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Farmacologia dos Eicosanóides 41 David M. Dudzinski e Charles N. Serhan Introdução Caso Fisiologia do Metabolismo do Ácido Araquidônico Geração do Ácido Araquidônico Via da Ciclooxigenase Prostaglandinas Tromboxano e Prostaciclina Via da Lipoxigenase Leucotrienos Lipoxinas Via da Epoxigenase Isoprostanos Inativação Metabólica dos Eicosanóides Locais Esquema Integrado da Inflamação Fisiopatologia Asma Doença Intestinal Inflamatória Artrite Reumatóide Glomerulonefrite Câncer Doença Cardiovascular Classes e Agentes Farmacológicos Inibidores da Fosfolipase Inibidores da Ciclooxigenase Inibidores Não-Seletivos Tradicionais: AINE Acetaminofeno Seleção do AINE Apropriado Inibidores da COX-2 Compostos Miméticos dos Receptores de Prostanóides Antagonistas do Tromboxano Inibição dos Leucotrienos Inibição da Lipoxigenase Inibição da Proteína de Ativação da 5-Lipoxigenase (FLAP) Inibidores da Síntese de Leucotrienos Antagonistas dos Receptores de Leucotrienos Lipoxinas, Lipoxinas Desencadeadas pela Aspirina (ATL) e Análogos Estáveis de Lipoxina Conclusão e Perspectivas Futuras Leituras Sugeridas INTRODUÇÃO Os autacóides são substâncias rapidamente sintetizadas em resposta a estímulos específicos e que atuam rapidamente no próprio local de síntese, só permanecendo ativas por um cur- to período antes de sua degradação. Os eicosanóides repre- sentam uma família quimicamente distinta de autacóides derivados do ácido araquidônico. As pesquisas sobre os eico- sanóides continuam revelando funções críticas na fisiologia cardiovascular, inflamatória e reprodutiva. Numerosas inter- venções farmacológicas nas vias dos eicosanóides — inclu- indo os agentes antiinflamatórios não-esteróides (AINE), os inibidores da ciclooxigenase-2 (COX-2) e os inibidores dos leucotrienos — mostram-se úteis no manejo clínico atual da inflamação, da dor e da febre. Em vista das bioatividades variadas dos eicosanóides, as futuras pesquisas de fisiologia e farmacologia dos eicosanóides poderão levar ao desen- volvimento de novas formas de terapia para o tratamento de distúrbios inflamatórios, doenças auto-imunes, asma, glomerulonefrite, câncer, transtornos do sono e doença de Alzheimer. nn Caso A Sra. D, uma mulher branca de 57 anos de idade, procura o médico com queixas de dores articulares e fadiga crônica. A história revela rigidez e dores articulares generalizadas, sobretudo nas primeiras horas da manhã, e dor na articulação metatarsofalangiana esquerda de três semanas de duração. O médico recomenda à Sra. D tomar ibuprofeno quando necessário, e esse medicamento produz alívio da dor durante algum tempo. Dois anos depois, a Sra. D tem indigestão e alguns episódios isolados de vômito semelhante a “borra de café”. O médico soli- cita uma endoscopia gastrintestinal superior, que revela erosão da mucosa gástrica e hemorragia. Com base nesse achado, o médico aconselha a Sra. D a interromper o tratamento com ibuprofeno. Ele também está preocupado com a progressão recente da rigidez e dores articulares da Sra. D e a encaminha a uma clínica de reu- matologia. A Sra. D relata então ao reumatologista que a dor vem progredindo, acometendo ambos os pés, as mãos, os punhos, os cotovelos, algumas vértebras cervicais e o quadril esquerdo. Nesses últimos meses, a paciente percebeu certa dificuldade em realizar as tarefas domésticas básicas e tem evitado qualquer atividade físi- ca. As articulações metacarpofalângicas e interfalângicas proximais Farmacologia dos Eicosanóides | 699 de ambas as mãos estão inchadas, hipersensíveis e quentes. Há nódulos cutâneos aparentes na superfície extensora de ambos os antebraços. Os exames de laboratório revelam elevação da velo- cidade de hemossedimentação (VHS), hematócrito baixo e fator reumatóide positivo (um imunocomplexo formado pela IgM e IgG auto-reativa produzido nas articulações). O aspirado de líquido sino- vial é notável pela leucocitose. Como esse quadro está relacionado com um diagnóstico de artrite reumatóide, a Sra. D começa um ciclo de colecoxibe (um inibidor seletivo da COX-2), etanercepte (um antagonista do TNF-�) e prednisona (um glicocorticóide). Nos próximos meses, a dor, a tumefação e a hipersensibilidade das articulações da Sra. D dimi- nuem nitidamente. A função articular das mãos é restabelecida, e a Sra. D é capaz de reassumir alguma atividade física. QUESTÕES n 1. Por que o ibuprofeno foi suficiente para controlar os sinto- mas iniciais da Sra. D? Explique o fundamento lógico para a interrupção do ibuprofeno. n 2. Quais as vantagens e as limitações de cada uma das classes de fármacos às quais pertencem o celecoxibe, o etanercepte e a prednisona? FISIOLOGIA DO METABOLISMO DO ÁCIDO ARAQUIDÔNICO Os eicosanóides estão criticamente envolvidos em diversas vias metabólicas, que desempenham funções diversificadas na inflamação e sinalização celular. Todas essas vias dependem de reações que envolvem o metabolismo do ácido araquidônico (Fig. 41.1). A seção adiante analisa as etapas bioquímicas que levam à síntese de ácido araquidônico e, em seguida, discute as vias de ciclooxigenase, lipoxigenase, epoxigenase e isopros- tano do metabolismo do ácido araquidônico. GERAÇÃO DO ÁCIDO ARAQUIDÔNICO O ácido araquidônico (ácido cis-,cis-,cis-,cis-5,8,11,14-eico- satetraenóico), o precursor comum dos eicosanóides, deve ser biossintetizado a partir do precursor de ácido graxo essencial, o ácido linoléico (ácido cis-,cis-9,12-octadecadienóico), que só pode ser obtido a partir da dieta. No interior da célula, o ácido araquidônico não ocorre na forma de ácido graxo livre, porém é esterificado na posição sn2 dos fosfolipídios de membrana, pre- dominantemente a fosfatidilcolina e a fosfatidiletanolamina. O ácido araquidônico é liberado dos fosfolipídios celulares pela enzima fosfolipase A2 (Fig. 41.1), que hidrolisa a ligação acil éster. Essa reação importante, que representa a primeira etapa na cascata do ácido araquidônico, constitui a etapa que determina a velocidade global no processo de geração dos eicosanóides. Existem isoformas da fosfolipase A2 ligadas à membrana e solúveis, classificadas em fosfolipase secretora (sPLA2) e fosfo- lipase citoplasmática (cPLA2), respectivamente. As isoformas da fosfolipase A2 são diferenciadas com base no seu peso mole- cular, sensibilidade ao pH, características de regulação e de inibição, necessidade de cálcio e especificidade de substrato. A existência de múltiplas isoformas permite que a regulação estri- ta da enzima em diferentes tecidos produza respostas biológicas seletivas. As isoformas da fosfolipase A2 importantes na infla- mação são estimuladas por citocinas, como TNF-�, GM-CSF e IFN-�; fatores de crescimento, como fator de crescimento da epiderme (EGF); e a cascata da MAP cinase-proteinocina- se C (MAPK-PKC). Embora se acreditasse a princípio que os glicocorticóides tivessem a capacidade de inibir diretamente a atividade da fosfolipase A2, já se sabe, hoje em dia, que os glicocorticóides atuam ao induzir a síntese de lipocortinas, uma família de proteínas reguladoras da fosfolipase A2. Uma das lipocortinas, a anexina 1, medeia algumas das ações antiin- flamatórias dos glicocorticóides (ver adiante). VIA DA CICLOOXIGENASE O ácido araquidônico intracelular não-esterificado é rapida- mente convertido pelas enzimas ciclooxigenase, lipoxigenase ou epoxigenase do citocromo; a enzima específica envolvida é que determina a classe específica de eicosanóides locais produ- zidos. A via da ciclooxigenase leva à formação de prostaglandi- nas, prostaciclina e tromboxanos; as vias da lipoxigenase levam aos leucotrienos e lipoxinas; e as vias da epoxigenase levam à produção de ácidos epoxieicosatetraenóicos (Fig. 41.1). As ciclooxigenases (também conhecidas como prosta- glandina H sintases) são enzimas glicosiladas, homodiméricas, ligadas à membrana e que contêm heme, sendo ubíquas nas células animais, desde invertebrados até os seres humanos. Nos seres humanos,são encontradas duas isoformas da ciclooxi- genase, designadas como COX-1 e COX-2. Embora a COX- 1 e a COX-2 compartilhem uma homologia de seqüência de 60% e possuam estruturas tridimensionais quase superpostas, os genes localizam-se em diferentes cromossomos, e as enzi- mas diferem quanto a seu perfil celular, genético, fisiológico, Fig. 41.1 Visão geral das vias do ácido araquidônico. A fosfolipase A2 atua sobre os fosfolipídios fosfatidilcolina (PC), fosfatidiletanolamina (PE) e fosfatidilinositol (PI), liberando ácido araquidônico. A seguir, o ácido araquidônico não-esterificado é utilizado como substrato para as vias da ciclooxigenase, lipoxigenase e epoxigenase. As vias da ciclooxigenase produzem prostaglandinas, prostaciclina e tromboxano. As vias da lipoxigenase produzem leucotrienos e lipoxinas. A via da epoxigenase produz ácidos epoxieicosatetraenóicos (EET). A peroxidação não-enzimática do ácido araquidônico também pode produzir isoprostanos. A fosfolipase A2 cliva a ligação éster indicada pela seta, liberando ácido araquidônico. COOH O O O P O O O- R Araquidonato Acil Fosfolipídios R = colina ou etanolamina Sítio de clivagem Epoxigenases do citocromo P450 Ácido araquidônicoIsoprostanos Não-enzimática Ácidos epoxieicosa- tetraenóicos (EET) Prostaglandinas Prostaciclina Tromboxano Lipoxinas Leucotrienos Vias da Lipoxigenase Vias da Ciclooxigenase Fosfolipase A2 700 | Capítulo Quarenta e Um patológico e farmacológico (Quadro 41.1). Cada ciclooxige- nase catalisa duas reações seqüenciais. A primeira reação (da ciclooxigenase) é a ciclização dependente de oxigênio do ácido araquidônico à prostaglandina G2 (PGG2); a segunda reação (da peroxidase) consiste na redução da PGG2 a PGH2. Em conseqüência das diferenças na sua localização celu- lar, perfil de regulação, expressão nos tecidos e exigência de substrato, a COX-1 e a COX-2 produzem, em última análi- se, diferentes