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Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina TUTORIA - DOR Resumão da Dor Sumário SP1.1 - Nocicepção 1 Nocicepção 1 Farmacologia dos AINES 6 SP2.1 - Dor Neuropática 8 Dor Neuropática 8 Dor Fantasma 14 Síndrome da Dor Regional Complexa 15 Farmacologia dos Antidepressivos Tricíclicos e Anticonvulsivantes 17 SP3.1 - Dor Profunda e Fibromialgia 19 Dor Profunda 19 Fibromialgia 19 Síndrome Miofascial 24 Farmacologia da Fibromialgia 31 SP4.1 - Dor Visceral e Nefrolitíase 32 Dor Referida 32 Dor Irradiada 33 Dor Visceral 33 Nefrolitíase 40 Farmacologia dos Antiespasmódicos 43 SP5.1 - Dor neoplásica 44 Dor Neoplásica 44 Escala Analgésica da OMS 48 Cuidados Paliativos 49 Opióides 51 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina SP1.1 - Nocicepção Nocicepção ➔ Tipos de Dor ◆ Quanto a duração ● Dor aguda: A dor rápida, também descrita como dor aguda, é sentida logo após 0,1 segundos do estímulo doloroso. É a dor mais comum, apresenta uma curta duração e é resultante de uma causa claramente identificada. ● Dor Crônica: A dor lenta ou dor crônica, como é mais conhecida, está associada à destruição tecidual. É uma dor prolongada no tempo (duração igual ou superior a 3-6 meses ou que persiste para além da cura da lesão que lhe deu origem). Difícil identificação temporal e/ou causal. ◆ Quanto ao tipo ● Nociceptiva: A dor nociceptiva surge devido a estímulos específicos aos receptores da dor. Esses receptores são sensíveis à temperatura, à vibração, à distensão e a substâncias químicas liberadas por células danificadas. A dor nociceptiva pode ser classificada em dor visceral ou dor somática. A dor visceral tem origem nos órgãos internos e pode revelar infeção, inflamação, modificações da motilidade dos órgãos, neoplasia, alterações nos nervos transmissores das sensações viscerais, ou isquemia. É descrita como uma dor subjetiva, profunda, apresentada sob a forma de espasmos ou cãibras. A dor somática é uma dor proveniente da pele, músculos, articulações, ossos ou ligamentos, dividindo-se ainda em dor superficial ou profunda. A dor superficial apresenta uma instalação aguda e imediata, enquanto a dor profunda tem tendência a ser uma dor inicialmente silenciosa. ● Não nociceptiva: A dor não nociceptiva é uma dor que não está associada a receptores específicos, sendo produzida por disfunções nas células nervosas. Surge a partir do sistema nervoso periférico e 1 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina pode ser classificada em neuropática ou simpática. A dor neuropática é definida como: “dor que ocorre como consequência direta de uma lesão ou doença do sistema nervoso somatossensorial”. A dor simpática é causada pela hiperatividade da parte simpática do sistema nervoso vegetativo, que controla o fluxo sanguíneo nos tecidos. ➔ Mecanismos ◆ Receptores ● Terminações Nervosas Livres: Os receptores para dor são terminações nervosas Livres. Eles existem dispersos nas camadas superficiais da pele, bem como em certos tecidos internos como o periósteo, as paredes das artérias, as superfícies articulares e a foice e o tentório da abóbada craniana. ● Estímulos: A dor pode ser desencadeada por diversos tipos de estímulos que são classificados como estímulos dolorosos mecânicos, térmicos e químicos. Em geral, a dor rápida é causada por tipos de estímulos mecânicos e térmicos, enquanto a crônica pode ser desencadeada pelos três tipos de estímulo. Algumas substâncias que excitam o tipo químico de dor são: bradicinina, serotonina, histamina, íons potássio, ácidos, acetilcolina e enzimas proteolíticas. Além disso, as prostaglandinas e a substância P aumentam a sensibilidade das terminações nervosas mas não excitam diretamente essas terminações. ● Natureza não Adaptativa dos Receptores para Dor: Ao contrário da maioria dos outros receptores do corpo, os receptores para dor se adaptam muito pouco e algumas vezes não se adaptam. ◆ Fibras ● Fibras A-delta: Os sinais dolorosos pontuais rápidos são desencadeados por estímulos mecânicos ou térmicos. Eles são transmitidos pelos nervos periféricos para a medula espinal por meio das fibras Ad do tipo pequeno, com velocidade entre 6 e 30 m/s. 2 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Glutamato: Acredita-se que o glutamato seja a substância neurotransmissora secretada nas terminações nervosas para a dor do tipo Ad da medula espinal. O glutamato é um dos transmissores excitatórios mais amplamente utilizados no sistema nervoso central, em geral com duração de ação de apenas alguns milissegundos. ● Fibras C: Inversamente, o tipo de dor lenta crônica é desencadeado principalmente por estímulos dolorosos do tipo químico, mas, algumas vezes por estímulos mecânicos ou térmicos persistentes. Essa dor lenta crônica é transmitida para a medula espinal por fibras Tipo C, com velocidade entre 0,5 e 2 m/s. ● Substância P: Pesquisas sugerem que os terminais de fibras para dor do tipo C que entram na medula espinal liberam tanto o neurotransmissor glutamato quanto a substância P. O glutamato atua instantaneamente e persiste apenas por alguns milissegundos. A substância P é liberada muito mais lentamente, com sua concentração aumentando em período de segundos ou mesmo minutos. De fato, foi sugerido que a sensação “dupla” de dor, sentida após agulhada, resulte parcialmente do fato do neurotransmissor glutamato gerar sensação de dor rápida, enquanto o neurotransmissor substância P gera sensação mais duradoura. ◆ Vias ● Trato Neoespinotalâmico: ○ Via que transmite a dor rápida; ○ Fibras A-delta; ○ Possui poucas sinapses; ○ Chega a pontos específicos do tálamo; ○ Via mais evoluída; ○ Sensação dolorosa epicrítica (precisa, bem definida e bem localizada); ○ “Dor em pontada” 3 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Trato Paleoespinotalâmico: ○ Via que transmite a dor lenta; ○ Fibras C (amielínicas); ○ Multissinápticas; ○ A informação é lenta, gradativa e prolongada/muito difusa; ○ Uma parte das fibras vai ao Tálamo → córtex somestésico, Giro do Cíngulo e ínsula, mas a maioria se dirige à Formação Reticular → Córtex límbico e frontal, hipotálamo, núcleos motores; ○ Esse tipo de dor não consegue ser analisada com precisão, nem sua localização, nem intensidade e nem características; ○ “Dor em queimação/cãibra”. ◆ Modulação ● Sistema de Analgesia: consiste em três grandes componentes: (1) as áreas periventricular e da substância cinzenta periaquedutal do mesencéfalo e região superior da ponte que circundam o aqueduto de Sylvius e porções do terceiro e do quarto ventrículo. Os neurônios dessas áreas enviam sinais para; (2) o núcleo magno da rafe, delgado núcleo da linha média, localizado nas regiões inferior da ponte e superior do bulbo, e o núcleo reticular paragigantocelular, localizado lateralmente no bulbo. Desses núcleos, os sinais de segunda ordem são transmitidos pelas colunas dorsolaterais da medula espinal; para (3) o complexo inibitório da dor localizado nos cornos dorsais da medula espinal. Nesse ponto, os sinais de analgesia podem bloquear a dor antes de ela ser transmitida para o encéfalo. ● Teoria do Portão da Dor: A ativação das fibras mielínicas grossas (A-alfa e A- beta) excitaria interneurônios inibitórios da substância gelatinosa de Rolando (Lâmina III) para os aferentes nociceptivos, impedindo a passagem dos impulsos dolorosos (ou seja, haveria 4 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina um fechamento da comporta/portão). Isso explica porque o massageamento ou leve fricção de uma área dolorosa proporciona alívio para a dor. A ativação das fibras amielínicas (C) e mielínicas finas (A-delta) inibiria os interneurônios inibitórios, tornando possível a passagem dos impulsos nociceptivos. A estimulação da SBPA (substância cinzenta periaquedutal), da SCPV (substância cinzenta periventricular) e núcleo magno da rafe aumenta os opióides endógenos (encefalinas, endorfinas e dinorfinas) no líquor que, juntamente com a serotonina e a noradrenalina causam analgesia. Conclui-se que a dor pode ser provocada tanto pela ativação dasvias nociceptivas como pela lesão das vias modulatórias (supressão). Farmacologia dos AINES ➔ Mecanismo e Ação Os AINEs funcionam por meio da inibição da função da enzima ciclooxigenase (COX) e, assim, reduzem a produção de prostaglandinas. A aspirina é um inibidor irreversível da COX; os AINEs restantes funcionam de maneira reversível. Fosfolipídios de membrana são inicialmente convertidos em ácido araquidônico pela fosfolipase A2 , como resultado de inflamação e dano tecidual. O ácido araquidônico é então convertido em prostaglandinas através da via da COX ou alternativamente convertido em leucotrienos pela enzima lipoxigenase. 