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Funções Essenciais à Justiça

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19.17. FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA
Depois de dispor sobre o Poder Judiciário, a Constituição Federal reserva
um capítulo específico às Funções Essenciais à Justiça, dividindo-os nas
seguintes seções: a) do Ministério Público; b) da Advocacia Pública; c) da
Advocacia; d) da Defensoria Pública.
19.17.1. Ministério Público
19.17.1.1. Evolução histórica
Segundo a doutrina, a origem do Ministério Público coincide com a
formação do Estado Moderno e a consequente implantação da separação das
funções estatais, embora haja antecedentes remotos existentes no Egito
antigo52, e na Idade Média (com a figura dos procureurs du roi –
procuradores do Rei, na França do século XIII. Para grande parte da doutrina,
o surgimento do Ministério Público teria se dado entre os anos de 1302 e
1303, no reinado do francês Felipe, o Belo: “Franco Cordero, invocando o
autorizado testemunho de Adhemar Esmein, informa que o primeiro diploma
que faz menção aos Procuradores do Rei é uma Ordonnance de 1302, editada
por Felipe, o Belo, que estabelece o juramento como requisito prévio à
investidura nesse cargo e que impõe a eles a dedicação exclusiva aos
encargos. Já José Frederico Marques, baseando-se em lição de René Garraud,
afirma que foi uma Ordonnance de cinco de março de 1303, editada por
Felipe, o Belo, que pela primeira vez mencionou les gens du roi”53.
No Brasil, o primeiro diploma legal a fazer menção indireta ao Ministério
Público foi o Regimento da Primeira Relação, de 1609 (criava cargos de
Procurador dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco e de Promotor de Justiça).
Um alvará de 1808, que transformou a Relação da cidade do Rio de Janeiro
em Casa da Suplicação do Brasil, prevê a atuação de um Promotor de Justiça.
A Constituição de 1824 não fez menção ao Ministério Público enquanto
instituição, apenas se referendo ao cargo de Procurador da Coroa54. Lei de 18
de setembro de 1828 previa a atuação de um Promotor de Justiça em cada
Relação e em cada comarca. Lei de três de dezembro de 1841 atribuiu a
Promotores de Justiça o papel de “produzir a acusação dos delinquentes e
fazê-los condenar”.
A Constituição de 1891 também não fez menção à instituição do
Ministério Público, limitando-se a indicar o critério de nomeação do
Procurador-Geral da República, que deveria recair sobre um dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal (art. 58, § 2º).
Somente na Constituição de 1934 é que o Ministério Público passou a ser
tratado como um dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais.
Quatro foram os artigos reservados ao Ministério Público (arts. 95 a 98).
Segundo o art. 95, “O Ministério Público será organizado na União, no
Distrito Federal e nos Territórios por lei federal, e, nos Estados, pelas leis
locais”. O Chefe do Ministério Público Federal era o Procurador-Geral da
República, de nomeação do Presidente da República, com aprovação do
Senado Federal, podendo ser demitido ad nutum pelo Presidente. Conclui
Samantha Meyer-Pflug: “daí se depreende uma nítida subordinação do
Ministério Público ao Poder Executivo, pois o chefe da instituição exercia
cargo de confiança do Ministério Público ao Poder Executivo, pois o chefe da
instituição exercia cargo de confiança do Presidente da República, podendo
ser demitido a qualquer tempo. Tal fato impedia por completo a autonomia
do Procurador-Geral no desempenho de suas atividades, pois não usufruía de
nenhuma garantia que lhe assegurasse a independência necessária para
realizar o seu mister”55.
Mantido pela Constituição de 1937, o Ministério Público teve previsão
constitucional ainda mais restrita, passando a fazer parte do Poder Judiciário.
A chefia do Ministério Público Federal continuava a ser exercida pelo
Procurador-Geral da República (demissível ad nutum pelo Presidente), nos
termos do art. 99. Como afirmou Victor Roberto de Souza, “coma
Constituição elaborada pelo Ministro Francisco Campos, mentor de nosso
Código Penal, o Ministério Público perde a estabilidade e a paridade de
vencimentos com os magistrados. Cria-se a máxima, que se veria repetida no
Golpe Militar de 31 de março de 1964: regime ditatorial forte, Ministério
Público fraco”56.
