Buscar

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
TEORIA GERAL DO PROCESSO I 
Professor Bruno Dantas 
Aluna: Laura Rezende de Castro Alves / 2019.2.06264.11 
 
FICHAMENTO 
 
 
UMA VISÃO – NO TEMPO – DA JURISDIÇÃO. A NATUREZA DO PROCEDIMENTO 
ARBITRAL (PARTE 1) 
Márcio Bellocchi - Doutorando em Processo Civil, na USP 
Área do Direito: Fundamentos do Direito 
 
1. Jurisdição – Ambientação do termo 
Jurisdição: é o poder de aplicar o direito a um caso concreto para a solução de um conflito de 
interesses. A jurisdição não é atividade exclusiva do Estado. O aspecto histórico, de vital 
importância para a sua compreensão sobretudo em áreas como a das ciências sociais em que 
definições e conceitos estão ligados ao momento histórico, econômico e social vivenciado. O 
direito de cada país é a consequência de uma evolução secular. 
 
1.1 Uma breve história do direito processual. 
Nas sociedades antigas vigia o direito baseado na oralidade e num misticismo pagão. O 1º estádio 
da evolução social: laços entre grupos dos dois sexos; uniões temporárias. 
Já o 2º, trata-se do matriarcado, em que a mãe exerce um certo poder sobre os seus filhos. 
Estádio do patriarcado: laço jurídico entre o pai, a mãe e os seus filhos. 
Naquela época, a justiça era feita com as próprias mãos (autotutela dos interesses) e o direito 
dependia da atuação exclusiva da parte ofendida que reagia da forma que melhor lhe aprouvesse 
e lhe fosse possível. Com as sociedades organizadas, o poder começou a alternar entre a religião 
e o rei. 
Característica das Sociedades Antigas: a concentração do poder no soberano. 
Impérios de grande relevância na história antiga, o grego e o romano: o primeiro deixou legados 
na Filosofia, Artes Cênicas e Política, enquanto o império romano legou uma sólida e 
desenvolvida estrutura jurídica. A Jurisprudência, a Doutrina, a Hermenêutica, a Didática 
Jurídica, a possibilidade de Constituições Nacionais, e a permanente Atualização das leis por 
exemplo. 
A primeira forma de ação na Grécia antiga, poema de Homero: a Ilíada. 
Três períodos: o da Monarquia, do Império e da República. 
Com incremento das atividades econômicas em Roma “os litígios privados tornam-se complexos 
e numerosos”, a figura do magistrado público (pretor funções jurisdicionais), a quem é transferido 
o poder de império, antes detido pelo rei. 
A iurisdictio: poder conferido “a certos magistrados, de declarar (não de julgar) a norma jurídica 
aplicável a um determinado caso concreto”. 
O procedimento, no período das legis actiones, inflexível e oral e dividido em duas fases: Na 1ª 
fase, trata-se do magistrado/pretor, um funcionário do Estado Romano, poderes da 
iurisdictio/imperium. A partir da 2ª fase, o iudex/arbiter particular, cidadão romano, tomava 
conhecimento do litígio a ele submetido e julgava soberanamente, em nome do povo romano 
(proferia o julgamento final). 
Extraordinaria Cognitio: fim da bipartição do procedimento. 
O juiz-pretor: autoridade legitimada a admitir o caso, analisar as provas e a sentenciar. 
Período “pós-clássico”: “a iurisdictio passa a fazer parte do poder público de julgar e dar execução 
ao julgado, [...] um único juiz, funcionário do Estado”. 
Fecha-se, “o ciclo histórico da evolução da chamada justiça privada para a justiça pública.” 
 
2. Jusracionalismo. Iluminismo. E a tripartição das funções do Estado (Montesquieu) 
No sistema romano-germânico, a tripartição de poderes, a legislatura pelo Poder Legislativo e a 
aplicação das leis pelo Poder Judiciário (jurisdição), forma de se regularem as relações em 
sociedade, maneira de se conterem os excessos praticados pelos magistrados. 
Escola dos Glosadores: A organização de um conjunto de regras jurídicas de qualidade 
reconhecida, com o objetivo de gerar mais segurança. As normas jamais entrariam em vigor. 
Na tradição romano-germânica tudo começou com a repetição de casos, cristalizando-se os 
costumes, uma fonte de direito. 
A Revolução Francesa: movimento social, político e jurídico, (final do século XVIII-), resultante 
da insatisfação do povo com os exageros perpetrados pelos poderosos (o clero e a aristocracia) e 
com a grave crise econômica por que passava a França. 
O iluminismo: movimento de cunho intelectual, baseado no uso da razão forma de acabar com o 
regime absolutista da época – as trevas. 
Princípios básicos: a liberdade, a igualdade e a fraternidade. 
Influencia o pensamento jurídico, tendência da busca da verdade pela razão (jusracionalismo) e o 
declínio do uso da retórica como meio de exercício do direito pelo convencimento. 
Assim, se concebeu o processo de conhecimento, como o efetivo contraditório, a se possibilitar a 
atuação de um juiz neutro, que atuasse a vontade da lei, unívoca e evidente por si mesma. Além 
disso, a necessidade de moderação e a cooperação harmônica entre as funções do Estado assegura 
um governo mais eficaz, sem propor a exclusividade da jurisdição ao poder soberano do Estado. 
(autonomia dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário). 
Não são poucos os doutrinadores (o caso de Chiovenda) que sustentam ser a jurisdição função 
exclusiva do Estado. Concepção atrelada a certa época histórica. O correto é ter a jurisdição como 
uma das funções do Estado, não exclusiva, e ligada à sua atividade judiciária. 
 
