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AVALIAÇÃO NO CONTEXTO DE LÍNGUAS Pablo Rodrigo Bes Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Relacionar a questão de alfabetização com as formas de avaliar. Caracterizar os níveis de alfabetização refletindo sobre as formas de diagnóstico. Analisar as avaliações nacionais destinadas à alfabetização e o seu impacto pedagógico. Introdução As práticas avaliativas que ocorrem durante o período de alfabetização dos estudantes da educação básica devem contemplar os conceitos de alfabetização e letramento. Isso significa considerar que a alfabetização consiste em um processo que visa inserir o aluno na sociedade por meio da linguagem, de forma que a prática de apropriar-se da língua esteja relacionada com a sua atuação social. Além disso, o professor alfabetiza- dor deve se valer das práticas de avaliação como forma de diagnóstico, realizando sondagens para adequar as suas intervenções pedagógicas sempre que preciso. A avaliação na alfabetização, portanto, deve possuir caráter processual e formativo, embora, por vezes, apresente um teor classificatório em avaliações de larga escala. Neste capítulo, você vai ler sobre as práticas avaliativas no período de alfabetização. Vai aprender como se caracterizam cada um dos níveis de alfabetização que podem ser contatados por meio das práticas de diagnóstico. Além disso, vai estudar sobre as avaliações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que procuram focar a alfabetização e as suas implicações no trabalho pedagógico das escolas. Avaliando na alfabetização Analisar os possíveis processos de avaliação para alunos na fase inicial da educação básica primeiramente envolve entender o que signifi cam alfabetização e letramento, pois a postura do docente em sala de aula vai se pautar por esse entendimento. De acordo com Soares e Batista (2005, documento on-line): O termo alfabetização designa o ensino e o aprendizado de uma tecnologia de representação da linguagem humana, a escrita alfabético-ortográfica. O domínio dessa tecnologia envolve um conjunto de conhecimentos e procedi- mentos relacionados tanto ao funcionamento desse sistema de representação quanto às capacidades motoras e cognitivas para manipular os instrumentos e equipamentos de escrita. Dessa forma, para que o estudante possa se alfabetizar, precisa colocar em ação os conhecimentos e procedimentos específicos relacionados à escrita, bem como desenvolver algumas capacidades cognitivas e motoras. Para com- preender melhor os fatores envolvidos na alfabetização, é necessário conhecer alguns aspectos inerentes ao processo (SOARES; ALMEIDA, 2005), que são: 1. saber que os sinais apresentados servem para representar algo (função simbólica); 2. saber que os sinais não representam diretamente as coisas ou a realidade; 3. saber o que os sinais representam; 4. saber a que propriedade de linguagem se referem; 5. memorizar os sinais e seus significados; 6. conhecer os procedimentos relacionados à grafia. Essas condições são exigidas para que o aluno se aproprie das regras do nosso código escrito e se torne hábil para realizar a transcrição de seus pen- samentos ou de sua fala para a escrita (escrever), bem como apropriar-se do que está escrito, codificado e interpretando seu significado (ler). Em alguns casos, essas condições tornam complexa a tarefa de alfabetizar, porque alguns alunos podem apresentar dificuldades em segui-las. Já o conceito de letramento se aproxima muito mais da questão social da linguagem. Ainda antes de serem alfabetizadas, as crianças já conhecem o potencial da língua escrita para a sua vida, já que estão imersas nela em seu dia a dia. Da mesma forma, se considerarmos um adulto analfabeto, ele tam- Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento2 bém reconhece e, em alguns casos, identifica os aspectos formais da língua escrita, reconhecendo e utilizando alguns cotidianamente. É justamente aqui que se encaixa o conceito de letramento, que pode ser entendido como “[…] o conjunto de conhecimentos, atitudes e capacidades envolvidos no uso da língua em práticas sociais e necessários para uma participação ativa e competente na cultura escrita” (SOARES; BATISTA, 2005, documento on-line). É necessário, portanto, que estudantes da educação básica sejam alfabetizados e letrados, uma vez que as práticas de leitura e escrita fazem parte importante de nosso cotidiano social. Para atingir tais objetivos, o professor deve valer-se do uso de práticas sociais de leitura e escrita com