5 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina O tipo de prostaglandina produzida depende do tecido específico. A COX existe em 3 isoformas: COX-1, COX-2, e COX-3. Acredita-se que a COX-1, a chamada forma constitutiva, esteja presente em tecidos normais e é responsável pela produção de prostaglandinas, que são vitais para processos fisiológicos normais, como a manutenção do fluxo sanguíneo renal, a proteção da mucosa gástrica e a adesividade das plaquetas. A COX-2 está ausente na maioria dos tecidos, exceto por no cérebro, útero, rins e próstata. É induzível e os níveis são suprarregulados por dano e lesão tecidual. A produção da prostaglandina E2 e prostaglandina F2a resulta em sensibilização de fibras nervosas nociceptivas a estímulos dolorosos após lesão tecidual. Os AINEs causam uma redução em sua síntese e, portanto, promovem analgesia. A COX-3 é encontrada dentro do sistema nervoso central, e acredita-se que seja o local de ação do paracetamol; a natureza exata da isoenzima não está clara atualmente. Uma ampla gama de AINEs está disponível com diferentes graus de inibição de COX-1 e COX-2. O grau de inibição de cada isoenzima determina seu perfil de efeitos colaterais. A maioria dos AINEs são administrados oralmente, com as exceções do cetorolaco e do parecoxibe (administração intravenosa), e do diclofenaco (administração oral, intravenosa e retal). São ácidos orgânicos fracos e, por isso, absorvidos rapidamente no estômago e intestino delgado. O estômago tem pH mais baixo que o intestino delgado e, portanto, mais medicamento está na forma não-ionizada mais absorvível; contudo, a principal fonte de absorção é o intestino delgado, devido à sua grande área superficial. Os AINEs têm alta biodisponibilidade devido a um limitado metabolismo hepático de primeira passagem. São moléculas altamente ligadas a proteínas e, como resultado, podem deslocar outras medicações ligadas a proteínas, levando a concentrações mais altas de medicamento livre e maior risco de eventos 6 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina adversos (p. ex.: deslocamento de varfarina da albumina, levando a maior risco de sangramento). A biotransformação é, em grande parte, hepática, com metabólitos excretados na urina. ➔ Propriedades Analgésicas A eficácia dos AINEs para o tratamento de condições dolorosas é bem conhecida. Geralmente são usados como parte de uma abordagem multimodal à analgesia. Para melhores resultados, devem ser prescritos regularmente junto com paracetamol; também devem ser prescritos em duração mínima, para evitar efeitos colaterais. A comparação direta de AINEs pode ser obtida nas tabelas de analgésicos em dor aguda da Liga de Oxford. A tabela da Liga dá a cada droga uma nota com base em seu número necessário para tratar, a fim de reduzir a dor em 50% quando comparadas a um placebo SP2.1 - Dor Neuropática Dor Neuropática ➔ Conceito Dor causada por lesão ou disfunção do sistema nervoso, como resultado da ativação anormal da via nociceptiva (fibras de pequeno calibre e trato espinotalâmico). Dor neuropática é uma dor crônica causada por uma consequência direta de lesão, ou disfunção, dos axônios ou corpo dos neurônios que cause interrupção da bainha de mielina tanto no sistema nervoso periférico quanto no central. ◆ Quatro Grandes Classes: ● Lesão nervosa periférica focal e multifocal (traumática, isquêmica ou inflamatória); 7 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Polineuropatias periféricas generalizada (tóxicas, metabólicas, hereditárias ou inflamatória); ● Lesões do SNC (acidente vascular cerebral, esclerose múltipla e lesão da coluna vertebral); ● Complexos distúrbios neuropáticos (Complexo da síndrome da dor regional – CSDR). ➔ Classificação A dor neuropática é, geralmente e de forma mais simples, classificada pela etiologia e anatomia. Do ponto de vista etiológico periférico, a dor neuropática pode ser devido a neuropatias de diferentes causas, radiculopatias, plexopatias, sendo de origem primária ou secundária. As neuralgias são condições, na maior parte das vezes, de natureza idiopática ou disfuncionais. A dor neuropática de origem central tem etiologia vascular, desmielinizante, traumática, tumoral, compressiva, degenerativa, malformativa e imunológica. Além dessa classificação mais simples, há uma tendência atual de se classificar a dor neuropática baseada em mecanismos. ◆ Mecanismos Periféricos ● Resposta Inflamatória: Após a ocorrência de um evento causador de lesão direta do nervo, ocorre primeiramente uma resposta inflamatória. A lesão no nervo resulta, além da inflamação, na degeneração Walleriana. Esses eventos induzem a ativação e migração de macrófagos e células de Schwann para o nervo e gânglio da raiz dorsal. O recrutamento e ativação destes macrófagos fazem com que as metaloproteases sejam ativadas interrompendo a barreira hemato-encefálica. Na sequência, mediadores vasoativos são liberados no local da lesão causando hiperemia e inchaço, promovendo a invasão de monócitos e linfócitos T. Os monócitos são atraídos para o local da lesão pelas quimiocinas CCL2 (quimiocina ligante 2) e CCL3 (quimiocina ligante 3). Os macrófagos e mastócitos liberam prostaglandinas e citocinas IL -1β, IL-6, IL-18, TNF (fator de necrose tumoral) e o fator de inibição da leucemia (LIF). Todos estes fatores induzem a ativação das fibras nociceptivas. As fibras Aβ são as que apresentam maior quantidade de impulsos ectópicos na vigência de lesão em nervo periférico. 8 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina Estas fibras enviam respostas exageradas para a medula espinhal e, associadas à sensibilização central, contribuem para o desenvolvimento da dor espontânea, da hiperalgesia e da alodinia. As descargas contínuas nas fibras C podem produzir sensações de queimação intermitente, enquanto que descargas espontâneas em fibras Aβ ou Aδ podem produzir disestesias cortante ou parestesias. ● Neuroma: Um neuroma pode se formar no local da lesão. Descargas anormais ectópicas a partir de um neuroma parecem ser causadas por alterações intracelulares de diferentes subtipos de canais de sódio. Isto leva ao aumento da frequência de disparo, possivelmente resultando em não apenas dor espontânea, mas também a sensibilização central. ● Canais de Sódio: O aumento da atividade ectópica espontânea é acompanhado por um aumento da expressão do RNA mensageiro de genes que codificam canais de sódio, como o Nav1.3 (proteína do canal de sódio tipo 3) e Nav1.8 (proteína do canal de sódio tipo 8), nos neurônios aferentes primários. O Nav1.3 é um canal de sódio que, após lesão nervosa, se acumula ao redor de neurônios sensoriais e desempenha papel significativo no aumento da excitabilidade neuronal, contribuindo assim para a dor neuropática. O Nav1.8 é o canal que predominantemente está envolvido na abertura dos canais de sódio em condições fisiopatológicas da dor, e que a localização deste canal sugere que intervenções farmacológicas podem ajudar na terapia de neuropatias. Esses canais de sódio não só se acumulam no local da lesão do nervo periférico, mas também ao redor e dentro do gânglio da raiz dorsal (GRD) intacta. Assim os disparos ectópicos ocorrem no GRD quando atingem seu limiar. ● Canais de Potássio: Além dos canais de sódio, vários outros canais iônicos, sofrem alterações após lesão no nervo, como por exemplo, os canais de potássio. Um estudo testou o papeldos canais de cálcio e potássio na transmissão sensorial na medula espinhal e concluíram que os canais de potássio ao serem bloqueados provocaram um aumento no estímulo nociceptivo. 9 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Fibras não lesionadas: Há evidências crescentes de que fibras não lesionadas que se misturam com fibras em degeneração podem participar da sinalização da dor expressando canais de sódio durante inflamação e como esses neurônios estão ainda conectados com seus órgãos alvo eles podem ter um papel crucial na geração da dor neuropática. ◆ Mecanismos Centrais Como consequência da hiperexcitabilidade dos nociceptores periféricos, mudanças secundárias ocorrem no corno dorsal da medula espinal (CDME). O aumento da atividade neuronal propaga essa hiperexcitabilidade para os segmentos espinhais. Este evento é chamado de sensibilização central. Quando a sensibilidade central é estabelecida normalmente, estímulos inócuos táteis são capazes de ativar na medula espinhal sinais dolorosos a partir de neurônios de baixo limiar como as fibras Aδ e Aβ. Acredita-se ser esse o mecanismo responsável pelo fenômeno clínico da alodinia. No nível molecular, a sensibilização central ocorre quando os aminoácidos excitatórios (como glutamato e aspartato) e a substância P ligam-se aos receptores localizados nos neurônios de transmissão do CDME (neurônios de segunda ordem). Os receptores específicos para glutamato incluem os receptores NMDA e os receptores AMPA, que podem acentuar e prolongar a despolarização. Isso pode aumentar a sensibilidade dos neurônios de transmissão do corno dorsal. Além disso, os receptores NMDA podem estar envolvidos na potencialização da transmissão sináptica ao cérebro, processo potencialmente responsável pela ''memória da dor'' (dor do membro fantasma). A ativação de receptores AMPA pode sensibilizar ainda mais os receptores NMDA. ◆ Via Inibitória Descendente Em animais com lesão neuropática, a via inibitória descendente torna-se ineficaz ou com a eficácia diminuída. A inibição descendente diminuída faz com que a probabilidade de um neurônio do CDME emitir impulsos de forma mais enérgica aumente. A noradrenalina e os inibidores da recaptação de serotonina podem atenuar esse problema, pois, aumentando os níveis de noradrenalina e serotonina pós-sináptica a via inibitória descendente da dor é ativada resultando na atenuação da hiperexcitabilidade neuronal e alívio da dor. 10 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Inibição Mediada pelo GABA: A lesão do nervo pode também atrapalhar a inibição mediada pelo GABA nos neurônios que atuam na transmissão da dor na medula espinhal. A perda dessa atividade pode estar dentro dos interneurônios que são os responsáveis por liberar o “freio” na sensibilização central dos neurônios do corno dorsal. A perda deste processo inibitório pode contribuir para a dor espontânea, hiperalgesia e alodinia. Foi demonstrado que, após lesão nervosa periférica, houve apoptose trans-sináptica mediada pelo glutamato, provocando a perda de interneurônios gabaérgicos, se assemelhando a uma condição neurovegetativa crônica, contribuindo para a dor neuropática. As lesões que afetam os sistemas opiodergicos e monoaminérgicos também levam a exacerbação da dor por desinibição ➔ Avaliação da Dor e Aspectos Clínicos ◆ Avaliação da Dor A semiologia deverá incluir, quanto à dor: história evolutiva, características, descritores verbais, terminologia, escalas multidimensionais e exame neurológico. A história clínica evolutiva deverá ser meticulosa, identificando o início, os possíveis fatores associados, o perfil temporal e as características da condição dolorosa. A avaliação das características da condição dolorosa deve guiar-se por questões sobre: ● Qualidade: Como é sua dor e os fenômenos associados? ● Impacto: O que em você ou em sua vida mudou com sua dor? ● Local: Mostre onde é a dor e para onde se propaga. ● Intensidade: Em uma escala de 0 (sem dor) a 10 (a pior dor possível), dê o grau de sua dor agora. ● Características temporais: Início, constância ou intermitência, padrão previsível ● Fatores de agravamento e alívio: O que melhora ou piora sua dor, toma analgésicos, quando faz efeito e por quanto tempo? 