A Constituição de 1946, embora tenha mantido a possibilidade de
demissão ad nutum do Procurador-Geral da República, restaurou os
dispositivos antes previstos na Constituição de 1934 sobre o Ministério
Público (como a garantia de seus membros). Segundo o art. 126, o Ministério
Público tinha o encargo de representar em juízo à União. Todavia, como
lembra a doutrina, “diversos Estados da Federação optaram por desvincular
seus parquets da representação judicial do Estado, como ocorreu com o
Ministério Público de São Paulo e do antigo Estado da Guanabara, dentre
ouros, que tiveram suas atividades restritas às funções típicas de fiscal da
lei”57.
A Constituição de 1967 manteve tais dispositivos, mas a Emenda n. 1, de
1969, transferiu o Ministério Público para o capítulo reservado ao Poder
Executivo. Como afirma Victor Roberto de Souza, “passou ele a figurar
como parte integrante do Poder Executivo, sem independência funcional,
financeira e administrativa, o que lhe tirava vigor para alçar voos maiores.
Voltava ele a ser mero funcionário administrativo do Estado. Lembremos
que, em adendo, esta Carta também suprimiu a oitiva do Senado Federal,
quando da nomeação do Procurador-Geral da República, acentuando sua
subordinação ao Presidente da República”58.
A Constituição de 1988 foi a que mais inovou no tocante ao Ministério
Público, dando ao Ministério Público um papel destacado no Estado
Democrático de Direito. Segundo Samantha Ribeiro Meyer-Pflug, “o texto
constitucional, tendo em vista a grande relevância da função do parquet, além
de assegurar-lhe autonomia, também delineou detalhadamente a sua estrutura,
propiciando os elementos necessários para que possa levar a efeito a defesa
do regime democrático”59.
Dentre as principais inovações, destacam-se: a) exclusividade para
promoção da ação penal pública; b) possibilidade de requisição de
investigações às autoridades públicas competentes; c) autonomia funcional,
financeira ou orçamentária e administrativa; d) consagração dos princípios
constitucionais da unidade, indivisibilidade e independência funcional; e) fim
da representação da União e dos Estados, com a respectiva vedação à
representação e consultoria de órgãos públicos; f) o Procurador-Geral da
República deve ser da carreira, não podendo ser demitido ad nutum pelo
Presidente; g) promoção de inquérito civil e ação civil pública para proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos etc.
Segundo o art. 127, caput, da Constituição Federal, “o Ministério Público
é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis”. O Ministério Público adquiriu
status constitucional a partir da Constituição brasileira de 1934.
Ao contrário da Constituição anterior, que colocava o Ministério Público
como órgão do Poder Executivo, o mesmo não ocorreu com a Constituição de
1988. Ao lado do Tribunal de Contas, o Ministério Público é um órgão que
exerce importantes funções fiscalizatórias e que não pode ser considerado
como integrante do Legislativo (no caso do Tribunal de Contas) ou do
Executivo (no caso do Ministério Público). Como dissemos no início deste
capítulo, essa polêmica deriva da irracional fidelidade à teoria da tripartição
de poderes, teoria importantíssima, mas aplicada à realidade do século XVIII.
Algumas Constituições preveem a função fiscalizatória como um Quarto
Poder ou uma Quarta Função, o que não foi feito expressamente pela
Constituição, o que de fato não é absolutamente necessário. Mesmo sem ser
chamado de Quarto Poder, o Ministério Público e o Tribunal de Contas já
gozam das autonomias destinadas ao livre exercício de suas respectivas
funções.
No Brasil, o Ministério Público encontra raízes na legislação portuguesa
vigente no país durante o períodocolonial, imperial e republicano. Como
afirma a doutrina, “As Ordenações Manuelinas de 1521 já mencionavam o
promotor de justiça e suas obrigações perante as Casas da Suplicação e nos
juízos das terras”60.