conjuntos de produtos eicosanóides, que estão envolvidos em duas vias diferentes. Acredita-se que a COX-1 constitutivamente expressa atue em atividades fisiológicas ou de “manutenção”, como homeostasia vascular, manutenção do fluxo sangüíneo renal e gastrintestinal, função renal, prolifera- ção da mucosa intestinal, função plaquetária e antitrombogê- nese. Diversas funções especializadas ou “convocadas quando necessário” são atribuídas à enzima COX2 induzível, incluin- do funções na inflamação, febre, dor, transdução de estímulos dolorosos na medula espinal, mitogênese (particularmente no epitélio gastrintestinal), adaptação renal a estresses, deposição de osso trabecular, ovulação, placentação e contrações uteri- nas no trabalho de parto. O papel da expressão constitutiva da COX-2 em determinadas áreas do sistema nervoso, como o hipocampo, o hipotálamo e a amígdala, ainda não foi elu- cidado. Os estudos cinéticos de proteínas sugerem que pode existir uma terceira isoforma da ciclooxigenase funcional. A suposta isoforma COX-3 pode ser um produto do mesmo gene da COX-1, porém com diferentes características protéicas, possivelmente devido a uma junção (splicing) alternativa do mRNA ou modi- ficação pós-tradução. Além disso, a COX-3 pode constituir um alvo de ação potencial do acetaminofeno. Entretanto, a prova definitiva da existência da COX-3 permanece intangível. Prostaglandinas As prostaglandinas formam uma grande família de compos- tos estruturalmente semelhantes, tendo, cada um deles, ações biológicas poderosas e específicas. O nome da família provém de sua identificação inicial no sistema geniturinário de machos de carneiro. Todas as prostaglandinas compartilham uma estru- tura química, denominada prostanóide, que consiste em um ácido carboxílico de 20 carbonos contendo um anel de ciclo- pentano e um grupo hidroxila (Fig. 41.2). As prostaglandinas são divididas em três subséries princi- pais: PG1, PG2 e PG3. O algarismo subscrito indica o número de ligações duplas existentes na molécula. A série de PG2 é a mais prevalente, visto que constituem derivados diretos do ácido ara- QUADRO 41.1A Comparação da COX-1 e da COX-2 PROPRIEDADE COX-1 COX-2 Expressão Constitutiva Induzível; normalmente não está presente na maioria dos tecidos Constitutivas em certas partes do sistema nervoso Localização tecidual Expressão ubíqua Tecidos inflamados e ativados Localização celular Retículo endoplasmático RE e membrana nuclear Seletividade do substrato Ácido araquidônico, ácidos eicosapentaenóicos Ácido araquidônico, �-linolenato, �-linolenato, linolenato, ácidos eicosapentaenóicos Função Funções de proteção e de manutenção Funções proinflamatórias e mitogênicas Indução Em geral, nenhuma indução A hCG pode supra-regular a COX-1 no âmnio Induzida por LPS, TNF-�, IL-1, IL-2, EGF, IFN-� O mRNA aumenta 20 a 80 vezes com a indução Regulada dentro de 1 a 3 horas Inibição Farmacológica: AINE (aspirina em baixa dose) In vivo: Glicocorticóides antiinflamatórios, IL-1�, IL-4, IL-10, IL-13 Farmacológica: AINE, inibidores seletivos da COX-2 QUADRO 41.1B Principais Efeitos Adversos dos Inibidores Não-Seletivos da COX e dos Inibidores Seletivos da COX-2 EFEITO ADVERSO INIBIDORES NÃO-SELETIVOS DA COX (AINE) INIBIDORES SELETIVOS DA COX-2 Ulceração gástrica Sim Sim* Inibição da função plaquetária Sim Não Inibição da indução do trabalho de parto Sim Sim Comprometimento da função renal Sim Sim Reação de hipersensibilidade Sim ? *A toxicidade gastrintestinal dos inibidores seletivos da COX-2 pode ser menor que a dos inibidores não-seletivos da COX. COOH OH Arcabouço de prostanóide Fig. 41.2 Estrutura do prostanóide. A estrutura genérica do prostanóide é um ácido carboxílico de 20 carbonos com um anel de ciclopentano e um grupo 15-hidroxila. Todas as prostaglandinas, os tromboxanos e as prostaciclinas derivam dessa estrutura comum. Farmacologia dos Eicosanóides | 701 quidônico, um ácido eicosatetraenóico. A série de PG1 deriva do precursor do ácido araquidônico, o ácido diomo-�-linolênico (DHGLA), um ácido eicosatrienóico, enquanto a série de PG3 deriva de um ácido eicosapentaenóico (EPA). A prostaglandina PGH2 representa a junção crítica da via da ciclooxigenase (Fig. 41.3), visto que se trata do precursor da PGD2, PGE2, PGF2�, tromboxano A2 (TxA2) e prostaciclina (PGI2). A distribuição desses eicosanóides em vários tecidos é COOH OOH O O COOH OH O O COOH OH COOH O HO OH O COOH O OH O COOH OH HO OHHO HO O COOH Ácido araquidônico Hidrólise Hidrólise não-enzimática Inativo Inativa AINE, inibidores da COX-2 COX-1 e COX-2: atividade da ciclooxigenase A vasodilatação inibe a agregação plaquetária Vasoconstrição Ativação das plaquetas A contração do músculo liso inibe a agregação plaquetária Contração do músculo liso Broncoconstrição Aborto Vasodilatação Hiperalgesia Febre Diurese Imunomodulação IP COX-1 e COX-2: atividade de peroxidase PGE2 isomerase (macrófagos, mastócitos) PGD2 isomerase (cérebro, mastócitos) Prostaciclina sintase (endotélio) PGF2α redutase (útero, pulmão) Tromboxano sintase (plaquetas) PGG2 PGH2 PGD2 PGE2 TxB2 TxA2 OH COOH HO O OH COOH HO HO PGI2 6-ceto-PGF1α PGF2α OHHO O COOH DP FP EP2 EP3 EP1 EP4 TPAntagonistas do tromboxano Fig. 41.3 Biossíntese, função e inibição farmacológica das prostaglandinas. A figura mostra as vias de biossíntese das prostaglandinas, prostaciclina e tromboxano a partir do ácido araquidônico. Observe que a expressão das enzimas, específica do tecido, determina os tecidos onde são sintetizados os vários produtos de PGH2. Os AINE e os inibidores da COX-2 constituem as classes mais importantes de fármacos que modulam a produção de prostaglandinas. Os antagonistas do tromboxano e os inibidores da PGE2 sintase representam estratégias farmacológicas promissoras que, no momento atual, estão em fase de desenvolvimento. COX, ciclooxigenase; PG, prostaglandina; Tx, tromboxano;DP, receptor de PGD2; EP, receptor de PGE2; FP, receptor de PGF2�; IP, receptor de PGI2; TP, receptor de TxA2; AINE, antiinflamatório não-esteróide. 702 | Capítulo Quarenta e Um determinada pelo padrão de expressão das diferentes enzimas envolvidas na síntese de prostaglandinas (i. é, PG sintases). As prostaglandinas são importantes em muitos processos fisiológicos cuja maioria não está diretamente relacionada com a inflamação. Todas essas funções estão indicadas no Qua- dro 41.2. Observe especialmente as importantes funções de manutenção da PGE2, amplamente designadas como funções citoprotetoras, em que determinados órgãos, como a mucosa gástrica, o miocárdio e o parênquima renal, são protegidos dos efeitos da isquemia pela vasodilatação e regulação do fluxo sangüíneo mediadas pela PGE2. A PGE2 também está envolvida na ativação das células inflamatórias, e a PGE2 que é biossinte- tizada pela COX-2 e PGE2 sintase em células situadas próximo ao hipotálamo parece desempenhar um papel na febre. Tromboxano e Prostaciclina As plaquetas expressam altos níveis da enzima tromboxano sin- tase, mas não possuem prostaciclina sintase. Por conseguinte, o TxA2 constitui o principal produto eicosanóide das pla quetas. O TxA2 possui meia-vida de apenas 10 a 20 segundos antes de sofrer hidrólise não-enzimática a TxB2 inativo. O TxA2, cuja sinalização ocorre através de um mecanismo Gq acopla- do à proteína G que atravessa sete vezes a membrana, é um potente vasoconstritor e promotor da aderência e agregação plaquetárias. Em contrapartida, o endotélio vascular carece de tromboxano sintase, porém expressa a prostaciclina sintase. Por conseguinte, a PGI2 constitui o principal produto eicosanóide do endotélio vascular. A PGI2, cuja sinalização ocorre através de Gs, atua como vasodilatador, venodilatador e inibidor da agregação plaquetária. Em outras palavras, a PGI2 é um antago- nista fisiológico do TxA2. As propriedades vasodilatadoras da PGI2, assim como aquelas da PGE2, também conferem proprie- dades citoprotetoras. O TxA2 é um vasoconstritor e ativador plaquetário relati- vamente mais potente do que a PGI2 como vasodilatadora e inibidora das plaquetas. Por conseguinte, o equilíbrio local entre os níveis de TxA2 e PGI2 é crítico na regulação da pressão arterial sistêmica e trombogênese. Qualquer desequilíbrio pode levar ao desenvolvimento de hipertensão, isquemia, trombose, coagulopatia, infarto do miocárdio e acidente vascular cere- bral. Em certas populações das latitudes setentrionais (incluin- do populações inuítes, da Groenlândia, Irlanda e Dinamarca), a incidência de doença cardíaca, acidente vascular cerebral e distúrbios tromboembólicos é menor do que nas populações do sul. A dieta dessas populações setentrionais é mais rica em óleos de baleia e de peixe e, em conseqüência, contém quantidades relativamente menores de precursores do ácido araquidônico, porém quantidades relativamente maiores de EPA. De modo análogo à conversão do ácido araquidônico em TxA2 e PGI2, o EPA é convertido em TxA3 e PGI3 (Fig. 41.4A). É importante assinalar que os efeitos de vasoconstrição e agregação plaque- tária do TxA3 são relativamente fracos em comparação com os efeitos de vasodilatação e inibição plaquetária da PGI3. Em con- seqüência, o equilíbrio tromboxano-prostaciclina está inclinado para a vasodilatação, inibição plaquetária e antitrombogênese, com declínio correspondente nas doenças relacionadas (Fig. 41.4B, C). Esta é uma possível explicação para a observação de que as populações setentrionais apresentam menor incidência de cardiopatia, fornecendo um fundamento lógico para aumento do consumo de peixe. VIA DA LIPOXIGENASE As vias da lipoxigenase representam o segundo destino impor- tante do ácido araquidônico. Essas vias levam à formação dos leucotrienos e das lipoxinas. As lipoxigenases são enzimas que catalisam a inserção de oxigênio molecular no ácido ara- QUADRO 41.2 Produtos, Síntese, Receptores e Funções das Prostaglandinas PROSTAGLANDINA ENZIMA DE