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BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL – OS SÉCULOS XVIII
E XIX
A origem da literatura infantojuvenil está vinculada a um
contexto histórico bastante específico, que remonta à
constituição da sociedade burguesa industrial do século
XVIII. Nessa sociedade burguesa, em construção, a
noção de infância sofreu modificações. A criança
passou a ser um indivíduo que precisava de tratamento
diferenciado e, ao mesmo tempo, de possibilidades
formativas e morais para aquela sociedade. Essa nova
abordagem com relação à infância, em grande medida,
é construída da modernidade. Até a passagem da Idade
Média (séculos V ao XV) para a Modernidade, a criança
era vista como um adulto em miniatura, conceituação
sugerida por Philipe Ariès e por outros historiadores da
infância e da família.
Nesse universo medieval, as estruturas feudais eram
extremamente rígidas. A ascensão social ou a produção
em larga escala não faziam parte do que se denomina
feudalismo. O mundo feudal, cristalizado e restritivo,
garantia às famílias a sobrevivência de poucas crianças
e a necessidade do trabalho pesado para todos,
principalmente para aqueles na condição de servos.
Havia, nesse contexto, duas possibilidades sociais
ditadas pelo nascimento: a servidão e a nobreza.
No final da Idade Média, período denominado Baixa
Idade Média, o renascimento das atividades comerciais
e das cidades fizeram surgir uma nova classe social: a
burguesia. Esta burguesia, especificamente do
medievo, vive das práticas da produção artesanal e/ou
manufatureira e das atividades bancárias ou comerciais.
Nesse momento, as crianças, segundo Ariès (1981),
passam a frequentar espaços específicos para sua
formação, em detrimento das práticas de aprendizagem
adotadas pela nobreza e que demandavam o
fortalecimento de laços entre as famílias, as alianças e
as longas temporadas nas casas de outros nobres. As
escolas, agora destinadas à burguesia, criam ao mesmo
tempo a possibilidade de distanciamento e de retorno à
casa. Daí, segundo o historiador Philipe Ariès (1981, p.
233), surgem os sentimentos de saudade, de retorno ao
lar, de afetividade. Constituem-se laços importantes
para a construção da família moderna e da infância.
Poucos séculos depois, essa burguesia tem novos
traços e exige cada vez mais uma formação adequada
as suas crianças. Essas transformações são cruciais
para que a escola e a pedagogia ocupem um lugar
importante na formação moral da infância. Por isso, o
século XVIII, ou o Século das Luzes, assistirá à
complementação de um processo que se iniciou na
Idade Média: a decadência das linhagens, a
desvalorização dos laços de parentesco e, em
contrapartida, a formação da unidade familiar e dos
laços afetivos. Segundo Zilberman (1998, p. 44):
É a ascensão da ideologia burguesa a partir do século
18 que modifica esta situação: promovendo a distinção
entre o setor privado e a vida pública, entre o mundo
dos negócios e a família, provoca uma
compartimentação na existência do indivíduo, tanto no
âmbito horizontal, opondo casa e trabalho, como na
vertical, separando a infância da idade adulta e
relegando aquela à condição de etapa preparatória aos
compromissos futuros.
Nesse cenário, a educação ganha importante terreno,
no que se refere aos cuidados e às orientações dados à
criança. O objetivo final era garantir a formação de um
adulto que estivesse de acordo com as demandas
sociais daquele contexto. A escola é o espaço na norma
e do controle, às vezes muito mais presentes do que a
formação intelectual.
Ligada à missão pedagógica da escola, a literatura
infantojuvenil surge com o intuito de moldar o indivíduo
para essa sociedade. É esse caráter formativo, a
primeira característica da literatura infantojuvenil. Esse
processo, da leitura que colabora para (re)produzir
valores de um comportamento burguês, está presente,
também, na temática dos romances românticos do final
do século XVIII e do século XIX.
A literatura infantojuvenil se constitui com base em um
material literário já existente e de vertente adulta. São
contos de fada, retirados de uma tradição oral, de
origem adulta, que são adaptados ao universo infantil.
Eles são produzidos para um público leitor infantil e
jovem, com uma referência final que elabora uma moral
da história e que tem uma voz narrativa que, de forma
constante, manifesta a fala e os ensinamentos adultos.
Dentro da escola burguesa, essa literatura garantirá a
formação das crianças, a partir da seleção de aspectos,
características e temas que contribuam para o
surgimento do bom cidadão. Essa literatura, adaptada
de textos adultos, terá um grande interesse pedagógico,
muito mais do que de fruição do texto, enquanto
literário. Para Zilberman (1988, p. 44):
Promovendo a necessidade à formação pessoal de tipo
profissionalizante, cognitivo e ético, a pedagogia
encontra um lugar destacado no contexto da
configuração e transmissão da ideologia burguesa.
Dentro deste panorama é que emerge a literatura
infantil, contribuindo para a preparação da elite cultura,
através da reatualização do material literário oriundo de
duas fontes distintas e contrapostas: a adaptação dos
clássicos e dos contos de fada de proveniência
folclórica.
Com o passar do tempo, já na virada do século XIX
para o XX, as narrativas apresentam personagens
infantis menos dependentes da voz adulta,
representada pela instância do narrador, e muito mais
autônomas em suas atitudes. Aos poucos, a moral da
história vai deixando de ser o fio condutor e o desfecho
do enredo. Esse amadurecimento tem seu auge já na
segunda metade do século XX e aparece,
explicitamente, na produção da literatura infantojuvenil
brasileira, por exemplo.
Mais recentemente, a crítica e a teoria literária, também,
passaram a fazer do texto literário infantojuvenil objeto
de análise. A própria literatura, desse gênero, passou a
ser estudada, não somente nos cursos de Pedagogia,
como também nos cursos de Letras. Nesse sentido,
sobre esses textos recaíram a noção de arte literária e
de público especializado. Segundo Zilberman (1982, p.
23):
[...] a literatura infantil atinge o estatuto de arte literária e
se distancia com sua origem comprometida com a
pedagogia, quando apresenta textos de valor artístico a
seus pequenos leitores e não é porque estes ainda não
alcançaram o status de adultos que merecem uma
produção literária inferior. [...] Em vista disto a grande
carência (da criança) é o conhecimento de si mesma e
do ambiente no qual vive, que é primordialmente o da
família, depois o espaço circundante e, por fim, a
História e a vida social. O que a ficção lhe concede é
uma visão de mundo que ocupa as lacunas resultantes
de sua restrita experiência existencial, através de sua
linguagem simbólica.
Padrões estéticos e modelos pré-estabelecidos para o
texto literário infantojuvenil, que antes garantiam a
disseminação de valores conservadores e moralistas,
foram gradativamente substituídos por temas e
questões polêmicos que, em certa medida, ora
privilegiam o caráter literário do texto, ora são
condicionantes para o texto.
Uma metodologia, segundo Costa (2013), para trabalhar
o texto literário infanto juvenil precisa distinguir estes
dois tipos: o moralizador e o imaginativo. O leitor deve
ter em sua formação ferramentas que o habilitem para o
prazer da leitura e para a compreensão de uma
literatura significativa.
aula 2
● Conhecer os primeiros autores da literatura infantil produzida
no final do século XVIII e início do XIX;
● Identificar as especificidades temáticas e os processos de
construção das primeiras obras da literatura infantil.
● Charles Perrault
● Jacob e Wilhelm Grimm
● Hans Christian Andersen
● A mudança de perspectiva
Os primeiros autores
O século XVIII é o século da racionalidade das Luzes e
do desenvolvimento do processo de industrialização.
Concomitantemente, a Europa experimenta a ascensão
do pensamento liberal econômico e político e a queda
de regimes absolutistas.
A leitura torna-se o sinônimo de uma sociedade
burguesa com dinheiro e que, naquele momento,
privilegiaas ações individuais, em detrimento ao
sentimento coletivo do medievo. A leitura, por exemplo,
do romance romântico é uma leitura individual, que se
faz no espaço privado, dentro de casa, em qualquer
ambiente. Ela é o símbolo da forma de vida burguesa.
Por sua vez, o espaço da escola garante uma maneira
de ver o mundo, que é tipicamente burguês. A ideologia
burguesa, solidificada na escola, defende um
determinado padrão de família, um modelo de infância e
uma norma comportamental.
A alfabetização, feita na escola, garantiu à burguesia a
sua formação intelectual e, ao mesmo tempo, o
endosso dos valores burgueses. Naquele tempo, o
século XVIII, circulavam na escola as fábulas de Jean
de La Fontaine, de François Fénelon e de Charles
Perrault. Além delas, estavam presentes adaptações de
clássicos como Robinson Crusoé, de Daniel Defoe,
publicado originalmente em 1719, e As viagens de
Gulliver, de Jonathan Swift, publicado originalmente em
1726.
Na origem europeia dos contos infantis estão as
narrativas populares de procedência folclórica. Na
França, Contos de mamãe gansa (1607), de Charles
Perrault, representam concepções romanescas do
século XVII. Nesse modelo de narrativa, o real e o
maravilhoso estão harmonizados de forma perfeita com
os contos tradicionais oriundos da tradição popular.
As narrativas organizadas por Perrault e mais
conhecidas até hoje são A Bela Adormecida no bosque,
Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O gato de botas,
As fadas, A gata borralheira, Henrique do Topete, O
pequeno polegar, Pele de asno e outras. Essas
narrativas provem das tradições orais célticas e bretã,
acrescentada das influências do folclore italiano e
francês, bem como de elementos religiosos e pagãos.
Nessas histórias estão presentes temas como incesto,
canibalismo, demônios e adultério. Esses temas foram
reelaborados por Perrault e compuseram o que se
define como literatura infantil, devidamente adaptada
para o público infantil e direcionadas a garantirem a
moral e os valores burgueses. Conta-se que:
Na época em que os contos de fadas foram escritos, o
hábito não estava extinto. A humanidade nunca deixou
de recorrer ao canibalismo em épocas de fome severa –
e fome era carne de vaca nos séculos passados. Na
Prússia, a escassez foi tanta entre 1708 e 1711 que
41% da população (ou 250 mil pessoas) morreu. Duas
grandes fomes também atropelaram a França entre
1693 e 1710, matando mais de 2 milhões de pessoas.