19.17.1.2. Autonomias
O Ministério Público goza de autonomia orgânico-administrativa,
autonomia financeira e autonomia funcional.
Quanto à primeira, assegura o art. 127, § 2º, da Constituição Federal que
“ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa,
podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a
criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por
concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e
os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento”.
No tocante à autonomia financeira, conforme dispõe o art. 127, § 3º, da
Constituição Federal, “o Ministério Público elaborará sua proposta
orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias”. Segundo o § 4º do mesmo artigo, “Se o Ministério Público
não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do prazo
estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo
considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os
valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os
limites estipulados na forma do § 3º”.
A autonomia funcional está prevista no art. 127, § 1º, da Constituição
Federal e significa que os membros do Ministério Público têm liberdade para
fazer seus pronunciamentos processuais e extraprocessuais com
independência. A hierarquia existente diz respeito às questões
administrativas, por conta da chefia do Procurador-Geral de Justiça (no
Ministério Público Estadual) e do Procurador-Geral da República (no
Ministério Público da União).
19.17.1.3. Princípios institucionais
Segundo o art. 127, § 1º, da Constituição Federal, “são princípios
institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional”.
De acordo com o princípio da unidade, o Ministério Público é uno, tendo
órgãos diversos que compõem a mesma instituição. Essa divisão existente é
meramente funcional.
Da mesma forma, segundo o princípio da indivisibilidade, sempre que se
manifesta um representante do Ministério Público, está se manifestando o
Ministério Público. Dessa maneira, num mesmo processo, podem participar
vários representantes do Ministério Público.
Quanto ao possível princípio do promotor natural, o assunto é
controvertido. O princípio do promotor natural tem o seguinte significado:
não poderia o Chefe do Ministério Público (Procurador-Geral de Justiça ou
Procurador-Geral da República) fazer nomeações, designações casuísticas de
membros do Ministério Público para um determinado processo. Não admitir
esse princípio seria permitir que o chefe do Ministério Público designasse o
mais experiente de seus membros para processar qualquer pessoa malquista
ou que tenha interesses contrários aos da instituição ou, muito pior, aos do
Procurador-Geral.
O Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 67.759, admitiu a
existência do princípio: “o postulado do promotor natural, que se revela
imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de
designações casuísticas efetuadas pela chefia da instituição, a figura do
acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica,
destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em
que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a
tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando,
em quaisquer causas, apenas o promotor cuja intervenção se justifique a
partir de critérios abstratos e predeterminados, estabelecidos em lei. A matriz
constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas da independência
funcional e da inviolabilidade dos membros da instituição”.
Entendemos se tratar de um princípio constitucional importante, que evita,
como definiu o próprio Supremo Tribunal Federal, os “acusadores de
exceção”. Todavia, a lei infraconstitucional atenua a aplicação desse
princípio. O art. 10, IX, “f”, da Lei n. 8.625/93 (LONMP – Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público) afirma que o Procurador-Geral de Justiça
pode designar membros do Ministério Público para assegurar a continuidade
dos serviços, em caso de vacância, afastamento temporário, ausência,
impedimento ou suspeição do titular do cargo, ou com consentimento deste.
Se não bastasse, o art. 24 da mesma lei afirma “O Procurador-Geral de
Justiça poderá, com a concordância do Promotor de Justiça titular, designar
outro Promotor para funcionar em feito determinado, de atribuição daquele”.
Ora, dificilmente o membro do Ministério Público não cederia à pressão do
Procurador-Geral. Dessa maneira, por conta desses dois artigos, o princípio
do promotor natural ficou enormemente enfraquecido. Seria inconstitucional
essa possibilidade? Infelizmente, o Supremo Tribunal Federal disse que não:
“O Procurador-Geral de Justiça poderá, com a concordância do Promotor de
Justiça titular, designar outro Promotor para funcionar em feito determinado,
de atribuição daquele. Não violação do princípio do promotor natural” (HC
103.038). Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça
(HC 57.506).