seus alunos. Existem vários métodos de alfabetização, que costumam ser classificados em sintéticos e analíticos. Os métodos sintéticos são aqueles que procuram estabelecer uma correspondência entre o som e sua grafia, entre o oral e o escrito. Isso é feito pelo aprendizado progressivo de letra por letra, sílaba por sílaba ou palavra por palavra. Já os métodos analíticos defendem que a língua é um processo global e audiovisual. Dessa forma, as práticas de alfabetização utilizam unidades completas da linguagem num primeiro momento para depois dividi-las em frações menores. Confira, no Quadro 1, os principais métodos sintéticos e analíticos. MÉTODOS SINTÉTICOS MÉTODOS ANALÍTICOS Alfabético O estudante aprende inicialmente as letras, depois forma as sílabas juntando as consoantes com as vogais, para depois formar as palavras que constroem o texto. Palavração Parte-se da palavra. Primeiro existe o contato com os vocábulos em uma sequência que engloba todos os sons da língua e, depois da aquisi- ção de um certo número de palavras, inicia-se a formação das frases. Quadro 1. Métodos sintéticos e analíticos de alfabetização (Continua) 3Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento As formas de avaliar durante o ciclo de alfabetização devem permitir que os professores percebam em que nível de habilidade cada aluno se encontra. Abandona-se, portanto, a ideia de avaliação que tem uma finalidade meramente classificatória e é realizada somente ao final de certo período letivo (bimestre, trimestre ou semestre). Além disso, as práticas avaliativas precisam ter caráter formativo, pois contribuem diretamente para que o professor seja bem-sucedido no desenvol- vimento das habilidades de leitura e escrita. Os procedimentos relacionados a seguir podem ser adotados para que a avaliação seja de fato formativa e facilite o professor em sua tarefa de alfabetizar: observar; registrar; documentar. Fonte: Adaptado de Frade (2005). MÉTODOS SINTÉTICOS MÉTODOS ANALÍTICOS Fônico Consiste no aprendizado pela associação entre fonemas e grafemas, ou seja, sons e letras. Senten- ciação A unidade inicial do aprendizado é a frase, que é depois dividida em palavras, de onde são extraídos os elementos mais simples: as sílabas. Silábico Também conhecido como silabação. O estudante aprende primeiro as sílabas para formar as palavras. Global O método é composto por várias unidades de leitura, que têm começo, meio e fim, sendo ligadas por frases com sentido para formar um enredo de interesse da criança. (Continua) Quadro 1. Métodos sintéticos e analíticos de alfabetização Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento4 A observação é um ato indispensável para o professor alfabetizador; é observando que ele pode distinguir como os estudantes estão se situando dentro do processo que desenvolve nas aulas. Alguns poderão estar, por exemplo, pré- -silábicos ainda, enquanto outros já se encontram no nível alfabético. Durante a observação, o professor deverá realizar seus registros, visando acompanhar os avanços durante a alfabetização. Ao referir-se aos processos de registro, Warschauer (1993, p. 56) afirma que: Além de favorecer a reflexão, o registro possibilita a construção da memória e da história, enfatizando o papel do diálogo e da experiência grupal na formação.[…] percebe-o como possibilidade de formação, de reflexão, de introversão, tendo em vista a compreensão, busca de sentido para a ação cotidiana em sala de aula. O registro é um grande instrumento para a sistematização e organização dos conhecimentos. É também uma possibilidade de que a roda não se feche em si mesma, mas se abra para o mundo. Através de textos, os conhecimentos ali gestados podem, por exemplo, atingir outros grupos. Além de utilizar os registros cotidianos para registrar o progresso dos estudantes, também é interessante documentar as etapas da alfabetização. Isso pode ser feito com a construção de um portfólio, dossiê ou arquivo biográfico de cada aluno. Esses documentos podem apresentar fotografias, produções dos estudantes ao longo da alfabetização, interações dos responsáveis sobre o progresso das crianças, destaques ocasionados durante o período, observações de colegas e demais professores, entre outros recursos. No entanto, de acordo com Barbosa e Horn (2008, p. 114) “[…] não basta agruparmos e organizarmos materiais produzidos na sala de aula. […] eles só têm sentido se o educador puder apreciá-los, analisá-los, interpretá-los, contextualizá-los, construindo um sentido para essas produções”. É a