Assim, o canibalismo acabou saindo da lista de tabus. O
historiador Jay Rubinstein conta que, nos séculos 11 e
12, havia feiras de carne humana na Inglaterra e na
França – e que há relatos de pais comendo seus bebês
em momentos de extrema pobreza. Outra grande época
de carnificina foram as Cruzadas. Há uma história
famosa, do rei inglês Ricardo Coração de Leão, líder da
Terceira Cruzada, que ficou doente ao chegar à Terra
Sagrada, e ficou implorando por carne de porco. Na
falta de suínos, seus empregados acabaram assando
um infiel – que o monarca achou uma delícia. “O quê?
Carne de sarraceno é boa assim?”, disse. A história
humana é mais indigesta do que parece.
(SUPERINTERESSANTE,
https://super.abril.com.br/especiais/o-lado-sombrio-dos-
contos-de-fadas/
(Links para um site externo.)
)
No século XIX, na Europa, a literatura destinada ao
público infantojuvenil se consolidou com os contos de
fadas dos irmãos Grimm, as histórias fantásticas de
Hans Christian Andersen, Lewis Carroll e Carlo Collodi,
as histórias de aventura de Julio Verner e Robert Louis
Stevenson e as histórias do cotidiano da Condessa de
Ségur, por exemplo.
https://super.abril.com.br/especiais/o-lado-sombrio-dos-contos-de-fadas/
https://super.abril.com.br/especiais/o-lado-sombrio-dos-contos-de-fadas/
https://super.abril.com.br/especiais/o-lado-sombrio-dos-contos-de-fadas/
Os Grimm, na Alemanha, recolheram, também,
centenas de fábulas, lendas e contos e produziram
Contos para a infância e para o lar (1812). Eles foram
os primeiros autores da Europa a dar valor estético e
humano à matéria popular. Em seus contos
predominam a esperança e a confiança. Apesar das
agruras da vida e das injustiças constantes, o herói
vence os obstáculos. São contos que constituem a obra:
A Bela Adormecida, Os músicos de Bremen, Os sete
anões e a Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, A
gata borralheira, O corvo, As aventuras do irmão
folgazão, A dama e o leão, entre outros.
Na Dinamarca, no mesmo período, Hans Christian
Andersen produz os primeiros contos para as crianças.
Andersen publica, em 1835, Contos de fadas e
histórias. Em 1872 produz 168 contos em cinco séries,
entre eles: A pastora e o limpador de chaminés, A
rainha das neves, O soldadinho de chumbo, O
pinheirinho, A menina dos fósforos, A roupa nova do rei,
O rouxinol, O jardineiro, A princesa e a ervilha e O
companheiro de viagem. Sua obra expressa sonho e
realidade, o mundo do fantástico e da extrema
sensibilidade, a humanização delicada da figura infantil.
A literatura infantil é composta em sua essência pela
fantasia, somado ao comprometimento com o interesse
adulto. Esse gênero faz um movimento de banimento da
realidade. Segundo ZIlberman (2003, p. 49) a fantasia
tem um sentido compensatório, em oposição à extrema
pobreza e à impossibilidade de mudar o mundo. Os
contos de fada são, assim, adequados ao novo público
emergente. A fantasia é subsídio para a compreensão
de mundo por parte da criança, preenchendo as
lacunas que o indivíduo tem durante a infância. De
acordo com a pesquisadora, este ente maravilhoso
presente no conto de fadas poderá corporificar o adulto
onipotente, aliado e bom, que soluciona o problema do
herói. Ainda, segundo ela, a passagem da narrativa
folclórica ao conto de fada, isentou o conteúdo de
rebeldia e proferiu a impotência do protagonista central:
a criança.
Narrativas, como as de Perrault e Grimm, explicitam
essas escolhas, em que a presença de um entre auxiliar
extraordinário se coloca a serviço do herói: uma fada,
um duende, um animal encantado.
Essa colaboração voluntária possibilita a superação, por
parte da personagem central, do conflito que deflagra o
evento ficcional; e sua ajuda é imprescindível devido à
condição sempre precária ou carente da figura principal.
(ZILBERMAN, 2003, p. 48).
Essas obras, por fim, ajudaram a garantir as
prerrogativas infantis, menos pela presença da fantasia
e mais pelo embelezamento do real e pela construção
de modelos perfeitos de comportamento.
AULA 3
● Conhecer os principais gêneros da literatura;
● Reconhecer as características principais dos gêneros literários;
● Identificar os gêneros modernos;
● Identificar a narrativa e as formas simples.
● A classificação dos gêneros literários;
● Os gêneros lírico, épico e dramático;
● As variações da narrativa e as formas simples.
Generos literarios
O termo literatura é conceituado e debatido desde a
Antiguidade clássica e remonta aos tempos de
Aristóteles, na Grécia Antiga. A diversidade temporal e
cultural fez com que muitas outras proposições sobre o
que é literatura fossem pensadas. No entanto, não há
um conceito fechado e definitivo.
A arte literária pela imitação e representação cria uma
realidade paralela à real. Aristóteles (384-322 a.C.)
defendia a ideia de que a mais importante função da
literatura e do teatro é fazer mimese ou mimese. Tal
palavra, de origem grega, designa a ação ou faculdade
de imitar, reproduzir ou imitar a natureza que, para
Aristóteles, era o fundamento de toda a arte. De acordo
com Massaud Moises (1984, p. 312): “Aristóteles
inaugurou a longa série de estudos, com a sua ideia de
mimese, ou seja, a arte literária entendida como
imitação, ou capacidade de reproduzir, com meio
próprios, os mecanismos utilizados na criação da
realidade do mundo; em síntese, arte como recriação”
Esse conceito, ao longo dos estudos teórico-críticos de
literatura já foi aceito e combatido. No entanto,
nenhuma das proposições refutou na íntegra a
proposição aristotélica. No final do século XIX e início
do XX, a Psicologia e a Filosofia da Linguagem ouSemiologia se interessaram também pelo tema. Assim,
abriu-se um parêntese para a compreensão do signo e
a relação com a existência dos signos polivalentes –
sendo a literatura a única que recorre à expressão
verbal (MOISES, 1984, p. 314). Assim, as palavras
polivalentes correspondem às metáforas. Daí entender
que a literatura é um tipo de conhecimento expresso em
metáforas, relaciona-se, portanto, com os conteúdos da
imaginação, da ficção.
Os gêneros literários apresentam natureza estética e
artística e estão relacionadas à produção cultural e
artística. Desde a Antiguidade, Platão e, logo depois,
Aristóteles, procura-se classificar a produção de textos
artísticos. Os gêneros literários, segundo esses
filósofos, podem ser definidos em: épico, lírico e
dramático. Essa classificação clássica se consolidou
nos séculos XV e XVI.
Um dos gêneros sempre predominará em um texto
literário, no entanto, a fronteira entre eles é muito tênue.
Por vezes, eles se misturam e se confundem.
Segundo Antoine Compagnon, essa forma de reunir as
obras literárias em grupos de características comuns
facilita ao leitor classificar a obra e ter um tipo específico
de recepção. Assim, a classificação em gênero literário
permite ao receptor, como um anúncio, um código,
apresentar a forma como ele deverá receber a
mensagem.
Na modernidade, as narrativas ganharam novas
caracterizações e, por isso, temos modalidades distintas
daquelas do tempo de Aristóteles. Algumas guardam o
parentesco com a epopeia e outras narrativas
primitivas. São gêneros modernos o romance, a novela,
o conto e a crônica. Qualquer um desses tem elementos
básicos em sua estrutura como os fatos narrados, uma
sequência de causa e efeitos, o tempo, o espaço, as
personagens e uma voz narrativa.
Genericamente, as diferenças de modalidade estão
fundamentadas no tamanho, tempo, espaço narrativo,
número de conflitos, desenvolvimento da ação e
número de personagens. No entanto, mesmo essa
classificação não é homogênea e aceita sem inúmeras
discussões.
O gênero lírico foi assim denominado porque na
antiguidade clássica, os gregos utilizavam um
instrumento musical, chamado lira, para acompanhar os
versos poéticos que eram cantados. Posteriormente, a
poesia lírica perde o acompanhamento musical e deixa
de ser cantada para ser lida e recitada, mas conserva a
sua perspectiva sonora, centrada sobre o ritmo e a
musicalidade, constituídos sobre a linguagem por meio
da metrificação, das rimas, de figuras sonoras como a
assonância (repetição de sons vocálicos) e a aliteração
(repetição de sons vocálicos), entre outras.
Rosenfeld (2000) refletindo sobre os gêneros literários e
a provisoriedade das classificações rígidas em função
da multiplicidade da expressão artístico-literária ao
longo de seu percurso histórico, faz a seguinte
afirmação bastante pertinente:
[...] o uso da classificação de obras literárias por
gêneros parece ser indispensável, simplesmente pela
necessidade de toda ciência de introduzir certa ordem
na multiplicidade dos fenômenos. Há, no entanto,
razões mais profundas para a adoção do sistema de
gêneros. A maneira pela qual é comunicado o mundo
imaginário pressupõe certa atitude em face deste
mundo, ou contrariamente, a atitude exprime-se em
certa maneira de comunicar. Nos gêneros
manifestam-se, sem dúvida, tipos diversos de
imaginação e de atitudes em face do mundo. (p. 16-17).
Para além da perspectiva sonora, que diz respeito à
forma do texto, ou seja, a estrutura, o gênero lírico se
caracteriza pela expressão de sentimentos. A reflexão
feita por Rosenfeld nos auxilia a compreender que a
necessidade de expressão sentimental, no gênero lírico,
seria a consequência de uma apreensão de mundo por
parte do artista que se dá através do filtro da
subjetividade. É por meio dessa atitude frente ao mundo
que se a articula a “maneira de comunicar” do poeta, ou
seja, os artifícios estruturais e estilísticos utilizados por
ele para tornar coerente e efetiva a expressão do
sentimento.
Ao percebermos essa dinâmica mencionada acima, a
qual é o cerne do gênero lírico, fica mais fácil
compreendermos as características do gênero, como
decorrentes desse desejo de expressão sentimental.
Explicando-se melhor: a partir dessa perspectiva,
quando se salienta que no gênero lírico há a
predominância da utilização da primeira pessoa do
singular, compreende-se que é um recurso, pois
somente o “eu” é capaz de mergulhar em seu universo
interno e fazer submergir em forma de linguagem a
expressão genuína dos seus sentimentos, estados de
alma, pensamentos e reflexões. A utilização de um “ele”
ou terceira pessoa (característica do gênero épico),
implicaria um distanciamento e uma parcialidade que
anulariam a intensidade e veracidade do sentimento
exposto.