19.17.1.4. A organização do Ministério Público
Segundo o art. 128 da Constituição Federal, o Ministério Público abrange
o Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados. O primeiro
(Ministério Público da União) compreende: Ministério Público Federal,
Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar, Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios.
Ministério Público
Da união
MP federal
MP do trabalho
MP militar
MP do DF e territórios
Dos estados
A chefia do Ministério Público
Segundo o art. 128, § 1º, da Constituição Federal, “o Ministério Público da
União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo
Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e
cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos
membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a
recondução”.
Nos termos do art. 128, § 2º, da Constituição Federal, “a destituição do
Procurador-Geral da República, por iniciativa do Presidente da República,
deverá ser precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal”.
Por sua vez, a chefia do Ministério Público dos Estados, DF e Territórios
está prevista no art. 128, § 3º, da Constituição Federal: “Os Ministérios
Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista
tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha
de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo,
para mandato de dois anos, permitida uma recondução”.
Nos termos do art. 128, § 4º, da Constituição Federal, “os Procuradores-
Gerais nos Estados e no Distrito Federal e Territórios poderão ser destituídos
por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo, na forma da lei
complementar respectiva”.
19.17.1.5. As garantias e vedações dos membros do Ministério
Público
Nos termos do art. 128, § 5º, da Constituição Federal, são garantias dos
membros do Ministério Público: “a) vitaliciedade, após dois anos de
exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada
em julgado; b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público,
mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo
voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa; c)
irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º”.
Por sua vez, o inciso II do mesmo dispositivo constitucional prevê como
vedações: “a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários,
percentagens ou custas processuais; b) exercer a advocacia; c) participar de
sociedade comercial, na forma da lei; d) exercer, ainda que em
disponibilidade, qualquer outra funçãopública, salvo uma de magistério; e)
exercer atividade político-partidária; f) receber, a qualquer título ou pretexto,
auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas,
ressalvadas as exceções previstas em lei”. Por fim, nos termos do art. 128, §
1º, da Constituição Federal, “aplica-se aos membros do Ministério Público o
disposto no art. 95, parágrafo único, V”, ou seja, a “quarentena de saída”.
Dessa maneira, não poderá advogar no juízo ou tribunal do qual se afastou o
Membro do Ministério Público, por 3 anos.
19.17.1.6. Funções institucionais do Ministério Público
Segundo o art. 129 da Constituição Federal, são funções institucionais do
Ministério Público: “I – promover, privativamente, a ação penal pública, na
forma da lei; II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – promover o
inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV –
promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na
forma da lei complementar respectiva; VII – exercer o controle externo da
atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo
anterior; VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de
inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais; IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas”.
Nos termos do § 1º desse artigo, “a legitimação do Ministério Público para
as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas
hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”. Já o § 2º dispõe
que “as funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes
da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo
autorização do chefe da instituição”.
Nos termos do art. 129, § 3º, “o ingresso na carreira do Ministério Público
far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a
participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-
se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e
observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação”.
19.17.1.7. Conselho Nacional do Ministério Público
Criado pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004 (Reforma do Poder
Judiciário), o Conselho Nacional do Ministério Público exerce o controle da
atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento
dos seus deveres funcionais.
a) Composição
É composto por quatorze membros, nomeados pelo Presidente da
República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado
Federal, para mandato de dois anos, admitida uma recondução, nos termos do
art. 130-A da Constituição Federal. Fazem parte do CNMP: “I – o
Procurador-Geral da República, que o preside; II – quatro membros do
Ministério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas
carreiras; III – três membros do Ministério Público dos Estados; IV – dois
juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior
Tribunal de Justiça; V – dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil; VI – dois cidadãos de notável saber
jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e
outro pelo Senado Federal”. Segundo o art. 130-A, § 1º, da Constituição
Federal, “os membros do Conselho oriundos do Ministério Público serão
indicados pelos respectivos Ministérios Públicos, na forma da lei”.