SÍNTESE TECIDOS QUE EXPRESSAM A ENZIMA DE SÍNTESE TIPO DE RECEPTOR E MECANISMO DE SINALIZAÇÃO FUNÇÕES PGD2 PGD2 isomerase Mastócitos Neurônios DP Gs Broncoconstrição (asma) Funções de controle do sono Doença de Alzheimer PGE2 PGE2 isomerase Muitos tecidos, incluindo macrófagos e mastócitos EP1 EP2 EP3 EP4 Outros Gq Gs Gi Gs Potencialização das respostas a estímulos dolorosos Vasodilatação Broncoconstrição Citoproteção: modula a secreção ácida, o muco e o fluxo sangüíneo da mucosa gástrica Vasodilatação Broncoconstrição Ativação das células inflamatórias Pirexia Produção de muco Possivelmente, função erétil PGF2� PGF2� redutase Músculo liso vascular Músculo liso uterino FP Gq Tônus vascular Fisiologia da reprodução (abortivo) Broncoconstrição Todos os receptores de prostanóides são receptores acoplados à proteína G. Farmacologia dos Eicosanóides | 703 quidônico, utilizando ferro-hêmico para gerar hidroperóxidos específicos. Três lipoxigenases, as 5-, 12- e 15-lipoxigenases (5-LOX, etc.), constituem as principais isoformas de LOX encontradas nos seres humanos (Quadro 41.3). As lipoxige- nases são designadas de acordo com a posição em que catalisam a inserção de O2 no ácido araquidônico. Os produtos imediatos das reações das lipoxigenases são os ácidos hidroperoxieicosa- tetraenóicos (HPETEs). Os HPETEs podem ser reduzidos aos ácidos hidroxieicosatetraenóicos correspondentes (HETEs) por enzimas que utilizam a glutationa peroxidase (GSP). O 5-HPETE formado pela 5-LOX é o precursor direto do LTA4, que em si é o precursor de todos os leucotrienos bioativos potentes (Fig. 41.5). As lipoxigenases também estão envolvidas na conversão do 15-HETE e LTA4 em lipoxinas (Fig. 41.6). A 5-LOX requer a sua translocação até a membrana nuclear para a sua atividade. A proteína de ativação da 5-lipoxigenase (FLAP) ajuda a 5-LOX a sofrer translocação para a membrana nuclear, a formar um complexo enzimático ativo e a aceitar o substrato ácido araquidônico a partir da fosfolipase A2. Leucotrienos A biossíntese de leucotrienos começa com a conversão do 5- HPETE em leucotrieno A4 (LTA4) mediada pela 5-LOX. Por conseguinte, a 5-LOX catalisa as primeiras duas etapas na biossíntese dos leucotrienos (Fig. 41.5). Não se sabe se o 5-HPETE difunde-se para fora do sítio ativo enzimático da 5-LOX entre essas etapas, ou se permanece ligado à mesma enzima 5-LOX durante ambas as reações. A seguir, o LTA4 é convertido em LTB4 ou LTC4. A enzima LTA4 hidrolase converte o LTA4 a LTB4 nos neutrófilos e nos eri- trócitos. A conversão do LTA4 em LTC4 ocorre nos mastócitos, eosinófilos, basófilos e macrófagos pela adição de um tripeptí- dio �-glutamilcisteinilglicina (glutationa). O LTC4, LTD4, LTE4 e o LTF4, que representam os cisteinil leucotrienos, sofrem interconversão através da remoção de porções de aminoácidos do tripeptídio �-glutamilcisteinilglicina (Fig. 41.5). O LTB4 atua através de dois receptores acoplados à proteína G, BLT1 e BLT2. A ligação do LTB4 ao BLT1, que é principal- mente expresso em tecidos envolvidos na defesa do hospedeiro e na inflamação (leucócitos, timo, baço) leva a seqüelas proin- flamatórias, entre as quais as mais importantes consistem em quimiotaxia dos neutrófilos, agregação e transmigração através do epitélio e endotélio. O LTB4 supra-regula a função lisossô- mica e a produção de radicais livres dos neutrófilos, aumenta a produção de citocinas e potencializa as ações das células natural killer (NK). O papel do BLT2, cuja expressão é ubíqua, permanece desconhecido. Os cisteinil leucotrienos (LTC4 e LTD4) ligam-se a recep- tores CysLT1, causando vasoconstrição, broncoespasmo e aumento da permeabilidade vascular. Os cisteinil leucotrienos são responsáveis pela hiper-reatividade a estímulos e contra- ção das vias aéreas e do músculo liso vascular que ocorrem nos processos asmáticos, alérgicos e de hipersensibilidade. Em seu conjunto, ambos osbraços das vias dos leucotrienos (i. é, LTB4 e LTC4/LTD4) desempenham funções-chave na psoríase, na artrite e em várias respostas inflamatórias. Além disso, são mediadores-chave na doença vascular e na aterosclerose. OH O COOH O OHHO O COOH OHHO O COOH OH O COOH O TxA3 PGI3 TxA2 PGI2 A B C Vaso sangüíneo Célula endotelial Plaqueta PGI2TxA2 PGI3TxA3 Fig. 41.4 Controle do tônus vascular e da ativação plaquetária pelos tromboxanos e pelas prostaciclinas. A. Em comparação com o TxA2, o TxA3 possui uma terceira ligação dupla (indicada no boxe azul), três carbonos a partir da extremidade do ácido não-carboxílico da molécula (a posição “ômega-3”). Por analogia, a PGI3 possui uma ligação dupla adicional (também indicada) em comparação com a PGI2. B. Corte transversal de um vaso, mostrando as plaquetas na luz vascular. As setas indicam o equilíbrio relativo entre a vasoconstrição mediada pelo TxA2 e a vasodilatação mediada pela PGI2. A figura também mostra o equilíbrio relativo entre a agregação plaquetária mediada pelo TxA2 e a inibição da agregação plaquetária mediada pela PGI2. O TxA2 é ligeiramente mais dominante do que a PGI2, de modo que ocorrem vasoconstrição efetiva e ligeira agregação plaquetária. C. Esse painel mostra o equilíbrio entre a ação do tromboxano e da prostaciclina em um indivíduo com dieta rica em óleo de peixe (que contém concentrações elevadas de ácidos graxos ômega-3). Com essa dieta, são observados níveis relativamente mais altos de TxA3, que é consideravelmente menos potente do que o TxA2, e de PGI3, que é aproximadamente tão potente quanto a PGI2. Por conseguinte, o equilíbrio é desviado para uma vasodilatação efetiva e inibição efetiva da agregação plaquetária. Esse desvio pode reduzir a incidência de doenças trombogênicas e isquêmicas, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral. 704 | Capítulo Quarenta e Um Lipoxinas As lipoxinas (produtos de interação da lipoxigenase) são derivados do ácido araquidônico que contêm quatro ligações duplas conjugadas e três grupos hidroxila. As duas principais lipoxinas, a LXA4 e a LXB4 (Fig. 41.6), modulam as ações dos leucotrienos e das citocinas e são importantes na resolução da inflamação. Nos locais de inflamação, observa-se, tipicamente, uma rela- ção inversa entre as quantidades de lipoxinas e de leucotrienos presentes. Essa observação levou à sugestão de que as lipoxinas podem atuar como sinais contra-reguladores ou como regu- ladores negativos da ação dos leucotrienos. São encontrados receptores de LXA4 nos neutrófilos, bem como nos pulmões, no baço e nos vasos sangüíneos. As lipoxinas inibem a qui- miotaxia, a adesão e a transmigração dos neutrófilos através do endotélio (através de uma diminuição da expressão da selectina P), inibem também o recrutamento dos eosinófilos, estimulam a vasodilatação (ao induzir a síntese de PGI2 e PGE2), inibem a vasoconstrição estimulada pelo LTC4 e LTD4, inibem os efeitos inflamatórios do LTB4 e, por fim, inibem a função das célu- las NK. As lipoxinas estimulam a captação e a depuração dos neutrófilos apoptóticos pelos macrófagos e, portanto, medeiam a resolução da resposta inflamatória. Como a produção de lipo- xinas parece ser importante na resolução da inflamação, a existência de um desequilíbrio na homeostasia das lipoxinas e leucotrienos pode constituir um fator-chave na patogenia da doença inflamatória. Por exemplo, é possível que a inflama- ção articular crônica da Sra. D envolva um desequilíbrio nas quantidades relativas de leucotrienos e lipoxinas presentes em suas articulações acometidas. VIA DA EPOXIGENASE As epoxigenases microssômicas do citocromo P450 oxigenam o ácido araquidônico, resultando na formação de ácido epoxiei- cosatetraenóico (EET) e derivados hidroxiácidos (Fig. 41.1). A via da epoxigenase é importante nos tecidos que não expressam a COX ou a LOX, como certas células do rim. A epoxigenação do ácido araquidônico produz quatro EET diferentes, depen- dendo da ligação dupla modificada no ácido araquidônico. Os derivados diidroxi dos EET, formados por hidrólise, podem regular o tônus vascular através da inibição da Na+/K+-ATPase nas células musculares lisas vasculares e podem afetar a fun- ção renal ao regular a absorção e a secreção de íons. Quanto à inflamação, os derivados diidroxi dos EET inibem a ciclo- oxigenase plaquetária e a expressão de moléculas de adesão intercelulares (ICAM, intercellular adhesion molecules). A infra-regulação das ICAM inibe a agregação das plaquetas e das células inflamatórias. Por conseguinte, à semelhança das lipoxinas, os EET específicos (p. ex., 11,12-EET) podem desem- penhar um papel na regulação da inflamação em certos locais e em tecidos específicos. As pesquisas futuras poderão revelar funções mais definitivas para os EET na fisiologia humana. ISOPROSTANOS O ácido araquidônico esterificado com fosfolipídios é sensível à peroxidação mediada por radicais livres; a clivagem desses lipídios modificados a partir do fosfolipídio pela fosfolipase A2 dá origem aos isoprostanos (Fig. 41.1). Durante o estres- se oxidativo, os isoprostanos aparecem no sangue em níveis muito mais elevados do que os produtos da ciclooxigenase. Dois isoprostanos em particular, a 8-epi-PGF2� e a 8-epi-PGE2, são vasoconstritores potentes. Os isoprostanos podem atuar na ativação do NF-�B, da fosfolipase C�, da proteinocinase C e do fluxo de cálcio. Como a velocidade de formação dos iso- prostanos depende das condições de oxidação celular, os níveis de isoprostanos podem indicar a presença de estresse oxida- tivo e de uma ampla gama de patologias. Os níveis urinários de isoprostanos são utilizados como marcadores de estresse oxidativo nas síndromes isquêmicas, na lesão de repercussão, na aterosclerose e nas doenças hepáticas. Todavia, não existe nenhum papel conhecido dos isoprostanos na inflamação ou na defesa do hospedeiro. INATIVAÇÃO METABÓLICA DOS EICOSANÓIDES LOCAIS As prostaglandinas, os leucotrienos, os tromboxanos e as lipoxi- nas são