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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS UNIASSELVI-PÓS Autoria: Daniel Neto Francisco Indaial - 2021 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. xxxxx xxxx, xxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xx. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. xxx p.; il. ISBN xxxxxxxxxxxxxxxxxxx ISBN Digital xxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD xxxxxx Impresso por: Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Jairo Martins Marcio Kisner Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 CONCEITOS, DIMENSÕES E TIPOLOGIAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS ....................................................................7 CAPÍTULO 2 CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E DIMENSÕES DA GESTÃO ............................................................51 CAPÍTULO 3 INDICADORES E AVALIAÇÕES DE POLÍTICAS PÚBLICAS .......97 APRESENTAÇÃO Caro estudante, neste livro, caminharemos juntos por uma jornada no campo das políticas públicas. O termo “políticas públicas” tem estado, cada dia mais, nas rodas de conversa, nas notícias e nas mídias, e nas produções de análises acadêmicas, como um campo específico da ciência. A transformação, que vem nos deixando cada vez mais próximos das políticas públicas, pode ser compreendida como um fenômeno positivo, uma vez que a discussão do termo tem ganhado espaço, cada vez mais sólido, na sociedade brasileira. Contudo, o evento deve ser melhor compreendido, analisado, e, nos termos técnicos e práticos, aprimorado, isso porque grande parte da sociedade e dos nossos gestores públicos (de políticas públicas) ainda não domina dimensões importantes do fenômeno. No Capítulo 1, abordaremos os modelos teóricos que subsidiam, ao campo das políticas públicas, uma consolidação a partir de diferentes métodos de análise, instrumentos de planejamento e avaliação, promovendo diferentes oportunidades para que gestores, estudantes e sociedade, em geral, possam analisar de forma mais técnica. Dizemos que são diferentes oportunidades porque, como você mesmo poderá perceber ao longo do Capítulo 1, cada modelo analítico das políticas públicas possui um olhar específico sobre uma característica ou fenômeno. Dessa forma, o panorama aberto, neste livro, buscará promover um passeio pelos principais modelos teóricos, apresentando as oportunidades e as debilidades, longe de caracterizar ou apontar um caminho único e perene, diante de uma esfera analítica tão complexa, como são as políticas públicas e os processos técnico-burocráticos. No Capítulo 2, abarcaremos as fases do Ciclo de Políticas Públicas (CPP), a partir da definição explicitada por Secchi (2015). Você poderá analisar os diferentes processos e fenômenos existentes no âmbito da gestão de políticas públicas. No entanto, frisar-se-á, a partir das análises expostas neste capítulo, a desconstrução da noção de que o CPP reflete, com totalidade, a complexidade inerente aos processos que envolvem os agentes públicos, a definição e a construção de agendas, a implementação da agenda pública, a tomada de decisões e os processos que permeiam critérios de indicadores e de avaliação. Não obstante, a análise crítica dos pressupostos teóricos do Capítulo 2 envolverá, ainda, a distinção teórica entre avaliação e monitoramento, um ponto importante para que se estabeleça a construção de análises apropriadas para cada um dos momentos. Outro assunto importante, e, desde já, apontado como um elemento de centralidade das análises contemporâneas, é a reestruturação dos arranjos institucionais e da produção de políticas públicas, em especial, daqueles que envolvem processos de governança não hierarquizados e descentralizados. Teria, o Estado, um novo papel diante das novas configurações das políticas públicas? E o gestor público, qual é o papel dele nesse cenário de ações intergovernamentais? Cabe, assim, a análise desse cenário, a partir do expoente dos referenciais da gestão social e da busca teórico-prática de novas estruturas organizacionais, que sejam capazes de promover, à esfera pública e à esfera governamental, novos caminhos, objetivos e definições práticas. Por fim, o Capítulo 3 será desenvolvido a partir do estabelecimento de um objeto teórico de fundamental importância para as análises de avaliação no campo das políticas públicas: os indicadores. Os indicadores ganham espaço na constituição de análises e na definição teórica de estudos em diversos campos do conhecimento científico. No caso especial da área das políticas públicas, vêm sendo debatidos desde a gênese, mas, sempre, a partir de diferentes paradigmas estruturais. Dessa forma, no Capítulo 3, abordaremos as transformações do referencial, a partir das diferentes abordagens históricas que orientam os principais modelos e as práticas avaliativas da gestão das políticas públicas. Bons estudos! CAPÍTULO 1 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Definir o que é uma política pública e a gênese desta como um campo científico. • Conhecer e identificar as principais dimensões teóricas e metodológicas de análise que compõem a ação no campo das políticas públicas. • Diferenciar os termos “análise política” e “análise de políticas públicas”. • Analisar na prática os diferentes segmentos, modelos e tipologias existentes no campo das políticas públicas. • Examinar e esquematizar as políticas públicas, de acordo com diferentes tipologias, que produzem uma síntese das principais formas, funções e finalidades. 8 Gestão de Políticas Públicas 9 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Iniciamos, aqui, o nosso percurso de conhecimento e de reflexão em torno das políticas públicas, por isso, desejamos que a aproximação com o tema e os diversos conceitos possam ser agradáveis e significativos. Para isso, ao longo deste e dos demais capítulos, serão disponibilizados alguns materiais complementares que, além de buscarem uma reflexão crítica e profunda do tema, também servirão para que você possa aproveitar, ao máximo, os conhecimentos relativos à gestão de políticas públicas, sem que se torne uma disciplina, essencialmente, de apropriação de termos. Nosso mergulho pelo vasto campo das políticas públicas tem, como ponto de partida, a busca das principais dimensões conceituais e dos modelos teóricos mais estudados e aplicados na gestão de políticas públicas, e que estruturam o campo científico. Refletiremos a respeito do conceito de políticas públicas, partindo da principal definição: a existência de uma ação que busca resolver um determinado problema público. Desse conceito fundamental, e eminentemente aceito pelos mais diferentes espectros teóricos (DYE, 1992; QUEIROZ, 2011; SECCHI, 2015; ARAÚJO; RODRIGUES, 2017), você poderá conhecer, ainda, as divergências conceituais em torno desse tão amplo e complexo tema. De tal forma, passaremos pelas principais abordagens teóricas, refletindo, de forma crítica e construtiva, acerca dasconceituações de políticas públicas. Buscar-se-á promover um breve resgate histórico a respeito da formação do campo das políticas públicas desde as primeiras contribuições de autores clássicos, com forte conexão com os estudos da área da Ciência Política. Caminharemos até os cenários mais atuais das políticas públicas, com a apresentação de um contexto múltiplo e diversificado do tema. A respeito dessa concepção mais diversificada e múltipla da área, encaminharemos uma análise mais aprofundada apenas no terceiro capítulo, mas, desde já, faremos alguns apontamentos para essa nova roupagem das análises das políticas públicas, que envolve, por exemplo, a reformulação da área sob uma gama de conhecimentos multidisciplinares, como o denominado “Campo de Públicas”. A respeito dos modelos teóricos do campo, nossa análise tratará das principais vertentes que contribuem para diferentes modelos e segmentos reflexivos das políticas, dos processos, das instituições, dos meios, dos sistemas de ação política e dos agentes envolvidos no amplo espectro de fenômenos sociais. 10 Gestão de Políticas Públicas Por fim, mas não menos importante, será posto, em debate, o ferramental metodológico das tipologias das políticas públicas. Dessa forma, serão apresentadas as principais tipologias: de Lowi, de Wilson, de Gormley, de Gustafsson etc. Tal exercício buscará aprofundar os conhecimentos do leitor e torná-lo mais próximo dos principais teóricos que deixaram contribuições a esse campo de estudos. Cabe, no entanto, frisar que a análise explicitada das tipologias guarda, em si, possibilidades, mas, também, limitações teórico-metodológicas, tendo, as políticas públicas, uma grande complexidade de cenários, de fenômenos e de ações em interseção, assim, deve-se evitar o reducionismo de um “caminho único”. Por isso, buscaremos, a partir deste primeiro capítulo, formular um espectro amplo de dimensões reflexivas, conceituais e instrumentais. A respeito dos conceitos trazidos, notem que alguns nos acompanharam nesta jornada de conhecimento, e serão fundamentais para a exploração de novos temas. Por isso, fique atento aos referenciais e aos conceitos iniciais, como politcs, policies, ou, até mesmo, “policy networks” e “policy issue”. 