b) Atribuição
Segundo o art. 130-A, § 2º, da Constituição Federal, “compete ao
Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação
administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos
deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe: I – zelar pela autonomia
funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos
regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante
provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou
órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-
los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao
exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de
Contas; III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos
do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus
serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da
instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a
remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos
proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas,
assegurada ampla defesa; IV – rever, de ofício ou mediante provocação, os
processos disciplinares de membros do Ministério Público da União ou dos
Estados julgados há menos de um ano; V – elaborar relatório anual, propondo
as providências que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público
no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem
prevista no art. 84, XI”.
Segundo o STF, não pode o Conselho Nacional do Ministério Público
efetuar controle e constitucionalidade de lei, por se tratar de órgão de
natureza administrativa: “O Conselho Nacional do Ministério Público não
ostenta competência para efetuar controle de constitucionalidade de lei, posto
consabido tratar-se de órgão de natureza administrativa, cuja atribuição
adstringe-se ao controle da legitimidade dos atos administrativos praticados
por membros ou órgãos do Ministério Público federal e estadual” (MS
27.744, rel. Min. Luiz Fux).
Outrossim, segundo o STF, a competência para rever processos
disciplinares refere-se aos membros do Ministério Público, não sendo
possível a revisão de processo disciplinar contra servidores: “a competência
revisora conferida ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
limita-se aos processos disciplinares instaurados contra os membros do
Ministério Público da União ou dos Estados (inciso IV do § 2º do art. 130-A
da CR), não sendo possível a revisão de processo disciplinar contra
servidores. Somente com o esgotamento da atuação correicional do
Ministério Público paulista, o ex-servidor apresentou no CNMP, reclamação
contra a pena de demissão aplicada. A CR resguardou o CNMP da
possibilidade de se tornar instância revisora dos processos administrativos
disciplinares instaurados nos órgãos correicionais competentes contra
servidores auxiliares do Ministério Público em situações que não digam
respeito à atividade-fim da própria instituição” (MS 28.827, rel. Min. Cármen
Lúcia).
Nos termos do art. 130-A, § 3º, da Constituição Federal, “o Conselho
escolherá, em votação secreta, um Corregedor nacional, dentre os membros
do Ministério Público que o integram, vedada a recondução, competindo-lhe,
além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei, as seguintes: I –
receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos
membros do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares; II – exercer
funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral; III –
requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes
atribuições, e requisitar servidores de órgãos do Ministério Público”. Nos
termos do art. 130-A, § 4º, “o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil oficiará junto ao Conselho”.
19.17.2. Advocacia PúblicaOs arts. 131 e 132 da Constituição Federal tratam da “Advocacia Pública”,
sendo que o art. 131 aborda a Advocacia-Geral da União e o art. 132 da
Constituição Federal aborda a Procuradoria dos Estados.
Segundo o art. 131 da Constituição Federal, “a Advocacia-Geral da União
é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a
União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei
complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as
atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”.
Nos termos do § 1º do mesmo artigo: “A Advocacia-Geral da União tem
por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da
República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber
jurídico e reputação ilibada”.
Segundo o art. 131, § 2º, “o ingresso nas classes iniciais das carreiras da
instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de
provas e títulos”. Segundo o STF, dispensa-se o instrumento de mandato para
o advogado da União: “representação processual. Pessoa jurídica de direito
público. União. Instrumento de mandato. Dispensa. Uma vez subscrito o ato
por detentor do cargo de advogado da União, dispensável é a apresentação de
instrumento de mandato, da procuração” (AO 1.757, rel. Min. Marco
Aurélio).
A destituição do Advogado-Geral da União também é de responsabilidade
do Presidente da República, o que é extensível, pelo princípio da simetria, no
âmbito estadual, como já decidiu o STF: “a Constituição do Estado do Mato
Grosso, ao condicionar a destituição do Procurador-Geral do Estado à
autorização da Assembleia Legislativa, ofende o disposto no art. 84, XXV e
art. 131, § 1º da CF/88. Compete ao chefe do Executivo dispor sobre as
matérias exclusivas de sua iniciativa, não podendo tal prerrogativa ser
estendida ao Procurador-Geral do Estado” (ADI 291, rel. Min. Joaquim
Barbosa).
