́lias através dos grupos das turmas e da página oficial da instituição no Facebook. A criação de grupos de WhatsApp por turma já era uma prática comum em nossa unidade, mas seu uso, pelos motivos em questão, foi intensificado para além de um meio de informação. Algumas turmas optam por ter uma mãe representante para repassar os informes, na maioria dos casos, a própria professora administra o grupo juntamente com os demais profissionais que atuam com a turma. A equipe pedagógica foi orientada a buscar esse contato com as crianças e com as famı́lias partilhando questões como cuidado e a educação, diferenciando as vivências do espaço institucional do contexto familiar e, pelo atual cenário, sem ter a preocupação com o cumprimento dos dias letivos. Sem, também, a pretensão de substituir o papel da Educação Infantil, que se faz no coletivo, na interação com o outro “nas minúcias da vida cotidiana, no fazer- fazendo da docência na Educação Infantil”, como afirma Martins Filho (2020), considerando, sempre, as especificidades da Educação Infantil e a busca pela garantia dos direitos das crianças. O fazer-fazendo da docência faz parte da vida cotidiana na instituição e é impregnado de diferentes minúcias, como a própria vida em seu acontecimento no coletivo da instituição educativa. Na Educação Infantil as minúcias da vida cotidiana estão relacionadas ao princı́pio de cuidado e educação, dimensão norteadora da especificidade desse segmento educacional e pedagógico. Reveladoras, portanto, da complexidade, heterogeneidade e multiplicidade da docência nessa etapa da educação, ainda que não lhes atribuı́mos a importância de que se revestem (MARTINS FILHO, 2020, p. 40-41). A complexidade da docência na Educação Infantil estava à prova. Sabı́amos do desafio que estava posto diante de nós. Mas, como manter os vı́nculos afetivos com as crianças? Buscamos caminhos no diálogo com a equipe e enfatizamos que não era obrigatória a gravação de vı́deos, mas que seria uma possibilidade para mantermos alguma relação com as crianças. A equipe aceitou bem a proposta, mas algumas profissionais declaram não se sentirem à vontade para gravarem vı́deos, afirmando não ter habilidade com as novas tecnologias, mas se comprometendo a manter contato com a turma via grupo no PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 131 ISSN 2447-620X WhatsApp. As professoras que se sentiam mais à vontade para gravar e editar os vı́deos iniciaram as produções com contação de histórias, músicas e propostas de brincadeiras. Os responsáveis começaram a dar o retorno através dos grupos das turmas e de comentários nas publicações da página oficial da instituição no Facebook, que sempre foi bastante ativa, mas nesse perı́odo de distanciamento social ganhou uma visibilidade bem maior e atingiu um número bastante significativo de compartilhamentos e comentários. No dia 20/03/2020, recebemos a primeira carta da Coordenadoria da Infância, via e-mail, abordando a situação de pandemia que estamos vivendo, solicitando o compartilhamento de sugestões e práticas para serem realizadas com as crianças em casa com as suas famı́lias, propondo também o estudo do texto “Planejamento e a prática pedagógica na Educação Infantil”, de Luciana Ostetto. Compartilhamos a carta com a equipe e, como estratégia de estudo, disponibilizamos um tempo para leitura e agendamos para o dia 31/03/2020 o nosso primeiro encontro virtual pela plataforma Zoom para nos vermos e debatermos o texto. Ah, que emoção! Como foi bom ver cada um que conseguiu entrar pela plataforma, agora não ouvı́amos apenas a voz, podı́amos nos ver, saber que estávamos todos, na medida do possıv́el, bem. Cada pessoa da equipe que aparecia nas “janelinhas virtuais” da plataforma era motivo de muita alegria. Ficamos algum tempo nos saudando, explorando a plataforma para conhecer esse novo espaço de formação e logo após, iniciamos a reflexão sobre o texto proposto pela Coordenadoria da infância. O diálogo com o grupo foi bastante proveitoso, a equipe se colocou de forma crı́tica, fizemos uma análise comparativa entre a proposta do texto e a nossa prática pedagógica. Nesse perı́odo de trabalho remoto, além da proposta de estudo e dos cursos on-line disponibilizados pela Secretaria Municipal de Educação através