Uma observação importante a fazermos é que esse eu
que se expressa no poema, o qual recebe a
denominação técnica de Eu-lírico, não deverá ser
confundida com a figura biográfica do autor, pois é uma
criação ficcional, tal qual o é o narrador no gênero
épico.
Outra característica que pode ser compreendida como
decorrente da expressão introspectiva é o que
Rosenfeld (2000) explica como sendo a eliminação da
oposição entre sujeito (aquele que expressa ou narra) e
o objeto (mundo/realidade externos ao eu).
Composto de versos e estrofes, a estrutura textual do
gênero lírico é chamada de poema, o qual
caracteriza-se pela brevidade. Para Rosenfeld (2000), a
necessidade dessa brevidade está diretamente ligada à
“extrema intensidade expressiva que não poderia ser
mantida através de uma organização literária muito
ampla” (p.22).
O corpo de um poema é formado de versos agrupados
em estrofes. No texto poético, forma e conteúdo são
indissociáveis, isso quer dizer que a forma do poema,
também, deverá ser analisada no plano do sentido e
não apenas formal.
A divisão estrófica no poema também não é aleatória,
pois as estrofes podem organizar não só o
desenvolvimento do tema, mas também apontarem
mudanças rítmicas. A composição das estrofes também
é responsável pela identificação dos chamados poemas
de forma fixa, como é o caso do soneto. Esse tipo de
poema é sempre composto por quatro estrofes. As duas
primeiras são estrofes de quatro versos, chamadas
quartetos e as duas últimas são estrofes de três versos,
chamadas de tercetos. Outra particularidade desse tipo
de poema é que o sistema de rimas que liga os dois
quartetos é diferente das rimas que ligam os dois
tercetos.
Chamamos de rima, a semelhança entre os sons no
interior do mesmo verso (rima interna) ou no final de
versos diferentes (rima externa). Quanto à estrutura
podem ainda ser classificados como versos regulares
ou branco. Quanto às estrofes, elas são classificadas de
acordo com o número de versos.
Segundo Coelho, no que se refere às formas simples da
narrativa, identificamos seis categorias, sendo as três
principais o mito, a fábula e a lenda.
O mito: são narrativas tão antigas quanto o próprio
homem, que envolvem acontecimentos e seres
maravilhosos, deuses, heróis e buscam explicar a
origem de todas as coisas. Ex: a mitologia grega.
A fábula: narrativa de uma situação vivida por animais,
simbolicamente representando ações humanas, com o
objetivo de transmitir um encaminhamento moral. Ex: A
cigarra e a formiga, de Jean de La Fontaine.
A lenda: narrativa muito antiga, geralmente breve (em
verso ou prosa) cujo argumento é tirado da tradição. O
relato sobre acontecimentos maravilhosos supera o
registro histórico. Ele é transmitido e conservado pela
tradição oral. Ex: Saci Pererê.
AULA 4 - O conto - modelos tradicional e moderno
● Conhecer os diferentes modelos de escrita e de proposta de
texto/tema dentro na literatura infantil;
● Diferenciar os modelos tradicional e novo do texto da literatura
infantil.
- Modelo tradicional e modelo novo da literatura infantil;
- A leitura e a análise de dois contos: Chapeuzinho vermelho e A
menina que aprendeu a voar.
A produção de uma literatura infantojuvenil sofreu
modificações ao longo do tempo. Ao tomarmos comoreferência antigos contos infantis, muitos deles
clássicos, identificamos em sua elaboração marcas de
uma época e das necessidades daquele período. Esses
aspectos podem ser revelados na construção dos
elementos da narrativa, tais como personagem, espaço
e narrador ou mesmo na abordagem temática e no
desfecho do conto.
Na leitura de obras do século XIX, comumente podem
ser identificados valores tradicionais, consolidados por
aquela sociedade. Por outro lado, à medida que nos
aproximamos da segunda metade do século XX podem
ser observados novos valores, gerados em reação à
tradição.
Essas alterações acontecem em consonância
com as mudanças no âmbito social e, por
consequência, educacional. A literatura infantojuvenil,
assim como a literatura adulta, é tributária de uma
época e, por isso, (re) constrói-se com o tempo.
No sentido de pensar essas mudanças e
identificar no professor o elemento motivador, em sala
de aula - para que o aluno tenha em mãos essa
diversidade de leitura e, em momentos diferentes de
sua formação leitora, seja capaz de perceber essas
modificações - é preciso compreender seu papel
fundamental. O professor precisar estar a par dessas
atuais transformações e reorganizar suas leituras e seu
conhecimento de mundo. De acordo com Coelho
(2000), essa compreensão se dará quando orientado
em três direções: da literatura (como leitor), da
realidade social (como cidadão) e da docência (como
profissional).
A pesquisadora Nelly Novaes Coelho (2000)
desenvolveu um quadro comparativo entre os valores
tradicionais (consolidados pela sociedade romântica no
Séc. XIX) e os novos valores (gerados em reação à
tradição, no Séc. XX):
TRADICIONAL NOVO
1.Espírito Individualista 1.Espírito Solidário
2.Obediência absoluta à
autoridade
2.Questionamento à
autoridade
3. Sistema social
fundado na valorização
do ter e do parecer,
acima do ser
3. Sistema social fundado
na valorização do fazer
como manifestação
autêntica do ser
4. Moral dogmática 4. Moral da
responsabilidade ética
5. Sociedade sexófoba 5. Sociedade sexófila
6. Reverência ao
passado
6. Redescoberta e
reinvenção do passado
7. Concepção de vida
fundada na visão
transcendental da
condição humana
7. Concepção de vida
fundada na visão
cósmica/existencial/mutant
e da condição humana
8. Racionalismo 8. Intuicionismo
fenomenológico
9. Racismo 9. Antirracismo
10. A criança: “adulto em
miniatura”
10. A criança: ser em
formação (“mutantes” do
novo milênio)
De acordo com a pesquisadora, e tomando os
contrapontos por ela propostos, o primeiro item diz
respeitos ao individualismo e ao espírito solidário.
Em grande medida o comportamento individualista do
século XIX, típico de uma sociedade burguesa
competitiva, foi reafirmado por meio da arte e, mais
especificamente, pela literatura. A constituição da
personagem heróica, com grandes virtudes, reafirma
essa crença. Ela é corajosa e destemida e beira a
perfeição. No novo modelo da literatura infanto juvenil,
mais especificamente do conto, a personagem heróica
tem sido substituída pelo coletivo, pelo grupo. A ideia de
que o indivíduo faz parte de um todo e que precisa
deles para viver e/ou vencer.
Nos contos da literatura infantojuvenil do século XIX era
explicita a obediência à autoridade. Os pequenos
questionamentos surgidos ao longo da narrativa eram
refutados com um final moralista. Uma literatura
maniqueísta (o jogo do bom e do mau) ajudava a
reafirmar essa concepção. Ainda, tabus e ideais eram
consagrados pelo sistema. O novo modelo, o
questionamento ao autoritarismo e a consciência da
relatividade passaram a fazer parte de pontos-chave
dentro do enredo ou mesmo dos desfechos da história.
Há uma nova noção de verdades múltiplas e de
liberdade pessoal.
Um modelo novo do conto infantil que sobrepõe o ser
ao ter descreve as novas possiblidades de
apresentação do sistema social. Se primeiramente a
noção de riqueza estava condicionada ao acúmulo de
dinheiro e o trabalho ao ideal liberal burguês da
obrigatoriedade da produção, em um segundo
momento, nos contos da literatura infantojuvenil
contemporânea, observa-se uma preocupação em
tematizar os direitos do trabalhador, a realização
existencial da pessoa e um maior espaço de atuação da
mulher.
Nos itens 4 e 5 podem ser identificadas a mudança de
uma moral de comportamento dogmática, de fundo
religioso, sendo substituída por uma consciência de si
e do outro. Essas alterações também podem ser lidas
no que diz respeito à sexualidade e às comparações
(diferenças e semelhanças) entre os sexos. Se no
oitocentos as crianças eram assexuadas ou, sob o
signo da moral religiosa, o sexo era tomado como
pecado. Nas obras contemporâneas o sexo passa a ser
retratado como um ato natural e a mulher ocupa, no
espaço da casa, o mesmo tratamento dado ao homem.
Além disso, nesse novo modelo, são introduzidos lares
com diferentes composições em que muitos deles são
chefiados por mulheres.
Quanto aos pontos 6 e 7 são mencionados a
reverência ao passado e a concepção de vida. No
primeiro, no modelo de conto tradicional, a reverência
está atrelada à honra ao passado, aos escritores e às
antigas referências, enquanto no novo modelo a noção
de que a literatura atual é tributária de um passado e
que as novas formas dialogam com a tradição se torna
mais evidente. A escrita é recriada no espírito do novo.
No que diz respeito à concepção de vida, de um ideal a
ser alcançado e a necessidade de chegar à realização
plena e definitiva da vida é substituído pelas conquistas
constantes, pelos limites da vida e pelo interior
profundo. Temas como a morte passam a fazer parte
dos enredos.
Os itens 8, 9 e 10 dizem respeito a temas bastante
reformulados dentro do novo modelo de valores do
conto na literatura infantojuvenil. São eles:
racionalismo X Intuicionismo fenomenológico,
racismo X antirracismo e criança como mini adulto
X criança em formação. A primeira dicotomia diz
respeito a todas as explicações serem apoiadas ora na
fé ora na ciência. Nesse sentido, qualquer fenômeno
carecia de explicação. A emoção, o instinto e a fantasia
são milimetricamente controlados. Dentro da nova
escrita, a valorização da intuição passa ser
indispensável, ela coloca em xeque a lógica
convencional ou o senso comum. No conto destinado
ao público infantil, o mágico e absurdo podem fazer
parte do cotidiano e quebram as fronteiras entre o real e
o imaginário. No que diz respeito ao ponto racismo,
mesmo no conto tradicional, observa-se uma
preocupação em dar conta de discutir as questões de
“raça” e as diferenças entre brancos e negros,
principalmente. No entanto, naquele momento, o século
XIX, como fruto de uma sociedade escravocrata, branca
e “civilizatória”, os “outros” eram apresentados como
inferiores ou diferentes. Na nova escrita do conto
infantojuvenil, as igualdades étnico-raciais são um ponto
importante de abordagem e obras que valorizam
diferentes grupos étnicos e tradições, bem como
mesclam personagem de diferentes origens, têm
composto a nova produção desse gênero da literatura.