 
(PARTE 2) 
 
1. A jurisdição como uma função do Estado – não exclusiva 
Jurisdição: vontade das partes para a solução de um conflito (escopo secundário). Nasce da 
necessidade de pacificação social (escopo primário), mediante a aplicação da lei. Os conceitos 
devem se adequar aos contextos sócio, econômico, político e cultural em que se inserem. 
(Exemplo: jurisprudência). 
Direito Romano: jurisprudência significava a ciência do direito, do justo (jus = direito). 
O conceito de jurisdição passou por uma profunda transformação. Atualmente, a jurisprudência 
é, basicamente, o coletivo de decisões. O elemento essencial é a substituição. 
 
1.1 Três características básicas da jurisdição: 
 
1ª) A secundariedade da atividade; 2ª) Substitutividade; 3ª) Definitividade. 
 
Os princípios informadores da jurisdição: 
 
1º) Juiz natural, 2º) Indelegabilidade, 3º) Indeclinabilidade, 4º) Inafastabilidade, 5º) Inércia, 
6º) Investidura 
 
1.2 Interseção das funções estatais: Legislativa, Executiva e Judiciária 
Pela Constituição, atividade jurisdicional em órgãos do Legislativo e do Executivo, funções 
legislativa e executiva, no Poder Judiciário. 
A edição de Resoluções, Portarias, Regimentos Internos de Tribunais e demais documentos são 
verdadeiras leis de aplicação, vinculativa a todosos jurisdicionados: Federal ou Estadual. 
Assim como a tripartição das funções do poder tem o propósito de organizar as atividades do 
Estado sem que sejam exclusivas: Legislativa, Executiva e Judiciária, pode-se dizer ser acidental 
a circunstância de que a jurisdição esteja sendo exercida por um órgão do Estado. 
 
 1.3 Atividade não exclusiva do Estado 
A jurisdição estará preenchida pelo império, quando exercida por força da soberania do Estado, 
de forma que a jurisdição particular nunca estará revestida de império, sem que lhe retire a 
característica de jurisdição. 
 
1.4 Jurisdição particular – arbitragem 
Atividade possível de desenvolvimento pelo particular: 
 i) Juiz natural: garantir a imparcialidade e a independência do julgador, a figura do árbitro; 
 ii) Indelegabilidade: é indelegável o múnus que lhes foi outorgado pelas partes; 
 iii) Indeclinabilidade: estão obrigados ao cumprimento de sua obrigação: a de julgar; 
 iv) Inafastabilidade: o STF decidiu que a arbitragem não viola o princípio do livre acesso à 
justiça; 
 v) Inércia: as partes devem provocar o Tribunal para apreciação e julgamento da controvérsia; 
vi) Investidura: as partes, contrato com o Tribunal Arbitral, investem o árbitro de jurisdição. 
 
2. O Imperium 
O império: poder de ordenar ou proibir determinados atos, nos litígios, resultante e exclusivo da 
autoridade do Estado. 
Institutos foram criados pelo Direito Pretoriano: 
(i) O interdito: proibir algo(interdito proibitório), obter a restituição de algo(interdito restitutório) 
ou conseguir a exibição de coisa ou pessoa (interdito exibitório); 
(ii) As Stipulationes: estipulação da obrigação, mediante um decreto proveniente do Magistrado, 
de estabelecimento de uma relação jurídica entre as partes litigantes; 
(iii) Missio in Possessionem: o interessado estava autorizado a pleitear, em caráter cautelar ou 
preparatório, a imissão na posse de um bem; 
(iv) Restitutio in Integrum: ação que visava à desconstituição da sentença, com o fito de anular 
os negócios ou atos jurídicos assim como as sentenças injustas. 
Requisitos para o cabimento da restitutio: efetivo prejuízo e a existência de justa causa. 
Historicamente sempre houve total independência entre a jurisdição e o imperium. Se o imperium 
açambarca a jurisdição, o contrário não pode ser dito. 
 