da Plataforma Paulo Freire, divulgamos lives com temáticas referentes à educação, sugerimos cursos gratuitos on-line de outras plataformas, leituras de livros e mantivemos contato semanal com todos os profissionais através do grupo de WhatsApp, também com mensagens no privado para saberem se estavam bem, se precisavam de alguma ajuda, se gostariam de conversar. Sempre demonstrando respeito, afeto e cuidado, orientamos a equipe para que cada um respeitasse o seu próprio tempo, buscasse o encontro consigo mesmo e que em alguns dias estarı́amos bem, mas em outros, não tão bem assim. Mas que seguirı́amos juntos. PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 132 ISSN 2447-620X Nessa perspectiva, além das postagens com orientações e propostas de vivências para serem realizadas em casa com as crianças, aequipe pedagógica fez cartazes com mensagens de afeto/cuidado para a nossa comunidade escolar e produziu um vı́deo com fundo musical na esperança de que, como diz a canção, dias melhores virão. A maioria das professoras também fez um vı́deo com mensagens de afeto para homenagear as nossas crianças, com apresentação dos nomes/ fotos das crianças individuais e coletivas para que elas se sentissem pertencentes a este grupo. Incentivamos também envio de mensagens e homenagem para os aniversariantes. Cada grupamento tem buscado a sua estratégia para tornar este dia especial para as crianças aniversariantes, mesmo nesse perı́odo de pandemia. Um movimento singular foi feito por duas professoras da unidade, elas gravaram vı́deos com músicas e histórias como intérpretes de Libras, pois temos uma criança com deficiência auditiva. Consideramos essa iniciativa de suma importância, pois lutamos para acolher as diferenças e trabalhamos para ter uma Educação Infantil cada vez mais inclusiva e nesse perı́odo tão delicado não poderia ser diferente. A partir disso, percebemos que essa criança tem participado ativamente das experiências propostas. Incentivamos as professoras que têm crianças com deficiência a se articularem com a Agente de Apoio à Educação Especial para que juntas entrassem em contato com as famı́lias para a manutenção dos vı́nculos afetivos com as crianças com necessidades educacionais especializadas. Propusemos também a gravação de vı́deos com mensagens de afeto, cuidado e carinho e/ou envio de fotos da criança realizando experiências na instituição, a fim de relembrarem e reviverem momentos juntos com o grupo. Compartilhamos uma ação do Instituto Municipal Helena Antipoff sobre uma das medidas de atendimento aos alunos público-alvo da Educação Especial durante o perı́odo de fechamento das escolas. Aqueles que são acompanhados por Agentes de Apoio à Educação Especial e estagiários puderam contar com um acompanhamento prestado por contato telefônico, o serviço “Tele-Especial Carioca”. Para isso, os responsáveis deveriam autorizar que profissionais da unidade escolar e estagiários pudessem contactá-los. Para tanto, a diretora disponibilizou o link e solicitou o envio para os responsáveis. No decorrer do tempo, a Coordenadoria da infância SME/RJ enviou o texto: “As especificidades da ação pedagógica com os bebês”, de Maria Carmem Barbosa. Assim PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 133 ISSN 2447-620X como fizemos com o primeiro texto enviado, disponibilizamos um tempo para leitura e, no dia 13/04/2020, realizamos mais um encontro pela plataforma Zoom. Percebemos que o grupo estava bastante sensibilizado, novamente foi um encontro muito emocionante, pois as profissionais que já atuaram e que ainda atuam com turmas de Berçário expuseram as suas vivências e experiências e demonstraram o quanto foram impactadas pela leitura. Associando ao texto proposto, destaquei a importância de ouvirmos atentamente as crianças não só com os ouvidos, mas com todos os sentidos, como afirma Rinaldi (2014). Refletimos sobre o momento das refeições, do sono, do banho e destacamos os aspectos que ainda precisamos avançar quanto à organização do tempo, do espaço e das materialidades. A equipe chegou à conclusão de que precisamos buscar estratégias através do diálogo com os nossos pares, replanejar as nossas ações, avaliar a cada dia a nossa rotina para que não se torne rotina rotineira, para que não se