inativados por hidroxilação, �-oxidação (resultando QUADRO 41.3 Expressão Tecidual das Lipoxigenases e Produtos de Ação da Lipoxigenase LIPOXIGENASE EXPRESSÃO TECIDUAL PRODUTOS VIAS OBSERVAÇÕES 5-LOX Neutrófilos Macrófagos Mastócitos Eosinófilos 5-HPETE/5-HETE LTA4 Epoxitetraeno Leucotrienos/Lipoxinas Lipoxinas Lipoxinas/Lipoxinas desencadeadas pela aspirina Requer a FLAP para a sua atividade 12-LOX Tipo plaquetário Tipo epidérmico Tipo leucocitário Plaquetas Megacariócitos (tumores) Pele Macrófagos Sistema GI Cérebro 12-HPETE/12-HETE Epoxitetraeno Lipoxinas 15-LOX Macrófagos Monócitos Epitélio das vias aéreas 15-HPETE/15-HETE Epoxitetraeno Lipoxinas Lipoxinas FLAP, proteína de ativação da 5-lipoxigenase; GI, gastrintestinal; LOX, lipoxigenase. Farmacologia dos Eicosanóides | 705 COOH COOH OOH COOH O COOH S HN O H N COOH O H2N COOH OH COOH OH OH COOH S H2N O H N COOH OH COOH S H2N O OH OH COO S HN O OH O H2N COOH OH H Estímulos BLT1 BLT2 CysLT1 Ca2+ GlicocorticóidesPLA2 LTA4 hidrolase LTC4 sintase γ-glutamil transpeptidase γ-glutamil transpeptidase Carboxipeptidase A Dipeptidase Zileuton, inibidores da FLAP 5-Lipoxigenase Zileuton, inibidores da FLAP Adenosina 5-Lipoxigenase Zafirlucaste Montelucaste Ácido araquidônico 5-HPETE LTA4 H2O Glutationa LTB4 Principal fonte: Neutrófilos Ações: Ativação dos neutrófilos - Marginação - Migração - Desgranulação - Geração de ânion superóxido - Síntese de eicosanóides Exsudação de plasma Principal fonte: Mastócitos, basófilos, eosinófilos Ações: Broncoconstrição Vasoconstrição Diminuição do fluxo sangüíneo coronariano Diminuição da contratilidade cardíaca Exsudação de plasma LTD4 LTC4 LTE4 LTF4 Fig. 41.5 Biossíntese, função e inibição farmacológica dos leucotrienos. São mostradas as vias de biossíntese do ácido araquidônico em leucotrienos. Os glicocorticóides diminuem a atividadeda fosfolipase A2 (PLA2), impedindo, assim, a síntese de todos os leucotrienos (LT). O zileuton e os inibidores da proteína de ativação da 5-lipoxigenase (FLAP) impedem a conversão do ácido araquidônico em 5-HPETE e LTA4. O zileuton é utilizado no manejo crônico da asma. A adenosina inibe a síntese de LTB4 nos neutrófilos, porém não é utilizada farmacologicamente para esse propósito. O zafirlucaste e o montelucaste são antagonistas do CysLT1, o receptor de todos os cisteinil leucotrienos; esses fármacos são empregados no manejo crônico da asma. BLT1 e BLT2, receptores de LTB4; CysLT1, receptor de LTC4, LTD4, LTE4 e LTF4. 706 | Capítulo Quarenta e Um COOH COOH OH COOH OOH COOH OH OOH COOH OH O COOH OH OH OH COOH OH OH OH COOH O Ácido araquidônico 15-Lipoxigenase 5-Lipoxigenase 5-Lipoxigenase 5-Lipoxigenase 5-Lipoxigenase 15-Lipoxigenase Peroxidase 15-HETE 5-HPETE LTA4 5-hidroperoxi, ácido 15-hidroxieicosatetraenóico Epoxitetraeno LXA4 LXB4 Hidrólise Hidrólise Fig. 41.6 Biossíntese das lipoxinas. Duas vias principais levam à biossíntese das lipoxinas. Em cada uma dessas vias, são necessárias reações seqüenciais da lipoxigenase, seguidas de hidrólise. O precursor imediato das lipoxinas é o epoxitetraeno; a hidrólise do epoxitetraeno produz as lipoxinas. Via da esquerda: O ácido araquidônico é convertido em 15-HETE pela atividade seqüencial da 15-lipoxigenase e peroxidase. O 15-HETE é convertido pela 5-lipoxigenase no intermediário químico 5-hidroperoxi, o ácido 15-hidroxieicosatetraenóico, e a 5-lipoxigenase atua sobre esse intermediário, formando epoxitetraeno. Via da direita: O ácido araquidônico é convertido em 5-HPETE pela 5-lipoxigenase, e o 5-HPETE é convertido em LTA4 pela ação adicional da 5-lipoxigenase. O LTA4 é convertido em epoxitetraeno pela 15-lipoxigenase. Via comum: O epoxitetraeno é hidrolisado às lipoxinas ativas LXA4 e LXB4. As lipoxinas possuem uma função antiinflamatória, são contra-reguladoras da ação dos leucotrienos e regulam muitas citocinas e fatores de crescimento. em perda de dois carbonos) ou �-oxidação (a derivados de ácido dicarboxílico). Esses processos de degradação tornam as moléculas mais hidrofílicas e passíveis de serem excretadas na urina. ESQUEMA INTEGRADO DA INFLAMAÇÃO Conforme descrito anteriormente, os eicosanóides são gera- dos localmente através de numerosas reações complexas. Não Farmacologia dos Eicosanóides | 707 há necessidade de lembrar qualquer mediador, mas sim com- preender o esquema geral dessas vias de síntese. Esta seção, juntamente com o Quadro 41.4, fornece uma visão geral con- cisa das funções fisiológicas dos eicosanóides importantes para a inflamação e a defesa do hospedeiro. A inflamação aguda resulta de uma complexa rede de inte- rações moleculares e celulares, induzidas por respostas a uma variedade de estímulos como traumatismo, isquemia, agentes infecciosos ou reações de anticorpos. A inflamação superficial aguda gera dor local, edema, eritema e calor; a inflamação nos órgãos viscerais pode apresentar sintomas semelhantes e resul- tar em grave comprometimento da função orgânica. Os leucotrienos e as lipoxinas, bem como os tromboxanos, as prostaglandinas e as prostaciclinas, são críticos na geração, manutenção e mediação das respostas inflamatórias. A cascata inflamatória é desencadeada quando células em determinada região são expostas a uma substância estranha ou são lesadas. Essa agressão estimula uma cascata local de citocinas (incluin- do interleucinas ou TNF), que aumenta os níveis de mRNA da COX-2 e da enzima. A seguir, a COX-2 facilita a produção dos eicosanóides proinflamatórios e vasoativos. As concentrações localmente elevadas de PGE2, LTB4 e cisteinil leucotrienos promovem o acúmulo e a infiltração de células inflamatórias através de aumento do fluxo sangüíneo e aumento da permeabilidade vascular. O LTB4 e o 5-HETE também são importantes no processo de atração e ativação dos neutrófilos. O LTB4 formado pelos neutrófilos ativados no local de inflamação recruta e ativa neutrófilos adicionais e linfócitos, de modo que essas células aderem à superfície endotelial e transmigram para os espaços intersticiais. O aumento da per- meabilidade vascular também resulta em extravasamento de líquido e infiltração celular, causando edema. Com a agregação de inúmeras células inflamatórias, são desencadeadas vias de biossíntese transcelulares para gerar eicosanóides (Fig. 41.7). Na síntese transcelular, os inter- mediários eicosanóides são doados de um tipo celular para outro, gerando uma maior diversidade de eicosanóides. Isso demonstra a importância da adesão e da interação celulares nas respostas inflamatórias e imunes. O corpo procura assegurar que a resposta inflamatória não prossiga descontrolada. As lipoxinas ajudam a resolver a infla- mação e a promover o retorno do tecido a seu estado de home- ostasia. Os eicosanóides derivados da COX-2 também podem atuar na cicatrização de feridas e resolução. Por conseguinte, a seqüência cronológica dos eventos é importante numa resposta inflamatória organizada. A PGE2 inibe as funções dos linfócitos B e T das células NK, enquanto o LTB4 e os cisteinil leucotrie- nos regulam a proliferação dos linfócitos T. A PGE2 e a PGI2 são potentes sensibilizadores para a dor, enquanto as lipoxinas reduzem a nocicepção. Esses fatores medeiam e regulam de modo coordenado a transmissão da inflamação aguda para a forma crônica. FISIOPATOLOGIA A inflamação e a resposta imune constituem os mecanismos de que dispõe o corpo para combater os invasores estranhos. Esse programa global tem por objetivo remover o estímulo desencadeador e resolver a lesão tecidual. Em alguns casos, o próprio mecanismo de resposta provoca lesão tecidual local, como, por exemplo, quando neutrófilos ativados liberam inad- vertidamente proteases e espécies de oxigênio reativo no meio local. Em outras circunstâncias, se a reação inflamatória per- sistir por muito tempo, ou se o sistema imune estiver identi- ficando incorretamente parte do próprio como estranho, essas respostas imunes inadequadamente dirigidas podem causar lesão tecidual significativa e crônica. A seguir, são delineadas doenças inflamatórias específicas nas quais estão implicados os eicosanóides, incluindo a asma, a doença intestinal inflamatória, a artrite reumatóide, a glo- QUADRO 41.4 Funções dos Eicosanóides nas Etapas da Inflamação AÇÃO EICOSANÓIDES ENVOLVIDOS Vasoconstrição PGF2�, TXA2, LTC4, LTD4, LTE4 Vasodilatação (eritema) PGI2, PGE1, PGE2, PGD2, LXA4, LXB4, LTB4 Edema (intumescimento) PGE2, LTB4, LTC4, LTD4, LTE4 Quimiotaxia, adesão dos leucócitos LTB4, HETE, LXA4, LXB4 Aumento da permeabilidade vascular LTC4, LTD4, LTE4 Dor e hiperalgesia PGE2, PGI2, LTB4 Calor local e febre sistêmica PGE2, PGI2, LXA4 LTC4 sintase LTA4 Plaqueta Leucócito LTA4 hidrolase 5-Lipoxigenase/FLAP Prostaciclina sintase AA AA Célula endotelial COX LTA4 LTA4 LTC4 LTB4 LXA4 LXB4 Prostaciclina LTC4 Fig. 41.7 Exemplos de biossíntese transcelular. A biossíntese transcelular é utilizada para a geração local de lipoxinas e cisteinil leucotrienos. No exemplo apresentado aqui, o leucócito (neutrófilo) obtém ácido araquidônico (AA) das plaquetas e o utiliza para sintetizar o leucotrieno A4 (LTA4) e o leucotrieno B4 (LTB4). O leucotrieno A4 é transferido do leucócito para as plaquetas e as células endoteliais, que sintetizam e secretam o leucotrieno C4 (LTC4). As plaquetas também sintetizam lipoxinas (LXA4, LXB4) a partir do leucotrieno A4, e as células endoteliais sintetizam prostaciclina, utilizando o AA de fontes endógenas. Observe que os eicosanóides sintetizados dentro de cada tipo celular são determinados pelo repertório enzimático do tipo celular específico: assim, por exemplo, os neutrófilos sintetizam primariamente LTA4 e LTB4, uma vez que expressam a 5-lipoxigenase e a LTA4 hidrolase, enquanto as células endoteliais biossintetizamprostaciclina e LTC4, visto que expressam a COX-1, COX-2, prostaciclina sintase e LTC4 sintase. 