2 CONCEITUANDO AS POLÍTICAS PÚBLICAS Você já deve ter ouvido o termo política pública em diversos contextos, e, em muitos deles, até mesmo, pode ter se perguntado, alguma vez, por que determinado fenômeno seria uma “política pública”. Pois bem, nesta seção, trataremos das principais abordagens teóricas que buscam dar uma explicação conceitual do que são as políticas públicas. Antes de iniciarmos a conceituação desse termo tão divulgado nas mídias, nas redes sociais, nas conversas e nos espaços de gestão pública, cabe definirmos de onde vem, qual é a origem. Notavelmente, as políticas públicas vêm se estabelecendo como um campo autônomo do conhecimento e de aplicação de técnicas, instrumentos e modelos avaliativos, no entanto, a origem histórica retoma a construção teórica do campo da ciência política. É, justamente, o termo “política”, que deve consolidar a dimensão de caráter eminentemente ligado às atividades e aos processos voltados para o exercício do poder. Como destaca Boullosa (2013), os primeiros passos de consolidação da área, no âmbito da ciência política, assumem os papéis de orientar e de promover caminhos, com base na racionalidade, para melhorar as ações dos governos e aperfeiçoar os modelos de regulação social (BOULLOSA, 2013). Para a melhor apropriação dos conceitos da área de políticas públicas, inclusive, de alguns que estão diretamente ligados à língua inglesa, é importante 11 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 destacarmos que, no português, a palavra política guarda dois sentidos que, na língua inglesa, são definidos por dois vocábulos distintos: “politics” e “policy”. Politics é definida como a esfera “processual”, ou seja, são as ações e as relações inerentes ao processo político para a determi- nação das ações governamentais ou institucionais (FREY, 2009). Logo, politics podem ser compreendidos como os processos, as ações e as mediações em torno das esferas e das instituições que exercem o poder sobre a sociedade como um todo. Já o termo “Poli- cy” é definido como a esfera “material”, ou seja, a materialização das decisões políticas orientadas em ações concretas de programas, pro- jetos e políticas públicas (FREY, 2009). Podem ser clarificados como os modelos e os parâmetros de ação efetiva, como a política de compras de uma organização, e, até mesmo, as diretrizes políticas de um partido (SECCHI, 2015). As “policies”, então, estão relacionadas com a materialidade de um resultado. Com relação ao termo a ser melhor desvendado neste capítulo, as políticas públicas estão diretamente ligadas ao conceito e à definição de policy, uma vez que são a efetivação dos processos políticos das mais variadas estruturas e formas processuais, como veremos mais à frente. Não há um único conceito que defina a totalidade das políticas públicas, mas, no Brasil, grande parte dos teóricos se enquadra no consenso de tratá-las como um conjunto de dimensões concretas e simbólicas, que deriva das decisões políticas. O que deve ser enfatizado, neste momento, é que as políticas públicas (public policies) “tratam do conteúdo concreto e do conteúdo simbólico de decisões políticas, e do processo de construção e atuação dessas decisões” (SECCHI, 2015, p. 1). 12 Gestão de Políticas Públicas É inerente, ao estudo das políticas públicas, compreender as ações concretas e as não concretas, e, no caso das ações concretas, como se efetivam (e se, realmente, efetivam-se). Ainda, abarca as práticas relacionais dos processos políticos. Deve-se ressaltar que, apesar de ser possível uma análise separada das esferas das políticas, não se pode perder de vista que, na prática, elas funcionam de forma simbiótica e uma influencia diretamente nos resultados da outra. Agora que já compreendemos os conceitos basilares que distinguem as esferas inerentes à política (como politics e policy), aprofundar-nos-emos no conceito do nosso objeto de estudos principal: as políticas públicas. Não existe um conceito único e abacado, que ofereça uma resposta às divergências apresentadas nas múltiplas visões e nos fenômenos das políticas públicas. Não obstante, é importante demarcarmos, mais a fundo, as dimensões do nosso objeto de estudo neste livro, por isso, esta primeira seção deve abranger alguns pontos teóricos imprescindíveis para que se compreendam as diferentes concepções teóricas a respeito do que é uma política pública. É necessário abordar um ponto de coesão teórica, que ajuda a compreender o elemento fundamental para a identificação e a definição do que são as políticas públicas (policies) referindo-se ao entendimento de que toda política pública busca oferecer resposta a um problema público. Isso porque deve haver uma resposta, seja pela ação ou inação (falaremos disso daqui a pouco) de um problema identificado na sociedade. Logo, uma ampla gama de autores destaca que, se um problema não é publicamente reconhecido, não possui interação com o campo das policies. No entanto, existem pontos teóricos que não possuem consenso na conceituação do que é uma política pública. Você poderá conhecê- los agora, também denominados, por Secchi (2015), como nós conceituais: Ponto teórico 1 – O primeiro ponto teórico se refere a uma intencionalidade de ação: uma corrente teórica defende que toda ação ou falta de ação apresenta uma intencionalidade, mas, de acordo com outra corrente de teóricos, como Rua (1998), as políticas públicas são frutos (resultados) da atividade política. Já Souza (2006) define o próprio campo de análise das políticas públicas como aquele que busca estimular as açõesdo governo, e, ao mesmo tempo, analisar essas ações. Logo, tais definições cobrem apenas as policies, que remetem a um processo de ação, de transformação e intervenção ativa. Outra corrente teórica (DYE, 1992) denota que toda política pública guarda, em si, intenção de ação (ou de inação – não ação). No entanto, mesmo nas situações nas quais existe uma falta de ação, não se deixa de haver uma intencionalidade que oriente a situação. Ponto teórico 1 – O primeiro ponto teórico se refere a uma intencionalidade de ação. 13 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 Dye (1992) aponta, como um atributo fundamental das políticas públicas, a ação, e, também, a falta de ação sobre determinadas situações que geram contextos sociais diversos, que podem afetar determinados grupos sociais positivamente ou negativamente. Como menciona Secchi (2015), essa concepção teórica passa a compreender situações de omissão estatal e de negligência, como políticas públicas. Como exemplos claros, nesse sentido, podemos citar os acidentes provocados por falta de reparos em vias públicas, viadutos e áreas públicas, uma vez que, ao não tomar determinada medida de segurança ou de manutenção preventiva, o governo oferece a possibilidade para que dado fenômeno ocorra. Ponto teórico 2 – diz respeito à abordagem de ação das políticas públicas. Em outras palavras, busca-se definir, a partir de diferentes posicionamentos, que atores são responsáveis pela produção de políticas públicas. Aqui, derivam-se duas vertentes principais: a “Abordagem Estadista” e a “Abordagem Multicêntrica”. Para um segmento de teóricos, a ação e os processos, em torno das políticas públicas, são fenômenos estatais, e que devem ser compreendidos a partir de uma observação centrada na esfera governamental (campo no qual se produzem as polícies). Para outra vertente, a noção clássica de políticas públicas, como sinônimo de políticas estatais, é um erro, pois não permite admitir uma diversidade de ações e de situações nas quais problemas eminentemente públicos são tratados por agentes não estatais (comunidades, organizações não governamentais (ONGs), empresas, consórcios públicos e privados etc.). A respeito dessas concepções, falaremos, mais detalhadamente, a seguir. Quanto a esse ponto, há uma série de vertentes e de discussões teóricas que busca explicar e conceituar os modelos de ação das políticas públicas. As principais concepções teóricas são: a “Abordagem Estadista” e a “Abordagem Multicêntrica”. A “Abordagem Estadista ou Estadocêntrica” é a abordagem teórica de políticas públicas que as conceitua como um objeto de caráter estatal. De acordo com essa compreensão, o que, de fato, define uma política pública, é a personalidade jurídica do ator protagonista. Queiroz (2011, p. 97) propõe que as políticas públicas “são, no estado democrático de direito, os meios que a administração pública dispõe para a defesa e a concretização dos direitos de liberdade e dos direitos sociais dos cidadãos, estabelecidos em uma Constituição Nacional”. 14 Gestão de Políticas Públicas Diante tal perspectiva, o Estado é o agente principal, e atua para executar ações que propiciem o cumprimento das Cartas Constitucionais. No entanto, o exercício do papel estatal, como agente provedor de ações, é mais denso, pois, também faz parte, do processo de deliberação política, a definição das próprias diretrizes constitucionais, além das ações de priorização de quais diretrizes precisam ser atendidas. Como indica Secchi (2015, p. 2), “a exclusividade estatal, no fazer policies, é derivada da superioridade objetiva do Estado de fazer leis, e fazer com que a sociedade cumpra as leis”. Tal reflexão nos propicia outro debate relevante quanto ao papel de eminência do agente estatal na produção de políticas públicas. Os arcabouços teóricos mais clássicos de Dye (1992) e de Heclo (1972), por exemplo, promovem uma compreensão do campo das políticas públicas como um setor de ação unicamente estatal. A proposição prescritiva-normativa produz uma competência vinculante da ação pública, como as competências direcionadas pelas Cartas Constitucionais, que, legalmente, conduzem, ao Estado e a agências, a responsabilidade de ofertarem serviços, como saúde, educação, assistência social, segurança nacional e outras matérias. Entretanto, tal visão é limitada diante dos processos de transformação, não apenas da esfera estatal, mas de toda a sociedade e das instituições, uma vez que os processos de resolução dos problemas públicos têm sido, eminentemente, abarcados pelos mais diferentes segmentos da sociedade civil e das instituições, fora dos limites da área governamental. Como exemplos, podemos citar a área da Assistência Social e a atuação ativa de ONGs, de organizações e de movimentos sociais na construção de ações públicas, como o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Veja mais a configuração do SUAS e quais são as atribuições, de acordo com o Governo Federal: https://www.gov.br/cidadania/pt- br/acoes-e-programas/assistencia-social/gestao-do-suas. A Abordagem Multicêntrica busca tratar do processo de mudanças sociais, por isso, considera a atuação combinada entre entes estatais e organizações da sociedade civil e multilaterais, as redes de políticas públicas (policy networks – termo que veremos mais à frente, neste capítulo), e outros arranjos institucionais que buscam promover solução a determinados problemas públicos. 