 
 3. A posição de Chiovenda (Racionalismo) 
Para ele, os poderes inerentes à jurisdição são: decisão, coerção e a documentação. Inexistiria 
distinção entre jurisdição e império, julgar não seria ato de autoridade. Mandar pagar SIM. Dessa 
forma, a jurisdição voluntária é uma atividade executiva encaminhada a tutelar a ordem jurídica. 
Hoje se entende que a interpretação é sempre necessária, embora possa variar a complexidade que 
caracteriza o processo, pressuposto da aplicação da lei ao caso concreto. 
 
 3.1.A função criadora da jurisdição (estatal) – um contraponto a Chiovenda 
Predominam sistemas políticos em que há a tripartição de funções do poder do Estado, com o 
exercício, pretensamente exclusivo, da legislatura pelo Poder Legislativo e a aplicação das leis 
pelo Poder Judiciário. Os romanos já tratavam seus processos à base do “caso a caso”. Nota-se, 
aqui, que o sistema de leis escritas e códigos foi fruto da Revolução Francesa (não se admitia a 
interpretação). 
A crença de que a lei era a expressão da vontade do povo (em contrariedade às decisões dos 
Tribunais que eram influenciadas pelas classes sociais dominantes: clero e nobreza). 
O objetivo das cláusulas gerais: dotar o sistema de normas com a característica de mobilidade. 
Os princípios constitucionais: controle ao uso e à fundamentação das cláusulas gerais. 
À autoridade judicante cabe criar, complementar ou desenvolver uma norma individual e 
específica, com base na metanorma que lhe confere mandato. 
Os princípios, vagos e verbalizados por meio de conceitos indeterminados, não têm aplicabilidade 
direta, carecem de mediações concretizadoras (ex: legislador ou Juiz). 
O fato de o juiz, ao decidir, criar uma norma (fazer direito) não o alça à qualidade de legislador. 
 
 
 
(PARTE 3) 
 
1. E a tal jurisdição arbitral? 
Refere-se à arbitragem no que toca com as consequências advindas do desenvolvimento dessa 
atividade. 
 
1.1 Um rápido histórico da arbitragem, no mundo, até o início do século XX 
A arbitragem: renúncia voluntária, pelas partes, à justiça pelas próprias mãos. 
Direito Romano: definia-se haver ou não um direito a ser declarado e ocorria o efetivo julgamento 
do conflito, um particular escolhido entre os do povo (arbitragem compulsória). 
A oficialização das instituições processuais, trata-se de um período em que o juiz-pretor 
(autoridade do Estado) passa a ser a única autoridade legitimada a presidir a integralidade do 
procedimento para resolução de conflitos. Em Roma, por exemplo, havia a resolução de disputas 
por meio da arbitragem que podia ser voluntária ou compulsória. 
Civilizações clássicas: Roma e Grécia, já se utilizava do procedimento arbitral. 
Idade Média a arbitragem é utilizada em virtude: da fraqueza do poder estatal; por força da 
ausência de leis; e os constantes e fortes conflitos entre o Estado e a Igreja. 
O uso da arbitragem diminui com a instituição do sistema jurídico de civil law. 
Passou-se a confiar muito mais na autoridade pública, com a Declaração dos Direitos do Homem 
e do Cidadão e a tripartição das funções do Estado (Revolução Francesa). O CPC francês (1806) 
e o CPC italiano (1865) adotam texto contrário à arbitragem, “ uma ofensa à unidade da função 
judiciária estatal”. 
Já nos países de common law, a arbitragem coexistiu à mediação. O Tratado de Jay (entre Estados 
Unidos e Grã-Bretanha 1794), impulsiona a utilização da arbitragem como meio de resolução de 
conflitos entre os Estados. 
Fim do século XVIII, à massiva utilização da arbitragem em virtude do aumento das operações 
de comércio internacional e ausência de uma jurisdição (estatal) extraterritorial. 
Continua no final do séc. XIX, século XX. 
Organizações como a ONU começam a intensificar a criação de medidas para a harmonização de 
regras relativas ao comércio internacional (Tratados/Protocolos), propósito de minimizar o 
conflito de interpretação de leis existentes. (civil law / common law). 
Em 1919, é fundada a CCI – Câmara de Comércio Internacional. 
Em 1923, a Corte Internacional de Arbitragem, fato de extrema relevância para o 
desenvolvimento galopante da arbitragem internacional, no séc. XX. 
 