708 | Capítulo Quarenta e Um merulonefrite e o câncer. Outras doenças não discutidas aqui, mas que apresentam uma possível base inflamatória relacio- nada com os eicosanóides, incluem a aterogênese, o infarto do miocárdio, certos distúrbios da pele, lesões de reperfusão, doença de Alzheimer e síndrome de angústia respiratória do adulto. ASMA A asma é uma doença inflamatória crônica caracterizada por episódios intermitentes de dispnéia, tosse e sibilos. Os sintomas resultam de inflamação crônica, hiper-reatividade, constrição e obstrução das vias aéreas. Na asma, os antígenos nos pulmões estimulam cascatas de citocinas, que levam à geração de prostaglandinas (p. ex., PGD2) e leucotrienos. A elaboração do LTB4 atrai células inflamatórias e promove a agregação celular. O LTB4 atua particularmente sobre os lin- fócitos B, causando ativação, proliferação e diferenciação. O LTB4 também promove a expressão de receptores FC�RII (i. é, receptores para a cadeia constante dos anticorpos IgE) nos mastócitos e basófilos; esses receptores ligam-se à IgE que é liberada por linfócitos B estimulados por antígenos. O LTC4 e o LTD4 são compostos broncoconstritores extrema- mente potentes (originalmente conhecidos como substâncias de reação lenta da anafilaxia, SRS-A), sendo mais de 1.000 vezes mais potentes do que a histamina. Esses cisteinil leu- cotrienos também causam secreção de muco pelo epitélio das vias aéreas, enquanto comprometem a depuração desse muco ao inibir o batimento dos cílios do epitélio das vias aéreas. A secreção de muco é exacerbada pelos neutrófilos e eosinófilos, que constituem parte do exsudato inflamatório, obstruindo as vias aéreas. O LTD4 e o LTE4 também recru- tam eosinófilos para as vias aéreas asmáticas; os eosinófilos integram sinais dos linfócitos T e, quando ativados, liberam fatores que provocam lesão do epitélio das vias aéreas e intensificam a inflamação nelas localizada. Em um modelo murino de asma, em que o gene da 5-LOX foi nocauteado, não foi observada nenhuma hiper-responsivi- dade das vias aéreas ou eosinofilia. Esse resultado reforça o papel importante desempenhado pelos produtos leucotrienos da atividade da 5-LOX na patogenia da asma. O papel dos inibido- res dos leucotrienos no tratamento da asma é discutido adiante; para informações mais detalhadas, consultar o Cap. 46. DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA A doença de Crohn e a colite ulcerativa são duas doenças inflamatórias, ulcerativas, recidivantes, idiopáticas e crônicas do trato gastrintestinal. Embora essas duas doenças sejam dis- tintas do ponto de vista fisiológico e patológico, a produção elevada de LTB4 na mucosa acometida resulta em infiltração anormal dos leucócitos no parênquima. A inflamação crônica e a infiltração dos leucócitos levam a uma lesão progressiva da mucosa, com alterações histológicas francas. A doença de Crohn caracteriza-se por lesão focal, úlceras com fissuração e granulomas, enquanto ocorrem inflamação da mucosa e dilata- ção colônica na colite ulcerativa. Ambas as doenças aumentam o risco de adenocarcinoma do cólon nas áreas afetadas. Os análogos estáveis da lipoxina A4 constituem um tratamento efe- tivo em modelos murinos da doença de Crohn e inflamação intestinal e podem representar uma nova abordagem farma- cológica promissora para o tratamento da doença intestinal inflamatória. ARTRITE REUMATÓIDE A artrite reumatóide é uma doença inflamatória crônica, sistêmica e auto-imune que acomete primariamente as articu- lações, mas que também afeta a pele, o sistema cardiovascular, os pulmões e os músculos. A artrite reumatóide, que acomete até 1,5% dos norte-americanos, é três vezes mais prevalente nas mulheres do que nos homens. O ataque auto-imune de proteínas articulares normais resulta em inflamação, com liberação local de citocinas, TNF, fatores de crescimento e interleucinas, que induzem, todos eles, a expressão da COX-2. Os níveis da enzi- ma COX-2 e da PGE2 estão acentuadamente elevados no líqui- do sinovial das articulações acometidas. Outros eicosanóides derivados da COX-2 ativam o endotélio circundante, ajudando a recrutar as células inflamatórias. Os macrófagos elaboram colagenase e proteases, enquanto a atividade dos linfócitos leva à formação de imunocomplexos; ambos os processos causam lesão adicional do tecido articular e fornecem substratos que aceleram a inflamação crônica. Os achados comuns incluem sinovite, leucocitose, nódulos reumatóides e presença de fator reumatóide (um anticorpo circulante dirigido contra a IgG). A Sra. D, por ser uma mulher caucasiana de idade mais avançada, encontra-se no grupo de risco da artrite reumatóide. A destruição auto-imune de suas articulações levou aos achados de elevação da velocidade de hemossedimentação e hemató- crito baixo, ambos indicadores de um estado de inflamação crônica, leucocitose sinovial e perda progressiva da mobilidade e função articulares. Para informações adicionais sobre a artrite reumatóide, consultar o Cap. 44. GLOMERULONEFRITE A glomerulonefrite abrange um grande grupo de afecções renais inflamatórias que levam finalmente à insuficiência renal, através de deterioração da hemodinâmica renal e filtração glomerular. A ativação local do complemento promove a infiltração dos neutrófilos e macrófagos. A infiltração do glomérulo constitui um achado patológico precoce característico, que se correla- ciona com níveis anormais de LTB4, sintetizado pela hidrolase localizada no mesângio renal, que facilita a adesão dos neu- trófilos ao mesângio e epitélio glomerulares. O LTA4 também é um substrato para a biossíntese de LTC4 e LTD4. Todos os cisteinil leucotrienos (LTC4, LTD4, LTE4 e LTF4) promovem a proliferação endotelial e mesangial. Os cistenil leucotrienos também afetam diretamente a função glomerular; especifica- mente, o LTC4 e o LTD4 diminuem o fluxo sangüíneo renal e a taxa de filtração glomerular (TFG) através de vasoconstrição das arteríolas e contração dos espaços mesangiais. Os estudos realizados com inibidores confirmaram o papel desempenhado pelos leucotrienos na glomerulonefrite. Os inibidores da LOX, quando administrados nos estágios iniciais da glomerulonefrite, impedem a inflamação glomerular e o aparecimento de sinais de lesão estrutural. Tanto os inibidores da LOX quanto os anta- gonistas do receptor de LTD4 melhoram a TFG e diminuem a proteinúria. É interessante assinalar que o mesângio renal expressa tan- to a hidrolase do LTA4 quanto a 12-LOX, conferindo, assim, a capacidade de síntese de LTB4 ou LXA4 a partir do LTA4 derivado dos leucócitos. Em baixas concentrações, o LTA4 é utilizado primariamente para a formação de LTB4; essas con- dições correspondem ao início da inflamação ou a um baixo nível de inflamação crônica. Por outro lado, quando as concen- trações de LTA4 estão relativamente altas, conforme observado na inflamação de longa duração, o LTA4 é convertido, em sua Farmacologia dos Eicosanóides | 709 maior parte, em LXA4, que exerce um impacto contra-regulador auto-inibitório sobre a resposta inflamatória. No glomérulo, a LXA4 anula as conseqüências proinflamatórias deletérias dos leucotrienos, bem como o efeito dos leucotrienos sobre a TFG, em parte através de um aumento do fluxo arteriolar aferente produzido por vasodilatação. CÂNCER Estudos epidemiológicos conduzidos a longo prazo demons- traram a existência de uma correlação entre a terapia crônica com AINE e uma redução na incidência do câncer colorretal. Os adenomas e carcinomas colorretais humanos expressam a COX-2 em quantidades abundantes; foram obtidos resulta- dos semelhantes nos adenocarcinomas gástricos e tumores de mama. Nesses tecidos, acredita-se que a COX-2 gera PGE2 e outros eicosanóides que promovem o crescimento do tumor. A localização perinuclear da enzima (Quadro 41.1) sugere o potencial de uma função intracelulardos produtos eicosanóides na oncogênese. Alguns derivados eicosanóides podem ligar-se a homólogos da família do receptor do ácido retinóico (RXR) de fatores da transcrição, que estão envolvidos em numerosas funções, incluindo a regulação do crescimento e da diferencia- ção celulares. A hiperexpressão de COX-2 geraria eicosanóides capazes de inundar as vias de sinalização de RXR, fornecendo estímulos excessivos para o crescimento. Está sendo investi- gado um inibidor da COX-2 como terapia profilática para paci- entes com polipose adenomatosa familiar, que correm risco de desenvolver câncer colorretal (ver discussão dos inibidores da COX-2, adiante). DOENÇA CARDIOVASCULAR O tromboxano A2 derivado das plaquetas constitui um impor- tante mediador da trombose no infarto do miocárdio e em outras doenças cardiovasculares, e a aspirina, um inibidor da COX, é um agente antiplaquetário efetivo na profilaxia e tratamento dessas doenças (ver adiante, bem como o Cap. 22). Acredita-se também que a produção intravascular de leucotrienos durante a ruptura de placas ateromatosas contribua para a fisiopatolo- gia do infarto do miocárdio. Estudos recentes sugeriram que a 5-lipoxigenase, a FLAP e a LTA4 hidrolase estão geneticamente ligadas ao infarto do miocárdio, e os inibidores da 5-lipoxige- nase, os antagonistas da FLAP e os inibidores da LTA4 hidrolase podem representar novas classes de fármacos para o tratamento da aterosclerose e do infarto do miocárdio. CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS A intervenção farmacológica na biossíntese e na ação dos eicosanóides mostra-se particularmente útil no controle da inflamação e das respostas imunes aberrantes. As intervenções farmacológicas podem ser dirigidas para qualquer uma das diversas etapas delineadas anteriormente para obter os efeitos desejados com seletividade. As estratégias aqui consideradas incluem a alteração da expressão de enzimas-chave, a inibição competitiva e não-competitiva da atividade de enzimas espe- cíficas (p. ex., PGE2 sintase), a ativação de receptores com agonistas exógenos dos receptores