partir da análise de tais registros documentados que os professores podem corrigir as metodologias utilizadas para alfabetizar de acordo com as necessidades específicas de cada estudante. Níveis de alfabetização e diagnósticos possíveis Hoje, compreende-se que a alfabetização e o letramento devem ocorrer pa- ralelamente. Isso porque, como vimos, mesmo antes de ter contato com os aspectos técnicos da grafi a, o aluno já se encontra imerso em práticas sociais em que a leitura e a escrita são proeminentes. A professora da educação básica vai, num primeiro momento, desenvolver as habilidades de aquisição da língua 5Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento escrita, para que posteriormente os estudantes se tornem competentes tanto na leitura quanto na escrita dos mais diversos gêneros textuais. As habilidades serão desenvolvidas com a construção de um bom ambiente alfabetizador e das técnicas analíticas ou sintéticas. A aquisição da língua escrita envolve aspectos psicolinguísticos (FER- REIRO, 2001). Com os quatro níveis de evolução da escrita — pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético —, a criança demonstra como está conseguindo adquirir as habilidades de interpretação (leitura) e representação (escrita) dos símbolos gráficos que compõe a língua portuguesa. Observe, no Quadro 2, exemplos de escritas de alunos em cada uma das fases. Fonte: Adaptado de Lopes, Abreu e Matos (2010). PRÉ-SILÁBICO SILÁBICO SILÁBICO- -ALFABÉTICO ALFABÉTICO gelatina: S R I O B bala: S R I O B cocada: S R I O B ou gelatina — A U O T bala — A C V E cocada — N O S D jacaré — F R A ou jacaré — J K R J C E A K E A A E pato — P T U macaco — M C A C O cachorro — C A X O R O gorila — G U R I L A Quadro 2. Exemplos dos níveis de evolução da escrita O professor alfabetizador é um pesquisador, analista constante das boas práticas a serem desenvolvidas em sala de aula e que poderão contribuir para o sucesso na aprendizagem de seus alunos. Da mesma forma, um bom professor alfabetizador tem sua formação lapidada no interior da escola, nos embates do dia a dia, nos avanços, paradas, retrocessos e surpresas que a sala de aula lhe apresenta. Isso deve desafiá-lo a conhecer novos caminhos, corrigir sua rota, planejar diferente. A avaliação, reconhecida nas formas das sondagens realizadas pelos professores alfabetizadores, contribui significativamente nesse processo de aperfeiçoamento de suas práticas docentes. Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento6 É importante que o professor alfabetizador, ao ensinar a língua portu- guesa aos seus alunos nos anos iniciais do ensino fundamental, saiba que a alfabetização vai ocorrer com a evolução dentro dessas etapas ou níveis. Os estudantes vão acrescentando novos grafemas para representar as palavras que desejam escrever desenvolvendo suas habilidades cognitivas. Nesse caso, ao realizar as sondagens, percebendo o nível em que cada aluno se encontra, podem ser propostas intervenções pontuais que os levem ao estágio seguinte. Para cada um dos níveis, o professor pode realizar intervenções específicas. O nível pré-silábico é aquele inicial, em que a criança ainda não diferencia letras, números e símbolos. Pode, inclusive, valer-se do desenho para repre- sentar as palavras que precisa escrever. Como pode ser visto no Quadro 2, em um primeiro momento, a criança usa a mesma combinação de letras para descrever objetos diferentes (gelatina, bala e cocada); já na segunda tentativa, diferencia as letras de cada palavra, entendendo assim que cada uma tem uma escrita diferenciada, o que já é um avanço pra este aluno. Formas de interven- ção que funcionam muito bem nessa fase são colocar o aluno em contato com materiais escritos sob a orientação do professor, fazer com que o aluno associe o texto escrito com o texto oral e ofertar atividades que envolvam desenhos e a escrita correspondente. No nível silábico, a criança já entende que a escrita representa pares sonoros da fala, ou seja, as sílabas que compõe as palavras, o que representa um grande avanço na aquisição do sistema de escrita. No exemplo do Quadro 2, ao escrever inicialmente a palavra jacaré, o aluno discrimina apenas as sílabas, correspondendo uma letra para cada uma. Logo mais, já procura estabelecer uma lógica coerente entre o fonema e o grafema respectivos. Uma das hipóteses apresentadas pelas crianças é de que uma palavra precisa no mínimo de três letras para ser escrita. Nessa fase, os professores precisam continuar proporcionando a interação dos alunos com