Por fim, as crianças passam a ser vistas como seres em
formação e com liberdade para se desenvolverem.
Seres que têm especificidades dentro da sua faixa
etária e que, como tal, têm diferentes conquistas e
limites com relação a elas mesmas e aos adultos. Essa
nova roupagem da criança, e da personagem infantil,
desbanca a educação rígida e punitiva sugerida pela
literatura tradicional. Assim, novas personagens infantis,
dentro da obra literária, se tornaram mais autônomas e
livres.
Portanto, ao tomar em mãos um livro de literatura
infantojuvenil, e sob este aspecto também os contos, os
professores, e pais, devem ter como referência um
pouco do que a obra trata e como ela se constitui.
Trabalhar literatura com crianças e compreender que
estamos formando um público leitor que deve ver a
literatura como arte, como fruição e, também, como
texto literário a ser compreendido em sua estrutura. Por
isso, para além tornar a literatura um instrumento de
prazer, o professor precisa ter em mãos ferramentasque o capacitem a fazer a análise e a dominar o texto
literário. Cabe a ele a escolha de textos, a leitura prévia
e a classificação da qualidade daquele texto. Ainda, que
ele compreenda aquele escrito como fruto de um
período e saiba, nesse sentido, fazer as orientações de
leitura adequadas à turma e/ou ao aluno.
aula 5 - Um novo olhar sobre a criança na Literatura infantil
● Identificar os elementos de construção da personagem infantil;
● Apontar as mudanças de perspectiva personagem infantil;
● Reconhecer um modelo literário, em que a literatura infantil não
aponta para a moral da história.
● As mudanças de perspectiva sobre a criança na literatura
infantil;
● Exemplos de obras que abordam a criança liberta do jugo do
adulto;
● O mágico de OZ.
O Maravilhoso mágico de Oz, escrito por L. Frank
Baum, foi publicado pela primeira vez em 1800, e em
sua introdução o autor anuncia “[a obra] aspira ser um
conto de fadas modernizado [...]” (2014b, p. 9). Sem
dúvida, para além de sua inovadora estrutura narrativa,
o autor garantiu enorme sucesso e permaneceu por
décadas no imaginário de muitas gerações.
Sem dúvida, uma das grandes novidades trazidas pela
obra, e também por Alice no país das maravilhas
(1865), de Lewis Carroll, e As aventuras de Pinóquio
(1883), de Carlo Collodi, é uma narrativa em que a
personagem infantil está realmente exercendo o papel
protagonista. O leitor passa a identificar essa alteração
na construção da personagem visivelmente no texto. O
adulto continua participando do texto e também pode
ser um leitor desse gênero, no entanto, a obra
direciona-se ao público infantil e isso fica evidente na
incorporação do adjetivo infantil para essa modalidade
literária. Os livros falam a linguagem dos seus leitores.
Sem dúvida, o percurso de Dorothy, a protagonista do
mundo de OZ, retrata as conquistas do espaço de uma
menina não somente na sua terra, mas também no
espaço imaginário de OZ. O maravilhoso mágico de Oz
traz em seu discurso valores da cultura ocidental,
principalmente americana. São proclamadas a
inteligência, os sentimentos, a coragem e a valorização
do lugar. Dorothy declara: “não importa o quanto
sombrios e cinzentos nossos países são, nós, as
pessoas de carne e osso, preferimos viver lá do que em
qualquer outro lugar, por mais bonito que seja. Não há
lugar como o lar” (BAUM, 2014b, p. 37).
A obra, para além das pretensões do autor, de ser um
conto modernizado, pode ser classificada como uma
narrativa maravilhosa, para utilizar uma classificação de
Todorov:
No caso do maravilhoso, os elementos sobrenaturais
não provocam qualquer reação particular nem nas
personagens, nem no leitor implícito. Não é uma atitude
para com os acontecimentos narrados que caracteriza o
maravilhoso, mas a própria natureza desses
acontecimentos. [...] Relaciona-se geralmente o gênero
maravilhoso ao conto de fadas; de fato, o conto de
fadas não é senão uma das variedades do maravilhoso
e os acontecimentos sobrenaturais aí não provocam
qualquer surpresa [...] (TODOROV, 2008, pp. 59-60).
A obra, desde a saída de Dorothy da casa, arrastada
por um ciclone rumo a OZ, e seu retorno ao lugar, não
coloca em dúvida que se trata de um caso maravilhoso.
A tia estava preocupada com o destino da menina, além
de Doroty retornar para casa apenas de meias, sem os
sapatos de prata (símbolo típico dos contos de Grimm,
como as botas sete léguas). Ao mesmo tempo, o pacto
de leitura já está estabelecido e, em nenhum momento,
há dúvidas de que a viagem aconteceu, mesmo que o
sapato tenha se perdido. Esse conjunto de elementos
faz um aporte em um modelo clássico do conto e, ao
mesmo tempo, sugere modificações.
Dorothy, e não o mágico, é a personagem central da
narrativa. Durante sua viagem, encontra três amigos: o
Espantalho, o Homem de Lata e o Leão Covarde, que
esperam que o mágico resolva seus problemas, assim
como Dorothy, que deseja voltar para casa. A narrativa
está dividida em três sequências:
SEQUÊ
NCIAS
AÇÃO TRANSFORMAÇÃO
DOS HERÓIS
1ª Viagem de Kansas à
Cidade das
Esmeraldas
Carência vivida por
todos
2ª Viagem ao Oeste e à
cidade das
Esmeraldas outra vez
Superação da carência
por parte do Leão, do
lenhador e do
Espantalho
3ª Viagem da Cidade
das Esmeraldas para
o Sul: volta de Doroty
para casa
Superação da carência
por Dorothy. Todos
encontram seu lugar
social
A trajetória de Dorothy e de seus amigos representa a
necessidade do encontro de cada um consigo mesmo:
volta para casa, cérebro, coração e coragem e faz parte
da narrativa de aventura. O desdobramento do relato
está vinculado ao deslocamento no espaço e dos
problemas das personagens (heróis) dentro dele. Cada
uma das personagens tem dentro de si as virtudes que
procura, assim como Dorothy que deseja retornar à
casa, também ao chegar em OZ, recebe os sapatos
que, desde o início, já possibilitariam seu regresso. As
viagens, além de reforçar a narrativa de aventura,
garante o tempo necessário para que as personagens
reconheçam as suas qualidades.
A voz do narrador indica ao leitor possibilidades de
interpretação. “Este terá que reconhecer, antes de
todos, que as personagens possuíam de antemão o que
buscavam, faltando-lhes apenas a autoconfiança
adquirida após o segundo encontro com o mágico”.
(ZILBERMAN, 2003. p.77). É por meio da construção da
autoconfiança e do reconhecimento do grupo (os
heróis), que nasce a própria identificação de Dorothy e
da criança leitora A narrativa sugere recursos para que
cada um possa refletir sobre si mesmo, a partir das
atitudes dos heróis que, por sua vez, revelam que nada
lhes falta. As personagens Leão, Homem de Lata e
espantalho encarnam a busca da identidade, e refletem
sobre os dramas íntimos.
Dorothy é a única personagem com atributos reais, o
ponto de entrada no texto. A menina ocupa o lugar do
herói, o ponto de confluência entre o real e o ficcional.
Ela, expelida pelo ciclone, deseja retornar aos tios e a
Kansas. Em nenhum momento, a menina cogita ficar
em OZ. Seu desejo é retornar à cidade com os tios, na
fazenda. Em seu percurso, a heroína destrói, direta ou
indiretamente, a Bruxa Má do Leste, a Bruxa Má do
Oeste e o Mágico de OZ. Ela é a heroína do relato
contra as figuras malignas e instaura uma boa ordem
em OZ. Mesmo não sendo uma fada, no sentido do
termo, é ela quem desbanca as bruxas. Por fim, na
figura do mágico está personificado o adulto, vinculado
às mentiras e trapaças. Dorothy, a criança, desvela o
adulto, o mágico, em seus medos e mentiras. O
exercício liberal cabe à criança e a sua nova
configuração. Ela destitui os maus e faz triunfar a
harmonia. Segundo Zilberman (2003), esse mundo de
OZ, recriado, é o espelho do ideário liberal democrático
americano.
Por fim, o livro é uma aventura infantil, cuja narrativa
toma partido da criança. Ela é a protagonista do texto, a
ruptura e a mudança sobre os modelos anteriores.
aula 6 A literatura infantil no Brasil
● Conhecer a trajetória da literatura no Brasil – do século XIX ao
XX.
● Identificar as principais fases da literatura infantil no Brasil.
● A trajetória da literatura infantil no Brasil;
● As fases da literatura infantil no Brasil;
● A literatura infantil na atualidade.
A literatura infantojuvenil brasileira começa sua
produção independente no final do século XIX e início
do século XX. Até então, as editoras brasileiras faziam a
tradução e a reprodução de obras originárias da
Europa. A literatura infantojuvenil pode ser dividida, no
Brasil, em cinco fases:
1. Primeira fase – 1890-1920 - A literatura infantil
que começa a ser publicada regularmente no
final do século XIX. Desse período devem ser
mencionadas as adaptações bem sucedidas de
Figueiredo Pimentel e editadas pela livraria
Quaresma. São também autores dessa fase,
Coelho Neto, Olavo Bilac, Júlia Lopes de
Almeida e Francisca Júlia. As características das
obras desse período são diversão, valorização
da caridade e da obediência, ufanismo, didatismo
e obediência à norma culta. Além de uma
linguagem mais próximas do português brasileiro
e das adaptaçõesdidáticas.
2. Segunda fase – 1920-1945 – Momento da
formação da classe burguesa no Brasil e início
do governo varguista (1930-1945). Durante esse
governo foram elaborados planos e reformas
para a educação brasileira e, em grande medida,
elas estavam voltadas para os valores patrióticos
(cívicos e morais). Em termos sociais, o Brasil
tinha altos índices de analfabetismo, e um dos
objetivos do governo, inclusive, visando o
eleitorado que precisava ser alfabetizado, era
criar um programa que minimizasse o problema.