11 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Resposta a tratamentos prévios. ● Expectativas e metas com o tratamento. ◆ Parestesia: é uma sensação anormal não desagradável, como os formigamentos e os agulhamentos. ◆ Disestesia: É uma sensação desagradável, normalmente de “queima” provocado provavelmente por descargas ectópicas em qualquer tipo de fibra nervosa. As dores evocadas são chamadas de hiperalgesia e alodinia. ◆ Hiperalgesia: Também chamada de hiperpatia, é a resposta exagerada a um estímulo doloroso. ◆ Alodinia: É uma dor produzida por um estímulo que normalmente não causa dor, como por exemplo um leve toque na pele. ➔ DIagnóstico Identificar a dor neuropática na prática clínica é uma tarefa difícil. A sensação dolorosa não pode ser mensurada objetivamente, não existindo ainda um consenso universal para o diagnóstico da dor neuropática. Entretanto, propuseram recentemente três níveis de diagnóstico: possível, provável e definitivo. 12 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Tratamento ◆ Farmacológico ● Carbamazepina: Seu efeito é exercido ao bloquear a condutância iônica frequência-dependente em canais de sódio, suprimindo assim a atividade espontânea de fibra A-delta e C e a atividade espontânea ectópica periférica. ● Gabapentina: Seu efeito é exercido tanto sobre dor paroxística como na hiperalgesia e alodinia. ● Pregabalina: A pregabalina é uma analogia estrutural do GABA, antagonista α2δ, com efeitos indiretos em canais de cálcio. ◆ Não Farmacológico ● Psicoterapia ● Fisioterapia ● Terapia Ocupacional ● Orientação Vocacional Dor Fantasma Classificada como uma das Síndromes Dolorosas Neuropáticas, a dor fantasma é a sensação dolorosa na área do corpo que foi amputada. Sua fisiopatologia não é compreendida por completo, porém, pode ser caracterizada pela disfunção do sistema nervoso periférico secundária à amputação e pelas alterações de neuroplasticidade desencadeadas no sistema nervoso central. Ocorre hiperatividade das membranas neuronais com o aumento das atividades sinápticas em regiões previamente funcionais e em outras silenciosas. Além das alterações funcionais, há persistência da representação sensitiva da região desaferentada no sistema nervoso central. 13 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Fisiopatologia ◆ Terminações Nervosas: A observação clínica que a DF pode se desenvolver logo após a amputação, sugere que outros fatores, para além da formação do neuroma, aparecimento de atividade ectópica, sobrerregulação dos canais de sódio e alterações nos campos receptivos contribuam para o desenvolvimento precoce desta dor. A não eliminação da DF crónica pelo bloqueio periférico e pela remoção do neuroma sugere que alterações mais centrais estarão envolvidas. ◆ Fatores supra espinhais: Alterações nas sinapses nervosas sensitizadas e reorganizadas aumentam a atividade do sistema nervoso e desencadeiam alterações secundárias no processamento somatossensorial (reorganização cortical). ➔ Conduta Terapêutica ◆ Não farmacológico ● Massageamento ● Enfaixamento elástico ● Cinesioterapia ● Psicoterapia ◆ Farmacológico ● Antidepressivos Tricíclicos (amitriptilina) ● Anticonvulsivantes (carbamazepina e gabapentina) ● Opióides Síndrome da Dor Regional Complexa Síndrome da dor regional complexa é uma dor neuropática crônica que ocorre após lesão de tecido mole ou ósseo (tipo I) ou lesão de nervo (tipo II) e persiste com intensidade e duração desproporcional à lesão do tecido original. 14 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Fisiopatologia A fisiopatologia não está clara, mas a sensibilização central e nociceptiva periférica e a liberação de neuropeptídeos (substância P, peptídeo relacionado com o gene da calcitonina) ajudam a manter a dor e a inflamação.O sistema nervoso simpático está mais envolvido na SDRC que em outras síndromes de dor neuropática: a atividade simpática central está aumentada e os nociceptores periféricos estão sensibilizados para noradrenalina (um neurotransmissor simpático); essas alterações podem causar sudorese anormal e fluxo sanguíneo deficiente decorrente de vasoconstrição. Apesar de tudo, apenas alguns pacientes respondem à manipulação simpática (i. e., bloqueio simpático central ou periférico). ➔ Sinais e Sintomas ◆ A dor — em queimação ou contínua — é comum. ◆ Alterações vasomotoras cutâneas e anormalidades sudomotoras podem estar presentes. ◆ Anormalidades tróficas e anormalidades motoras. ◆ Distúrbios psicológicos. ➔ Diagnóstico Avaliação clínica. Diagnostica-se a CRPS quando os pacientes têm dor contínua desproporcional a qualquer lesão tecidual original e quando a dor corresponde a certos critérios clínicos (critérios de Budapeste). Esses critérios incluem a existência de 2 de 4 sinais e de 3 a 4 sintomas das seguintes categorias (os sinais e sintomas se sobrepõem): ◆ Sensorial: hiperestesia (como sinal, ao estímulo de picada) ou alodinia (como sinal, em testes sensoriais)Vasomotor: assimetria de temperatura (> 1 °C como sinal) ◆ Vasomotor: assimetria de temperatura (> 1 °C como sinal) ou alterações assimétricas na coloração da pele ◆ Sudomotor ou edema: alterações na transpiração, sudorese assimétrica ou edema 15 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ◆ Motora ou trófica: alterações tróficas na pele, cabelo ou unhas, diminuição da amplitude de movimento ou disfunção motora (fraqueza, tremor e/ou distonia) ➔ Tratamento ◆ Farmacológico ● Antidepressivos tricíclicos ● Anticonvulsivantes ● Corticoides ● Opióides ◆ Não Farmacológico ● Fisioterapia ● Dessensibilização do membro com alodinia ● Terapia de espelho Farmacologia dos Antidepressivos Tricíclicos e Anticonvulsivantes ➔ Antidepressivos Tricíclicos Os antidepressivos tricíclicos (ADT) são uma classe de fármacos usados no tratamento sintomático da depressão e outras síndromes depressivas. São assim denominados devido a presença de três anéis aromáticos em sua estrutura. Eles bloqueiam os transportadores de membrana dos neurônios pré-sinápticos que recolhem monoaminas neurotransmissoras do exterior e, portanto, maximizam a duração da sua ação nos neurônios pós -sinápticos, ao permitir que atuem na biofase durante mais tempo. A maioria dos tricíclicos bloqueia os transportadores de noradrenalina, dopamina e serotonina. Os ADT são usados no tratamento da depressão crônica ou profunda, e das fases depressivas na doença bipolar. Também usados no tratamento de dor neuropática (dor por disfunção nos neurônios das vias da dor) que não responde a opioides. 16 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ◆ Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRSs) Ao invés de atuar como os ADT, bloqueando toda a receptação de neurotransmissores em nível sináptico, os ISRS atuam bloqueando especificamente a proteína receptadora de serotonina 5 HT. Por esta razão, eles são menos perigosos que os tricíclicos e não causam efeitos secundários autonômicos, mas são possivelmente menos eficazes em casos de depressão profunda. ◆ Inibidores de Monoaminoxidase Os fármacos inibidores da MAO inibem a enzima monoamina oxidase MAO, responsável por metabolizar monoaminas como a noradrenalina, dopamina e serotonina, aumentando assim a concentração sináptica destas e condicionando maior excitação dos neurônios que possuem receptores para estes mediadores. 17 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Anticonvulsivantes Os anticonvulsivantes ou antiepilépticos formam um grupo de remédios voltados principalmente para o tratamento e prevenção de crises convulsivas e epiléticas. Por isso, a categoria também é chamada popularmente de remédio para convulsão. Entretanto, os antiepiléticos extrapolam o que sugere o seu próprio nome. Os anticonvulsivantes possuem mecanismos de múltipla ação, sendo capazes de tratar também diversas outras doenças. Os medicamentos anticonvulsivantes agem por diferentes mecanismos e múltiplas ações. Isso pode variar de acordo com cada substância e seus diferenciais dentro da categoria de medicamento para convulsão. Mas em síntese, esses fármacos objetivam inibir a despolarização neuronal anômala. Isso é, suprimem o excessivo disparo acelerado dos neurônios – em outras palavras, a atividade que acontece durante uma convulsão. Outra função é evitar que esse ataque se propague no cérebro. Dessa maneira, conseguem controlar e evitar crises epiléticas. Para isso, os anticonvulsivos atuam no sistema nervoso por meio de uma ou mais ações como essas: ◆ Bloqueio da função dos canais de sódio ◆ Potencialização da função GABA ◆ Bloqueio da função dos canais de cálcio ◆ Inibição dos receptores de glutamato 18 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina SP3.1 - Dor Profunda e Fibromialgia Dor Profunda ➔ Dor nociceptiva consequente à ativação de nociceptores dos músculos, fáscias, tendões, ligamentos e articulações. ➔ Suas principais causas são: estiramento muscular, contração muscular isquêmica (exercício exaustivo prolongado), contusão, ruptura tendinosa e ligamentar, síndrome miofascial, artrite e artrose. ➔ É mais difusa que a dor somática superficial, apresenta localização imprecisa, sendo em geral descrita como dolorimento, dor surda, dor profunda e, no caso da contração muscular isquêmica, como cãibra. ➔ Sua intensidade é desproporcional à do estímulo causal, mas comumente vai de leve à moderada. ➔ Às vezes, pode manifestar-se como dor referida. Fibromialgia A fibromialgia é uma síndrome álgica musculoesquelética crônica, de duração superior a 3 meses, generalizada, na qual existe um distúrbio do processamento dos centros aferentes, causando dor. De natureza não autoimune e não inflamatória; causa grande impacto na qualidade de vida e é uma das doenças reumáticas mais comuns. Embora seja muito frequente, seu diagnóstico permanece