Por fim, nos termos do art. 131, § 3º, da Constituição Federal, “na
execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União
cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em
lei”.
Por sua vez, segundo o art. 132 da Constituição Federal, “os Procuradores
dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso
dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a
representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades
federadas”. Segundo o STF, “o cargo de Procurador Geral do Estado é de
livre nomeação e exoneração pelo Governador do Estado, que pode escolher
o Procurador-Geral entre membros da carreira ou não” (ADI 291, rel. Min.
Joaquim Barbosa).
Por fim, segundo o parágrafo único do mesmo artigo, “aos procuradores
referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo
exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios,
após relatório circunstanciado das corregedorias”. Segundo o STF, “a
garantia da inamovibilidade é conferida pela CF apenas aos magistrados, aos
membros do Ministério Público e aos membros da Defensoria Pública, não
podendo ser estendida aos procuradores do Estado” (ADI 291, rel. Min.
Joaquim Barbosa).
19.17.3. Advocacia
Segundo o art. 133 da Constituição Federal, “o advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei”.
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 8.906, de 4 de julho
de 1994), no seu art. 2º, depois de repetir que “o advogado é indispensável à
administração da Justiça”, afirma que “o advogado presta serviço público e
exerce função social” (art. 2º, § 1º). Outrossim, afirma que, “no exercício da
profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites
desta lei”.
Acerca das imunidades profissionais do advogado, o art. 7º do Estatuto da
OAB assegura, no seu § 2º: “o advogado tem imunidade profissional, não
constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação
de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem
prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que
cometer”. Todavia, com relação a esse artigo, o Supremo Tribunal Federal
declarou inconstitucional a palavra “desacato”: “A imunidade profissional do
advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do
magistrado da condução da atividade jurisdicional” (ADI 1.127, rel. Min.
Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. 17-5-2006).
Excluído o desacato, verifica-se que a imunidade do advogado refere-se à
injúria e à difamação, em juízo ou fora dele, mas no exercício da sua função.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, “A invocação da imunidade
constitucional pressupõe, necessariamente, o exercício regular e legítimo da
advocacia. Essa prerrogativa jurídico-constitucional, no entanto, revela-se
incompatível com práticas abusivas ou atentatórias à dignidade da profissão
ou às normas ético-jurídicas que lhe regem o exercício” (RHC 81.750, rel.
Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 12-11-2002).
19.17.4. Defensoria Pública
19.17.4.1. Evolução histórica
A origem da Defensoria Pública está intimamente ligada com a evolução
do direito à assistência jurídica gratuita. Nas palavras de José Fontenelle
Teixeira da Silva61, as origens mais remotas em nossa legislação estão nas
Ordenações Filipinas62. Em 1870, o Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros, sob a presidência de Nabuco de Araújo, criou a praxe de oferecer,
por parte de alguns membros, consultas jurídicas às pessoas pobres,
defendendo-as em juízo. Décadas depois, a Constituição Federal de 1934
previu o “direito de acesso gratuito à Justiça” (art. 113, n. 32). A primeira
legislação a prever a “Defensoria Pública” foi a Constituição do Estado do
Rio de Janeiro, de 1975. No âmbito da Constituição Federal, a Defensoria
Pública somente apareceu no texto da Constituição de 1988.
19.17.4.2. Assistência judiciária e assistência jurídica
Embora sejam expressões semelhantes, há diferenças essenciais entre a
assistência judiciária e a assistência jurídica. Enquanto a primeira consiste em
garantir a todos os necessitados o acesso aos instrumentos jurisdicionais
necessários (em outras palavras, o acesso facilitado ao Poder Judiciário), a
segunda (a assistência jurídica) consiste no auxílio pré-processual,
endoprocessual e pós-processual a todos aqueles que, necessitando de auxílio
jurídico, não têm condições financeiras de custeá-los.