Para bem ou para mal, parte desse projeto foi
concretizado utilizando a literatura infantil nos
processos de alfabetização. Alguns autores
chegaram, inclusive, a participar desse modelo
de alfabetização infantil, como foi o caso de Érico
Veríssimo – Meu ABC (1930) e Mário Quintana –
O batalhão das letras (1948). Além disso foram
introduzidas a alfabetização em cartilhas,
característica presente entre os anos 30 e 70 e
com alguma herança. Desse período destaca-se
a obra de Monteiro Lobato - A menina do
narizinho arrebitado, 1921 (hoje Reinações de
Narizinho).
3. Terceira fase – 1945-1965, do final do
nacionalismo getulista ao Golpe Militar de 1964.
Literatura de caráter conservador, que prestigia
uma linguagem mais acadêmica e menos
coloquial. Nesse momento histórico brasileiro,
principalmente, os anos de 1950, época do
desenvolvimentismo, aparecem temas como o
passado histórico e a supremacia do urbano
sobre o rural. São autores desse período Maria
José Dupré, Lúcia Machado de Almeida, Alfredo
Mesquita e Jeronymo Monteiro, além da
retomada de trabalhos de Monteiro Lobato.
4. Quarta fase – 1965-1980, marcado por
programas de fomento à leitura. Surgem autores
que abordam temas de crítica social e de cultura
popular, considerados tabus para as crianças.
Nesse período os livros passam a ser vendidos
em bancas, escolas, supermercados. São
autores desse período Odette de Barros Mott,
Henry Corrêa de Araújo, Lygia Bojunga, Ana
Maria Machado, Ruth Rocha, Marina Colassanti,
Vinícius de Morais e Sidônio Muralha. Esses
autores desenvolveram temáticas como os
problemas urbanos do Brasil, a intertextualidade,
a linguagem oral e coloquial, a linguagem
literária, os desajustes da infância, as questões
geracionais, entre outros.
5. A última fase, a da atualidade, encontra-se um
amadurecimento da literatura infantil brasileira.
São autores desse período: Ricardo Azevedo,
Ziraldo, Lygia Bojunga, Ângela Lago, Sérgio
Capparelli, Luciana Sandroni, Mirna Pinsky, entre
outros.
Em grande medida, a quarta fase é tributária das
contribuições lobatianas. As mudanças trazidas por
Lobato à literatura infantil brasileira vão desde a
linguagem utilizada, à caracterização da personagem
infantil e de inovações temáticas. A quarta fase
composta por autores ainda em produção e de grande
nome junto ao público, bebeu na fonte das obras de
Lobato. Algumas debruçaram-se sobre a produção
escrita da obra, trazendo uma linguagem mais coloquial.
Outros optaram por abordar temas mais polêmicos ou
tabus. Essa tem sido uma opção bem aceita, não só
pela crítica como para o público em geral. Além desse
modelo de literatura com novas temáticas, esses
filhos/filhas de Lobato reformularam suas obras por
meio do desenho. A iconografia tem sido cada vez mais
bem-vinda ao mundo da literatura infantil. As crianças
compreendem essa leitura infantojuvenil também pelo
viés do desenho, tornando esse modelo artístico
complementar ao texto escrito literário. Há, também,
obras inteiramente iconográficas e de grande qualidade
literária.
Aula 7 - Monteiro Lobato a nova fase da literatura INFANTIL
BRASILEIRA
● Compreender a importância de Monteiro Lobato para a
Literatura infantil no Brasil
● Reconhecer as principais características da obra lobatinana
● Identificar as heranças lobatianas na Literatura infantil
contemporânea
● Monteiro Lobato
● Obras de Monteiro Lobato
● A literatura lobatiana
A produção de literatura infantojuvenil no Brasil ganhou
novos contornos a partir da década de 1920, com as
obras de Monteiro Lobato. Até então, a literatura desse
gênero no país limitava-se à reprodução e tradução de
obras vindas da Europa. Em grande medida, também
tinham como referência a língua portuguesa de
Portugal. As inovações de Monteiro Lobato trouxeram
diferentes paradigmas para a literatura infantil e
introduziram, em termo de linguagem, o coloquialismo e
o diálogo com o leitor.
Para além disso, Lobato reconfigura o universo da
fantasia ao não se distanciar da realidade e a propor
uma espécie de filtro para compreensão crítica do
mundo ao redor. Foi com Monteiro Lobato, em 1921,
com a obra A menina do narizinho arrebitado (hoje
Reinações de Narizinho), que teve início a
nacionalização da literatura infantil brasileira. De acordo
com Zilberman e Lajolo, a literatura infantil:
não teve origem popular, nem aparecimento
espontâneo: seu surgimento foi induzido, patrocinado
pelos autores que escreveram livros para crianças no
período de transição entre os séculos XIX e XX. Desde
então, no entanto, e em particular após o sucesso de
Tales de Andrade e Monteiro Lobato, as editoras
começaram a prestigiar o gênero, motivando seu
aumento vegetativo ao longo dos anos 20 e 30, bem
como a adesão progressiva de alguns escritores da
nova e atuante geração modernista. (ZILBERMAN;
LAJOLO, 1988, p. 61).
Nas obras de Lobato, as personagens infantis são
questionadoras e independentes. Nessa perspectiva
são construídas as personagens da turma (Narizinho,
Pedrinho, Emília, Visconde, Rabicó, etc), que
neutralizam a figura do herói e valorizam a contribuição
das potencialidades individuais.
Monteiro Lobato agrega ao universo do sítio do
pica-pau-amarelo a novidade interiorana à
modernidade. Essa nova literatura infantil aspira ares de
inovação e, ao mesmo tempo, não elimina totalmente a
tradição literária de que é herdeira. É essa mistura
implícita que configura a obra lobatiana, que dialoga
com o sistema social vigente (ora para afirmá-lo e ora
para gerar um tom de crítica), que faz conhecer a
realidade vigente, que enfraquece as instituições
tradicionais brasileira, tal qual a família, o coronelismo,
a Igreja e outros. No entorno de Dona Benta, o núcleo
familiar se configura, mas Lobato esvazia o papel do
patriarca e, de forma original, renova o modelo. A
escola está ausente, uma vez que Pedrinho está
eternamente de férias e Dona Benta conta as histórias e
indica os livros. E, por fim, as instituições religiosas
nunca são mencionadas. (ZILMERMAN, 2003, p.
157-158).
A vida no sítio e a perfeita harmonia entre os seres
humanos e os animais representa a utopia lobatiana.
Não há maiores conflitos ou dissabores.
As caçadas de Pedrinho, orginalmente publicada como
Caçada da onça (1924) narra uma história de aventura,
no espaço do sítio, e está dividida em duas sequências:
primeira sequência a procura da onça e segunda
sequência a caçada ao rinoceronte. A primeira
sequência se dá quando os meninos, seguidos de
Emília, Visconde e Rabicó, se dirigem à mata e mais
além à procura da onça que Rabicó suspeitava ter visto.
Nessa aventura, Pedrinho caça e mata a onça,
retornando ao sítio com o espólio da aventura, a onça
morta. Isso gera nos animais uma espécie de medo e
de revolta pelo que aconteceu. Os animais querem
vingar o crime. Assim, os meninos passam, pela
simpatia do público leitor, a heróis do episódio. Ao longo
da trama, devido a justificativa dos animais, de que
estavam permanentemente sendo atacados, esvazia,
em parte, a conotação negativa da vingança.
A segunda sequência está relacionada à fuga de um
rinoceronte do circo. Encontrado e preso por Emília, o
animal é vendido a Pedrinho. Os funcionários do
governo, vindos do Rio de Janeiro, depois de várias
chamadas, irão buscar o animal. Nessa parte, Lobato
ironiza a demora e a criação de um órgão especializado
para a caça do rinoceronte. Os caçadores do animal
tomam o papel, antes constituído pelos próprios
animais, ao construírem a sua revolta contra os
humanos. O rinoceronte inverte o papelda onça e
sensibiliza os meninos ao torna-se um elo explicativo e
apaziguador entre os animais e os habitantes do sítio.
Assim, o sítio, ao posicionar-se contra os caçadores, o
dono do rinoceronte e seu advogado, desloca-se para a
missão de valores bons e pacificadores. O que, por fim
Lobato coloca aos olhos do leitor é a possibilidade de
reconciliação e de rechaço à administração do governo.
O sítio é um espaço de acolhimento e, ao mesmo
tempo, de questionamento. Segundo ZIlberman (2003,
p. 162):
Na medida em que os heróis do sítio esclarecem as
regras para a admissão de novos parceiros, fica
evidente que este território recebe um segundo limite.
Na sequência inicial, esse se caracteriza por uma
rejeição do natural e do selvagem, configurando um
âmbito civilizado que avança sobre as regiões que se
opõem a ele. Contudo, a civilização corporificada pelo
sítio procede a um novo tipo de expulsão: a do mundo
urbano, cujo grau de desenvolvimento gerara uma
organização institucional difícil de tolerar. Em
consequência, ao lado do rechaço da estrutura
administrativa segue-se a negação de qualquer tipo de
instituição – a família, a escolar, a religiosa e a
governamental. O paradoxal é que elas se confundem
com o mundo civilizado, aquele que submete a natureza
circunvizinha e desencadeia a transformação do
ambiente original.
aula 8 - A literatura infantil e escola
nde Chegar?
● Conhecer a trajetória dos processos de leitura no Brasil;
● Identificar momentos de articulação dos processos de leitura à
literatura;
● Verificar como a literatura foi incorporada à escola;
● Reconhecer a literatura infantil como aprendizado
pedagogizante;
● Conhecer os usos da literatura, os erros de estratégia de leitura
e os favorecimentos da gramática.
● A leitura no Brasil;
● A literatura pedagogizante;
● Literatura e PCNs.
Durante o período colonial brasileiro, séculos XVI a
XVIII, a educação no Brasil estava a cargo dos padres
jesuítas. Somente no século XVIII, com a expulsão da
Companhia de Jesus, a colônia teve algum processo de
escolarização. Entre meados do oitocentos e a chegada
da família real, há um vácuo no projeto e um total
abandono por parte de alguns.