um desafio, demorando em média mais de 2 anos para o diagnóstico ser feito. ➔ Etiologia Acredita-se que sua causa seja, essencialmente, multifatorial, com aspectos genéticos e psicológicos exercendo papel sobre o desenvolvimento da doença. ◆ Traços de personalidade ◆ Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ◆ Depressão ◆ Ansiedade 19 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ◆ Alterações do padrão do sono e da resposta neuroendócrina ao estresse ◆ Heranças genéticas ➔ Fisiopatologia ◆ Sensibilização Central ● Hiperestimulação de Fibras Tipo C: As fibras da dor (fibras C desmielinizadas) são estimuladas repetida, rápida e prolongadamente. Isso amplifica os potenciais de ação nos neurônios do corno posterior da medula. E essa hiperestimulação causa despolarização dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), gerando alterações da transcrição que afetam o processamento da dor. ● Inibição das Vias Descendentes Inibitórias: Essas vias modulam a resposta medular aos estímulos dolorosos e estão prejudicadas em portadores de fibromialgia, o que potencializa a sensibilização central. ● Níveis de neurotransmissores: estão implicados na percepção da dor pelo indivíduo, facilitando ou dificultando a transmissão do estímulo. Esses transmissores também controlam o sono, humor, memória e atenção, e por isso pacientes com fibromialgia muito frequentemente também apresentam alterações do padrão do sono, humor, da memória e da atenção. ◆ Alterações Musculares ● Alterações musculares: atrofia muscular de fibras tipo II, bem como fibras reticulares, maior quantidade de lipídeos e de mitocôndrias. Essas alterações são secundárias à redução da microcirculação local, causando hipóxia e reduzindo a energia disponível. Como, na contração, há maior necessidade de oxigênio, isso acaba causando hipóxias focais cronicamente. Esse processo ativa os receptores adenosina A2, sensibilizando fibras nervosas não-mielinizadas. Além disso, há desregulação vascular,aumento de substância P nos músculos, de interleucina-1 (IL-1) no tecido cutâneo e fragmentação do DNA de fibras musculares. 20 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ◆ Alterações Neuro-hormonais e Autonômicas ● ACTH: A cronicidade da dor e alterações nos mecanismos nociceptivos no SNC geram uma hipersecreção do hormônio ACTH (adrenocorticotrófico). Essa hipersecreção ocasiona uma resposta sustentada ao estresse pelo eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal (HHS). ● Somatostatina: altos níveis de ACTH aumentam os níveis do hormônio somatostatina, que, por sua vez, inibe o GH. Este hormônio também é produzido na fase IV do sono, fase esta que é interrompida nos pacientes fibromiálgicos. Logo, os níveis de GH nesses indivíduos é reduzido, particularmente durante o sono. ● Hiperreatividade Persistente: Alterações na frequência cardíaca de repouso, diminuição da variabilidade desta ao longo do dia e hipotensão ortostática sugerem uma hiperreatividade persistente do sistema nervoso autônomo (SNA) em pacientes com fibromialgia. ● Tônus Simpático: Um aumento do tônus simpático durante o sono foi sugerido como possível explicação para a fragmentação do sono, além de poder explicar fadiga, rigidez matinal, distúrbios do sono, ansiedade e irritabilidade nesses pacientes. ● Sono Alfa-delta: O sono não-REM possui quatro fases. À medida que essas fases progridem e o sono mais profundo é alcançado, a frequência das ondas cerebrais diminui. Na vigília com olhos fechados, as ondas possuem uma frequência entre 8 Hz e 13Hz – chamadas de ondas alfa. A fase I é uma transição da vigília e, no eletroencefalograma, se associa a ondas teta (4 a 7 Hz); já a fase IV é constituída majoritariamente por ondas delta (<4 Hz). É a fase IV, formada pelas ondas delta, a responsável pelo sono reparador e recuperador da energia física. Em pacientes com fibromialgia, há redução da eficiência do sono, com pequenos despertares noturnos frequentes, diminuição da duração de sono de ondas lentas e intrusão de ondas alfa nas fases do sono profundo. Esse padrão é chamado de sono alfa-delta e está presente em cerca de 90% dos pacientes. 21 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Quadro Clínico ◆ Dor difusa crônica (generalizada, de intensidade variável, migratória, bilateral, acima e abaixo do tronco e no esqueleto axial, com duração maior que 3 meses); ◆ Fadiga; ◆ Distúrbios do sono. O paciente geralmente apresenta exame físico normal, à exceção da presença de dor difusa. Esta pode ser identificada tanto pela contagem de pontos dolorosos, como pela palpação digital de várias regiões do corpo. ➔ Diagnóstico ◆ Critérios antigos (1990) ● Dor difusa (bilateral, acima e abaixo do tronco, acometendo esqueleto axial, por no mínimo 3 meses); ● Detecção de onze pontos dolorosos à palpação (dentre 18), os chamados tender points. ◆ Critérios Novos ● IDG - índice de dor generalizada: marcar as áreas que o paciente sentiu dor nos últimos 7 dias; ● EGS - escala de gravidade dos sintomas: marcar a gravidade dos sintomas nos últimos 7 dias. 22 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ◆ Classifica-se como fibromialgia se 3 condições estiverem presentes: ● IDG ≥ 7 e EGS ≥ 5, ou IDG 3-6 e EGS ≥ 9; ● Sintomas estáveis e presentes por pelo menos 3 meses; ● Não houver outra causa que explique os sintomas. ➔ Subtópico ◆ Medicamentoso ● Pregabalina: é um modulador do canal de cálcio, que diminui a liberação de neurotransmissores excitatórios da dor nas terminações nervosas, particularmente a substância P e o glutamato. 23 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Duloxetina: é um inibidor da receptação da serotonina e da noradrenalina. Os antidepressivos provavelmente são os mais utilizados no tratamento de manutenção. ● Amitriptilina: Entre os tricíclicos, a amitriptilina é o fármaco que reúne mais informação na literatura, inibe a recaptação tanto de noradrenalina como de serotonina, o que em sistemas moduladores descendentes gera analgesia central. ● Ciclobenzaprina: possui uma estrutura semelhante à da amitriptilina, o que lhe classifica também como tricíclico. A ciclobenzapina foi, inicialmente, lançada como um fármaco com efeito antipsicótico; e, atualmente, sua prescrição mais frequente tem como indicação a de relaxante muscular de ação central. ◆ Não Medicamentoso ● Educação do paciente sobre a doença; ● Exercícios músculo-esqueléticos; ● Terapia cognitivo-comportamental. Síndrome Miofascial A síndrome dolorosa miofascial é uma síndrome dolorosa regional associada à presença de trigger points (pontos gatilho), que são pontos hipersensíveis em uma banda muscular tensa palpável. Quando localizados e submetidos à pressão digital, estes pontos contraem-se e desencadeiam a dor (local ou irradiada). A principal diferença entre fibromialgia e SDM é o fator regional da segunda. ➔ Pontos-gatilho O ponto gatilho corresponde a um nódulo hipersensível, dentro de uma banda tensa, composto microscópicamente por nós de contração. Este ponto pode ser classificado quanto a sua atividade, a sua localização e à presença de outros pontos. 24 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ◆ Classificação quanto a sua atividade ● Ativo: ponto gatilho que desencadeia sintomas, como a manifestação de dor local, irradiada ou referida ou parestesia. ● Latente: ponto gatilho de paciente assintomático, mas que gera dor ao ser pressionado ◆ Quanto a localização ● Central: ponto gatilho que se encontra no meio da fibra muscular. ● De inserção: ponto gatilho localizado na área de inserção tendínea. ◆ Quanto a presença ● Primário: ponto gatilho que isoladamente é o responsável por toda a dor regional do paciente. Geralmente, após o tratamento, os sintomas cessam. ● Secundário: ponto gatilho concomitante a outro ponto, localizado numa musculatura sinérgica ou antagonista àquela que tem o ponto primário. ● Satélite: ponto gatilho em uma área de dor referida, mas que não é responsável pela dor daquela região ◆ Localização dos Pontos ● Inserção dos músculos suboccipitais na nuca; ● Ligamentos dos processos transversos da quinta à sétima vértebra cervical; ● Borda rostral do trapézio; ● Origem do músculo supraespinhal; ● Junção do músculo peitoral com a articulação costocondral da segunda costela; ● Dois centímetros abaixo do epicôndilo lateral do cotovelo; 25 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Quadrante súpero-externo da região glútea, abaixo da espinha ilíaca; ● Inserções musculares no trocanter femoral; ● Coxim gorduroso, pouco acima da linha média do joelho ◆ Formação os PG Uma lesão no sarcolema ou destruição do retículo sarcoplasmático, devido a um microtraumatismo, resulta em liberação de Ca++ e acúmulo deste próximo ao local da lesão. O Ca++ livre interage diretamente com os miofilamentos, mesmo sem a presença de um potencial de ação, promovendo uma contração muscular mantida. Estando a circulação sanguínea normal, este processo é revertido pela remoção de Ca++ de volta para o retículo sarcoplasmático, o que finaliza a contração muscular. Nos casos em que a circulação local está comprometida, a remoção de Ca++ não acontece ou é insuficiente, resultando em uma área rígida, isquêmica, com acúmulo de resíduos metabólicos e sem chegada de fontes de energia. Por falta de fontes de energia, os sarcômeros não possuem ATP suficiente para ativar a bomba de Ca++, e assim não ocorre por seu retorno para o retículo sarcoplasmático, resultando em uma contração muscular máxima e sustentada dos sarcômeros31 . A dor sentida no local da lesão pode ser explicada pela liberação de 26 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina substâncias, como bradicinina, prostaglandinas e histaminas, que podem sensibilizar nociceptores, devido à hipóxia local intensa e a crise energética dos tecidos. ➔ Fisiopatologia A síndrome dolorosa miofascial, geralmente, é precedida por algum evento desencadeador. Logo, um trauma, por exemplo, leva a banda muscular a ficar tensa e a desenvolver pontos gatilhos, que inicialmentesão