e a prevenção da ativação de receptores com antagonistas exógenos dos receptores. Como sempre, é preciso avaliar os benefícios terapêuticos em relação aos possíveis efeitos adversos produzidos. INIBIDORES DA FOSFOLIPASE A inibição da fosfolipase A2 impede a geração de ácido ara- quidônico, a etapa que limita a velocidade no processo de biossíntese dos eicosanóides. Na ausência de mediadores pro- inflamatórios derivados do ácido araquidônico, a inflamação torna-se limitada. Os glicocorticóides (também conhecidos como corticoste- róides, dos quais a prednisona é um membro) constituem a base do tratamento de numerosas doenças auto-imunes e infla- matórias. Os glicocorticóides induzem uma família de proteínas secretadas, dependentes de cálcio e de fosfolipídio, denomina- das lipocortinas. As lipocortinas interferem na ação da fosfo- lipase A2, portanto, limitam a liberação do ácido araquidônico. As anexinas, como a anexina 1 e peptídios derivados da anexina 1, também são induzidas pelos glicocorticóides. Por sua vez, as anexinas atuam em receptores acoplados à proteína G pre- sente nos leucócitos, bloqueando as respostas proinflamatórias e intensificando os mecanismos antiinflamatórios endógenos; um dos mecanismos antiinflamatórios envolve a ativação do receptor de lipoxina A4. Estão sendo desenvolvidas pequenas moléculas inibidoras de fosfolipase específicas; esses fármacos podem oferecer a possibilidade de redução dos efeitos adversos associados ao uso dos glicocorticóides. (Ver Cap. 27, para uma discussão mais extensa dos efeitos dos glicocorticóides.) INIBIDORES DA CICLOOXIGENASE Os inibidores da via da ciclooxigenase estão entre alguns dos fármacos mais freqüentemente prescritos em medicina. Os agentes antiinflamatórios não-esteróides (AINE) e o aceta- minofeno constituem os agentes mais comumente utilizados dessa classe. Inibidores Não-Seletivos Tradicionais: AINE Os AINE são importantes em virtude de suas propriedades antiinflamatórias, antipiréticas e analgésicas combinadas. O objetivo final da maioria das terapias com AINE consistem em inibir a geração de eicosanóides proinflamatórios mediada pela COX e em limitar a extensão da inflamação, febre e dor. A atividade antipirética desses fármacos provavelmente está rela- cionada com a redução dos níveis de PGE2, particularmente na região do cérebro que circunda o hipotálamo. Apesar dos bene- fícios oferecidos pelos AINE atuais, esses fármacos suprimem apenas os sinais da resposta inflamatória subjacente. Foram desenvolvidos inúmeros AINE nesse último século, e a maioria consiste em derivados de ácido carboxílico policí- clico. Com exceção da aspirina, todos os AINE atuam como inibidores competitivos e reversíveis da ciclooxigenase. Esses fármacos bloqueiam o canal hidrofóbico da ciclooxigenase ao qual se liga o substrato ácido araquidônico, impedindo assim o acesso do ácido araquidônico ao sítio ativo da enzima. Os AINE tradicionais inibem tanto a COX-1 quanto a COX-2 em diferentes graus. Devido à inibição da COX-1, o tratamento a longo prazo com AINE apresenta muitos efeitos deletérios. As funções citoprotetoras dos produtos eicosanóides da COX-1 são eliminadas, levando a um espectro de gastropatia indu- zida por AINE, incluindo dispepsia, gastrotoxicidade, lesão e hemorragia subepiteliais, erosão da mucosa gástrica, ulceração franca e necrose da mucosa gástrica. (Como no caso da Sra. D, os pacientes com hemorragia gástrica apresentam sangra- mento no estômago, onde a digestão da hemoglobina produz 710 | Capítulo Quarenta e Um um material que, quando regurgitado, apresenta a cor e a con- sistência da borra de café.) A regulação do fluxo sangüíneo para os rins também é afetada, diminuindo a TFG e causando potencialmente isquemia renal, necrose papilar, nefrite intersti- cial e insuficiência renal. Os estudos epidemiológicos sugerem que 20 a 30% das internações de pacientes com mais de 60 anos de idade devem-se a complicações do uso de AINE. A funcionalidade do ácido orgânico dos AINE confere importantes propriedades farmacocinéticas a esses agentes, incluindo absorção quase completa pelo intestino, ligação à albumina plasmática, acúmulo das células que se encontram no local de inflamação e excreção renal eficiente. Os AINE podem ser divididos em duas classes: de meia-vida curta (<6 horas) e de meia-vida longa (>10 horas). Os AINE com meias-vidas de eliminação longas incluem o naproxeno, os salicilatos, o piroxicam e a fenilbutazona. A classificação clínica dos AINE baseia-se na estrutura de um componente-chave em cada subclasse de fármacos (Fig. 41.8). A discussão que se segue categoriza os AINE por classe química; as descrições de cada fármaco são seguidas de uma discussão da escolha de determinado AINE para uma situação clínica específica. Salicilatos Os salicilatos incluem a aspirina (ácido acetilsalicílico) e seus derivados. A aspirina, que é o mais antigo dos AINE, é amplamente utilizada no tratamento da dor leve a moderada, cefaléia, mialgia e artralgia. Ao contrário de outros AINE, a aspirina atua de modo irreversível, acetilando o resíduo serina do sítio ativo da COX-1 e da COX-2. A acetilação da COX-1 destrói a atividade de ciclooxigenase da enzima, impedindo a formação de prostaglandinas, tromboxanos e prostaciclinas derivados da COX-1. Os salicilatos (juntamente com a indo- metacina, o piroxicam e o ibuprofeno) também podem inibir o surto oxidativo dos neutrófilos ao reduzir a atividade da NADPH oxidase. A aspirina, em baixas doses, diariamente é utilizada como agente antitrombogênico para profilaxia e manejo do infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral pós-evento. Convém lembrar que a aspirina é antitrombogênica, devido à inibição irreversível da COX, que impede a biossíntese de TxA2 pelas plaquetas. Dentro de 1 hora após a administração oral de aspi- rina, ocorre destruiçãoirreversível da atividade COX-1 nas plaquetas. As plaquetas, que carecem de núcleo, são incapazes de sintetizar novas proteínas. Em conseqüência, a COX-1 irre- versivelmente acetilada não pode ser substituída por proteínas recém-sintetizadas, e essas plaquetas são inibidas de modo irre- versível durante o seu tempo de sobrevida (cerca de 10 dias). Embora a aspirina também iniba de modo irreversível a COX-1 e a COX-2 das células endoteliais vasculares, a célula endotelial tem a capacidade de sintetizar nova proteína COX e, portanto, pode rapidamente reiniciar a síntese de PGI2. A administra- ção de uma dose única de aspirina diminui por vários dias a quantidade de tromboxano passível de ser gerado, desviando o equilíbrio TxA2 -PGI2 vascular para uma vasodilatação media- da por PGI2, inibição plaquetária e antitrombogênese. A inibição da COX-2 mediada pela aspirina impede a geração de prostaglandinas. Ao contrário da COX-1, que é totalmente inativada, a COX-2 modificada pela aspirina retém parte de sua atividade catalítica e pode formar um novo produto, o 15-(R)- HETE, a partir do ácido araquidônico. Por analogia com a sín- tese normal de lipoxinas (Fig. 41.6), a 5-LOX converte então o 15-(R)-HETE em 15-epi-lipoxinas, que são estereoisômeros (epímeros na posição do carbono 15) relativamente estáveis de lipoxinas, coletivamente denominados lipoxinas desencadeadas pela aspirina (ATL, aspirin-triggered lipoxins). As 15-epi-lipo- xinas imitam as funções das lipoxinas como agentes antiinfla- matórios. As 15-epi-lipoxinas podem representar o mecanismo endógeno de antiinflamação, e acredita-se que a sua produção possa mediar, pelo menos em parte, os efeitos antiinflamatórios da aspirina. O desenvolvimento de análogos das 15-epi-lipoxinas poderia levar a agentes antiinflamatórios desprovidos dos efeitos adversos associados à inibição da COX-1. O OH O O O O H S N O O N N H OOH H N O HO Cl Cl O O OH NH O H N O OH N OH O O Cl O Aspirina Ibuprofeno Indometacina Diclofenaco Piroxicam Mefenamato Nabumetona Acetaminofeno Classe dos salicilatos Classe do ácido propiônico Classe do ácido acético (ácidos indolacéticos) Classe do ácido acético (ácidos fenilacéticos) Classe do oxicam Classe do fenamato Classe das cetonas Classe do aminofenol Fig. 41.8 Classes estruturais de AINE. Os AINE são moléculas geralmente hidrofóbicas, cuja maioria apresenta um grupo ácido carboxílico. Os AINE são categorizados por classes, dependendo da presença de um ou mais dos componentes-chave na sua estrutura. O componente comum a membros de cada classe está indicado por um boxe. A estrutura ajuda a determinar as propriedades farmacocinéticas de cada AINE. Observe que o acetaminofeno não é realmente um AINE, visto que possui apenas propriedades antiinflamatórias fracas; esse fármaco é incluído aqui visto que, a exemplo dos AINE, é comumente utilizado pelos seus efeitos analgésicos e antipiréticos. Farmacologia dos Eicosanóides | 711 A aspirina é, em geral, bem tolerada. Suas principais toxici- dades consistem em gastropatia e nefropatia, que são comparti- lhadas por todos os AINE. A terapia a longo prazo com aspirina pode resultar em ulceração e hemorragia gastrintestinais, nefro- toxicidade e lesão hepática. Duas toxicidades singulares são a hiper-reatividade das vias aéreas induzida pela aspirina em indivíduos asmáticos (a denominada asma sensível à aspirina) e a síndrome de Reye. A prevalência da sensibilidade à aspirina em pacientes com asma é estimada em cerca de 10%. Nesses pacientes, a exposição à aspirina resulta em congestão ocular e nasal, juntamente com obstrução grave das vias aéreas. Os pacientes sensíveis à aspirina também mostram-se reativos a outros AINE, incluindo indometacina, naproxeno, ibuprofeno, mefenamato e fenilbutazona. Nos indivíduos asmáticos, uma possível etiologia da sensibilidade à aspirina/AINE consiste no fato de que a exposição a esses fármacos leva a níveis aumen- tados de leucotrienos, que estão implicados na patogenia da asma (ver Fig. 41.1). A síndrome