automatize. Considerando que o cuidar e o educar são “mais que atos, são atitudes que, além de seleção de prioridades, exigem dedicação, atenção e responsabilidade, especialmente afetiva com o outro ser humano criança” (MARTINS FILHO, 2020, p. 158). Ainda de acordo com o autor, Atribuo ao cuidado um significado para além de cumprir tarefas rotineiras que se repetem cotidianamente e se tornam, com isto, pouco prestigiosas e preciosas. Esta pode ser entendida como uma tentativa de ultrapassar a visão de cuidado associada unicamente à assistência, à guarda e à noção de tutela em que o termo historicamente está envolvido, e, ainda, está fortemente presente nas instituições educativas (MARTINS FILHO, 2020, p. 160). Esse tempo de trabalho remoto oportunizou espaço para estudos e reflexão sobre o nosso cotidiano, considerado de suma importância, pois no calendário letivo para o ano de 2020 não terı́amos mais os Centros de Estudos parciais, que era o espaço para a nossa formação continuada em serviço. Podemos afirmar que foi um encontro formativo virtual bastante significativo, diferente de tudo que já havı́amos vivenciado. Faltou o contato fı́sico, o olho no olho, o abraço, o lanche coletivo antes de iniciar a reunião, mas não faltou o olhar sobre as nossas crianças, a responsividade, a alteridade e o afeto na condução de nossos objetivos. PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 134 ISSN 2447-620X No dia 29/03/2020 recebemos um e-mail enviado pela Gerência de Educação da 9ª Coordenadoria Regional de Educação (9ª CRE) tratando sobre a organização do trabalho na modalidade home office. Neste e-mail também foi feita a solicitação para que a professora articuladora fizesse um registro sobre as orientações que estavam sendo dadas aos professores e sobre as atividades propostas por eles, por meio de portfólio, diário de bordo ou outras formas de registros. Essas narrativas estão sendo redigidas de acordo com os fatos ocorridos, como uma colcha de retalhos. Pois, não sabemos quando, nem como retornaremos as nossas atividades pedagógicas presenciais. Compartilhamos com a equipe uma carta de agradecimento que recebemos da Coordenadoria da Infância pelo trabalho que temos realizado com palavras de fé, esperança e de ânimo, no dia 16/04/2020. Esse contato da Coordenadoria da Infância, via cartas, contribuiu para dar um suporte as nossas ações como Rede Pública de Ensino, e não como uma unidade de Educação Infantil que está fazendo ações isoladas. Assim, como a carta que recebemos no dia 04/05/2020, com orientações sobre a importância de termos um discurso coeso considerando as especificidades da Educação Infantil, mantendo o compromisso com a qualidade das nossas práticas pedagógicas. Dessa carta, um trecho em especial é importante às nossas reflexões: “Não temos a intenção de reforço, complementação pedagógica ou quaisquer outros conceitos que não atendem as nossas dinâmicas e realidades.” O texto ainda reforça o que já temos defendido, que a “EAD” não se adequa às especificidades da Educação Infantil. A internet, constitui-se como mais uma linguagem por meio da qual as nossas crianças formam e estabelecem relações. Nesse sentido, podemos verificar que o nosso trabalho está em consonância com as orientações encaminhadas pela Coordenadoria da infância, da Gerência de Educação (9ª CRE) e com a LDBEN 9.394/1996, art. 80, que não prevê essa modalidade de ensino para a Educação Infantil. A preocupação com a saúde emocional dos profissionais e de suas famı́lias também pautou nossas ações. A diretora da unidade apresentou algo de muito valor, num contexto de distanciamento social: a equipe diretiva composta pela diretora geral, diretora adjunta e professora articuladora faria chamadas de vı́deo individual com cada funcionário da PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6135 ISSN 2447-620X unidade com o objetivo de ouvir como cada um estava enfrentando esse perı́odo, o intuito não era falar sobre trabalho, mas demonstrar afeto, cuidado e atenção. Muitas pessoas ficaram surpresas ao receberem a vı́deo chamada composta pela equipe diretiva. Pensavam que era uma ligação relacionada ao trabalho e começavam a falar sobre projetos, mas logo falávamos qual era o objetivo da nossa chamada surpresa. Alguns