materiais escritos. Funcionam muito bem os jogos que associam imagens com a escrita, como dominós, memórias, bingos das palavras, entre outros. O nível silábico-alfabético é apontado como “[…] um período de transição e, portanto, carece de estabilidade interna” (FERREIRO, 2001, p. 92). Nessa transição entre o nível silábico e o alfabético, a criança começa a descobrir que somente colocar uma letra para cada sílaba não é suficiente; que precisa de mais letras para que a palavra tenha sentido. No exemplo que utilizamos, essa tentativa do estudante fica nítida, já que ele acrescenta letras ao nível anterior. O professor deve continuar o uso de materiais escritos com os quais o aluno possa realizar as comparações entre a forma como escreve e a grafia correta das palavras. É importante também utilizar jogos que associam escrita 7Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento com imagens. O aluno deve perceber que, para todas as palavras, existe uma associação devida entre grafemas e fonemas. Por fim, o nível alfabético é aquele em que as crianças já se apropriaram do sistema de escrita, pois entendem e representam por meio da escrita todos os fonemas que constituem as palavras. Claro que, conforme pode ser visto no Quadro 2, surgem agora os problemas de correção ortográfica, que serão traba- lhados em sala de aula pelos professores visando o aperfeiçoamento da escrita. Algumas atividades de intervenção nesta fase incluem jogos que confrontem a escrita fonética e a convencional, bem como a escrita de pequenos textos livres e sua reescrita. Cabe ao professor alfabetizador utilizar a aprendizagem do sistema da es- crita, sempre que possível, relacionando-a com as práticas sociais (letramento), uma vez que: “As crianças são facilmente alfabetizáveis desde que descubram, através de contextos sociais funcionais, que a escrita é um objeto interessante que merece ser conhecido (como tantos outros objetos da realidade aos quais dedicam seus melhores esforços intelectuais)” (FERREIRO, 1999, p. 25). Lopes, Abreu e Matos (2010) citam alguns outros aspectos que contribuem diretamente paraa alfabetização e o letramento dos estudantes: ambiente alfabetizador; atividades significativas; capacitação docente; autoestima; intervenções; diagnósticos. Um ambiente alfabetizador é caracterizado pela quantidade de materiais escritos de várias ordens que se encontram ao dispor dos estudantes, neste caso, não se limitando somente ao espaço escolar. Porém, é na sala de aula que os estímulos costumam ser redobrados para que ocorra a apropriação do sistema de escrita. As atividades tornam-se significativas aos estudantes a partir do momento em que se apoiam em situações do seu cotidiano, com atividades de leitura e escrita. O professor alfabetizador deve ter uma formação continuada visando aprimorar-se sobre as bases teóricas e práticas da tarefa de alfabetizar, o que o torna mais seguro e hábil no desempenho de suas atribuições nessa etapa tão importante da escolarização inicial. A autoestima dos estudantes é um fator que se alia com os aspectos da avaliação, pois a criança, ao ser avaliada, deve se sentir encorajada a prosseguir, Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento8 percebendo que seus esforços estão sendo válidos, e não o contrário. Cabe ao professor reavivar a confiança que ela possui no aprender. As intervenções são fundamentais para que os estudantes possam avançar os níveis de alfabetização e seguir progredindo no processo de construção do conhecimento. Já os diagnósticos são considerados como a principal ferramenta avaliativa no ciclo de alfabetização, uma vez que “[…] diagnosticar o que os educandos já sabem, antes de iniciar o processo de alfabetização, é condição para o sucesso da aprendizagem da leitura e da escrita. Identificar os conhecimentos prévios e saber explorá-los é fundamental para qualquer aprendizagem” (LO- PES; ABREU; MATTOS, 2010, documento on-line). Os professores precisam realizar suas atividades diagnósticas sistematicamente, com os devidos registros, documentando como os seus alunos se encontram ao longo da aquisição da escrita. Esses diagnósticos também podem fazer parte dos portfólios de cada aluno. Observe, na Figura 1, um exemplo de ficha de diagnóstico a ser aplicada. Figura 1. Exemplo de ficha diagnóstica. Fonte: Lopes, Abreu e Mattos (2010, documento on-line). 9Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento A atividade diagnóstica mais utilizada durante o processo de alfabetização é o ditado de palavras. Essa atividade permite que o professor possa verificar individualmente em qual nível de escrita seus alunos estão, podendo ajustar suas intervenções para que continuem progredindo. Durante as sondagens, também é utilizada a associação de imagens com a sua respectiva escrita, bem como a escrita de frases ou, até mesmo, de pequenos textos, motivada por personagens ali apresentados. Quando o professor quiser realizar uma avaliação diagnóstica mais estruturada, pode alternar entre o ditado de palavras, a escrita correspondente a imagens existentes na folha, a leitura silenciosa das palavras e sua ligação com o respectivo desenho e a escrita de frases ou textos, de acordo com a turma e o período letivo em que os alunos se encontrem. O importante é que, após a aplicação da sondagem ou da avaliação diagnóstica, os professores tenham classificado os níveis de alfabetização de cada aluno e registrado para ações futuras. Durante a alfabetização, portanto, as práticas avaliativas são essenciais para que o professor alfabetizador possa intervir a tempo e de forma personalizada, ajudando seus estudantes a alcançar o nível alfabético tão almejado. Avaliações de larga escala do Ministério da Educação, como as que são conduzidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), servem tanto como ferramenta de regulação do Estado por meio de políticas públicas educacionais quanto como meio de diagnosticar e promover ações de planejamento e gestão das práticas necessárias aos vários entes da federação (estados, Distrito Federal e municípios). Avaliações nacionais sobre a alfabetização O Ministério da Educação possui atualmente algumas avaliações externas que atuam em larga escala visando construir um diagnóstico a respeito da aprendizagem dos estudantes do sistema educacional brasileiro. Essas provas eram denominadas de Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), realizada no terceiro ano do ensino fundamental, e Provinha Brasil, no segundo ano do ensino fundamental, até o ano de 2018. Atualmente, essas avaliações compõem a denominação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Acom- panhando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018), o Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento10 ciclo de alfabetização dos estudantes passou a ser considerado até o fi nal do segundo ano do ensino fundamental, e não mais ao fi nal do terceiro ano como era entes. Nesse caso, vamos analisar como se constitui a avaliação nacional realizada pelo SAEB para os estudantes ao fi nal do segundo ano do ensino fundamental, a antiga Provinha Brasil. Essa avaliação tem uma matriz de referência, que é composta por dois eixos (apropriação do sistema de escrita e leitura) e seus respectivos descritores, conforme mostra o Quadro 3. 1º EIXO Apropriação do sistema de escrita: habilidades relacionadas à identificação e ao reconhecimento de princípios do sistema de escrita. Habilidade (descritor) Detalhamento da habilidade (descritor) D1: Reconhecer letras. Diferenciar letras de outros sinais gráficos, identificar pelo nome as letras do alfabeto ou reconhecer os diferentes tipos de grafia das letras. D2: Reconhecer sílabas. Identificar o número de sílabas que formam uma palavra por contagem ou comparação das sílabas de palavras dadas por imagens. D3: Estabelecer relação entre unidades sonoras e suas representações gráficas. Identificar em palavras a representação de unidades sonoras como: letras que possuem correspondência sonora única (ex.: p, b, t, d, f); letras com mais de uma correspondência sonora (ex.: “c” e “g”); sílabas. 2º EIXO Leitura D4: Ler palavras. Identificar a escrita de uma palavra ditada ou ilustrada, sem que isso seja possível a partir do reconhecimento de um único fonema ou de uma única sílaba. D5: Ler frases. Localizar informações em enunciados curtos e de sentido com- pleto, sem que isso seja possível a partir da estratégia de identifi- cação de uma única palavra que liga o gabarito à frase. Quadro 3. Matriz de referência para avaliação da alfabetização e letramento do SAEB (Continua) 11Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento A Provinha Brasil teve grande importância para as atividades de formação continuada dos professores alfabetizadores do Pacto Nacional pela Alfabetiza- ção na Idade Certa (PNAIC), colocado em prática no ano de 2012. O PNAIC tem como objetivo a melhoria dos índices de alfabetização nos anos iniciais do sistema educacional brasileiro e propõe o entendimento da alfabetização como um ciclo a se resolver durante os anos iniciais do ensino fundamental, e não somente no primeiro ano. As provas aplicadas aos estudantes no final do segundo ano, por avalia- rem crianças em diferentes níveis de aquisição da escrita, são conduzidas pelos professores. Esses professores leem alguns trechos das provas para que os alunos possam responder ao que estão sendo solicitados, demons- Fonte: Adaptado de Brasil (2011). 