latentes. Estes podem se encaminhar para a recuperação espontânea, persistir sem progressão ou evoluir para pontos gatilhos ativos, quando submetidos a algum tipo de estresse: fatores ergonômicos, posturais ou, até mesmo, estresse emocional. O ponto gatilho ativo, quando submetido a fatores perpetuadores, gera pontos gatilhos adicionais e a cronicidade, uma vez que se torna um ciclo vicioso. Entre os fatores perpetuadores, está inclusa a reexposição ao trauma ou ao estresse e diversos outros fatores. ◆ Fatores Ergonômicos ● Hipermobilidade frontal da postura do pescoço; ● Postura anteriorizada dos ombros; ● Má postura relacionada a atividades do trabalho; ● Postura estática prolongada; ● Atividades repetitivas; 27 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Atividades relacionadas ao estresse; ● Uso de telefone e/ou computador; ● Ombro congelado; ● Síndrome de impacto; ◆ Fatores Médicos ● Hormonais: Hipotireoidismo, Deficiência de testosterona e Deficiência de estrógeno; ● Nutricionais: Deficiência de vitamina D e Deficiência de ferro; ● Infecciosos: Doença de Lyme e Babesiose. ◆ Fatores Estruturais ● Escoliose; ● Inadequação funcional ou estrutural do tamanho da perna ; ● Assimetria da altura pélvica; ● Torção pélvica; ● Disfunção da articulação sacroilíaca; ● Artrite; ● Osteoartrite da coluna ou quadril. ➔ Quadro Clínico O paciente com SDM cursa com dor regional, referida ou irradiada para áreas adjacentes ou distantes. Essa dor é reproduzida com a compressão do ponto gatilho durante o exame físico. Ademais, a SDM pode gerar também sinais sensoriais, como parestesia (sensação de formigamento) ou lacrimejamento, a depender da localização do ponto gatilho. Associado a este quadro, comumente, o paciente refere restrição da amplitude de movimento articular e fraqueza muscular. 28 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Diagnóstico ◆ Exame Físico No exame físico é essencial que o ponto gatilho seja localizado. Alguns sinais podem auxiliar nesta localização: dermografismo (elevação cutânea em decorrência do contato) e paniculose local (vermelhidão). Técnica de pinçamento-rolamento: consiste em uma sensibilização periférica segmentar, ou seja, palpa-se a musculatura gradativamente, por meio de pinçamento, até se encontrar a região mais tensa, onde provavelmente estará o trigger point. ◆ Clínica O diagnóstico da síndrome dolorosa miofascial é clínico e consiste na associação entre: História de dor referida com padrão miofascial; Identificação do ponto gatilho e aplicação dos critérios diagnósticos Para a constatação positiva, deve-se ter os cinco critérios maiores e, pelo menos, um menor; Identificação dos fatores perpetuadores e amplificadores. ◆ Critérios Diagnósticos Maiores (TODOS OS 5) ● Queixa de dor regional; ● Queixa dolorosa ou alteração sensorial na distribuição de dor referida esperada; ● Banda muscular tensa palpável; ● Ponto dolorido na banda muscular tensa; ● Restrição de alguns graus de amplitude de movimento. ◆ Critérios Diagnósticos Menores (PELO MENOS 1) ● Reprodução da queixa durante pressão no ponto gatilho; ● Twich response (resposta contrátil local) durante a inserção de agulha ou palpação transversal do ponto gatilho na banda tensa; ● Alívio da dor após a infiltração (agulhamento) do ponto gatilho. 29 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Tratamento ◆ Farmacológico ● Antidepressivos duais ou tricíclicos; ● Relaxantes musculares; ● Opioides fracos; ● Gabapentinoides; ● Anti-inflamatórios não esteroidais; ● Analgésicos simples; ● Benzodiazepínicos. Estes trazem maiores benefícios para as pessoas que têm o estresse emocional como fator perpetuador da SDM. ◆ Não Farmacológico ● Modificação postural mecânica e ergonômica; ● Exercício físico, consistindo em alongar e fortalecer os músculos; ● Aplicação de gelo sobre o local; ● Cinesioterapia: melhora a flexibilidade, a funcionalidade e reduz a dor. Trabalha com alongamento, fortalecimento, propriocepção e resistência muscular; ● Meditação ou terapia cognitivo-comportamental: redução do estresse emocional. ◆ Tratamentos Invasivos (inativação de PG) ● Acupuntura; ● Agulhamento com anestésico local; ● Infiltração com toxina botulínica; ● Agulhamento a seco. 30 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina Farmacologia da Fibromialgia ➔ Infiltração de Anestésicos Os Anestésicos Locais atuam na membrana celular ligando-se reversivelmente a um receptor específico no poro dos canais de sódio (Na +) dos nervos. O processo de condução de fenômenos excitatórios através do nervo é resultado de fenômenos eletroquímicos. A condutibilidade se dá através de uma diferença de potencial da membrana, que tem seu interior mais negativo que o exterior, estabelecido principalmente pela bomba de sódio e potássio, transportando sódio para o meio extracelular e potássio para o meio intracelular. AL impedem a geração e condução de impulsos nervosos ao interferir na permeabilidade da membrana ao sódio, bloqueando esses canais e impedindo a condução de estímulo na fibra nervosa. A gradação de bloqueio nervoso é afetada pelo diâmetro do nervo. Quanto maior o diâmetro da fibra nervosa, maiores as concentrações de fármaco para atingir um bloqueio eficiente. ➔ Antidepressivos Tricíclicos ◆ Inibição da captação do neurotransmissor: Os ADTs e a amoxapina são inibidores potentes da captação neuronal de norepinefrina e serotonina no terminal nervoso pré-sináptico. A maprotilina e a desipramina são inibidores relativamente seletivos da captação de norepinefrina. ◆ Bloqueio de receptores: Os ADTs também bloqueiam os receptores serotoninérgicos, α-adrenérgicos, histamínicos e muscarínicos. As ações nesses receptores provavelmente são responsáveis por muitos dos seus efeitos adversos. A amoxapina também bloqueia os receptores 5-HT2 e dopamina D2. Estes fármacos agem alterando o metabolismo da serotonina e a noradrenalina, e nos nociceptores periféricos e mecânico- receptores, promovendo analgesia periférica e central, potencializando o efeito analgésico dos opióides endógenos, aumentando a duração da fase 4 do sono n-REM, melhorando os distúrbios de sono e diminuindo as alterações de humor destes pacientes. A amitriptilina de 12,5-50mg, ministrada normalmente de 2 a 4 horas antes de deitar, demonstra melhora na fadiga, no quadro doloroso e no sono destes pacientes. 31 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina A ciclobenzapina, um agente tricíclico com estrutura similar à da amitriptilina, é uma droga que não apresenta efeitos antidepressivos, sendo utilizada como miorrelaxante. Doses de 10 a 30 mg, tomadas 2 a 4 horas antes de deitar, apresentam eficácia significativa no alívio da maioria dos sintomas da fibromialgia. A eficácia e a tolerabilidade da amitriptilina e da ciclobenzapina no tratamento da fibromialgia podem ser consideradas semelhantes. SP4.1 - Dor Visceral e Nefrolitíase Dor Referida Frequentemente, a pessoa sente dor em uma parte do corpo que fica distante do tecido causador da dor. Essa é a chamada dor referida. Ramos das fibras para a dor visceral fazem sinapse na medula espinal, nos mesmos neurônios de segunda ordem (1 e 2) que recebem os sinais dolorosos da pele. Quando as fibras viscerais para a dor são estimuladas, os sinais dolorosos das vísceras são conduzidos pelo menos por alguns dos mesmos neurônios que conduzem os sinais dolorosos da pele, e a pessoa tem a impressão de que as sensações se originam na pele. Dor Irradiada A dor irradiada, também chamada de dor radicular, é produzida pelo estiramento, torção, compressão ou irritação de uma raiz espinhal, central ao forame intervertebral. Apesar de possuir muitas das características da dor referida, ela difere quanto à intensidade, aos fatores agravantes e atenuantes e ao tipo de disseminação. 32 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina Suas características são de uma dor aguda e muito intensa, que quase sempre se inicia em uma região central, próxima à coluna, e se dirige para uma parte da extremidadeinferior. Seu melhor exemplo é a compressão da 4ª e da 5ª raízes lombares e 1ª raíz sacral por uma hérnia de disco intervertebral, produzindo a dor ciática. Ela se estende caudalmente através da parte posterior da coxa, ântero-lateral e posterior da perna até o pé. Parestesia ou perda da sensibilidade da pele e diminuição da sensibilidade de algumas regiões ao longo do nervo geralmente estão associadas. Se coexistir envolvimento das raízes anteriores, podem, ainda, ocorrer perda de reflexos, atrofia, diminuição da força muscular, fasciculações e edema de estase. Ações que causam estiramento do nervo (flexão do tronco sobre as pernas estendidas, elevação das pernas em extensão) ou aumento da pressão intra-espinhal (compressão da veia jugular, tosse, espirro) agravam a dor radicular. Dor Visceral A dor visceral tem origem nos órgãos internos e pode revelar infeção, inflamação, modificações da motilidade dos órgãos, neoplasia, alterações nos nervos transmissores das sensações viscerais, ou isquemia. É descrita como uma dor subjetiva, profunda, apresentada sob a forma de espasmos ou cãibras. A dor visceral é frequentemente associada a efeitos no sistema nervoso autônomo, incluindo palidez, suores, náuseas, distúrbios gastrointestinais, alterações na temperatura corporal, pressão arterial e frequência cardíaca. A sensibilidade do tecido visceral a estímulos térmicos, químicos e mecânicos difere significativamente. As vísceras parecem mais sensíveis à distensão de órgãos cavitários de parede muscular, sem dano tecidual, isquemia, e inflamação. A área sobre a qual o estímulo acontece pode ser uma determinante crucial no desenvolvimento dos tipos de dor. Os receptores mecânicos ou mecanorreceptores existentes na musculatura lisa de todas as vísceras ocas são do tipo Aδ e C, e respondem a estímulos mecânicos leves, tensão aplicada ao peritônio, contração e distensão da musculatura lisa. O trato gastrintestinal possui receptores químicos e mecânicos de adaptação lenta e rápida que são classificados em dois grupos: o grupo de receptores de alto limiar para estímulos mecânicos leves, e o grupo de baixo limiar para estímulos mecânicos que responde a estímulos agressivos e não agressivos. O primeiro grupo é encontrado no esôfago, sistema biliar, intestino delgado e cólon e o segundo, apenas, no esôfago e cólon. A relação entre a 33 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina intensidade do estímulo e a atividade nervosa é somente evocada após a estimulação nociva. A dor visceral é profunda e dolorosa, mal localizada e frequentemente relacionada a um ponto cutâneo. ➔ Dor Visceral Verdadeira Quando a dor visceral é referida para a superfície do corpo, a pessoa, em geral, a localiza no segmento dermatômico de origem do órgão visceral no embrião, e não necessariamente no local atual do órgão visceral. ➔ Via Parietal A dor oriunda de vísceras frequentemente se localiza em duas áreas na superfície do corpo ao mesmo tempo, por causa da dupla transmissão da dor pela via visceral referida e a via parietal direta. Os impulsos dolorosos passam inicialmente do apêndice por fibras dolorosas viscerais, localizadas nos fascículos nervosos simpáticos, seguindo para a medula espinal no nível de T-10 ou T-11; essa dor é referida para área ao redor do umbigo e é do tipo persistente e espasmódica. Os impulsos dolorosos, geralmente, se originam no peritônio parietal, onde o apêndice 34 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina inflamado toca ou está aderido à parede abdominal. Esses impulsos causam dor do tipo pontual diretamente sobre o peritônio irritado, no quadrante inferior direito do abdome. A via pós-sináptica do funiculo posterior ou via da coluna posterior foi recentemente incluída como participante na transmissão da informação nociceptiva, principalmente a visceral. Esse trato tem origem em neurônios das lâminas III e V e, em menor quantidade das lâminas V I e VII, que enviam axônios, que deslocam -se rostral e ipsilateralmente na medula via funículo dorsomedial ou coluna posterior, efetuam sinapses no núcleo grácil, decussa e entra na cápsula do lemnisco medial até o tálamo. ➔ Mecanismos ◆ Sensibilização Periférica dos Neurônios Aferentes dos Intestinos Na sensibilização periférica ocorre a redução da intensidade dos estímulos necessários para iniciar a despolarização neuronal e aumento do número ou da amplitude de descarga neuronal, em resposta a certos estímulos químicos ou mecânicos. 35 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Mediadores Periféricos (bradicinina, citocinas, prostaglandinas, serotonina, ATP, prótons H+): Receptores nociceptivos gastrintestinais → imunócitos locais → liberam interleucinas e substâncias adrenérgicas → hiperexcitabilidade neuronal. ● Neurocinas (fator de crescimento nervoso - FCN): Plasticidade neuronal → distribuição de nociceptores → limiar de sensibilidade para os estímulos mecânicos e químicos. ● Serotonina: Células enterocromafins → plaquetas e degranulação dos mastócitos → aferentes viscerais. ● Peptídeo relacionado ao gene - calcitonina (CGRP): Descarga sensorial → fluxo sangüíneo, contração da musculatura lisa, reação imune e desgranulação dos mastócitos. ● Canais de Sódio: Aumentam em densidade após a aplicação de mediadores inflamatórios in vitro. ◆ Sensibilização Central A sensibilização central é um processo resultante da atividade sustentada que acontece na fibra aferente primária, após a sensibilização periférica, favorecendo a liberação de neurotransmissores excitatórios. Estes aumentam a eficácia da transmissão sináptica entre os neurônios aferentes primários e os cornos dorsais, envolvendo, portanto, receptores pré e pós-sinápticos específicos ● Neuromediadores (substância P, CGRP, aspartato, glutamato, neurocininas, somatostatina VIP ): A Ação desses neuromediadores receptores específicos ionotrópicos (AMPA, cainato) e metabotrópicos (NMDA) ativa segundos mensageiros (cAMP, PKC, fosfatidilinositol, fosfolipase C) para abertura de canais de cálcio e entrada dessas substâncias para o interior das membranas celulares. Ocorre então produção de outros mediadores (óxido nítrico e metabólitos do ácido araquidônico) e formação de oncogenes (cfos, fos B, C jun, jun B e D), que provavelmente alteram a transmissão do potencial de ação e ultra-estrutura dos nervos e suas sinapses, sensibilização medular e fenômeno de wind up (aumento da duração da resposta de certos neurônios). 36 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Projeções supraespinhais: Essas projeções estão relacionadas aos reflexos autonômicos e motores que acompanham a dor visceral, como náusea e aumento da tensão muscular da parede abdominal, e podem explicar, também, o caráter difuso e mal localizado da dor visceral referida. ● Núcleo rostro-ventral da medula (NRV): Esse núcleo projeta em sentido descendente, fibras inibitórias e excitatórias do estímulo aferente nociceptivo visceral. O balanço entre essas influências inibitórias ou excitatórias determinaria a quantidade de informação dolorosa visceral que chegaria aos centros supraespinhais. ➔ Estímulos ◆ Isquemia: causa dor visceral do mesmo modo que em outros tecidos, devido à formação de produtos finais metabólicos ácidos ou produtos degenerativos dos tecidos, como a bradicinina, enzimas proteolíticas ou outras que estimulem as terminações nervosas para dor; ◆ Estímulos Químicos: substâncias nocivas escapam do trato gastrointestinal para a cavidade peritoneal, como o suco gástrico pode escapar por úlcera gástrica ou duodenal perfurada. Esse suco causa digestão disseminada do peritônio visceral, estimulando amplas áreas de fibras dolorosas; ◆ Espasmo de Víscera Oca: o espasmo pode causar dor, possivelmente, pela estimulação mecânica das terminações nervosas da dor, ou também pelo fato de que o espasmo pode acarretar diminuição do fluxo sanguíneo para o músculo, o que combinado com o aumento das necessidades metabólicas do músculo para nutrientes causando uma dor grave; ◆ Distensão Excessiva de Víscera Oca: o preenchimentoexcessivo de víscera oca também pode resultar em dor, devido à distensão excessiva dos tecidos propriamente ditos; ◆ Vísceras Insensíveis: poucas são as áreas viscerais insensíveis à dor de qualquer tipo. São o parênquima do fígado e os alvéolos pulmonares. 37 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Visceroceptores Todas as vísceras abdominais e torácicas têm inervação aferente associadas com nervos simpáticos e parassimpáticos, com exceção do pâncreas. Alguns desses aferentes possuem apenas função regulatória (autonômica) enquanto outros geram respostas sensitivas de dor. São formados por fibras Aδ e fibras tipo C. Os visceroceptores ou também conhecidos como interoceptores recebem estímulos dos órgãos internos. Os visceroceptores especializados no interior do sistema circulatório, sensíveis às alterações na pressão sanguínea são os barorreceptores, também temos os quimiorreceptores que monitoram os gases respiratórios e células nervosas sensitivas que produzem a sensibilidade proveniente das vísceras (dor interna, fome, sede, fadiga, náuseas). Os receptores dos neurônios aferentes viscerais primários são localizados na mucosa, músculo, serosa e de órgãos ocos e respondem a estímulos químicos locais e luminais e a estímulos mecânicos. Há duas classes de nociceptores viscerais: ◆ Receptores de alto limiar e estímulos naturais: respondem a estímulos mecânicos de alcance nocivo. Eles inervam exclusivamente órgãos cuja dor é a única sensação consciente como ureter, rins, pulmão, coração, veias, vesícula biliar, esôfago, intestino delgado, cólon, bexiga e útero. ◆ Receptores de baixo limiar para estímulos naturais: estímulos mecânicos que codificam a intensidade do estímulo na magnitude da sua descarga, desde estímulos inocuos e nocivos. 38 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Manifestação Clínica Os sintomas mais comumente associados à dor visceral indicam atividade do sistema nervoso autônomo. Podem ser caracterizados por palidez, sudorese, cólicas abdominais, diarreia e aumento significativo na pressão arterial. Nefrolitíase A nefrolitíase, ou doença calculosa renal ou litíase renal, é uma condição comum, dolorosa e de alto custo. Pode ser definida como uma concentração de cristais que se formam no trato urinário e causam sintomas apenas quando o tamanho atinge o suficiente para serem vistas no exame de imagem, onde se chama de cálculo. Existem vários tipos de cálculos renais. É clinicamente importante identificar o tipo de cálculo, que fornece o prognóstico e possibilita a seleção do esquema preventivo ideal. Os cálculos de oxalato de cálcio são os mais comuns (cerca de 75%); seguem-se, por ordem decrescente, os cálculos de fosfato de cálcio (cerca de 15%), ácido úrico (cerca de 8%), estruvita (cerca de 1%) e cistina (<1%). ➔ Fisiopatologia Os cálculos urinários podem permanecer no interior do parênquima renal ou do sistema coletor renal ou atravessar os ureteres ou a bexiga. Durante a eliminação, cálculos podem irritar o ureter e podem ali se alojar, obstruindo o fluxo urinário e causando hidroureter e, algumas vezes, hidronefrose. Áreas comuns de impactação incluem: ◆ Junção ureteropélvica ◆ Ureter distal (no nível dos vasos ilíacos) ◆ Junção ureterovesical Há maior probabilidade de os cálculos maiores se impactarem. Tipicamente, um cálculo deve ter um diâmetro > 5 mm para se impactar. É provável que cálculos ≤ 5 mm sejam eliminados espontaneamente. Mesmo a obstrução parcial causa diminuição da filtração glomerular, que pode persistir brevemente após a eliminação do cálculo. Na hidronefrose e na pressão glomerular elevada, o fluxo sanguíneo renal diminui e agrava ainda mais a função 39 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina renal. Entretanto, em geral, na ausência de infecção, disfunção renal permanente ocorre apenas após 28 dias de obstrução completa. As infecções secundárias podem ocorrer com obstrução de longa duração, mas a maioria dos pacientes com cálculos contendo cálcio não apresenta infecção na urina. ➔ Quadro