15 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 Os teóricos da Abordagem Multicêntrica (também denominada de Policêntrica) “atribuem o adjetivo “pública” a uma política quando o problema que se tenta enfrentar é público” (SECCHI, 2015, p. 3). Dessa forma, abre-se, para o campo da análise e da gestão de políticas públicas, um leque de atores e de instituições que participa, ativamente, como engrenagens constitutivas dos processos de resolução dos problemas públicos (BOULLOSA, 2013; AGUM; RISCADO; MENEZES, 2015). Veremos, a seguir, a abordagem da corrente citada, mais ampla e complexa (no sentido de tratar melhor da complexidade das experiências sociais) das políticas públicas, pelos mesmos motivos elencados por Secchi (2015): • A Abordagem Multicêntrica promove um olhar mais interpretativo, e que busca se afastar um pouco da dinâmica positivista (enquadrar todos os fenômenos sociais em um único sistema). Logo, não é apenas o teórico ou o estudioso de políticas públicas quem define o que ou o que não é uma política pública, mas toda a ampla gama de agentes sociais e de instituições que está envolvida no fenômeno. • Escapa do reducionismo de uma “pré-análise de personalidade jurídica” (SECCHI, 2015, p. 4). Afinal de contas, existe uma série de organizações que, mesmo públicas, possuem capital (financeiro privado), além de outras infinidades de organizações privadas e do terceiro setor que recebem recursos financeiros para promover ações específicas com interesse público. • Permite, ao campo das políticas públicas, a possibilidade de promover transformações sociais, analíticas e conceituais em diferentes segmentos para além daqueles de natureza estatal. • O papel do Estado varia de país para país, e, até mesmo, dentro do Brasil, a concepção dos ditos “deveres do Estados” vem se transformando. Faz- se necessária uma reflexão profunda acerca das transformações. • As ações de coerção e de promoção de leis são ferramentas exclusivamente estatais, mas não são as únicas formas de promoção de ações públicas, ao contrário, deve-se abrir um leque de possibilidades de ação que são instrumentos políticos compartilhados entre os segmentos estatais e não estatais, como campanhas, parcerias público- privadas, atividades de conscientização e de sensibilização, e outraspossibilidades. Obviamente que você pode estar aí se perguntando: qual é o papel do Estado nesse processo todo? Esse é um ponto interessante e fundamental, pois não há uma resposta única e estática. Em alguns casos, faz sentido e é necessário que o Estado seja o ator condutor das ações, para promover seguridade ao processo, para estimular o empenho de demais segmentos da sociedade, e, até mesmo, 16 Gestão de Políticas Públicas para cobrir as falhas naturais de mercado existentes, como a promoção de bens públicos indivisíveis e não excludentes, caso da segurança nacional. Afinal de contas, deve, o Estado, ser o agente principal de todas as ações de políticas públicas? Deve ser um Estado indutor? Deve apenas regular as atividades sociais e deixar que os agentes promovam as ações, de acordo com os interesses próprios? Algumas dessas indagações podem ser refletidas no filme Ensaio Sobre a Cegueira, de 2008. Para alguns teóricos, como Melo (1999), a eminência do Estado deve se fazer ativa, exercendo um papel de correção de problemas que o mercado e a sociedade civil não são capazes de corrigir. Para outros, a dimensão estatal não deve ser superlativada, uma vez que a sociedade civil e os demais arranjos sociais e institucionais derivam desta. É importante, conduto, frisar que não há certo ou errado quanto a essa questão, uma vez que, em algumas circunstâncias, pode-se experimentar modelos de ação pública que possuam agentes governamentais como eixo principal. Entretanto, existem, também, as experiências, a partir das quais os atores da sociedade civil promovem respostas próprias às demandas postas na agenda pública, fomentando novos modelos de ação e de produção de bens públicos (OSTORM, 2009). O Estado não é o eixo fundamental, além das práticas coletivas baseadas na solidariedade, como a economia solidária e os modelos alternativos de produção (FARIA, 2017). É claro que todas essas questões e, até mesmo, outras, que você possa estar refletindo aí, não serão respondidas a cabo, e, talvez, surjam outras mais, no entanto, é importante sempre refletirmos acerca da ação estatal e da sua importância para determinadas situações e grupos sociais. O olhar mais aprofundado da concepção multicêntrica ajuda a corrigir distorções históricas, como a de confundirmos (muitas vezes, propositalmente) as políticas públicas com as políticas governamentais. 17 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 Atente-se para outra distinção conceitual importante entre política de governo e política de Estado. Comumente, utilizam- se esses dois termos como sinônimos, contudo, é importante apresentarmos as diferenças teóricas e práticas. Pode-se conceituar a política de governo como aquele grupo de políticas planejadas e estabelecidas por agentes do executivo, atendendo às demandas e interesses do governo. Tal grupo de políticas (de governo), normalmente, possui menor capacidade de sobreviver aos processos de alternância e de sucessão política, por não representar interesses nacionais. Já as políticas de Estado possuem uma capilaridade maior, e, normalmente, envolvem o executivo e a esfera legislativa, gerando ações que remetem a um maior tempo de ação e de durabilidade política, partindo, inclusive, de interesses nacionais menos instáveis, como segurança nacional (DIAS, 2010; OLIVEIRA, 2011). Segue uma ilustração da relação entre as políticas governamentais e as políticas públicas: FIGURA 1 – POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS FONTE: Adaptada de Secchi (2015) As outras dimensões das políticas públicas (que estão fora dos limites das políticas governamentais) ainda carecem de melhores compreensões teórica e analítica, além da própria reflexão das dimensões de efetividade para a sociedade na qual estão inseridas. 18 Gestão de Políticas Públicas Ponto teórico 3 – Diz respeito à dimensão estrutural das políticas públicas. Para uma corrente de autores, pode-se definir, como políticas públicas, apenas as “macrodiretrizes estratégicas” (SECCHI, 2015, p. 7), não contemplando os conjuntos de programas. De acordo com essa contribuição, as policies são um elemento estruturante, por natureza. Nessa perspectiva, dimensões políticas, como os planos, os programas e os projetos públicos, devem ser classificadas apenas como elementos operativos, assim, instrumentos para a materialização das políticas públicas, determinadas pelas macrodiretrizes. No entanto, essa vertente teórica sofre críticas quanto à delimitação, como ilustra Secchi (2015), dado que, sob tal delimitação, são excluídas, por exemplo, as políticas públicas operacionalizadas nos níveis municipais, regionais e estaduais, inclusive, as políticas de cunho intraorganizacional das esferas, que também buscam promover respostas a determinados problemas públicos. Outra corrente teórica mais abrangente contempla, na definição de políticas públicas, as “diretrizes estruturantes” (de nível estratégico) e as “de nível intermediário e operacional” (SECCHI, 2015). Sob essa dimensão analítica, pode-se dizer que os programas, os planos e as outras ações, derivadas para a execução, completam um sistema interligado de atividades inerentes ao campo das políticas públicas. Observe um sistema por meio da experiência do “Cabo de Aço como Metáfora de Política Pública”. Ponto teórico 3 – Diz respeito à dimensão estrutural das políticas públicas. FIGURA 2 – CABO DE AÇO COMO METÁFORA DE POLÍTICA PÚBLICA FONTE: Adaptada de Secchi (2015) 19 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 Outra dimensão, defendida nesse contexto, é que as políticas públicas podem ser efetivadas, na sociedade, de forma complementar, como as pernas, que formam o cabo de aço da figura anterior. Ao mesmo tempo, essas pernas também seriam compostas de um conjunto de ações internas que subsidiaria as bases de ação/implementação. Os arames funcionariam como os projetos e as ações que integram o corpo de execução da política. Como destaca Secchi (2015), a figura do arame denota um cenário em que as políticas públicas se encaixam de forma muito uniforme e padronizada, sendo bem alinhadas e complementares. No entanto, é preciso desmistificar tal noção, uma vez que, nem sempre, esse será o cenário real encontrado na análise de políticas públicas, como veremos nos próximos capítulos deste livro. Por isso, Secchi (2015) propõe que uma metáfora mais adequada para essa análise seja a de uma árvore, sendo, esta, a macropolítica (e as macrodiretrizes). Ainda, a raiz, o tronco e os galhos como as políticas que integram o sistema. Já as folhas e os frutos seriam a ilustração dos processos e da ação, que operacionalizam as determinações estratégicas. Agora que já avançamos com as especificidades teóricas das correntes que abordam o conceito de políticas públicas, seguiremos a nossa jornada tendo, como base, outros dois elementos, que são imprescindíveis para que a gente possa ter uma visão crítica, plural e aberta quanto aos processos, análises e formulações de políticas. Não obstante, abriremos duas dimensões ao debate de consolidação das análises do campo das políticas públicas. A primeira está ligada à não neutralidade dos modelos, das tipologias e das análises políticas. O campo de estudos das políticas públicas não possui neutralidade, e deve ser compreendido com a ampla gama de instrumentos analíticos a partir da compreensão/formação do policymaker (BOULLOSA, 2013). A segunda dimensão importante é que quase todas as definições de políticas públicas são arbitrárias (prescritivas) em si (SECCHI, 2015), isso porque não há uma forma única de delinear o conceito, e, ao determinar características ou ferramentas de análise de um objeto que envolve outros agentes, o gestor acabapor tomar uma posição arbitrária. 