1.2 O desenvolvimento histórico da arbitragem no Brasil 
Primeiro tratamento constitucional ocorreu na Constituição de 1824 (Império).O Código Comercial de 1850: arbitragem para o julgamento de questões societárias. 
Em 1867: Decreto 3.900, estabeleceu-se a cláusula compromissória arbitral. 
A Constituição de 1891 (1ª Carta Republicana): arbitragem somente para questões envolvendo 
guerra e paz, suprimindo a aplicação da arbitragem para questões relativas a particulares. 
Em 1923, Brasil aderiu Protocolo de Genebra relativo às arbitragens comerciais internacionais, 
ratificado em 22 de março de 1932 (Decreto 21.187). 
O Protocolo de Genebra foi substituído pela Convenção de Nova Iorque. 
A Constituição de 1934, restabelece a previsão da arbitragem mercantil ao se conceber, a 
competência da União para legislar sobre normas fundamentais da arbitragem comercial. 
A Constituição 1937 deixa de tratar da arbitragem entre particulares. 
O 1º Código de Processo Civil de âmbito federal (1939), previu normas sobre arbitragem. 
Constituições (1946/1967) deixaram de tratar da matéria de arbitragem privada. 
Constituição(1967), nada dizia acerca da arbitragem privada. O STF manifestou-se positivamente 
em relação à sua constitucionalidade. 
O Código de Processo Civil (1973) tratou da arbitragem – Do Juízo Arbitral – como um dos 
procedimentos especiais de jurisdição contenciosa. Artigos revogados Lei9.307/1996. 
Atual Constituição Federal refere-se à arbitragem fazendo menção a ela em seu preâmbulo, 
quando aponta os princípios fundamentais regentes do nosso Estado de Direito. 
Em 1995, foram expedidos: Decreto ratificando a Convenção Interamericana sobre Arbitragem 
Comercial Internacional; Decreto 93, sancionando a Convenção Interamericana sobre Eficácia 
Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros. 
1996: marco para a arbitragem no Brasil em virtude da edição da Lei 9.307. 
Em dezembro de 2001, o STF decide o Agravo Regimental interposto nos autos de um processo 
de homologação de sentença arbitral estrangeira, julgando pela constitucionalidade da Lei 9.307 
da contratação da arbitragem. Com isso, a arbitragem recebe grande impulso no Brasil. 
2003: Decreto 4.719, acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul. 
O atual CPC (LGL\2015\1656), encampa a arbitragem, sob o espectro do princípio da legalidade, 
se preocupa em criar um processo de cooperação entre os juízos estatal e arbitral. 
 
1.3 Arbitragem como jurisdição 
A arbitragem é um negócio jurídico processual, o propósito convergente das partes em acordar a 
convenção arbitral: ter a controvérsia julgada por uma jurisdição privada. Envolve, em diferentes 
momentos, diferentes contratações entre as partes envolvidas (também diferentes) com objetos 
distintos, porém complementares. 
Inicialmente, há a contratação entre as partes, quando estipulam a convenção da arbitragem 
(cláusula compromissória ou compromisso arbitral). Para a arbitragem, as partes celebram o 
Termo de Arbitragem (ou Ata de Missão). Assim, os árbitros são equiparados aos funcionários 
públicos, para os fins da legislação penal e são juízes de fato e de direito, pelo que sua decisão 
não fica condicionada à homologação do Poder Judiciário. 
 
Jurisdicionalidade: existe na arbitragem o exercício, pelos árbitros, de atividade jurisdicional. 
Decorre de uma menos rígida conceituação de jurisdição e de que a arbitragem se desenvolve sob 
a ótica do due process of law. 
O estigma de que a jurisdição seria uma exclusividade do Estado surge, deturpada, no final do 
século XVIII, com a teoria jusracionalista do direito. A autoridade que tem o império, tem 
necessariamente, jurisdição. Pode haver autoridade que embora detenha a jurisdição, não detém 
império, visível na jurisdição arbitral. Essa ausência do império evidente na Lei 9.307/96 que 
estabelece o rito de cooperação. 
Contata-se que império e jurisdição não são sinônimos. 
Jurisdição privada consistente na arbitragem possui uma relação de cooperação com a jurisdição 
estatal e não de subordinação a esta. 
O acórdão STF, decidiu pela constitucionalidade da arbitragem (2000) quando os jurisdicionados 
adquiriram maior conforto para a contratação da arbitragem. 
A arbitragem – decorre da contratação da solução de uma determinada controvérsia, relativa a 
direito disponível, por partes capazes – natureza jurídica mista, pois é um instituto com 
característica contratual – em seu nascedouro – e jurisdicional – em seu desenvolvimento.

Continue navegando