2º EIXO Leitura D6: Localizar infor- mação explícita em textos. Localizar informação em diferentes gêneros textuais, com diferentes tamanhos e estruturas e com distintos graus de evidência da informação, exigindo, em alguns casos, relacionar dados do texto para chegar à resposta correta. D7: Reconhecer assunto de um texto. Antecipar o assunto do texto com base no suporte ou nas características gráficas do gênero ou, ainda, em um nível mais complexo, reconhecer o assunto, fundamentando-se apenas na leitura individualdo texto. D8: Identificar a finalidade do texto. Antecipar a finalidade do texto com base no suporte ou nas características gráficas do gênero ou, ainda, em um nível mais complexo, identificar a finalidade, apoiando-se apenas na leitura individual do texto. D9: Estabelecer relação entre partes do texto. Identificar repetições e substituições que contribuem para a coerência e a coesão textual. D10: Inferir informação. Inferir informação. (Continua) Quadro 3. Matriz de referência para avaliação da alfabetização e letramento do SAEB Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento12 trando se já desenvolveram as habilidades (descritores) que cada pergunta objetiva. Observe, na Figura 2, uma questão da Provinha Brasil de 2016 em que o descritor D1 está sendo avaliado e perceba como funciona esse mecanismo de aplicação. Figura 2. Avaliação de alfabetização com o descritor D1. Fonte: Brasil (2016, documento on-line). Na questão apresentada na Figura 2, o professor que aplica a prova realiza a leitura do comando inicial, onde consta o alto-falante, para que os alunos possam responder ao que está sendo solicitado. Com essa questão, avalia-se a habilidade do estudante em diferenciar letras de outros sinais gráficos (descritor D1). Já quando se requer do estudante uma habilidade de maior competência, como a leitura de frases (descritor D5), as questões ficam mais complexas. Observe o exemplo da Figura 3. 13Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento Figura 3. Avaliação de alfabetização com o descritor D5. Fonte: Brasil (2016, documento on-line). No exemplo da Figura 3, segue-se o mesmo procedimento: o professor realiza a leitura dos comandos para que o estudante possa, após isso, re- alizar seu processo cognitivo e responder à questão conforme julgar mais correto. Nesse caso, a leitura de uma frase completa exige que o aluno já esteja num nível de alfabetização pleno, discernindo entre frases com construção muito similar. Ao analisarmos as implicações pedagógicas resultantes da aplicação de avaliações de larga escala, como é o caso da antiga Provinha Brasil, podemos notar que essas avaliações acabam transformando as práticas pedagógicas dos professores. Muitas vezes, eles veem essas provas como ferramentas diagnósticas para corrigir suas práticas ou, até mesmo, como instrumentos para que o cumprimento de suas atribuições seja fiscalizado. Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento14 Dias (2016, documento on-line) conduz uma pesquisa para sua tese de doutorado com os professores e gestores das escolas da rede pública de ensino do Distrito Federal. Sobre a utilização da Provinha Brasil e seus impactos pedagógicos, a autora conclui que a maioria desses professores: considerou essa política de avaliação como um instrumento para o diagnóstico da alfabetização; afirmou utilizar os resultados da Provinha Brasil para subsidiar o seu trabalho; ponderou que essa política de avaliação da alfabetização é necessária no cenário atual. Devemos ponderar também sobre os aspectos classificatórios exis- tentes em toda avaliação de larga escala, que podem causar problemas pedagógicos ao reforçar as ideias relacionadas ao fracasso quando não se consegue atingir os índices que foram projetados. Dias (2016) aponta ainda a importância da preparação dos professores que aplicam as provas para que a avaliação sirva de fato como diagnóstica da aprendizagem. Muitos dos professores sequer haviam tido contato anterior com o caderno do aplicador e suas ponderações. Analisando as avaliações propostas pelo SAEB, é possível ainda perceber que elas se alinham à metodologia