2.1 O SURGIMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO CAMPO TEÓRICO As políticas públicas eram, até meados da década de 1950, objeto do campo científico da ciência política. Lasswell é um dos pensadores que contribui com o 20 Gestão de Políticas Públicas estabelecimento de uma ciência que contempla a formulação e a concretização das políticas (LASSWELL, 1970; ARAÚJO; RODRIGUES, 2017). Era necessário fomentar a promoção de um mapa cognitivo para auxiliar os processos de análise das políticas que visassem solucionar problemas públicos, nos mais diferentes segmentos sociais e em diferentes contextos (LASSWELL, 1970). Você pode perceber uma primeira noção desse novo campo como tendo um caráter multidisciplinar por natureza, uma vez que os problemas públicos não se restringem a uma área do saber científico. Boullosa (2013) indica que as contribuições teóricas, ao campo das políticas públicas, advindas da economia, da sociologia, da administração, da geografia e de outras áreas da ciência, promovem um potencial de não se limitar a um único olhar teórico. Tais inovações produzem, como resultado, o que Secchi (2015) denomina de policy sciences, com a produção de um corpo teórico particular, uma série de ferramentais e de vocabulários analíticos distintos, estes que buscam analisar a dinâmica dos fenômenos político-administrativos. Na década de 1980, as políticas públicas ganharam visões e contribuições acerca da ótica do comportamento dos denominados grupos de interesses (MARQUES, 2019). Em tais análises, foi marcante o papel das estruturas institucionais preexistentes, dos modelos e das posições relativas dos agentes, também, por causa dos recursos disponíveis para a efetivação de ações (MARQUES, 2019). Nas últimas duas décadas, houve uma reestruturação do campo das políticas públicas no Brasil (VENDRAMINI; FEUERSCHÜTTE, 2017). Em grande parte, essa institucionalização das ferramentas das políticas públicas acompanhou a expansão de cursos do ensino superior na área de Administração Pública; a promoção de concursos públicos para cargos estratégicos no governo; o fortalecimento de novos atores e de instituições na resolução de questões públicas; e, também, a busca pela consolidação do denominado “campo de públicas”, composto por uma série de cursos de Administração Pública, Gestão Social e Gestão de Políticas Públicas (VENDRAMINI; FEUERSCHÜTTE, 2017; FARAH, 2018). Farah (2018) destaca que uma característica fundamental do campo das políticas públicas é a multidisciplinariedade. Para você, que deseja conhecer mais a respeito do Campo de Públicas, e ler algumas publicações acadêmicas da área, acesse https://campodepublicas.wordpress.com/. 21 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 Para Arretche (2003), a expansão das análises em torno das políticas públicas brasileiras, nas últimas décadas, está diretamente ligada aos fenômenos de transformação, nos quais se enquadram a sociedade e o Estado brasileiro. Nesse sentido, transformações promovidas na esfera de poder de autonomia dos entes locais, e as reformas estatais, redefinem o campo de ação do Estado, principalmente, com a deleção de diversas ações para organizações do terceiro setor (ARRETCHE, 2003). São estabelecidos novos arranjos institucionais de planejamento e de promoção das políticas públicas. Pode-se considerar que o processo de redemocratização do sistema político, com a Constituição Federal de 1988, e a expansão das arenas públicas de discussões temáticas, com os Conselhos Municipais de Saúde, instituídos por lei, provocam uma oxigenação institucional ao criar novos canais para a discussão das ações e do poder público e as demandas sociais nas esferas municipais. Você se lembra de que falamos, anteriormente, que a dimensão das políticas públicas vivencia uma ampliação dos atores que as planejam, executam e avaliam? Pois bem, a promoção de espaços deliberativos, de participação e de controle social, como os conselhos gestores de políticas públicas, é um exemplo prático da materialização de arranjos institucionais que vão além da antiga concepção de políticas públicas como um elemento unicamente estatal. A inclusão de ferramentas e de ações promotoras de inovação, nas agendas e nos programas de governo, fomenta o interesse pela avaliação e pela compreensão dos passos de formulação e de implementação de ações na esfera pública (ARRETCHE, 2003). Analisa-se a expansão de políticas fundamentadas em arranjos institucionais diversificados no cenário brasileiro, principalmente, a partir dos anos 2000. De modo conciso, muitos desses arranjos se efetivam a partir de uma agenda de territorialidade, elemento que pode ser notado não apenas nas políticas territoriais rurais, como na Política dos Territórios da Cidadania, criada em 2008, mas, também, nas políticas que não se voltam, apenas, para as áreas rurais ou urbanas. Essencialmente, o que se evidencia é uma transposição das categorias, buscando o estabelecimento de uma sistematização das ações voltadas, sobretudo, para a ótica territorial. Assim, destacam-se alguns dos arranjos se caracterizam pela: (i) articulação de temáticas intersetoriais; (ii) construção de modelos de gestão de políticas com coordenação entre os entes federativos e a sociedade civil; (iii) busca de enraizamento nos contextos locais de implementação das políticas. Dito de outra forma, trata-se de uma tentativa de promover uma integração horizontal (entre setores de políticas públicas) e vertical (entre entes federativos) e de absorver, de forma substantiva, a dimensão territorial. 22 Gestão de Políticas Públicas A respeito dos novos modelos e dos arranjos de políticas públicas, falaremos mais à frente, no Capítulo 2, no qual serão abordadas as configurações horizontais e verticais de políticas públicas, além do modelo conceitual, que aborda meios para o exercício da gestão de políticas públicas compartilhada, por meio de iniciativas das Parcerias Público-Privadas (PPPs) ou de ações coletivas não empreendidas pelo Estado. Discutiremos, mais a fundo, a respeito desses novos arranjos e modelos de ação pública, no Capítulo 3. Queiroz (2011) sistematiza as políticas públicas como elementos que congregam conteúdos, instrumentos e aspectos institucionais. A partir do esquema a seguir, poderemos observar como esses elementos integram e interagem em si na concepção de ações que se orientam em torno de demandas públicas. FIGURA 3 – ESQUEMA DOS ELEMENTOS QUE INTEGRAM AS POLÍTICAS PÚBLICAS FONTE: Adaptada de Queiroz (2011) A partir da definição de Queiroz (2011), pode-se identificar que os três elementos constituintes das políticas públicas conduzem os atributos formais e informais, em outras palavras, os conteúdos, os instrumentos e os aspectos institucionais que envolvem determinadas policies produzem um tipo de “sistema operacional”, que direciona a ação e a definição práticas. Tais dimensões auxiliam, também, na definição de critérios investigativos para a promoção da análise de políticas públicas. 23 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 É importante fazermos a distinção de dois termos muito utilizados cotidianamente: análise política e análise de políticas públicas. Análise política é o processo que busca promover um conhecimento de determinado sistema de interações, deliberações, articulações e processos técnico-burocráticos que efetivam o exercício do poder político. Não obstante, a análise está muito ligada aos processos governamentais, nas esferas administrativa, legislativa e judicial. A análise de políticas públicas busca empreender um panorama analítico sobre determinada matéria (ou resultado), constituído pelo sistema político, ou que, de alguma forma,interage com este e com as pré-definições de competências, de atribuições de poderes e de execução de ações. 1 - Tendo, como base, os conceitos adquiridos em relação às políticas públicas até aqui, assinale (V) para as proposições verdadeiras e (F) para as proposições falsas: ( ) Uma política pública pode envolver, além dos agentes públicos, agentes privados e do terceiro setor. ( ) Uma política pública não pode envolver agentes do setor privado na execução. ( ) As políticas públicas podem existir sem a definição de um problema público. ( ) As políticas públicas, não necessariamente, são políticas de governo. ( ) As políticas públicas podem tratar de conteúdos simbólicos e não simbólicos. ( ) As políticas públicas não dizem respeito a atividades o governo deixa de fazer. 