No período monárquico, que antecede à Independência,
houve poucas alterações desse cenário. Nossa primeira
Constituinte, no início do século XIX, garantiu os
primeiros projetos de alfabetização e escola pública no
país. No entanto, até o final daquele século, cerca de
70% da população permanecia analfabeta. Entre 1890 e
1900, a ala conservadora da República administrou o
país e, em termos educacionais, resultou no pouco
tempo de existência do Ministério da Instrução Pública,
confiado a Benjamin Constant (1891-1893). Nosso
ensino seguiu um modelo tradicional, elitista e
bacharelesco.
No início do século XX, foram feitas campanhas em prol
da alfabetização, lideradas por Olavo Bilac, Coelho Neto
e, mais tarde, Monteiro Lobato – marca da cultura
brasileira da República Velha, que se interessava pela
alfabetização, vinculado aos votos e às eleições. Saber
escrever o nome significava ter o direito de votar.
Na década de 1930 houve uma profusão das escolas
profissionalizantes e, nos anos 70, a difusão dos
estudos superiores. Segundo Zilberman (2012, p. 53):
Raras vezes a escola, seu aparato (como salas de
aula), seus instrumentos (como o livro didático) e sua
metodologia (como a execução do dever de casa)
provocam lembranças aprazíveis de leitura. As
atividades pedagógicas provocam tédio, quando não
são vivenciadas como aprisionamento, controle ou
obrigação. A leitura parece ficar do lado de fora, porque
os professores não a incorporam ao universo do ensino.
Nesse cenário, estudar o texto literário fica em segundo
plano: saltam aos olhos do professor os conteúdos que
precisavam vencer no ano letivo. Por isso, o texto
literário é usado como pretexto para abordar conteúdos
e bons comportamentos. Os livros literários são
tomados pela escola, no sentido de torná-los
pedagogizantes ou de produzir diretamente obras para
o fim escolar. As características literárias, ou seja,
artísticas, são deixadas em segundo plano.
Leia a seguir um exemplo de atividade sugerida nos
livros escolares, em que o texto literário é apenas um
pretexto para o ensino da gramática. Esse exemplo foi
retirado do livro da professora Magda Soares:
LEIA O TEXTO E SUBLINHE TODOS OS
SUBSTANTIVOS COMUNS:
QUE BORBOLETA!
Que borboleta é aquela
Que não gosta de flor
E que vive perseguindo mosquitos,
Dando piruetas no ar?
— É uma lagartixa maluca
Que se vestiu com uma gravata-borboleta
E conseguiu voar.
NANI. Cachorro quente uivando pra lua, Belo Horizonte:
Formato Editorial, 1987.
(Soares, 2003, p. 27)
Nesse exemplo, as características do gênero textual
não são abordadas. O poema serve de mero
instrumento para treinar o aluno para que identifique os
substantivos comuns no texto. O texto perde a sua
função real: deixa de ser literatura para ganhar um
caráter didático.
Veja abaixo outro exemplo do mesmo tipo de atividade,
também sugerida no livro da professora Magda Soares,
como forma de compreender como eram, e às vezes,
ainda são trabalhados os textos literários na escola:
DESTAQUE OS ADJETIVOS DO TEXTO E A QUE
SUBSTANTIVO OS MESMOS SE REFEREM:
Procurando firme
Mas a princesa estava desapontada! Aquele não era o
príncipe que ela estava esperando! Até que ele não era
feio, tinha umas roupas bem bonitas, sinal que devia ser
meio riquinho, mas era meio grosso, tinha um jeitão de
quem achava que estava abafando, muito convencido!
A princesa torceu o nariz.
O pai e a mãe da princesa ficaram muito espantados,
ainda quiseram consertar as coisas, disfarçar o nariz
torto da princesa, é que eles estavam achando o
príncipe bem jeitoso...Afinal, ele era o príncipe da
Petrolândia, um lugar que tinha um óleo fedorento e que
todo mundo achava que um dia ia valer muito dinheiro...
ROCHA, Ruth. Procurando firme, RJ: Nova Fronteira,
1984, p. 17.
(Soares, 2003, p. 34)
Mais uma vez temos a literatura utilizada como pretexto
para trabalhar a gramática. Com essa narrativa de Ruth
Rocha, Magda Soares alerta para outro problema
encontrado nos livros didáticos: o uso de trechos
fragmentados. Como ressalta Soares, o trecho se inicia
com a conjunção: mas. O que se torna impossível de
entender a ideia de contraposição, de adversidade, pois
o leitor não tem acesso ao que vem antes. Daí a
importância de levar para o aluno o texto integral, no
suporte em que foi escrito, seja livro, seja internet. É
preciso trabalhar com a totalidade, fragmentos
descontextualizam a escrita. Esse tipo de trabalho com
a literatura desagrega o valor literário e continua
dificultando o gosto pela literatura.
Por outro lado, é também fundamental garantir uma
formação adequada do profissional da educação, uma
vez que tanto nos cursos de pedagogia, quanto nos
cursos de literatura, a metodologia do ensino de
literatura é disciplina com pouca carga horária. O que
vemos, geralmente, é uma preparação inadequada do
docente que não sabe trabalhar efetivamente a
literatura.
Ainda, no que diz respeito às modificações a partir dos
anos de 1990, a literatura aparece nos PCNs
(Parâmetros Curriculares Nacionais), como “uma das
possibilidades de texto ou de gênero de discurso.
Verifica-se aí, aparentemente, uma oposição à tradição
dos estudos literários, que privilegia a especificidade da
escrita artística” (ZILBERMAN, 2012, p. 190). No
entanto, mesmo nesse documento, produzido por
educadores da área da Pedagogia e de Letras, a
literatura está diluída no amplo e vago conceito de texto
e discurso. Os PCN não apontam caminhos efetivos ao
professor para o trabalhar com a literatura em sala de
aula. Ou seja, a literatura na escola continua sendo
tratada muito mais para fins de ensino de gramática, do
que como literatura – análise do texto e fruição.
Aula 9 A literatura infantil e a recepção do texto literário
● Identificar os passos relevantes para a formação de leitores;
● Apontar as fases da maturidade de leitura e as suas
características;● Conhecer a noção de compreensão leitora;
● Identificar as habilidades de leitura.
● A formação de leitores;
● Habilidades de leitura;
● Compreensão leitora.
A infância é a fase mais propícia para que o ser humano
inicie sua emancipação pelo uso liberatório da
linguagem. Nessa fase de vida, a criança aprende na
escola os processos de leitura. Por isso, esse é um
espaço que exige do professor formação adequada
para que possa contribuir de forma adequada com a
formação leitora do aluno.
Nesse sentido, a escola precisa ter professores leitores,
com repertório e formação adequada, que conheçam as
metodologias e estratégias de leitura e também as
características do leitor de hoje. É importante que o
professor conheça clássicos e contemporâneos,
diversos suportes e gêneros, conheça as estratégias de
leitura, reconheça o contexto e quem é o leitor em
formação. Assim, tem em mão informações sobre o
aluno é fundamental para que desenvolva um trabalho
adequado de leitura. Há especificidades na turma (do
contexto escolar e da comunidade) e de cada indivíduo.
O que se espera é que o docente reconheça: nível de
alfabetização, experiências de leitura, preferências e
nível de leitura. Essas características devem ser
consideradas para tornar a atividade de leitura atrativa.
Não se pode confundir o nível de leitura com a faixa
etária da criança. O nível de leitura está relacionado
com a maturidade leitora. Para compreendermos um
pouco mais o que, genericamente, pode ser ofertado ao
aluno e trabalhado em determinada idade (o que não
significa que seja homogêneo), vamos estudar as cinco
fases de leitura, apontadas por Richard Bamberger:
Fase Características
Idade dos livros de
gravuras e dos
versos infantis (2 a
5 ou 6 anos)
Egocentrismo
Mais interesse por cenas isoladas
Interesse e prazer pelo ritmo e
pelos sons dos versos
Livros de imagens (sem texto)
Livro-jogos
Poemas
Livros feitos com materiais
duráveis
Idade dos contos
de fadas (5 a 8 ou
9 anos)
Realismo mágico (idade suscetível
à fantasia)
Gosto pelo conhecido, pelo familiar
Gosto pelo mágico
Contos com cenas domésticas
Textos que envolvam fantasia:
contos de fadas, mitos, lendas
Interesse e prazer pelo ritmo e
pelos sons dos versos
Poemas
Idade das histórias
ambientais ou da
leitura factual (9 a
12 anos)
Uso da razão
Realismo
Ação
Aventura
Sagas
Idade das histórias
de aventura (12 a
14 ou 15 anos)
Consciência da própria
personalidade
Independência
Demonstração de agressividade
Formação de tribos
Aventura
Romances com peripécias
Livros de viagens
Autoajuda
Anos de
maturidade (14 a
17 anos)
Descoberta do mundo interior
Egocentrismo crítico
Adoção de escalas de valores
Forma e conteúdo dos textos são
valorizados
Aventuras de conteúdo mais
intelectual
Livros de viagens
Histórias de amor
Literatura engajada
Atualidades
Fonte: Elaborado com base em Bamberger, 1987.
HABILIDADES DE LEITURA
Quando pensamos em alguns pontos importantes para
garantir as habilidades de leitura necessárias,
indagamos como elas são constituídas. E, sem dúvida,
identificamos que elas têm características diferentes em
cada fase da infância. A professora Marta Morais da
Costa (2009) sugere, semelhante a Bamberger, uma
classificação para esses períodos da infância e, para
cada um deles, explica como a criança toma para si o
texto literário e propõe, para elas, atividades de leitura
que sejam compatíveis:
■ Primeira fase - Pré-leitura ou
pré-leitor: refere-se ao
período preparatório para a
alfabetização, quando a
criança desenvolve
habilidades que a tornarão
apta à aprendizagem da
leitura. Nesse estágio, a
criança é capaz de
compreender textos visuais,
reconhecendo cenários e
imagens. Por isso, são
sugeridos, como forma de
leitura, nessa fase, os livros
de imagem.
■ Segunda fase - Leitura
compreensiva ou leitor
iniciante: refere-se ao
período de alfabetização,
quando a criança começa a
compreender o código
escrito, reconhecendo letras
e palavras. Nessa fase, a
criança é capaz de
acompanhar a leitura do
adulto e realizar
pseudoleituras. Nesse
momento os textos curtos
seriam mais adequados
para a leitura infantil.