Clínico Os cálculos grandes remanescentes no parênquima renal ou sistema coletor renal são frequentemente assintomáticos, a menos que causem obstrução e/ou infecção. Dor intensa, muitas vezes acompanhada de náuseas e vômitos, geralmente ocorre quando os cálculos atravessam o ureter e causam obstrução aguda. Às vezes, também ocorre hematúria macroscópica. Dor (cólica renal) é de intensidade variável, mas é tipicamente excruciante e intermitente, muitas vezes ocorre ciclicamente, e dura 20 a 60 minutos. Náuseas e vômitos são comuns. Dor no flanco e na área dos rins que se irradia ao longo do abdome superior sugere obstrução ureteral ou pélvica renal. A dor que se irradia ao longo do curso do ureter na região genital sugere obstrução ureteral inferior. Dor suprapúbica, juntamente com urgência e frequência urinária sugere um cálculo ureteral distal, ureterovesical ou vesical. Ao exame, os pacientes apresentam-se com desconforto extremo evidente e, em geral, pálidos e diaforéticos. Não conseguem permanecer parados ou podem caminhar, gemer e mudar constantemente de posição. O abdome pode estar um pouco dolorido no lado afetado à medida que a palpação aumenta a pressão no rim já distendido (sensibilidade no ângulo costovertebral), mas não são observados sinais peritoneais (defesa, dor à descompressão brusca, rigidez). Para alguns pacientes, o primeiro sintoma é hematúria ou cristais ou um cálculo na urina. Outros pacientes podem ter sintomas de uma ITU, como febre, disúria ou urina turva ou mau cheirosa. ➔ Diagnóstico ◆ Identificação de sinais e sintomas ◆ Exame de Urina ◆ Exames de Imagem (TC, Radiografia e Ultrassonografia) 40 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Tratamento ◆ Conservador: Para cálculos renais menores que 5 mm ● Observação clínica por meio de acompanhamento por imagem. ● Terapia expulsiva: aumento da ingestão hídrica, restrição de proteínas animais, tratamento da doença de base, uso de fármacos (alfa-bloqueadores e AINE) para facilitar a eliminação dos cálculos, eliminação espontânea dos cálculos. ◆ Medicamentoso: Indicado para alívio da dor. ● AINES (primeira escolha se não houver contraindicações) ● Antiespasmódicos (buscopan) + analgésico potente (opióides) ● Alfa-bloqueadores ◆ Remoção do cálculo: ● Litotripsia extracorpórea (LECO): Em casos de cálculos ureterais menores que 1 cm e renal menores que 2 cm. ● Nefrolitrotripsia percutânea: Indicada para cálculos maiores que 2 cm, cálculos coraliformes, falha em tratamentos anteriores e obstrução da JUP. ● Ureteroscopia: Indicada para cálculos localizados no ureter. ● Duplo J: Cateter uretral que auxilia na desobstrução causada pelo cálculo. ◆ Medidas específicas: ● Hipercalciúria: diurético tiazídicos (diminui o cálcio urinário devido ao aumento da reabsorção de cálcio no túbulo distal). ● Hipocitratúria: administração de citrato (inibe formação de cálculos de cálcio). 41 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ● Hiperuricosúria: alopurinol (inibe enzima que converte xantina em ácido úrico) e citrato (alcalinização da urina). ● Hiperoxalúria: restrição de oxalato e ingestão normal de cálcio e magnésio. ● Cistinúria: uso de quelantes Farmacologia dos Antiespasmódicos Os antiespasmódicos são um grupo de substâncias que prevenir ou interromper a contração dolorosa e involuntária (espasmo ) do músculo liso, um dos referidos mecanismos na gênese da dor em patologias Gastrointestinal. São classificados de acordo com seu mecanismo de ação: ◆ Agentes relaxantes diretos do músculo liso (mebeverina); ◆ Anticolinérgicos (trimebutina); ◆ Agentes bloqueadores dos canais de cálcio (brometo de pinaverium, brometo de otylonium, alverina, fenoverina, rociverina e pirrenzepina) ➔ Relaxantes Musculares Diretos Atuam sobre miofibrilas do músculo liso do sistema digestivo, reduzem o tônus e o peristaltismo e aliviam espasmos intestinais sem afetar substancialmente a motilidade gastrointestinal. Os efeitos colaterais desse tipo de medicamentossão muito raros e incluem dores de cabeça e tonturas. ➔ Anticolinérgicos Atenuam espasmos e contrações no intestino e, portanto, têm potencial para reduzir a dor abdominal. Os efeitos colaterais mais comuns são dores de cabeça, tontura, visão turva, disúria, diminuição da transpiração, erupção cutânea e xerostomia. ➔ Antagonistas de Cálcio Relaxam o intestino, impedindo sua entrada nas células do músculo liso intestinal. Como o cálcio desencadeia a cascata de eventos que ativam a contração muscular, sua inibição das células causa relaxamento intestinal. Este grupo de medicamentos, 42 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina reduzindo o índice de motilidade, pode diminuir o reflexo gastrocólico e modificar o tempo de trânsito colônico. SP5.1 - Dor neoplásica Dor Neoplásica ➔ Etiologia ◆ Dor causada pelo tumor ● Infiltração óssea: Ela ocorre por conta da estimulação nociva nos nociceptores no periósteo. O crescimento tumoral ou as fraturas secundárias podem ocasionar lesão, compressão, tração ou laceração das estruturas nervosas, ocasionando dor isquêmica, dor neuropática periférica ou dor mielopática. ● Compressão ou infiltração de nervos periféricos: A infiltração ou compressão de troncos, plexos e/ou raízes nervosas pelo tumor, linfonodos e/ou fraturas ósseas metastáticas ● Infiltração do neuroeixo (SNC): Pode ocorrer dor por invasão tumoral na medula espinal, no encéfalo e em suas meninges. ● Infiltração e oclusão dos vasos sanguíneos e linfáticos: As células tumorais podem infiltrar e/ou ocluir os vasos sangüíneos e linfáticos, ocasionando vasoespasmo, linfangite é possível irritação nos nervos aferentes peri-vasculares. O crescimento tumoral nas proximidades dos vasos sangüíneos leva à oclusão desses vasos parcial ou totalmente, produzindo estase venosa ou isquemia arterial, ou ambos. ● Infiltração de vísceras ocas ou invasão de sistemas ductais de vísceras sólidas: A oclusão de órgãos dos sistemas digestório, urinário e reprodutivo (estômago, intestinos, vias biliares, ureteres, bexiga e útero) produz obstrução do esvaziamento visceral e determina contratura da musculatura lisa, espasmo muscular e isquemia, produzindo dor visceral difusa (tipo cólica) constante, com sensação de peso ou pobremente localizada, referida nas áreas de inervação da víscera comprometida. 43 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ◆ Dor causada pelo tratamento do câncer ● Dor pós-cirúrgica: Na fase aguda, a dor decorre do processo inflamatório traumático de cirurgias, como toracotomias, esternotomias, amputações e mastectomias. Na fase crônica, a dor ocorre devido ao câncer recidivado localmente. ● Dor pós-radioterapia: A dor pós-radioterapia apresenta-se como exacerbação aguda de dor crônica relacionada ao posicionamento para a terapia, queimaduras cutâneas, neuropatia actínica, mielopatia actínica, sinal de Lhermitte (desmielinização transitória da medula cervical ou torácica), mucosite bucal, esofagite, produção de tumores primários de nervos periféricos secundários à radiação, obstrução intestinal parcial e infarto ou isquemia intestinal. ● Dor pós-quimioterapia: A dor pode ocorrer por polineuropatias periféricas, causadas por drogas imunossupressoras (oxaliplatina, paclitaxel, docetaxel, vincristina, carboplatina, cisplatina, doxorrubicina e capecitabina), podendo ser de caráter transitório ou definitivo. Existem as mucosites (oral, faríngea, gastroduodenal e nasal) induzidas por leucopenia ou irradiação junto com a monilíase do sistema digestório e a esofagogastroduodenite. Também podem ocorrer espasmos vesicais e a necrose asséptica da cabeça do fêmur, causados por corticóides. ◆ Dor não relacionada ao câncer ou seu tratamento As síndromes dolorosas que não estão relacionadas nem ao tratamento nem ao tumor representam 3% do total e podem ser causadas por: osteomielite, migrânea, cefaléia tensional, osteoartrite, osteoporose, neuropatia diabética, pós-alcoolismo, pós-hanseníase, protusão discal, hérnia discal, síndrome pós-laminectomia miofascial, entre outras, sem relação com a dor ocasionada pelo câncer ➔ Tipos de Dor ◆ Dor nociceptiva É causada por estímulos aferentes de grande intensidade, nocivos ou lesivos, produzidos por processo inflamatório ou infiltração de tecidos pelo tumor, capazes de atingir o alto limiar de excitabilidade do nociceptor e gerar a dor. A dor 44 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina nociceptiva ocorre como resultado da ativação e sensibilização dos nociceptores em tecidos cutâneos e profundos, localizados preferencialmente na pele, músculo, tecido conjuntivo, osso e víscera torácica ou abdominal. ◆ Dor neuropática A dor é denominada neuropática se a avaliação sugerir que é mantida por processos somatossensoriais anormais no sistema nervoso periférico (SNP) ou central (SNC). Ela surge quando há disfunção do SNP e/ou do SNC, por invasão tumoral ou pelo tratamento do câncer (cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia). A fisiopatologia da dor por desaferentação ainda não está completamente esclarecida. ◆ Dor psicogênica A dor pode ser definida como psicogênica se houver evidência positiva de que os fatores psicológicos predominam na manutenção do sintoma sem nenhuma evidência de causa orgânica. ◆ Dor incidental (breakthrough pain) O evento conhecido como dor incidental, ou breakthrough pain, ocorre quando o controle da dor basal é alcançado, e, ainda assim, o paciente apresenta episódios de dor em picos, de início súbito e agudo. Pode ocorrer espontaneamente ou estar relacionado aos movimentos (pacientes com infiltração óssea), como também pode ocorrer em consequência de prescrição analgésica com doses e intervalos inadequados. Essa condição leva o paciente à apreensão e à descrença no tratamento. ➔ Mensuração ◆ Escala visual analógica (EAV): consiste em uma linha reta, não numerada, com indicação de “sem dor” e “pior dor imaginável” nas extremidades. ◆ Escala numérica visual (EVN): graduada de 0 a 10, onde zero significa “sem dor” e 10 significa “pior dor imaginável” ◆ Existe também a escala descritiva verbal de intensidade da dor: com a seguinte graduação: 0 = sem dor; 1, 2, 3 = dor fraca; 4, 5, 6 = dor moderada; 7, 8, 9 = dor intensa; e 10 = dor insuportável. 