3 DIMENSÕES E MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS O campo das políticas públicas também possui modelos analíticos bem delimitados, a partir de diferentes correntes teóricas que embasam a reflexão, a promoção e a avaliação das diferentes práticas. Dye (1992) apresenta uma construção teórica em busca de modelos, e ilustra que estes são representações que tentam simplificar determinados aspectos do mundo real. 24 Gestão de Políticas Públicas 3.1 MODELO RACIONALISTA Muitos teóricos racionalistas das políticas públicas passam a se enquadrar no denominado campo da Análise Racional das Políticas Públicas (ARPP) (Rational Policy Analysis), que tem, como eixo basilar, a racionalização como meio para melhor organizar a sociedade (BOULLOSA, 2013). Na sua premissa teórica fundamental, o racionalismo busca atingir ganhos sociais máximos. Em outras palavras, os ganhos sociais seriam aqueles que “excedam os custos incorridos na produção da política” (SANTOS, 2012, p. 63). O conceito de custos em voga não é apenas econômico, mas, também, são levados em consideração os custos sociais e políticos, por exemplo. O modelo racional tem, como pressuposto, que todos os policymakers são os agentes responsáveis pelos processos de tomada de decisões públicas, também denominados de tomadores de decisões públicas. • Possuem conhecimento total das preferências e dos valores da sociedade, além da importância destes. • Possuem conhecimento total dos caminhos, das alternativas políticas possíveis, e das consequências que estes podem gerar à sociedade. • Possuem capacidade de calcular entre os custos, entre os valores alcançados e os custos de realização. • São capazes de buscar, sempre, o caminho político mais eficiente. A política racional segue os ditames da teoria econômica da concorrência perfeita. O mercado apresenta, como característica, uma série de especificidades práticas que contribui para a formação de um cenário tido como “[...] completamente livre, sem barreiras e totalmente transparente” (VASCONCELLOS, 2009, p. 139). Nesse sentido, o modelo racionalista das políticas públicas advoga em torno de um panorama que pode ser equiparado com um modelo de hipóteses “ideais”, ou, como definido por Marx Weber, “tipos ideais”, que são dimensões abstratas que servem para a comparação, a tipificação e a análise de diferentes objetos e fenômenos sociais, como definem Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2003). O modelo racionalista advém do campo das ciências econômicas clássicas, que traz a fundamentação de conceitos fundamentais que orientam decisões, segundo a análise racional (VASCONCELLOS, 2009): • Hipótese da Racionalidade Ilimitada: os tomadores de decisão sempre buscam maximizar, da melhor forma possível, os recursos públicos existentes (princípio da racionalidade do Homo Economicus). • Inexistência de Externalidades: os tomadores de decisão nunca são pegos de surpresa por um fenômeno ou evento não planejado, o 25 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 que, na vida prática, é quase impossível, levando em consideração possibilidades diversas, como eventos e catástrofes naturais; cenários de crises externas que afetam os cenários locais/nacionais, dentre outros tantos fatores. Essas dimensões são tomadas como pontos a serem criticados por teóricos que compreendem a racionalidade como uma dimensão limitada. Miles e Snow (1978) advogam que as tomadas de decisões, nas organizações, baseiam-se, muitas vezes, em percepções imperfeitas, desmistificando a noção de que as tomadas de decisões e os processos de gestão sempre se alinham em ações exclusivamente ótimas. O modelo racionalista pode apresentar uma série de debilidades e inconsistências. A primeira é a incapacidade de o gestor (operador de políticas públicas) possuir total conhecimento de todas as preferências, valores da sociedade e importâncias, além das próprias debilidades de conhecimento total das ferramentas e das alternativas políticas possíveis para mapear determinadas ações públicas. Tranquilamente, você deve imaginar que é muito difícil o segmento político abdicar dos processos de discussão política, dos jogos de interesse dos partidos, dos segmentos representados, das articulações de grupos de pressão, financiadores, lobistas, ativistas e setores da opinião pública, que fazem parte dos processos de interlocução, construção, execução e avaliação de políticas públicas. Ao mesmo tempo, a segunda questão levantada é que, por mais que possam ser promovidos modelos matemáticos e estatísticos, que busquem predizer os melhores caminhos para determinada escolha, o campo das políticas públicas possui uma gama muito ampla de variáveis (econômicas, sociais, políticas, ambientais, institucionais, tecnológicas etc.), além dos fenômenos que podem afetar (positivamente e negativamente) os processos de elaboração, de implementação, de avaliação e de monitoramento. Você pode se debruçar em outras críticas realizadas ao Modelo Racionalista de políticas públicas. Uma boa indicação de leitura é o livro Teorias da Administração Pública, de Robert Denhardt. 26 Gestão de Políticas Públicas 3.2 MODELO INSTITUCIONALISTA O modelo institucionalista tem, como foco de análise, os processos e os fenômenos produzidos pelas instituições. Compreendem as políticas públicas como resultado das duas dimensões, a partir das instituições políticas. Como destaca Frey (2009), a dimensão institucional está embasada em todas as estruturas do sistema político, delimitada (e delineada) pelo sistema jurídico, além de toda a configuração do sistema político-administrativo. Para grande parte da literatura de abordagem institucionalista de políticas públicas, as dimensões de análise estão assentadas na observação e na compreensão do funcionamento de instituições governamentais. De acordo com Santos (2012), tais estudos buscam a compreensão das instituições em: • Estruturas. • Organizações. • Deveres e funções. Como estrutura, vale apontar que a vertente institucional traça um forte caminho ao se consolidar como uma vertente que se debruça sobre as estruturas políticas, tendo, como foco específico, objetos, como os paradigmas, presentes nos arranjos, que compõem a unidade de um dado sistema político; e as regras (formais – leis, regimentos administrativos; e informais – cultura, normas morais); que subsidiam o funcionamento das instituições políticas. Outra vertente institucional são as organizações em si, abrindo-se um prisma de análise mais específico: busca-se um olhar sobre os modelos organizacionais e como se dão os respectivos funcionamentos. Um destes é a definição do sistema organizacional, como ele é posto em funcionamento. Você já deve ter ouvido falar das organizações burocráticas ou desburocratizadas, das organizações inovadoras ou atrasadas. Outro ponto é a própria finalidade das organizações, e se o funcionamento atende, efetivamente, ao fim proposto. No caso das instituições políticas, muitas análises caminham para compreender se determinado órgão executa ações, deacordo com finalidades institucionais. A terceira dimensão é a dos deveres e das funções das instituições políticas. Está diretamente relacionada aos marcos legais, aos sistemas de normas e de condutas institucionais. Ainda, funcionalidades, presentes em cada tipo de estrutura organizacional, como se manifestam, operam, e qual o papel dos gestores em cada uma delas (SECCHI, 2015). 27 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 Observe a análise de Hood (1986), que pode ser definida como uma tipologia que apresenta o tipo de organização das ferramentas governamentais. Uma abordagem interessante, que insere a perspectiva organizacional no campo da análise de políticas públicas e promove uma síntese (tipologia) a partir de quatro modelos de ação. A tipologia de Hood (1986) passa a ser conhecida, então, como “NATO”, referindo-se às iniciais dos modelos de recursos básicos utilizados pelos agentes governamentais, a partir das características exploradas pelo autor. TIPOS DE ORGANIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS PARA HOOD FONTE: Adaptado de Hood (1986) A nodalidade (nodality) está relacionada à competência de um governo de atuar como um nó (um verdadeiro elo) entre os agentes sociais de uma rede de informações. Um exemplo notório de recursos informacionais são as propagandas do governo contra a violência doméstica. Já o recurso “Tesouro” se refere às transferências do governo (de grande penalidade ou bônus), buscando-se promover ou cercear determinadas ações dos demais agentes (empresas, famílias, instituições etc.). Exemplos: subsídios do governo para produtores rurais, ou taxação de indústrias poluentes. O elemento 28 Gestão de Políticas Públicas “Autoridade” está ligado ao poder fundamental (legal) de existir. Exemplo: atividade de comitês diplomáticos; o exercício do poder de polícia. Por fim, a “Organização”, instrumento de política que define como o governo se planeja, estrutura-se e define os próprios meios de ação. As ações do governo podem ser realizadas por empresas, comunidades, empresas públicas, organizações sociais etc. Para ter acesso ao primeiro capítulo do livro de Hood (1986), basta clicar em http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/ download?doi=10.1.1.678.2664&rep=rep1&type=pdf. Uma