■ Terceira fase - Leitura
interpretativa ou leitor em
processo: refere-se ao
período de consolidação da
alfabetização e do
letramento, quando a
criança adquire fluência e
autonomia na leitura
alfabética. Nessa fase, ela
consegue perceber
diferenças entre os gêneros
textuais. Interessante seria
apresentar à criança
histórias com elementos
mágicos.
■ Quarta fase - Iniciação à
leitura crítica ou leitor
fluente: é o período em que
o leitor tem a capacidade de
ler e compreender com
desenvoltura e autonomia
uma grande diversidade de
textos. Em sala de aula e
nas atividades sugeridas em
casa (levando em
consideração o cotidiano da
criança) deveriam ser
indicados diferentes gêneros
textuais para a leitura.
■ Quinta-fase - Leitura crítica
ou leitor crítico: o leitor é
capaz de estabelecer
relações intertextuais,
produz leituras
metalinguísticas, relaciona
conteúdo e forma, tece
apreciações estéticas e
posiciona-se criticamente
sobre os textos que lê.
Além de uma indicação de leitura que seja adequada
para determinada faixa etária, é preciso pensar a
literatura como literatura. Utilizar a literatura como
pretexto torna a atividade desproposital. O texto literário
merece a análise adequada a partir de ferramentas que
lhe são próprias, assim como merece uma leitura
também prazerosa, por isso, é também fruição.
Por fim, de acordo com Umberto Eco (1994), o leitor
tem um papel importante na construção do texto
literário. É ele, com seu conhecimento de mundo, sua
biblioteca interior, que será capaz de preencher as
lacunas do texto. De acordo com o autor, todo texto
exige uma participação do leitor e, quanto maior for sua
percepção de mundo e sua maturidade leitora, mais
esse exercício será possível.
(...) qualquer narrativa de ficção é necessariamente e
fatalmente rápida porque, ao construir um mundo que
inclui uma multiplicidade de acontecimentos e
personagens, não pode dizer tudo sobre esse mundo.
Alude a ele e pede ao leitor que preencha toda uma
série de lacunas. Afinal (como já escrevi), todo texto é
uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça
uma parte do seu trabalho. [...] Uma história pode ser
mais ou menos rápida – quer dizer, mais ou menos
elíptica –, porém o que determina até que ponto ela
pode ser elíptica é o tipo de leitor a que ela se destina.
(ECO, 1994, 9; 12)
Aula 10 - Praticas de LEitura
● Conhecer algumas possibilidades de aprendizagem de leitura;
● Sugerir trabalho que suscitam habilidades de leitura;
● Atividades de aprendizagem de leitura;
● Dinâmicas e espaços de leitura.
A professora Marta Morais da Costa, em seu livro
Metodologia do ensino da literatura infantil, sugere
algumas atividades de leitura. Sequencialmente vamos
indicar cada uma delas. A intenção é que sirvam com
suporte de estudo, mas, também, como proposições
para as suas aulas como futuros educadores.
Primeira sugestão, pesquise e selecione diferentes
versões da mesma história, escritas em épocas
diferentes, compare as versões, estabeleça
semelhanças e diferenças entre elas e discuta com as
crianças, procurando descobrir as razões dessas
variantes.
Segunda atividade, pesquise e organize uma antologia
de mitos e lendas de sua região. Converse com
pessoas para saber se elas conhecem algumas dessas
narrativas e registre-as. Use os textos para contar ou ler
e, depois, comentar com os alunos.
Terceira proposta, estabeleça uma relação entre poesia
e música. Para tanto, leia em voz alta poemas
escolhidos na obra Arca de Noé, de Vinicius de Moraes
e, depois, escute o CD com os poemas cantados. Avalie
com os alunos as diferenças sobre os efeitos dos dois
textos nos leitores (tempo, ritmo, atenção, interesse).
Apresente outros exemplos, como de José Paulo Paes.
E, por fim, proponha a transposição de outros poemas
(de Mario Quintana, por exemplo) para músicas. Essa
atividade pode ser feita principalmente quando você
estiver trabalhandocom o gênero lírico (tanto como
gênero textual como literário).
A quarta sugestão é promover uma visita guiada à
biblioteca, lugar esse que deve ser transformado em um
espaço especial de leitura e de aproximação com as
obras literárias. O que a autora sugere é que se conte
uma história sobre livros e sua importância para os
alunos. Por exemplo, A biblioteca verde, de Carlos
Drummond de Andrade, e poemas de Mario Quintana. É
interessante levar os alunos à biblioteca da escola,
mostrar livros e falar sobre o autor, o enredo, os
personagens, o que o professor preferir. Peça aos
alunos que escolham qualquer livro da estante. Em
seguida, eles deverão ler o livro (ou parte dele).
Finalmente, devem explicar por que escolheram aquele
exemplar e qualquer primeira impressão da leitura. O
professor deve registrar os resultados no diário de
leituras da turma.
A quinta proposta é a elaboração de um diário de
leituras. O professor deve orientar o aluno a escolher
um arquivo ou um caderno de capa dura para registrar
as ocorrências de leitura da turma (livros lidos,
comentários, episódios pitorescos). Depois, pedir aos
alunos para ilustrarem (com desenhos, adesivos,
recortes etc.). Por fim, manter o diário em lugar visível
de modo que possa ser lido por todos os alunos.
Como atividade motivadora de leitura, a autora sugere a
criação de uma sopa de livros. A ideia é misturar, numa
caixa, livros infantis de diferentes autores e épocas.
Depois, levá-los para a sala, e deixar os alunos
manusearem à vontade. Na etapa seguinte, escolher
trechos para serem lidos. Por fim, o aluno deve escolher
um livro para ler em casa e, no retorno, discutir em sala
de aula.
Outras atividades são o baú mágico, - cuja sistemática
consiste em organizar um baú, em uma caixa colorida e
grande, e nela colocar sucatas (brinquedos velhos,
tampinhas, apitos, panos, latas, meias, jornais,
adereços e tudo o mais que você considerar útil para
criar uma boa história) e junto com as crianças crias um
cenário, personagens, situações e uma história a partir
dos objetos do baú - , e o publicitário do livro, exercício
em que o aluno, depois de escolher o livro, deve
apresentar aos colegas convencendo-os do prazer da
leitura. Para tanto, o aluno deve falar da estrutura, da
temática, das personagens e do efeito que o livro
provoca. Ainda, o aluno pode ler em voz alta partes do
texto para fazer valer seu ponto de vista.
Ainda são atividades sugeridas pela professora Marta
Morais Costa:
● Criar histórias a partir de um título
● Criar histórias para livros sem texto
● Objetos variados (entram na história e a
modificam)
● Livros ilustrados, criados pelos alunos
● Dramatização.
11 Analise do texto literário
● Reconhecer novos modelos literários que romperam com a
tradição e com os temas mais convencionais;
● Identificar técnicas de leitura;
● Analisar textos de literatura infanto-juvenil.
● A ruptura da tradição;
● Análise de texto literário infantojuvenil;
● A corda bamba, de Lygia Bojunga.
A RUPTURA DA TRADIÇÃO
O modelo tradicional da história/conto infantil tem a
centralização do evento vinculada à figura do herói
infantil. A infância, geralmente, é marcada por
excursões ao meio externo, onde ocorrem as aventuras
com finais desastrosos e inquietantes. Nesse sentido, é
reforçada a reclusão da personagem no âmbito
doméstico, na vida junto aos pais. Há o realce da égide
familiar e a condenação do herói buscador. A ação é
dinamizada pelas aventuras e concatenada pela voz
narrativa, que exerce soberania. No texto tradicional há
uma distância entre o emissor do relato e o sujeito da
ação, bem como interferência de certos valores no
âmbito do evento narrativo.
Nos anos de 1960 e 1970, vários autores surgiram no
cenário literário infantil nacional e produziram um novo
modelo de literatura. Em grande medida, foram
influenciados pela produção lobatiana dos anos de
1920-1930. Suas novidades colocaram no centro da
narrativa uma criança crítica e participativa, uma voz
narrativa menos moralizante e mais aberta à
participação do leitor na compreensão do enredo e no
desfecho da história. Ainda, trouxeram para a discussão
temas como crises geracionais, modelos familiares
distintos, etnicidade e cultura, medos e frustrações,
entre outros.
São autores desse período Odette de Barros Mott,
Henry Corrêa de Araújo, Lygia Bojunga, Ana Maria
Machado, Ruth Rocha, Marina Colassanti, Vinícius de
Morais e Sidônio Muralha. Além da inovação temática,
garantiram em suas produções a intertextualidade, a
linguagem oral e coloquial e a linguagem literária
voltada ao público infantil.
Nossa obra de referência nessa aula será Corda bamba
(1979), de Lygia Bojunga. A autora é uma das maiores
escritoras do gênero e autora de obras como Os
colegas (1972), Angélica (1975), A casa da madrinha
(1978), O sofá estampado (1980) e A bolsa amarela
(1981). Esses livros garantiram à autora, em 1982, o
Prêmio Hans Christian Andersen
(Links para um site externo.)
, o mais importante prêmio literário infantil. Ao total já
produziu mais de 20 títulos, sendo o último em 2009.
CORDA BAMBA
Nossa análise terá como ponto de partida as leituras e
proposições feitas pela pesquisadora e professora
Regina Zilberman. De acordo com a autora, Maria, a
menina protagonista, era filha de um equilibrista de circo
e morava com a avó depois da morte dos pais. De
forma geral eu comportamento era reservado, era
calada e atrasada nos estudos. Via o mundo por trás de
uma janela, em seu quarto.
Para chegar até ela, recorria às habilidades de
equilibrista, típicas do espaço circense a que fora
criada. Daquele lugar, podia vislumbrar um corredor
com sete portas fechadas e coloridas. Em cada uma
delas a menina passava por um processo de
descoberta e de transformação. O que ela mais
buscava, no entanto, era compreender a morte dos pais
e recuperar os acontecimentos vinculados a ela (o que
acontece na sexta porta). Maria passara por um
processo de amnésia e procurava recuperar a memória
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Hans_Christian_Andersen
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Hans_Christian_Andersen
e tudo aquilo que estivesse vinculado a Márcia e
Marcelo, seus pais. Segundo Zilberman:
O percurso de Maria ao longo do livro é quase que
exclusivamente de ordem existencial e íntima.