funcionários ficaram muito emocionados, relataram como estavam lidando com a pandemia, falaram sobre os seus medos e conversamos sobre a importância do cuidado com o nosso corpo e com a nossa mente. Foi uma experiência singular! Dessa forma, seguimos juntos como uma rede de apoio. Considerações finais Concluı́mos este trabalho enfatizando que as ações aqui apresentadas não são compreendidas na perspectiva de “EAD na Educação Infantil”. Esse relato de experiência não tem como finalidade romantizar o trabalho remoto, mas compartilhar os caminhos, estratégias e possibilidades encontrados para a manutenção dos vı́nculos afetivos com as famı́lias, com as crianças e com a equipe pedagógica durante o perı́odo de pandemia. Ao chegar nas considerações finais deste registro, alguns questionamentos surgiram: e se tivéssemos seguido outro caminho, se não tivéssemos buscado o possıv́el encontro através dos grupos de WhatsApp/Facebook? Sobre esses percursos trilhados até aqui, aciono um trecho de nossa literatura brasileira: “o real não está na saı́da nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” (ROSA, 2001, p. 80). Nos encontramos nessa travessia. Por trás das câmeras, os desafios enfrentados para a realização do trabalho remoto sem infraestrutura adequada, entre o preparo do almoço, o carro do ovo que passa, o cachorro que late, a internet que falha, estamos nessa travessia em uma linha tênue que compreende manter o contato com as famı́lias, o respeito ao espaço familiar e aos nossos próprios limites fı́sicos e emocionais. Embora as tecnologias estejam presentes em nosso cotidiano, confesso que ainda não me adaptei a trabalhar através de uma tela, sinto falta do contato fı́sico, do olho no olho, dos abraços mais apertados, de todos quererem falar ao mesmo tempo, de ser interrompida com uma pergunta intrigante diante de uma história. Sinto saudades do PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 136 ISSN 2447-620X nosso cotidiano de antes da pandemia, das relações que são estabelecidas no coletivo. Ao entrar em contato com as crianças, mesmo virtualmente, sinto a alegria delas através dos vı́deos/áudios e, assim, as minhas esperanças são renovadas. Nesse tempo de pandemia vieram à tona nas redes sociais práticas equivocadas, discussões e reflexões a respeito das especificidades da Educação Infantil. Nesse sentido, ficou evidente algo anunciado por Martins Filho (2020, p. 119), que “as experiências das crianças não cabem em uma folha de papel, com crianças pequenas as experiências transcendem o momento da ‘atividade pedagógica’ tradicional, convencional, canônica e cartesiana”. Da mesma forma, considero que o cotidiano da Educação Infantil é vida no sentido mais pleno da palavra, por isso, também não cabe em uma tela. A questão que se antepõe a todas essas e a que fundamentou todas as ações relatadas ao longo deste trabalho é a suma importância que reside na manutenção dos vı́nculos afetivos, adaptados para esses tempos de pandemia. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brası́lia: MEC/SEB, 2010. BRASIL. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996. Disponıv́el em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf. Acesso em 13 jul. 2020. CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇAYO (Rio de Janeiro). Deliberação nº 39 de 02/04/2020. Orienta as instituições do Sistema Municipal de Ensino do Rio de Janeiro sobre a realização de atividades escolares em regime especial domiciliar, em caráter excepcional, no perı́odo em que permanecerem em isolamento social fixado pelas autoridades municipais e pela comunidade médico-cientı́fica, em razão da necessidade de prevenção e combate ao COVID-19 - Coronavı́rus. Disponıv́el em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=392540. Acesso em 13 ago. 2020. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. PRÁTICASPRÁTICASPRÁTICASPRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 137 ISSN 2447-620X FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2014. FRIEDMANN, Adriana. A vez e a voz das crianças: escutas antropológicas e poéticas das infâncias. São Paulo: Panda Books, 2020. L`ECUYER, Catherine. Educar na realidade. São Paulo: Edições Loyola, 2019. 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