lacuna dessa vertente de estudos institucionais é a pouca sistematização a respeito dos impactos das formas institucionais sobre os resultados finais das políticas (policies), de forma que, apesar do papel importante dado à estrutura das instituições, falta uma conexão mais densa entre as formas institucionais (como cada instituição política se organiza e opera) e o conteúdo resultante, em políticas. Você pode perceber que o olhar desse modelo é muito restritivo, cobrindo apenas o âmbito das próprias instituições. Assim, podem ser apontados outros fatores limitantes do modelo institucionalista: • Relações externas às instituições: o foco institucionalista é o âmbito interno de uma instituição política, além do funcionamento. Contudo, o olhar deixa passar despercebidas as diversas variáveis e os fenômenos externos a essas instituições, mas que possuem papel fundamental na compreensão de como surge uma dada política pública. Ex.: Não é apenas observando os fatores organizacionais da polícia militar que você pode compreender por que determinados indicadores de criminalidade aumentam ou diminuem em uma cidade. Fatores, como renda, vulnerabilidade social e sistema jurídico, podem ser predominantes para a compreensão do cenário. • Quem participa dos processos institucionais: outra dimensão pouco abordada no institucionalismo político se refere a que grupos de poder interagem em determinada instituição para que uma política seja produzida (ou não produzida). • Como os agentes participam dos processos institucionais: é válido ressaltar que, para além de quem participa, deve-se ter uma compreensão de como se dá a participação desses atores nos processos institucionais. Algumas políticas surgem como fruto de pressão popular, como a Lei da Ficha Limpa. 29 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 Apesar das latentes brechas do modelo institucionalista de políticas públicas, são inegáveis os avanços e as contribuições que os estudos práticos e teóricos trazem para o campo, inclusive, no que diz respeito ao olhar mais aprofundado para as formas e os modelos organizacionais das instituições políticas. 3.3 MODELO SISTÊMICO O modelo sistêmico de Easton (1953) é baseado na Teoria dos Sistemas. É um dos modelos analítico-teóricos com maior abrangência na literatura de políticas públicas, pois têm, como centralidade, a análise dos processos de planejamento, de construção, de avaliação etc. Um dos avanços do modelo de análise sistêmica é a configuração mais dinâmica, capaz de abranger variáveis e fenômenos externos que influem uma dada política pública analisada. Ao mesmo tempo, o modelo também pontua que uma determinada política pública pode afetar (positiva ou negativamente) outros conjuntos de policies, incorrendo na configuração de um modelo de análise aberto, e que replica a complexidade dos fenômenos sociais contidos nas políticas públicas, que não são implementadas como elementos isolados e sem correlação diante das transformações sociais. Atente-se ao funcionamento do sistema político a partir da compreensão sistêmica: FIGURA 4 – SISTEMA POLÍTICO NA ABORDAGEM SISTÊMICA FONTE: Adaptada de Santos (2012) 30 Gestão de Políticas Públicas Observe que a abordagem sistêmica possui, como elementos fundamentais de análise das políticas públicas, dois fatores: os inputs (as entradas) e os outputs (as saídas). As entradas de um sistema podem ser definidas como aqueles fatores e recursos que subsidiam a ação em prol de uma demanda pública: • Demandas populares (opinião pública): as demandas formadas pela opinião pública, também denominadas de demandas populares, são um elemento que pode interferir ativamente no processo de entradas e de formulação de políticas públicas. O potencial que uma demanda ganha, ao ser reconhecida como pública, acaba pressionando os gestores públicos, para que olhem, de forma mais específica, para essa causa (mesmo quando estes não possuem o interesse de acolhê-la). Isso se dá pelo alto poder de legitimação de causas da opinião pública na conformação da agenda pública (veremos casos mais efetivos no próximo capítulo). • Grupos de pressão específicos: são, no geral, grupos de pressão que reivindicam causas mais especializadas, e que, geralmente, possuem pouca aderência da população. No entanto, alguns desses grupos possuem forte capital social, o que ajuda a promover ações de pressão sobre os tomadores de decisões e a agenda pública. Em alguns casos, os grupos de pressão específicos possuem alto conhecimento das causas e das demandas, tornando-se as fontes para a produção de políticas públicas nas áreas de influência. Ex.: Conselho Federal de Medicina. • Lobby: apesar de não ser institucionalizado no Brasil, o lobby pode ser percebido, efetivamente, como um processo de entrada e de pressão por políticas públicas. É uma atividade de influência que busca interferir diretamente nas decisões de agentes estatais em prol de vantagens diante um determinado cenário. Ex.: empresas agroexportadoras que buscam apoio do governo e redução de burocracias para exportar produtos. • Apoio de atores não estatais: apoios e posicionamentos de outros agentes, não necessariamente, estatais, mas que afetam o cenário de determinadas discussões e agendas públicas. Já as saídas do sistema podem ser definidas como os resultados obtidos a partir do processo de execução da atividade política (politics), do exercício do poder sobre o homem. Como exemplos, podemos lembrar de vários produtosobtidos no cotidiano pela vida política, que vão desde os mais tangíveis e palpáveis até os mais intangíveis e mais difíceis de serem valorados e qualificados: • Deliberações. • Políticas públicas efetivas (saúde, educação, segurança pública). • Regulamentos e normas administrativas. 31 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 O sistema político (withinputs), assim como no modelo institucionalista, também se faz presente na análise sistêmica, como você pôde perceber na figura anterior. Importante destacar que os withinputs são, de acordo com a abordagem de sistemas, todos os instrumentos, processos e fenômenos que compõem o funcionamento do sistema político, este que formula, orienta, executa e avalia as políticas públicas. Estão na centralidade da abordagem, pois, a partir da interação entre o sistema político e as entradas, produzem-se as decisões políticas e as ações (que podem ser efetivas ou não). Um exemplo de como funciona a política pública, de acordo com a abordagem sistêmica, é apresentado por Rua (1997): reclamações e exigências de cidadãos, por bens e serviços, como saúde (as entradas), promovem o insumo, para que o sistema político produza respostas a tais reivindicações por meio de políticas públicas voltadas para a saúde. O “resultado”, entre as entradas e os processos inerentes ao sistema político, não é, de acordo com a abordagem sistêmica, um fim, por si só, do fenômeno dos processos de gestão de policies, isso porque muitas políticas públicas que conhecemos são resultados evidentes do feedback de ações anteriormente já realizadas, e que foram aprimoradas ou reformuladas pelo sistema político. Um exemplo é o Programa Bolsa Família (PBF), uma política federal de transferência de renda e combate à pobreza e desigualdade, criada em 2003. Em 2004, a Lei Federal nº 10.836, de 4 de janeiro, que unificou e reestruturou um conjunto de políticas federais já existente, como o Programa Nacional de Renda Mínima, vinculado à educação (Bolsa Escola); o Programa Nacional de Renda Mínima, vinculado à saúde (Bolsa Alimentação); e o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (Fome Zero) (SOARES; SÁTYRO, 2009; BRASIL, 2021). Em outros casos, o feedback de uma política pública demonstra que, na prática, a existência é inviável, ou que a execução se apresenta totalmente fora de contexto. Daí, você pode perceber a importância de mais esse elemento no ciclo de gestão de políticas públicas. O feedback, no modelo sistêmico, nada mais é que o retorno gerado a partir dos resultados produzidos pela política pública. Logo, retroalimenta o sistema político com informações, visões e análises que subsidiam a produção de novas entradas, ou seja, o subsídio para outros processos de ação política. 