da avaliação por competências, agora evidenciada como o caminho a ser seguido nas práticas curriculares da educação básica a partir da BNCC. Isso porque essas avaliações avaliam as habilidades desenvolvidas (ou não) no interior da escola associadas ao conhecimento ensinado e à atitude dos estudantes frente a ele (aprendiza- gem). Porém, avaliar por competências costuma ser associado ao paradigma classificatório da avaliação em detrimento dos aspectos qualitativos, que também devem ser considerados. Nas palavras de Dias (2016, documento on-line): A avaliação é sempre uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que informa o quanto cada estudante está conseguindo alcançar ou mesmo qual a situação em que estamos vivendo, também reflete se o que estamos planejando ou executando (modo ou conteúdo da ação profissional) alcança os objetivos pretendidos ou definidos. Por isso a avaliação é a guardiã dos objetivos; um processo e nunca uma atividade isolada. 15Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento Que possamos, durante nossas aulas de língua portuguesa, ter sempre em mente que a avaliação é processual, formativa e nunca um fim em si mesma. Com esse entendimento, o professor se coloca ao lado do aluno para que este possa alçar voos mais altos e, de fato, aprender e desenvolver as habilidades que a escolarização requer. Acesse o site do INEP e visualize um exemplar do caderno do aluno da antiga Provinha Brasil, que foi aplicada no ano de 2016 com o intuito de avaliar a alfabetização dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental. Acesse a prova no link a seguir. https://qrgo.page.link/VHvfk BARBOSA, M. C.; HORN, M. G. S. Projetos pedagógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008. BRASIL. INEP. Provinha Brasil: avaliando a alfabetização. Brasília: INEP, 2016. Guia de aplicação de teste de leitura nº. 1. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educa- cao_basica/provinha_brasil/kit/2016/guia_aplicacao_leitura.pdf. Acesso em: 2 set. 2019. BRASIL. INEP. Provinha Brasil: Matriz de referência para avaliação da alfabetização e do letramento inicial. Brasília: INEP, 2011. Disponível em: http://download.inep.gov.br/ download/provinhabrasil/2011/matriz_provinha_leitura.pdf. Acesso em: 2 set. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria Executiva. Secretaria da Educação Básica. Conselho Nacional de Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Brasil: Ministério da Educação, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec. gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 2 set. 2019. DIAS, E. T. G. Provinha Brasil e regulação: implicações para a organização do trabalho pedagógico. 2016. Tese (Doutorado em Educação) — Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: http://repositorio.se.df.gov.br/bitstream/123456789/692/1/2014_El is%c3%a2ngelaTeixeiraGomesDias.pdf. Acesso em: 2 set. 2019. FERREIRO, E. Com todas as letras. 7. ed. São Paulo: Cortez Editora, 1999. FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. 24. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2001. Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento16 FRADE, I. C. A. S. Métodos e didáticas de alfabetização: história, características e modos de fazer de professores. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005. Disponível em: http://www. ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/files/uploads/Col.%20Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o%20 e%20Letramento/Col%20Alf.Let.%2008%20Metodos_didaticas_alfabetizacao.pdf. Acesso em: 2 set. 2019. LOPES, J. R.; ABREU, M. C.; MATTOS, M. C. E. Caderno do educador: alfabetização e letramento 1. Brasília: Ministério da Educação, 2010. Disponível em: http://portal.mec. gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=5707-escola-ativa- -alfabetizacao1-educador&Itemid=30192. Acesso em: 2 set. 2019. SOARES, M.; BATISTA, A. A. G. Alfabetização e letramento: caderno do professor. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005. Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/ webroot/files/uploads/Col.%20Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o%20e%20Letramento/ Col%20Alf.Let.%2001%20Alfabetizacao_Letramento.pdf. Acesso em: 2 set. 2019. WARSCHAUER, C. A roda e o registro: uma parceria entre professor, alunos e conheci- mento. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1993. 17Avaliação na alfabetização: o contexto do letramento
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