Cotejadas as ações sociais da personagem e as
introjetadas, contata-se que estas predominam em larga
escala. À vida exterior dela pertencem o momento de
sua chegada à casa de Maria Cecília, seus diálogos
telefônicos com Barbuda e a aula particular; o caráter
insulado de sua vida transparece de antemão por estes
fatos, uma vez que, tão logo chega ao apartamento da
avó, não sai mais à rua. A tais acontecimentos se
opõem as incursões ao corredor do outro lado, processo
vivido parte do livro. (ZILBERMAN, 2003, p. 114).
A história se passa no Rio de Janeiro, no 9º andar de
um apartamento. A relação truncada entre a menina e a
avó é o conflito chave da história. De certa forma, essa
relação projeta outras dificuldades de relacionamento já
cultuadas e experimentadas pela avó inclusive da avó
com Márcia. Sua situação social a jogava para uma
sensação de clausura, também vivenciada pela mãe.
Do espaço do apartamento restavam ainda, além do
autoritarismo da avó, a presença do cão de guarda,
metonímia da mestra, que corporifica a rigidez do
ensino. Nesse sentido, o adulto autoritário é alvo de
ironia ao longo da narrativa.
Ao largo desse espaço (externo a Maria e também de
seu interior) está o desejo de ir a Bahia, encontrar
Barbuda e Foguinho, amigos da menina e moradores
do circo onde seus pais também viviam. Uma família
que Maria desejava para si. Eles estão do lado oposto
ao que Maria deseja para si. É nos diálogos com
Barbuda ao telefone que, mesmo de maneira falha, o
leitor procura compreender os dilemas da menina. A
própria dificuldade de comunicação reflete o que se
passa interiormente com Maria.
Privilegiando a consolidação do eu, aa trajetória de
Maria culmina numa comunidade ideal, representada
pelafamília primordial, desvinculada do tempo e do
espaço. Fortalecimento do ego e confiança no passado
familiar caminham juntos, portanto, e são a condição da
integração ao mundo adulto. Este vê-se cindido em dois
campos: o dos adultos bons, papel preenchido por seus
pais e, posteriormente, por Barbuda e Foguinho, todos
oriundos da vida circense, e dos adultos maus,
desempenhado pela avó, Dona Maria Cecília Mendonça
de Melo, e pela professora, Dona Eunice. Ambas
configuram a autoridade (“dona”) por excelência. Maria
Cecília separa a neta do universo circense, onde era
feliz; reprime, pois, a menina, ao romper o último
vínculo que a prendia ao passado.” (ZILBERMAN, 2003,
p. 118).
A viagem a Bahia é completada pela simbologia do
barco, que representa a união e a liberdade. O lugar de
nascimento de Maria e a união de Márcia e Marcelo,
três nomes que carregam em si a palavra MAR. Ele é o
elemento de ligação natural. Por outro lado, o barco é
possibilidade de mobilidade para Maria, assim como
fora a corda que uniu as janelas, o corredor e as portas.
De forma geral, essa viagem assim como as travessias,
levaram Maria ao encontro dos pescadores, integrantes
da família de Barbuda, ao encontro de si e dos pais.
Nessa perspectiva da partida e da descoberta, o mundo
adulto se rompe e, assim como para Maria, para Márcia
foi a necessidade de partir.
O último quarto é a vitória sobre si mesma. Maria
endossa e valoriza o mundo da criança. No entanto,
para ZIlberman, esse projeto libertário da criança se
quebra ao dar a voz final ao narrador que, de certa
forma, ao não ser Maria, lhe tolhe a liberdade final,
apontando para a sua momentaneidade. Nesse sentido,
não há a emissão da voz da heroína.
Para além das mudanças referentes ao conto de fadas,
podemos notar as seguintes permanências: perspectiva
otimista ao final, apontando para esperança e novas
realizações; linguagem carregada de simbologia;
natureza infantil da narrativa e estrutura morfológica de
um conto de fadas.
aula 12 - analise de texto literario
● Reconhecer novos modelos literários que romperam com a
tradição e com o temas mais convencionais;
● Identificar técnicas de leitura;
● Analisar textos de literatura infanto-juvenil.
● Análise de texto literário infanto-juvenil;
● A fada que tinha ideia, de Fernanda Lopes de Almeida;
● Amanhecer esmeralda, de Ferrés.
Neste encontro final, vamos acompanhar a leitura e a
análise de três diferentes obras, apontando as
novidades trazidas pelos autores para o conto de fadas
moderno. As obras apresentadas são “A fada que tinha
ideias”, de Fernanda Lopes de Almeida, “História meio
ao contrário”, de Ana Maria Machado, e “Amanhecer
esmeralda”, de Ferréz.
Fernanda Lopes de Almeida é autora de clássicos da
literatura infantil e faz parte do grupo de escritores que
renovou este gênero literário na década de 1970. Em
1971, ganhou o Prêmio Jabuti de literatura infantil com o
livro “Soprinho”. Além deles, muitos outros prêmios se
seguiram, vinculados, inclusive, à obra em análise em
nossa aula. Produziu, também, várias obras para a
coleção Passa Anel, com “A curiosidade premiada” e A
margarida friorenta”. Sua maior inovação está em
produzir em suas personagens infantis sentimentos
antes considerados apenas possíveis na literatura
destinada ao público adulto, tais como medo, solidão,
independência, entre outros. Outra contribuição está no
uso das imagens como componentes importantes da
trama literária, as ilustrações fazem parte da leitura da
história. Fernanda, ainda, escreve histórias, tais como:
“O rei maluco e a rainha mais ainda”, escrita em 2007.
Ana Maria Machado (1941- ) é uma das autoras
brasileiras mais conhecidas na atualidade. Sua
produção é marcada pelo gênero infanto-juvenil. Mas,
esse gênero é uma parcela contributiva dos mais de
cem livros publicados em mais de 40 anos de carreira.
Ela recebeu diversos prêmios: três Jabutis, além do
prêmio Machado de Assis da ABL, em 2001, pelo
conjunto da obra, somados aos prêmios e
condecorações internacionais. Em 1977, publicou
História meio ao contrário, que foi recebida
positivamente pela crítica e lhe rendeu o prêmio João
de Barro. A partir de então, outros tantos trabalhos
foram publicados.
Ana Maria Machado integra o grupo de escritores e
escritoras que, nos anos 1970, deram novo fôlego à
literatura infanto-juvenil no Brasil. Depois de Monteiro
Lobato, por mais de três décadas, foram poucas as
inovações nos temas e na forma desse gênero. Junto
com Ruth Rocha, Lygia Bojunga, e Fernanda Lopes de
Almeida, segundo Zilberman e Lajolo (2009), revitalizou
o mundo fantástico tradicional dessa modalidade
literária. Para Zilberman e Lajolo (2009, p. 127), “em
Ana Maria Machado a proposta explícita de uma história
de fadas invertida, onde o príncipe se casa com a
pastora e a princesa vai cuidar de sua vida, pode ser
considerada o emblema do que pretende essa narrativa
infantil moderna”.
Reginaldo Ferreira da Silva, 33 anos, paulista,
romancista, contista e poeta, fundador da Literatura
Marginal. Ferréz, como é sua assinatura artística,
cresceu na favela e é autor de diversas obras. Sua
principal característica literária é falar do cotidiano das
comunidades mais pobres. Em suas obras utiliza uma
linguagem típica da periferia de São Paulo. Publicou
diversos livros, entre eles “Capão pecado” (2001),
“Amanhecer Esmeralda” (2005), “Ninguém é inocente
em São Paulo” (2006).
Na região do Capão Redondo, bairro periférico
paulistano, Ferréz está ligado ao movimento hip-hop,
além de atuar e organizar a ONG Interferência e ter
criado uma editora independente chamada Selo Povo.
A FADA QUE TINHA IDEIAS
“A fada que tinha ideias”, obra de Fernanda Lopes de
Almeida apresenta como enredo a história de Clara Luz,
uma fadinha que deveria aprender os princípios da
atividade de fada. Sua atitude perante as propostas de
estudo é bastante questionadora, apontado sempre
para outras possiblidades de aprendizado que
extrapolassem o óbvio sugerido nos livros de “magia”.
A história de Clara Luz passa pelos diálogos com uma
família de relâmpagos. Em suas proezas mágicas, o
raiozinho, filho dessa família, serviria como ingrediente
para aumentar o tamanho de um bolo. Interessante que
esse núcleo, dentro da narrativa, serve não só para o
leitor identificar um modelo de vida e um modelo de
família, como também para fazer o contraponto.
A maioria das famílias tem uma organização não
convencional, inclusive a de Clara Luz, criada pela mãe.
É o modelo liberal de família o que é prestigiado,
conduz a criança à discussão de valores que a
circundam – realidade imediata percebida pelo leitor.
Afora isso, o universo fantástico é constituído das fadas
e de uma rainha. No reino governado por ela, as
relações sempre são de obediência. Ninguém pode
questionar ou criar polêmica com a rainha. Nesse lugar,
assim como em outros, Clara Luz também demonstra
temperamento original, inclinações espontâneas e
rejeita o que lhe parece ultrapassado ou autoritário.
De forma geral, aquele Mundo das fadas faz referência
ao mundo urbano e à vida brasileira contemporânea: os
espaços do lar e da escola (como lugares de atuação,
apesar de restritos) são a referência desse universo.
Por outro lado, há pouco aspectos da realidade
masculina, como o trabalho e o relacionamento com a
mulher. Há nessa história, em seu conjunto, uma
supremacia do horizonte feminino.
HISTÓRIA MEIO AO CONTRÁRIO
Ana Maria Machado é a autora de “História meio ao
contrário” (1979), obra que faz uma inversão do modelo
do conto de fadas, a começar pela mudança da
sequência narrativa típica. Em um conto tradicional,
segundo Zilberman (2003), a evolução do relato se
apoia em três momentos: conflito (dano, carência), ação
saneadora por meio de um herói e a colaboração de
uma entidade mitológica e culmina com o matrimônio.
Em “História meio ao contrário”, há um anúncio do
felizes para sempre já no início da narrativa e, em
seguida, o narrador menciona que é uma história ao
contrário, em uma inversão narrativa explicita ao leitor:
“tem muita

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