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Microbiologia e Imunologia (2020.1) Microbiologi� d� cári� dentári� A cárie dentária é uma infecção endógena, crônica, causada pela microbiota oral residente. Ela é resultado da desmineralização do esmalte e da dentina (posteriormente), por ácidos produzidos pelos microrganismos do biofilme durante o metabolismo dos carboidratos das dietas. Contudo, esse processo inicial da desmineralização do esmalte normalmente é seguido pela remineralização, e a cavitação ocorre quando os períodos de desmineralização são maiores que os períodos de remineralização. Quando se perde a camada superficial de esmalte, a infecção invariavelmente progride para a dentina, levando inicialmente à inflamação da polpa e posteriormente à necrose. Ou seja, define-se cárie como uma destruição localizada dos tecidos do dente pela fermentação bacteriana de carboidratos da dieta. A cárie dentária pode ser classificada em relação ao sítio da lesão em: • cárie de cicatrícula ou fissura (observada em molares, pré-molares e na face palatina dos incisivos superiores; • cárie de superfície lisa (observada principalmente na superfície proximal dos dentes, logo abaixo do ponto de contato; • cárie de superfície radicular (observada no cemento ou na dentina quando a raiz está exposta ao ambiente oral); • cárie recorrente ou secundária (associada à restauração existente). Fatores do hospedeiro Estrutura do dente Tanto a estrutura do esmalte quanto a da dentina na cárie radicular são importantes: algumas áreas do mesmo dente são muito mais suscetíveis ao ataque da cárie do que outras, possivelmente no conteúdo mineral. Fluxo salivar e composição da saliva A ação de lavagem mecânica da saliva é um mecanismo muito importante e eficiente na remoção de debris alimentares e microrganismos orais não aderidos. Além disso, a saliva possui uma eficiente capacidade tamponante que tende a neutralizar os ácidos produzidos pelas bactérias do biofilme do biofilme na superfície dos dentes, sendo supersaturada com íons de cálcio e fósforo, importantes na remineralização das lesões de mancha branca. Dieta Há uma relação direta entre a cárie dentária e a ingestão de carboidratos, sendo o açúcar mais cariogênico a sacarose. O seu papel na iniciação da cárie dentária inclui: Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista (2021) Microbiologia e Imunologia (2020.1) A sacarose é altamente solúvel e se difunde facilmente no biofilme dentário, servindo de substrato na produção de polissacarídeos e ácidos extracelulares. Sendo assim, a relação entre a sacarose e a cárie dentária é complexa e não está relacionada apenas à quantidade de açúcar consumido, visto que a frequência também deve ser levada em consideração. Outro ponto a ser analisado é a viscosidade e a concentração da sacarose consumida, uma vez que ambos os fatores influenciam no tempo em que o esmalte é mantido em contato com o açúcar. Além da sacarose, outros carboidratos, como a glicose e a frutose também são cariogênicos. Mas em proporção menor que a sacarose. Microbiologi� Quanto à microbiologia, microrganismos na forma de biofilme dentário são um pré-requisito para o desenvolvimento da cárie dentária. Dentre eles, os mais importantes estão os estreptococos do grupo mutans. Há uma vasta literatura sobre o seu papel na cárie. Eles representam um grupo de sete diferentes espécies (S. mutans, S. sobrinus, S. cricetti, S. ferus, S. ratti, S. macacae e S. downei) e oito sorotipos diferentes (a-h)Os sorotipos c, e, f de S. mutans e os sorotipos d, g de S. sobrinus são as espécies mais comumente encontradas em seres humanos, sendo prevalentes as cepas do sorotipo c, seguidas pelos sorotipos d e e. Os demais são encontrados raramente. As seguintes evidências apontam para o papel etiológico dos estreptococos do grupo mutans na cárie dentária: ● correlações entre contagens de estreptococos do grupo mutans na saliva e no biofilme e a prevalência e incidência de cárie; ● estreptococos do grupo mutans podem ser isolados com frequência da superfície do dente logo após o desenvolvimento da cárie; ● correlação positiva entre a progressão das lesões cariosas e contagens de estreptococos do grupo mutans; ● produção de polissacarídeos extracelulares a partir da sacarose (que ajudam a consolidar os microrganismos do biofilme entre si e com a superfície do dente); ● são os estreptococos mais eficientes para produzir cárie em estudos com animais (roedores e primatas não humanos); Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista (2021) Microbiologia e Imunologia (2020.1) ● capacidade de iniciar e manter o crescimento microbiano e continuar a produção de ácidos em baixos valores de pH; ● metabolismo rápido de açúcares a ácido lático e outros ácidos orgânicos; ● capacidade de atingir o pH crítico para a desmineralização do esmalte em velocidade maior do que as outras