32 Gestão de Políticas Públicas Os feedbacks são influenciáveis e produzidos a partir do contexto em que cada sistema político se encontra. Da mesma forma, a definição pode variar, substancialmente, de política pública para política pública, a depender de uma série de fatores ambientais que ajuda a direcionar o debate público e o processo: • Interesse governamental. • Interesse da população. • Opinião pública e grupos de pressão. • Recursos financeiros. A análise do ambiente e das variáveis, que afetam o sistema político, é um exercício importante para ampliar a compreensão, de qualquer gestor de políticas públicas, a respeito de como proceder a partir das dinâmicas existentes no contexto de ação. O gestor público deve romper com toda a noção prescritiva e determinista, que busca reduzir a gestão de políticas públicas aos padrões e aos paradigmas postos como respostas prontas e que sempre geram bons instrumentos de gestão. Outra crítica, realizada por parte da literatura, aos modelos clássicos de políticas públicas, é a da racionalização extrema dos processos analíticos e da aplicação dos conceitos. Outro ponto importante, para que você compreenda o funcionamento do modelo sistêmico, é a sua relação com as escalas, isso porque as entradas do sistema político (inputs) não estão presas a nível nacional, mas podem ser produzidas na esfera internacional (SANTOS, 2012), por meio da ação/ intervenção de agentes, como outros Estados, organismos internacionais, empresas multinacionais ou transnacionais, organizações não governamentais internacionais etc. Cabe apontar a complexidade da análise sistêmica ao propor um referencial que analisa as políticas públicas, incluindo, como partes da análise do sistema político, as dimensões da elaboração de políticas públicas em diferentes etapas, podendo, cada uma, ser analisada de forma especifica, com as suas configurações (HAM; HILL, 1993). Há, ainda, a retroalimentação do sistema político a partir das “saídas” geradas nessas etapas (ESTEVÃO; FERREIRA, 2018). Como denota Santos (2012), o arcabouço sistêmico denota uma série de relações de escalas e 33 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 de sistemas, uma vez que o sistema global/internacional é formado pelos sistemas nacionais dos Estados-nação, e, estes, compostos pelos seguintes subsistemas: • Subsistema econômico (formado pelas relações de produção, investimentos, troca e circulação de bens e de serviços). • Subsistema social (composto pelas relações dos grupos sociais, classe, gênero, etnia, gerações etc.). • Subsistema cultural (dotado de variadas manifestações artísticas, religiosas etc.). • Subsistema político, constituído pelo conjunto das instituições do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, além das instituições de representação de interesses, da administração pública e das forças de segurança pública. Nesse último subsistema (o político), os inputs de demanda e de apoio de entrada se estruturam e se dinamizam, produzindo as variadas formas de sistemas políticos (withinputs) e os resultados destes. Apesar de apresentar uma dinâmica complexa de sistemas, fenômenos e conceitos, o modelo sistêmico também sofre algumas críticas quanto a debilidades. A primeira delas, que podemos enumerar, é a forte tendência reducionista, a partir da qual o modelo apresenta processos complexos e que envolvem uma série de atores. Nem sempre esses processos seguem caminhos lineares. A segunda debilidade é exposta por Santos (2012), sendo a fragilidade crítica de alguns conceitos da teoria sistêmica. Um exemplo é o conceito de “entradas” (inputs). Não se reconhece uma ampla gama de fenômenos existentes no processo de elaboração de políticas públicas, como “manipulação de linguagem, criação de crises, imposição de agendas para autoridades ou, até mesmo, simulação de políticas” (SANTOS, 2012, p. 71). Outra questão se refere ao fato de a análise sistêmica enfatizar os processos de conversão de “entradas” em “saídas” no âmbito do sistema político (ou seja, os processos de tomada de decisões). Contudo, na prática, a vertente pautada nos sistemas acaba ofertando pouca atenção, ao comparar as dinâmicas da esfera política com as entradas (demandas e apoios externos) (HAM; HILL, 1993). Tal noção passa a impressão de que o sistema político, em si, não produz as próprias demandas e os apoios externos, o que, na prática, não é verdade. O modelo de análise das políticas públicas, a partir do sistema no qual se insere, possui, como fator positivo, o olhar mais amplo sobre o cenário em que determinado campo de forças se delineia. Em outras palavras, o modelo sistêmico adquire um olhar mais abrangente, contemplando as dimensões externas, que envolvem e afetam o cenário analisado das políticas públicas, o que, na prática, traz uma análise mais ampla e realista do complexo cenário de interlocuções e de interações de formulação das policies. 34 Gestão de Políticas Públicas 3.4 MODELO GESTÃO DE PROCESSOS A Gestãode Políticas Públicas por Processos tende a perceber todas as atividades voltadas para a intervenção de problemas públicos, como processos. Deve-se ter em mente que o ponto principal desse modelo teórico é i conjunto de passos que determina uma dada política pública. Importante ressaltar que a vertente de políticas públicas, que adota uma visão processual, guarda dois elementos comuns: a noção de ações coordenadas entre si, a partir da relação de diferentes tipos de atores e de instituições; e estes, que podem estabelecer redes (formais ou não formais), a depender dos contextos em que se inserem os processos em questão (ALMEIDA; GOMES, 2018), ou seja, as ações processuais seguem forma “determinada” para o comprimento de uma política, e, sobre essas etapas do processo, busca-se compreender, analisar, inferir melhorias. Dessa forma, o modelo processual de políticas públicas assume a construção das policies por meio de etapas interligadas, a partir de aprimoramentos e de práticas em escala contínua, nos procedimentos organizacionais (DA PAZ; BERMEJO; SILVA, 2020). Logo, independentemente de qual política estamos tratando, sempre serão interligadas, por constituírem parte de um mesmo continuum: a formulação de uma política pública. A estrutura de processos mais adotada, nos estudos e na promoção prática de políticas públicas, será sintetizada a seguir: FIGURA 5 – ESQUEMA DE ATIVIDADES DO MODELO DE GESTÃO DE PROCESSOS FONTE: Adaptada de Santos (2012) 35 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 “Identificação dos problemas”: é a fase na qual se determina um dado fenômeno como objeto de ação e intervenção públicas. A partir do olhar processual, é necessário frisar que, a partir da identificação, todos os demais passos processuais são balizados, uma vez que a definição, por exemplo, de um problema público, como emergencial, pode gerar um processo que deve receber atenção e discussão no âmbito da sociedade, atingindo possibilidade de legitimação (ou não) e rapidez na execução. Em síntese, Dunn (2015) explica que a maneira como um problema público é determinado molda toda a maneira de se buscarem propostas de soluções. “Formulação de Propostas, ou da Agenda de Proposta”: é a fase em que se determinam quais são os caminhos a serem traçados pelos policymakers para a resolução do problema definido anteriormente. Note que esse processo é inteiramente ligado ao anterior, e a definição passa pela compreensão de como determinado problema público atinge ou não a sociedade. “Legitimação da Política”: momento em que, a partir da construção coletiva (participação) ou da determinação tecnicista, uma determinada política é traçada como caminho. Muitas vezes, esses elementos se misturam em uma mesma política pública, tendo, esta, elementos legitimados pela formulação coletiva de propostas, contendo outros elementos de caráter estritamente tecnicista ou burocrático. “Implementação da Política”: como o próprio nome sugere, é a fase na qual se executam, de fato, as ações anteriormente discutidas e planejadas, a respeito do problema previamente definido. Esse processo pode ocorrer de diferentes formas, e nós as veremos, de forma mais detalhada, no Capítulo 2. A “Avaliação” é a fase em que os tomadores de decisões públicas devem averiguar os resultados obtidos com a implementação da política. A avaliação, como parte processual, deve considerar as dimensões positivas e negativas da ação/intervenção, e propor possíveis soluções e melhorias a partir dos passos formulados (agenda proposta). Tais etapas podem ser associadas ao Ciclo de Políticas Públicas (CPP), que veremos mais à frente, no próximo capítulo. Na verdade, o CPP é um exemplo (se não, o mais famoso e discutido) do arcabouço teórico produzido com base em uma visão processual do campo das análises de políticas públicas (policies analysis). A principal limitação do modelo processual é o direcionamento para as etapas e as atividades que fazem parte da construção de uma política pública, o que nos permite conhecer, mais a fundo, as dimensões que delineiam a formulação, a 36 Gestão de Políticas Públicas implementação e a avaliação. Contudo, deixa-se de considerar outras dimensões, como o próprio conteúdo da política (DYE, 1992; SANTOS, 2012). 3.5 MODELO DA TEORIA DE GRUPO O modelo baseado na “Teoria de Grupo” apresenta o conceito de política como se esta fosse um “[...] processo de obtenção de equilíbrio entre os interesses de diferentes grupos” (SANTOS, 2012, p. 62). Logo, a principal chave analítica desse modelo é a forma como determinados grupos sociais se relacionam, além dos resultados das interações, que se manifestam em políticas públicas. Grupos são organizações de interesses afins, que pressionam os governos para o atendimento a várias demandas. As principais dimensões da abordagem da Teoria de Grupo são as interações políticas, como elas ocorrem e entre quais atores sociais. Um conceito importante a ser definido, nesse sentido, é que tais relações ocorrem em um espaço determinado: na arena pública. Essa arena pública, ou “policy arena” (conceito em inglês), não deve ser confundida apenas com o espaço de reuniões públicas, onde as políticas públicas são debatidas ou votadas. A “policy arena” é um conceito trazido por Lowi (1985), e se refere ao processo de interação entre os grupos sociais diante determinada política e os respectivos interesses. A “policy arena” “[...] se refere, portanto, aos processos de conflito e de consenso dentro das diversas áreas de política“ (FREY, 2009, p. 223). Assim, a Teoria de Grupos está diretamente ligada à tipologia, que será apresentada na próxima seção: as políticas distributivas, redistributivas, regulatórias e constitutivas. Em cada um desses modelos de políticas, os grupos sociais possuem uma dinâmica de interação, a depender, principalmente, de dois fatores: 1) os custos que cada grupo adquire com determinada política; e 2) os lucros que determinada política oferecem para cada grupo. A respeito do funcionamento específico de cada um