45 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Tratamento ◆ AINHs As drogas analgésicas antiinflamatórias não-hormonais são utilizadas em todos os degraus da escada analgésica da dor. O mecanismo de ação é baseado na inibição reversível ou irreversível da ciclooxigenase (COX), existindo, atualmente, grande interesse na utilização de fármacos mais específicos para a inflamação e a dor. Essas drogas podem ser utilizadas isoladas ou associadas a outras drogas adjuvantes, opióides fracos e fortes, nas várias fases da dor. Na dor oncológica, esses fármacos são benéficos no tratamento da dor somática, principalmente a de caráter inflamatório, como nas metástases ósseas. Podem aliviar a dor-fantasma, a dor pós-operatória, as cefaléias, as mialgias e a dor incidental. ◆ Opióides O tratamento analgésico com opióides constitui o sustentáculo da terapia da dor no câncer. Os opióides são classificados quanto à sua origem como naturais (morfina, papaverina, codeína e tebaína), semi-sintéticos (heroína, hidromorfona, hidrocodona, buprenorfina e oxicodona) e sintéticos (levorvanol, butorfanol, metadona, pentazocina, meperidina, fentanil, sufentanil e alfentanil). Quanto à sua potência, são divididos em fracos (codeína, tramadol) e fortes (morfina, metadona, oxicodona, buprenorfina, fentanil). Devido à sua eficácia, disponibilidade em todo o mundo e baixo custo, a OMS considera a morfina como droga-padrão para o tratamento da dor no câncer 46 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ◆ Não-farmacológicos O psicólogo da dor pode atuar auxiliando o paciente no melhor entendimento do processo de sua doença, enfocando a subjetividade do processo doloroso no discernimento dos fatores biológicos (sensoriais), psicológicos (afetivos, cognitivos), comportamentais, sociais e culturais.Os pacientes com dor oncológica possuem elevada incidência de transtornos depressivos, ansiosos e somatoformes. Várias intervenções psicoterápicas podem ser instituídas: modelo biopsicossocial para compreensão do processo de cronicidade da dor, biofeedback, treinamento de relaxamento e dessensibilização. O fisioterapeuta atua na dor, por meio da medicina física e da reabilitação. Existem os meios físicos para atuar na dor, como a termoterapia (forno de Bier, parafina, laser, infravermelho, tanques, crioterapia, banho de contraste, ultra-som) e as correntes analgésicas. Pode-se reabilitar o paciente por cinesioterapia (contrações musculares, exercícios, alongamento muscular), implantação de órteses e próteses de membros, protegendo o corpo de fraturas patológicas e disfunção corporal. A acupuntura também é útil na dor do câncer; ela pode atuar na dor somática e neuropática, assim como na melhora dos sintomas do câncer e sua terapia. Outros profissionais têm importância no tratamento: enfermeiro, assistente social, odontólogo, terapeuta ocupacional e nutrólogo. ◆ Drogas adjuvantes São considerados analgésicos adjuvantes drogas que não têm a dor como indicação primária, embora sejam analgésicas em algumas situações dolorosas. São bastante diferentes dos analgésicos tradicionais, como os AINHs e os opióides, compondo um grupo diversificado de drogas. Existem os analgésicos polivalentes: antidepressivos, agonistas α2, neurolépticos, anestésicos locais; os analgésicos para síndromes dolorosas neuropáticas: antidepressivos, anticonvulsivantes, agonistas GABA, bloqueadores NMDA; e os analgésicos para dor óssea: corticóides, bisfosfonatos, calcitonina. 47 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina Escala Analgésica da OMS ➔ Primeiro Degrau O primeiro degrau da escada analgésica preconizada pela OMS sugere a utilização de medicamentos não-opióides associados aos coadjuvantes para dores de fraca intensidade.. ➔ Segundo Degrau O segundo degrau recomenda a utilização de analgésicos opióides fracos associados ou não aos medicamentos não-opioides e aos coadjuvantes para as dores de moderada intensidade. ➔ Terceiro Degrau O terceiro degrau sugere a utilização de opióides fortes associados ou não aos medicamentos não-opioides e aos coadjuvantes para dores de forte intensidade. Os três degraus da escada analgésica sugerem classes de medicamentos e não drogas específicas, oferecendo ao clínico a liberdade para sua utilização 48 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina Cuidados Paliativos ➔ Definição São os cuidados de saúde ativos e integrais prestados à pessoa com doença grave, progressiva e que ameaça a continuidade de sua vida. ➔ Objetivo Promover a qualidade de vida do paciente e de seus familiares através da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce de situações possíveis de serem tratadas, da avaliação cuidadosa e minuciosa e do tratamento da dor e de outros sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais. ➔ Quando Iniciar ◆ O mais precoce, sempre que possível. ◆ Podem vir associados ao tratamento com objetivo de cura da doença a fim de auxiliar no manejo dos sintomas de difícil controle e melhorar as condições clínicas do paciente. ◆ À medida que a doença avança, mesmo em vigência do tratamento com intenção curativa, a abordagem paliativa deve ser ampliada visando também cuidar dos aspectos psicológicos, sociais e espirituais. ◆ Na fase terminal, em que o paciente tem pouco tempo de vida, o tratamento paliativo se torna prioritário para garantir qualidade de vida, conforto e dignidade. ◆ A transição do cuidado com objetivo de cura para o cuidado com intenção paliativa é um processo contínuo e sua dinâmica difere para cada paciente. ➔ Onde receber ◆ O INCA tem em seu complexo o Hospital do Câncer IV (HC IV), que é a Unidade de Cuidados Paliativos Oncológicos. 49 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ◆ Para os pacientes com melhor capacidade funcional e de deslocamento até o hospital são disponibilizadas as consultas no Ambulatório, o que é ideal para a manutenção de sua autonomia e mobilidade. ◆ Aos que já apresentam uma capacidade funcional comprometida e que por isso são impedidos de comparecer ao hospital, é ofertada a Assistência Domiciliar. ◆ Em situações agudas o paciente tem à sua disposição o serviço de Emergência para atendimento presencial e orientações por telefone 24 horas. ◆ Nos casos em que é necessário o monitoramento mais detalhado, a intervenção imediata dos profissionais e os cuidados ao fim de vida, o HC IV está preparado para receber o paciente na Internação Hospitalar. ➔ Profissionais envolvidos A abordagem ao paciente e família é feita por uma equipe multiprofissional composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, fonoaudiólogos e farmacêuticos, em atividades diretamente ligadas às necessidades biopsicossociais. Entretanto, administrativos, motoristas, capelães, voluntários e cuidadores também acompanham e apoiam os membros da família e da equipe em prol do bem-estar do paciente. Opióides ➔ Codeína Considerado um opióide fraco, é um derivado natural do ópio, com fórmula semelhante à da morfina: fosfato de codeína (metilmorfina). Tem baixa biodisponibilidade oral de 40%, meia-vida plasmática de apenas 3 horas, necessitando de intervalos de até 4 em 4 horas. A codeína necessita de desmetilação para sua conversão em morfina e outros metabólitos ativos, levando a uma analgesia de leve a moderada. Dos seus efeitos adversos, os pacientes reclamam com maior frequência de constipação e náuseas. Seu efeito teto é de 360 mg/dia e tem apenas 1/10 da potência da morfina. É também utilizada como antitussígeno e na melhora dos sintomas de dispnéia, mas outros opióides também contêm essa característica, como a morfina, a oxicodona e o fentanil. 50 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina ➔ Tramadol É um opióide sintético de ação central atípico. Liga-se fracamente aos receptores opióides μ, κ e δ. Encontra-se sob a forma racêmica; a isoforma R tem maior afinidade aos receptores μ, já a isoforma S tem maior efeito na inibição da recaptação da serotonina e noradrenalina. O tramadol também possui capacidade de ligação aos receptores α2-adrenérgicos. Produz analgesia por meio de mecanismos opióides e não-opióides. Como opióide fraco, tem efeito teto; sua dose é de 400 mg/ dia, preferencialmente administrada a cada 6 horas. Tem metabolismo hepático e excreção renal; no caso de alterações nestes órgãos é necessário reduzir a dose nas alterações destes órgãos. A equipotência analgésica de 100 mg de tramadol corresponde a 10 mg de morfina oral. Produz pouca constipação e elevada incidência de êmese. ➔ Morfina A morfina é um opióide hidrofílico, uma exceção entre os opióides, que apresentam, em graus variáveis, alta lipossolubilidade. No metabolismo hepático, são formados dois metabólitos importantes: morfina-3-glicuronídeo (M-3-G) e morfina-6-glicuronídeo (M-6-G), ambos de excreção renal. A M-3-G é responsável por vários efeitos colaterais da morfina, como disforia, hiperalgesia, constipação e possivelmente no fenômeno de tolerância, e não tem efeitos analgésicos. A M-6-G possui ação analgésica significativa, porém meia-vida maior que a própria morfina. A glicuronidação raramente é comprometida nos pacientes com insuficiência hepática, portanto a morfina é bem tolerada nos pacientes hepatopatas. A ação da morfina dura de 4 a 5 horas em pacientes hígidos. A excreção é feita principalmente por via renal. Nos pacientes com função renal comprometida, a morfina possui efeito mais intenso e duração prolongada devido ao acúmulo de metabólitos ativos (M-6-G). A morfina ainda continua sendo a droga protótipo para dor moderada a forte; ela é a droga de primeira escolha na maioria dos serviços de dor; também é a droga de referência para conversão entre opióides. Tem uma ampla variação de dosagem; diferentemente dos agonistas fracos, não tem efeito teto, e sua dose máxima depende da relação
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