de Reye é uma afecção caracterizada por encefa- lopatia hepática e esteatose hepática em crianças de pouca ida- de. A terapia com aspirina durante o curso de uma infecção viral febril tem sido implicada como etiologia potencial da lesão hepática. Embora não se tenha definitivamente estabelecido qualquer relação causal entre o uso de aspirina e a síndrome de Reye, a aspirina geralmente não é administrada a crianças, devido ao temor da síndrome de Reye. O acetaminofeno é amplamente utilizado em lugar da aspirina para crianças. Derivados do Ácido Propiônico Os AINE derivados do ácido propiônico incluem o ibuprofeno, o naproxeno, o cetoprofeno e o flurbiprofeno. O ibuprofeno é um analgésico relativamente potente, utilizado no tratamento da artrite reumatóide (como no caso da Sra. D, para alívio da dor intermitente), osteoartrite, espondilite anquilosante, gota e dismenorréia primária. O naproxeno, que possui meia-vida plasmática longa, é 20 vezes mais potente do que a aspirina, inibe diretamente a função dos leucócitos e provoca efeitos adversos gastrintestinais menos graves do que a aspirina. Derivados do Ácido Acético Os AINE derivados do ácido acético incluem os ácidos indola- céticos — indometacina, sulindaco e etodolaco — e os ácidos fenilacéticos, diclofenaco e cetorolaco (um derivado do ácido fenilacético substituído). Além de inibir a ciclooxigenase, mui- tos dos AINE derivados do ácido acético promovem a incorpo- ração do ácido araquidônico não-esterificado em triglicerídios, reduzindo, assim, a disponibilidade do substrato para a ação da ciclooxigenase e lipoxigenase. A indometacina é um inibidor direto da motilidade dos neutrófilos, porém não é tolerada pelos pacientes, assim como o ibuprofeno. O diclofenaco é um antiin- flamatório mais potente do que a indometacina e o naproxeno. O diclofenaco também diminui as concentrações intracelulares de ácido araquidônico ao alterar o transporte celular dos ácidos graxos; esse fármaco é amplamente utilizado no tratamento da dor associada a cálculos renais. O cetorolaco é primariamente empregado pelas suas propriedades analgésicas fortes, particu- larmente para pacientes no pós-operatório. Os AINE derivados do ácido acético são principalmente uti- lizados para aliviar os sintomas no tratamento a longo prazo da artrite reumatóide, osteoartrite, espondilite anquilosante e outros distúrbios musculoesqueléticos. O uso de AINE deri- vados do ácido acético provoca ulceração gastrintestinal e, raramente, hepatite e icterícia. A indometacina também pos- sui aplicação específica para promover o fechamento do canal arterial persistente em recém-nascidos ao inibir os eicosanóides vasodilatadores PGE2 e PGI2. Derivados do Oxicam O piroxicam é tão eficaz quanto a aspirina, o naproxeno e o ibuprofeno no tratamento da artrite reumatóide e osteoartrite, mas pode ser mais bem tolerado. O piroxicam exerce efeitos adicionais na modulação da função dos neutrófilos, inibindo a colagenase, a proteoglicanase e o surto oxidativo. Em virtude de sua meia-vida extremamente longa, o piroxicam pode ser administrado uma vez ao dia. A exemplo de outros AINE, o piroxicam exibe efeitos adversos gastrintestinais, como ulcera- ção, e prolonga o tempo de sangramento, devido a seu efeito antiplaquetário. Derivados do Fenamato Os dois AINE derivados do fenamato são o mefenamato e o meclofenamato. Ambos inibem as ciclooxigenases, mas também antagonizam em vários graus os receptores de pros- tanóides. Como os fenamatos possuem menos atividade anti- inflamatória e são mais tóxicos do que a aspirina, existe pouca vantagem no seu uso. O mefenamato é apenas utilizado para a dismenorréia primária, enquanto o meclofenamato é utilizado no tratamento da artrite reumatóide e osteoartrite. Cetonas A nabumetona é um profármaco cetona que é oxidado in vivo à forma ácida ativa. Em comparação com outros AINE não-seletivos, a nabumetona possui atividade preferencial contra a COX-2. A incidência de efeitos adversos gastrintestinais é relativamente baixa, embora seja freqüentemente relatada a ocorrência de cefaléia e tonteira. Acetaminofeno O acetaminofeno, apesar de ser algumas vezes classificado com os AINE, não é tecnicamente um AINE: embora o acetaminofe- no exerça efeitos analgésicos e antipiréticos semelhantes aos da aspirina, o efeito antiinflamatório do acetaminofeno é insignificante, devido à inibição fraca das ciclooxigenases. Todavia, o tratamento com acetaminofeno pode ser valioso em certos pacientes, como as crianças, que correm risco rela- cionado aos efeitos adversos da aspirina. A hepatotoxicidade constitui o efeito adverso mais importante do acetaminofeno. A modificação do acetaminofeno por enzimas hepáticas do cito- cromo P450 produz uma molécula reativa, que normalmente é destoxificada por conjugação com glutationa. Uma overdose de acetaminofeno pode sobrepujar as reservas de glutationa, resultando em lesão celular e oxidativa e, nos casos graves, em necrose hepática aguda (ver Cap. 5). Seleção do AINE Apropriado Os efeitos antiinflamatórios, analgésicos e antipiréticos dos AINE parecem variar entre os numerosos agentes que compõem essa classe. Todavia, apesar das diferenças observadas na química, seletividade tecidual, seletividade enzimática, farmacocinética e farmacodinâmica, as diferenças na sua eficácia podem não ser clinicamente significativas. De modo global, o fundamento lógico e a escolha do AINE não fazem, em geral, uma con- 712 | Capítulo Quarenta e Um siderável diferença no tratamento da artrite reumatóide ou da osteoartrite. Entretanto, a terapia bem-sucedida com AINE con- tinua sendo considerada mais uma arte do que uma ciência, e o tratamento para cada paciente deve ser orientado para obter os efeitos antiinflamatórios, analgésicos e antipiréticos desejados, minimizando, ao mesmo tempo, os efeitos adversos. É possível reduzir os efeitos adversos gástricos da terapia a longo prazo com AINE com a co-administração de antagonistas dos receptores H2 ou inibidores da bomba de prótons (consultar o Cap. 45). Inibidores da COX-2 Devido aos efeitos adversos gastrintestinais algumas vezes graves associados à terapia prolongada com AINE, que se acredita sejam causados pela inibição da COX-1, foram desenvolvidas estratégias recentes para inibição das vias da ciclooxigenase, enfocando a inibição seletiva da COX-2. Essa abordagem tem a vantagem teórica de inibir os media- dores químicos responsáveis pela inflamação, enquanto mantém os efeitos citoprotetores dos produtos da atividade da COX-1. Inibidores Seletivos da COX-2 Embora a COX-2 só tenha sido identificada na década de 1990, pesquisas intensas levaram prontamente ao desenvolvimento de inibidores seletivos da COX-2 para uso clínico. Em compara- ção com a COX-1, a COX-2 possui um canal hidrofóbico maior através do qual o substrato (ácido araquidônico) penetra no sítio ativo. Diferenças estruturais sutis existentes entre a COX-2 e a COX-1 permitiram o desenvolvimento de fármacos que atuam preferencialmente sobre a COX-2. Os inibidores seletivos da COX-2 — celecoxibe, rofeco- xibe, valdecoxibe e meloxicam (Fig. 41.9) — são derivados do ácido sulfônico, com seletividade 100 vezes maior para a COX-2 do que para a COX-1. A inibição relativa das duas isozimas da ciclooxigenase em qualquer tecido também é uma função do metabolismo do fármaco, da farmacocinética e, possivelmente, de polimorfismos da enzima. Os inibidores seletivos da COX-2 possuem propriedades antiinflamatórias, antipiréticas e analgésicas semelhantes aos AINE tradicio- nais, porém não compartilham as ações antiplaquetárias dos inibidores da COX-1. Em relação a outros AINE, o perfil de segurança dos inibidores seletivos da COX-2 é incerto. No momento atual, apenas o celecoxibe foi aprovado para uso. Recentemente, o rofecoxibe foi retirado do mercado, devido a um aumento da trombogenicidade com o seu uso prolongado. Observe que a Sra. D aproveitou-se da melhor segurança gastrintestinal dos inibidores seletivos da COX-2 quando o ibuprofeno foi substituído por um inibidor da COX-2, em parte devido a evidências sintomáticas e endoscópicas de gastropatia induzida por AINE. Entretanto, os perfis de segurança a longo prazo dos inibidores da COX-2 consti- tuem um assunto questionável, e existe a preocupação de que esses fármacos — em particular, o rofecoxibe — tenham efeitos deletérios sobre os sistemas cardiovascular e renal ao induzir hipertensão, insuficiência renal e insuficiência cardíaca. O aumento da trombogenicidade que se manifesta com o seu uso clínico pode ser devido à inibição prolonga- da da COX-2 vascular no interior das células endoteliais, resultando em diminuição da formação de PGI2. Além disso, a inibição da COX-2 pode gerar problemas na cicatrização de feridas, angiogênese e resolução da inflamação. Os inibi- dores seletivos da COX-2 são de custo muito mais elevado do que doses equivalentes de muitos AINE, particularmente aspirina e indometacina. O celecoxibe continua sendo o inibidor seletivo da COX-2 atualmente aprovado para uso na osteoartrite, artrite reumatói- de, dor aguda em adultos e dismenorréia primária. Esse fár- maco também foi aprovado para reduzir o número de pólipos colorretais adenomatosos em indivíduos com polipose adeno- matosa familiar. O celecoxibe diminui a atividade do receptor � ativado pelo proliferador peroxissômico (PPAR�), um fator de transcrição que sofre heterodimerização com os fatores de transcrição RXR envolvidos na regulação do crescimento. Ainda não foi esclarecido se os inibidores da COX-2 ligam-se diretamente ao PPAR�, ou se levam indiretamente à síntese de outras moléculas que inibem o PPAR�. Todavia, a inibição do PPAR� impede a sinalização através da via do PPAR� e, por- tanto, remove um poderoso estímulo mitogênico que poderia funcionar no desenvolvimento de câncer de cólon. O valdecoxibe foi inicialmente aprovado para