bactérias comuns do biofilme; ● capacidade de produzir polissacarídeos intracelulares (glicogênio), que podem atuar como reserva de nutrientes para uso em situações de baixa concentração de carboidratos na dieta; ● A imunização de animais com sorotipos específicos de S. mutans reduz significativamente a incidência de cárie. Outro microrganismo importante é o Actinomyces spp. que está associado ao desenvolvimento da cárie de superfície radicular. Já os lactobacilos, que antes eram considerados agentes causadores da cárie, eles raramente são isolados do biofilme antes do desenvolvimento da cárie. Contudo, embora o papel dos lactobacilos no processo carioso não seja bem definido, acredita-se que eles estejam mais envolvidos na progressão da lesão profunda de esmalte (e não da iniciação) e que eles sejam os organismos pioneiros no avanço do processo carioso, sobretudo na dentina. Além deles, o Veillonella spp. é um coco Gram-negativo que está presente em número significativo na maioria das amostras de biofilme supragengival. Contudo, ele pode ter um efeito benéfico na cárie dentária devido ao fato de ser incapaz de metabolizar os carboidratos da dieta normal, usando lactatos de outros microrganismos, o convertendo em ácidos orgânicos mais fracos e provavelmente menos cariogênicos. Metabolism� d� biofilm� � cári� dentári� A principal fonte de nutrientes para as bactérias orais é a saliva. Embora o conteúdo de carboidratos da saliva seja geralmente baixo, níveis aumentados (até 1.000 vezes) são observados após uma refeição. Para utilizar esse aumento transitório dos níveis de nutriente, as bactérias orais desenvolveram uma série de mecanismos regulatórios que atuam em três níveis: 1. transporte de açúcar para o interior dos micro-organismos; 2. via glicolítica; 3. conversão de piruvato em produtos metabólicos finais. O metabolismo bacteriano de carboidrato é crítico na etiologia da cárie, visto que os produtos finais ácidos são responsáveis pela desmineralização do esmalte. O processo se inicia quando a sacarose da dieta é clivada por enzimas bacterianas com a liberação de glicose e frutose, os quais serão convertidos pelas enzimas extracelulares (glicosil e frutosil) em polissacarídeos (glicanos [estes, por sua vez, são usados na maior parte das vezes como a principal fonte de nutriente bacteriano] e frutanos [contribuem para a matriz do biofilme ao facilitarem a adesão e a agregação das bactérias do biofilme]). Diferentes espécies produzem ácidos em taxas distintas e variam na capacidade de sobreviver sob essas condições. Os estreptococos do grupo mutans, por serem mais acidogênicos e acidúricos (tolerantes ao ácido), reduzem o pH do biofilme a Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista (2021) Microbiologia e Imunologia (2020.1) baixos níveis, criando condições hostis para outras bactérias do biofilme. Ademais, queda resultante do pH global a níveis inferiores a 5,5 inicia o processo de desmineralização do esmalte. obs.: Essa redução característica do pH do biofilme, seguida por um lento retorno ao valor original em cerca de uma hora, produz a curva denominada “curva de Stephan”. Uma característica-chave de uma série de estudos sobre cárie é a ausênciade estreptococos do grupo mutans nos sítios de cárie, sugerindo que outras bactérias podem contribuir para o processo da doença. Por outro lado, em alguns estudos em que os estreptococos do grupo mutans foram encontrados em grande quantidade, aparentemente não houve desmineralização do esmalte subjacente. Esse fato poderia ser explicado pela presença de espécies consumidoras de lactato, como Veillonella spp., ou pela produção de álcalis em pH baixo por organismos como Streptococcus salivarius e Streptococcus sanguinis. Esses e outros achados relacionados levaram ao desenvolvimento da “hipótese ecológica do biofilme”. De acordo com essa proposta, a microbiota cariogênica encontrada naturalmente no biofilme é pouco competitiva e compreende apenas uma minoria da comunidade total. Todavia, com a dieta convencional, os níveis das bactérias cariogênicas em potencial são clinicamente insignificantes e os processos de desmineralização e remineralização estão em equilíbrio. Se, contudo, a frequência de ingestão de carboidratos fermentáveis aumenta, o nível do pH do biofilme diminui e permanece baixo por períodos prolongados, promovendo o crescimento de bactérias tolerantes ao ácido (acidúricas), enquanto gradativamente são eliminadas as bactérias comuns, que são ácido-lábeis. Condições prolongadas de baixo pH também iniciam a desmineralização, o que pode alterar a comunidade do biofilme, favorecendo os estreptococos do grupo mutans e os lactobacilos. Referência: SAMARANAYAKE, Lakshman. Fundamentos de Microbiologia e Imunologia na Odontologia. Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista (2021)
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