desses segmentos de políticas, trataremos, mais à frente, ao abordarmos a Tipologia de Lowi (1964). Por hora, torna-se mais importante ressaltarmos outro elemento que fundamenta o modelo de análise da Teoria dos Grupos nas políticas públicas: o “policy networks”. Entendem-se, como “policy networks”, os processos de diferentes relações e diálogos que envolvem as instituições do Estado (Judiciário, Legislativo, Executivo) e as da sociedade civil (organizações sociais, movimentos sociais e grupos de pressão) nos processos de formulação e de execução das políticas 37 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 públicas (FREY, 2009). A formalização desses grupos está ligada ao processo de articulação entre setores sociais, estes que buscam materializar interesses e demandas em ações acolhidas pelos entes governamentais (CAPELLA; BRASIL, 2015). Outros processos em grupos menores e com ação mais focalizada são conceituados como “issue networks” (FREY, 2009). Os “issue networks” são, também, denominados, na literatura brasileira, como redes temáticas. A permanência dos agentes é mais significativa e instável do que nos “policy networks”, tendo, como forma relacional, uma ampla gama de níveis de comprometimento e de interdependência. Se você tiver interesse em conhecer mais os conceitos de “policy networks” e de “issue networks”, além de outros relacionados, como “triângulo de ferro” e “policy communities”, recomendamos um ótimo artigo a respeito do tema: Análise de Políticas Públicas: Uma Revisão da Literatura Sobre o Papel dos Subsistemas, Comunidades e Redes, escrito por Ana Cláudia N. Capella e Felipe Gonçalves Brasil. Está disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002015000100057. 3.6 MODELO DA TEORIA DOS JOGOS A Teoria dos Jogos surge como um campo de análise dos problemas de interação entre diferentes agentes econômicos. A decisão de cada agente (governo, firma ou indivíduo) acaba afetando e é afetada pelas decisões dos demais agentes envolvidos no processo (VASCONCELLOS, 2009). O modelo da Teoria dos Jogos foca, então, nas situações em que as escolhas dos indivíduos e os resultados destas são interdependentes (SANTOS, 2012). Na análise prática, é como se fosse um “jogo”, no qual os participantes, com interesses variados, são modelados pelas regras estabelecidas em cada contexto. Nesse sentido, o resultado de cada jogador depende das escolhas realizadas por cada um. Logo, em cada situação, o modelo da Teoria dos Jogos, para a análise de políticas públicas, é constituído das seguintes dimensões: 1) agentes, que determinam as próprias escolhas; 2) conjunto de ações disponível para cada agente; 3) informações, que podem subsidiar as escolhas e os interesses das ações de cada agente; e, 4) resultados finais das escolhas de cada agente (payoffs) (VASCONCELLOS, 2009). 38 Gestão de Políticas Públicas Os resultados, também denominados de payoffs, são um dos pontos primordiais da análise de jogos para a política pública, pois determinam os efeitos e as repercussões oriundos da escolha de determinado jogador. Afinal de contas, a partir de uma gama de possibilidades, de ações, qual é o possível resultado efetivo de cada uma dessas possibilidades? Retornaremos a essa questão logo mais, mas, antes de nos aprofundarmos um pouco na análise do modelo aplicado à gestão de policies, torna-se relevante apresentar a matriz de possibilidades clássica da Teoria dos Jogos, também denominada de “Dilema dos Prisioneiros”: QUADRO 1 – MATRIZ A DETERMINANTE DE RESULTADOS DO “DILEMA DOS PRISIONEIROS” Prisioneiro A Alternativa A1 Alternativa A2 Prisioneiro B Alternativa B1 Resultado A1B1 Resultado A2B1Alternativa B2 Resultado A1B2 Resultado A2B2 FONTE: O autor Considere uma situação na qual dois prisioneiros cometem determinados crimes juntos, e, para obter a confissão de cada um deles, o policial separa os dois, interrogando um por vez, de forma separada, estando, estes, incomunicáveis. Logo, algumas alternativas básicas, para cada um dos prisioneiros, são: um confessar o crime e, o outro, não; os dois confessarem; ou, então, nenhum dos dois confessar os crimes. As regras de punição, diante de tais delitos, são: se um confessar o crime, e, o outro, não, o que confessa ganha liberdade imediata, e o outro pega 10 anos de prisão. Já para o prisioneiro que não confessa o crime, ganha um ano de prisão, uma vez que, não existindo provas suficientes, logo, deve ser solto. Caso ambos confessem o crime, são condenados a três anos de prisão. Diante das regras estabelecidas, a matriz determinante de resultados dos prisioneiros ficaria da seguinte forma: QUADRO 2 – MATRIZ B DETERMINANTE DE RESULTADOS DO “DILEMA DOS PRISIONEIROS” Prisioneiro A Confessa Não Confessa Prisioneiro B Confessa ( - 3; - 3) ( - 10; 0) Não Confessa ( 0; - 10) ( - 1; - 1) FONTE: Adaptado de Vasconcellos (2009) 39 Conceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas PúblicasConceitos, Dimensões E Tipologias De Políticas Públicas Capítulo 1 Os números entre parênteses são os valores referentes aos números de anos de prisão, de acordo com a alternativa de cada prisioneiro. Os sinais negativos representam as penalidades possíveis. A partir do quadro anterior, pôde-se evidenciar que a estratégia “não confessa/ não confessa” seria a melhor para ambos os prisioneiros, mas, notando que os prisioneiros estão isolados e sem a possibilidade de comunicação, é razoável supormos que o prisioneiro A possa pensar no seguinte: caso o prisioneiro B confesse, a melhor estratégia para o prisioneiro A é confessar também, fugindo da pena de 10 anos de prisão, com direito a três. No entanto, caso o prisioneiro B não confesse a participação, a melhor possibilidade de ação, para A, é confessar. Assim, A fica livre de pegar prisão. Logo, pode-se concluir que a melhor estratégia do jogador A é confessar, dadas as regras impostas no cenário em questão e as possíveis estratégias de B. A chave da reflexão de alternativas em questão vale para o prisioneiro A e para o B. Então, podemos resumir que a melhor estratégia do jogador B é, igualmente, confessar. Resumindo a questão: confessar é a estratégia dominante, pois é a melhor saída para ambos. Chegamos, então, ao desfecho do jogo, no qual ambos confessam. O resultado não se apresenta tão interessante para ambos os prisioneiros, pois ambos ganham três anos de penalidade. Trata-se, aí, de um resultado centrado na denominada estratégia ótima, dada a estratégia adotada pelo outro jogador. Como destaca Vasconcellos (2009), esse resultado é denominado, na economia, de “Equilíbrio de Nash”. John Nash foi ganhador do Prêmio Nobel de Economia, em 1994. Matemático de formação, tornou-se referência na “Teoria dos Jogos”, com o “Equilíbrio de Nash”. Apesar de não ter o interesse direto de auxiliar, é possível que a busca individual de alguns agentes, pela melhor solução, possa promover uma situação de jogo na qual os próprios agentes formulam uma condição de estabilidade, a partir da qual se busca a segurança de reduzir grandes riscos para si, evitando quaisquer comportamentos que alterem, drasticamente, o cenário de estabilidade. 40 Gestão de Políticas Públicas Um dos conceitos guardados para a opção de adotar a estratégia máxima é a capacidade de os indivíduos buscarem “maximizar a probabilidade de perda mínima”. Termo que também pode ser compreendido como maximim (SANTOS, 2012). A dimensão posta em questão é a possibilidade que cada prisioneiro tem de reduzir as próprias chances de ser condenado aos 10 anos de prisão, dessa forma, mesmo havendo a possibilidade de comunicação entre os prisioneiros, ainda, há o medo de um dos lados trair o outro. Agora, voltando para o campo da gestão de políticas públicas, o modelo da Teoria dos Jogos auxilia na compreensão das possibilidades de ação dos agentes envolvidos em uma determinada situação. O caso anterior é um exemplo clássico de jogo estático, e não comporta toda a dinâmica do processo de escolha das decisões políticas, como observam Almeida (2003) e Vasconcellos (2009). Outras modelagens da Teoria dos Jogos podem servir para situações mais dinâmicas, como a partir de cenários de informação imperfeita e de compreensão das relações de poder entre agentes que atuam sob diferentes cenários. A teoria do sociólogo alemão Nobert Elias (2005) avança, nesse sentido, ao influir a dimensão do poder nos processos, que, inevitavelmente, está presente nas relações dos agentes e nas tomadas de decisão. Ao mesmo tempo, há a agregação de interesses individuais, que corrobora para a manifestação de novas tomadas de decisão, e, consequentemente, de poder. Dependemos dos outros; os outros dependem de nós. Na medida em que somos mais dependentes dos outros do que eles são de nós, em que somos mais dirigidos pelos outros do que eles são por nós, estes têm poder sobre nós, quer nos tenhamos tornado dependentes deles pela utilização que fizeram da força bruta ou pela necessidade de dinheiro, de cura, de estatuto, de uma carreira ou, simplesmente, de estímulo (ELIAS, 2005, p. 101). Elias (2005) inova, ao desmistificar a maneira rígida e estratificada de se compreender o arcabouço teórico dos jogos. Ao mesmo tempo, contribui para uma aproximação entre o campo e as ciências sociais, ao relacionar os processos de tomadas de decisão como dinâmicas complexas e que dependem, efetivamente, de especificidades, causadas pela própria dinâmica da vida social. Um cidadão, apesar de possuir uma gama de escolhas e de liberdades, também é dependente de uma série de escolhas tomadas, de decisões de gabinetes,
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