tratamento da osteoartrite, artrite reumatóide e dismenorréia primária. O rofecoxibe foi aprovado para a osteoartrite, a dor aguda em adultos e a dismenorréia primária. O meloxicam só foi apro- vado para a osteoartrite. Esperava-se que os inibidores da COX-2 de segunda gera- ção em desenvolvimento — como o parecoxibe (um profármaco do valdecoxibe), o etoricoxibe e o lumiracoxibe — pudessem demonstrar um aumento de seletividade para a COX-2 em rela- ção à COX-1 e não tivessem os efeitos cardiovasculares adversos dos inibidores da COX-2 disponíveis. Entretanto, é necessário um maior desenvolvimento clínico dessa classe de fármacos. N N CF3 S H2N OO O S OO O N O S H2N OO S N N H O S N OH O O Celecoxibe Rofecoxibe Meloxicam Valdecoxibe Fig. 41.9 Inibidores seletivos da COX-2. Os inibidores seletivos da COX-2 são derivados hidrofóbicos do ácido sulfônico. A exemplo dos AINE tradicionais, essas moléculas bloqueiam o canal hidrofóbico que leva ao sítio ativo da ciclooxigenase, com conseqüente inibição da enzima. Observe que os inibidores seletivos da COX-2 são, em geral, moléculas maiores do que os AINE. Esses fármacos inibem preferencialmente a COX-2 em comparação com a COX-1, visto que o canal hidrofóbico da COX-2 é maior que o da COX-1. (Isto é, os inibidores seletivos da COX-2 são muito volumosos para ter acesso ao canal hidrofóbico menor da enzima COX-1.) Os inibidores seletivos da COX-2 exibem uma seletividade aproximadamente 100 vezes maior para a COX-2 do que para a COX-1. Farmacologia dos Eicosanóides | 713 Glicocorticóides A prednisona e outros glicocorticóides inibem a ação da COX-2 e a formação de prostaglandinas através de vários mecanismos: (1) reprimem o gene da COX-2 e a expressão da enzima; (2) reprimem a expressão de citocinas que ativam a COX-2; e (3) limitam o reservatório disponível de substrato da COX-2 (ácido araquidônico) através de bloqueio indiretoda fosfolipase A2. Os glicocorticóides também estimulam as vias antiinflamatórias endógenas. Todos esses mecanismos em conjunto criam um poderoso efeito antiinflamatório. Devido a essa supressão pro- funda e global das respostas imunes e inflamatórias, os gli- cocorticóides estão indicados para o tratamento de diversos distúrbios auto-imunes (ver Cap. 44). Inibidores das Citocinas As citocinas proinflamatórias, TNF-� e IL-1, intensificam a produção de prostaglandinas e supra-regulam a COX-2. As novas tecnologias moleculares propiciaram a capacidade de ini- bir a ação dessas enzimas e, portanto, de inibir o processo pelo qual um estímulo lesivo ativa a COX-2 e desencadeia a resposta inflamatória. Três antagonistas do TNF-�, o etanercepte, o infliximab e o adalimumab, são atualmente utilizados no trata- mento da artrite reumatóide. O etanercepte consiste no domínio extracelular do receptor de TNF-� acoplado à IgG1 humana; o infliximab é um anticorpo monoclonal murino humaniza- do, dirigido contra o TNF-�; e o adalimumab é um anticorpo IgG1 monoclonal totalmente humanizado, dirigido contra o IgG1. Esses fármacos, que têm poucos efeitos adversos, inter- rompem a destruição articular e a erosão óssea, diminuem a dor, me lhoram as articulações edematosas hipersensíveis e limitam a progressão global da doença na artrite reumatóide. Esses fár- macos também foram aprovados para uso em uma variedade de outras doenças auto-imunes (ver Cap. 44). As lipoxinas, as ATL e os análogos estáveis de lipoxina também bloqueiam as ações do TNF-�, representando uma nova abordagem potencial de tratamento (ver adiante). A anacinra é uma forma recombinante do receptor de IL-1 humano produzida em E. coli. Esse fármaco foi aprovado para uso na artrite reumatóide. Outros antagonistas da IL-1 estão sendo desenvolvidos para uso em doenças inflamatórias e auto- imunes. Para informações mais detalhadas sobre esses agentes, consultar o Cap. 44. COMPOSTOS MIMÉTICOS DOS RECEPTORES DE PROSTANÓIDES Várias aplicações interessantes de agonistas dos receptores de prostanóides estão listadas no Resumo Farmacológico, no final deste capítulo. ANTAGONISTAS DO TROMBOXANO Tanto os antagonistas dos receptores de TxA2 quanto os ini- bidores da tromboxano sintase podem constituir agentes extremamente poderosos e seletivos, capazes de inibir a ativi- dade plaquetária e proteger o organismo contra trombose e doença vascular. Teoricamente, esses antagonistas do trombo- xano poderiam servir como “super”-inibidores plaquetários no manejo de pacientes com doença cardiovascular. Além disso, pode-se esperar que os antagonistas dos receptores de TxA2, ao contrário da aspirina, possam bloquear a ação vasoconstritora dos isoprostanos. Compostos como o dazoxibeno e o pirma- grel inibem a tromboxano sintase, enquanto o ridogrel é um antagonista do receptor de TxA2. Todavia, esses antagonistas do tromboxano ainda não têm utilidade clínica, visto que o bene- fício clínico desses fármacos não é significativamente maior que o da aspirina, que é muito mais barata. INIBIÇÃO DOS LEUCOTRIENOS Inibição da Lipoxigenase A inibição da 5-lipoxigenase pode representar uma impor- tante modalidade terapêutica em doenças que envolvem uma fisiopatologia mediada pelos leucotrienos, incluindo a asma, a doença intestinal inflamatória e a artrite reumatóide. A inibição da lipoxigenase constitui uma abordagem terapêutica interes- sante nessas doenças, visto que os leucotrienos são potentes mediadores de ação local. Diversas estratégias são possíveis para o planejamento de inibidores da lipoxigenase, com base na estrutura, na função e no mecanismo das enzimas lipoxigenases. Foram desenvol- vidos inibidores suicidas da lipoxigenase (p. ex., derivados do ácido araquidônico com ligações triplas em lugar de ligações duplas) que se ligam de forma covalente ao sítio ativo, tor- nando-o inativo. Todavia, esses inibidores não estão disponí- veis para uso clínico. Agentes eliminadores de radicais, como catecóis, hidroxitolueno butilado (BHT) e �-tocoferol, retêm os radicais intermediários na reação da lipoxigenase e, dessa maneira, impedem o funcionamento da enzima; todavia, esses compostos inespecíficos não podem ser utilizados clinicamente para a inibição da lipoxigenase. Pode-se esperar que agentes que comprometem ou que alte- ram a capacidade da lipoxigenase de utilizar adequadamente o ferro não-hêmico inibam a atividade da enzima. O único inibi- dor da lipoxigenase de uso clínico é o zileuton (Fig. 41.10A), um derivado benzotiofeno da N-hidroxiuréia que inibe a 5-LOX através da quelação de seu ferro não-hêmico. Na asma, o zileuton induz broncodilatação, melhora os sintomas e pro- duz uma melhora duradoura nas provas de função pulmonar. O zileuton mostra-se efetivo no tratamento da asma induzida por frio, fármacos e alérgenos. Todavia, em virtude de sua baixa biodisponibilidade, baixa potência e efeitos adversos significa- tivos, como hepatotoxicidade, o zileuton não é tão amplamente utilizado quanto outros agentes antileucotrienos no tratamento da asma (ver adiante). Inibição da Proteína de Ativação da 5-Lipoxigenase (FLAP) A interferência na função da FLAP poderia representar uma abordagem para a inibição seletiva da atividade da 5-LOX e função dos leucotrienos. Convém lembrar que a 5-LOX é ati- vada após translocação da enzima para a membrana nuclear e atracagem com a FLAP; a FLAP liga-se também ao ácido araquidônico liberado pela fosfolipase A2 e o desloca para o sítio ativo da 5-LOX. Foram desenvolvidos inibidores da FLAP que impedem e revertem a ligação da LOX à FLAP e bloque- iam o sítio de ligação do ácido araquidônico. Entretanto, no momento atual, não se dispõe de nenhum inibidor da FLAP para uso clínico. Inibidores da Síntese de Leucotrienos Além do zileuton, não se dispõe de nenhum inibidor específico das enzimas envolvidas na síntese de leucotrienos para uso 714 | Capítulo Quarenta e Um clínico. Na atualidade, estão sendo desenvolvidos inibidores específicos da LTA4 hidrolase, que bloqueiam a biossíntese de LTB4. A adenosina, que atua através de seus receptores nos neutrófilos, inibe a biossíntese de LTB4 ao regular a liberação do ácido araquidônico e, possivelmente, ao interferir no influxo de cálcio. Além disso, acredita-se que a adenosina desempe- nhe um papel de limitar a lesão celular e tecidual durante a inflamação. A elevada renovação celular que ocorre nos locais de inflamação gera concentrações locais elevadas de adeno- sina, que podem diminuir a biossíntese de LTB4 e reduzir o recrutamento e a ativação dos leucócitos. Pode-se considerar o desenvolvimento de agonistas dos receptores de adenosina como agentes farmacológicos no controle da inflamação. Antagonistas dos Receptores de Leucotrienos O antagonismo dos receptores de leucotrienos representa um mecanismo baseado em receptores que visa inibir a broncocons- trição e os efeitos nos músculos lisos mediados pelos leucotrie- nos. Os antagonistas dos receptores de cisteinil leucotrienos (CysLT1) mostram-se efetivos contra asma induzida por antí- genos, exercício, exposição ao frio ou aspirina. Esses agentes melhoram significativamente o tônus brônquico, as provas de função pulmonar e os sintomas da asma. O montelucaste e o zafirlucaste (Fig. 41.10B) constituem os antagonistas dos receptores de cisteinil leucotrienos atualmente disponíveis, cuja aplicação clínica principal consiste no tratamento da asma. Estão sendo desenvolvidos antagonistas mais potentes do CysLT1, incluindo pobilucaste, tomelucaste e verlucaste. As futuras pesquisas provavelmente irão elucidar subtipos de receptores de cisteinil leucotrienos e suas respectivas distri- buições nos tecidos, podendo oferecer a possibilidade de anta- gonismo dirigido para tecidos específicos e aplicação desses antagonistas teciduais seletivos a outras afecções, como artrite reumatóide, doença intestinal inflamatória e vários distúrbios alérgicos. LIPOXINAS,
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