Analisando as duas Constituições brasileiras mais recentes, percebe-se a
enorme diferença de tratamento dado por ambas. Enquanto a Constituição de
1967 afirmava que “será concedida assistência Judiciária aos necessitados, na
forma da lei” (art. 150, § 32), a Constituição de 1988 afirma que “o Estado
prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV). Portanto, se a Constituição de
1967 previa a assistência judiciária, a Constituição de 1988 prevê a
assistência jurídica. Segundo José Carlos Barbosa Moreira, “a mudança do
adjetivo qualificador da ‘assistência’, reforçada pelo acréscimo ‘integral’,
importa notável aplicação do universo que se quer cobrir. Os necessitados
fazem jus agora à dispensa de pagamentos e à prestação de serviços não
apenas na esfera judicial, mas em todo o campo dos atos jurídicos. Incluem-
se também na franquia: a instauração e movimentação de processos
administrativos, perante quaisquer órgãos públicos, em todos os níveis; os
atos notariais e quaisquer outros atos de natureza jurídica, praticados
extrajudicialmente; a prestação de serviços de consultoria, ou seja, de
informação e aconselhamento em assuntos jurídicos”63.
Dessa maneira, como afirma Ana Carvalho Ferreira Bueno de Moraes, em
dissertação específica sobre o tema, “pode-se entender a assistência jurídica,
instrumento fundamental à ordem justa no Estado Social Democrático de
Direito, comoo dever estatal de auxílio jurídico prestado ao hipossuficiente
em sentido amplo, caracterizado pelo dever de: a) prestar informação e
conscientização dos indivíduos acerca dos seus direitos; b) prestar orientação
jurídica; c) realizar atividades extrajudiciais, buscando prevenir a constituição
de conflito, como envio de ofício, elaboração de contratos etc; d) buscar a
composição extrajudicial dos conflitos; e) representar e defender os interesses
do indivíduo em processos administrativos; f) representar e defender os
interesses do indivíduo em processos judiciais; g) defender os interesses da
coletividade”64.
Não se confunda assistência jurídica gratuita com gratuidade de justiça ou
gratuidade judiciária ou justiça gratuita. Enquanto a assistência jurídica
gratuita é a assistência, orientação e patrocínio da causa por um profissional
habilitado (preferencialmente membro da Defensoria Pública), a gratuidade
da justiça (ou gratuidade judiciária ou justiça gratuita) é, nas palavras de
Rogério Nunes de Oliveira, “a isenção total, parcial ou diferida, do
pagamento das despesas necessárias à realização de um direito subjetivo ou
de uma faculdade jurídica, tanto no plano judicial quanto no extrajudicial,
conferida a pessoa carente de recursos econômico-financeiros”65.
A Defensoria Pública é um instrumento indispensável à consecução da
assistência jurídica gratuita. Aliás, a própria Constituição Federal (art. 134,
caput) afirma que a Defensoria é “essencial à função jurisdicional do
Estado”, “expressão e instrumento do regime democrático”, cabendo-lhe a
“orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos
os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de
forma integral e gratuita, aos necessitados”.
Tamanha a importância do direito à assistência judiciária gratuita, parte da
doutrina identifica como sendo mínimo existencial dos direitos fundamentais,
como o faz Ana Paula de Barcellos: “[...] O mínimo existencial que ora se
concebe é composto de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a
saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos
desamparados e o acesso à justiça. Repita-se, mais uma vez, que esses quatro
pontos correspondem ao núcleo da dignidade da pessoa humana a que se
reconhece eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o status de direito subjetivo
exigível diante do Poder Judiciário”66.
Segundo Ana Carvalho Ferreira Bueno de Moraes, “o constituinte de 1988
foi expresso na sua escolha: a Defensoria Pública é a instituição responsável
pela assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. Assim, a nosso
ver, adotou-se um sistema próximo ao sistema de advogados remunerados
pelos cofres públicos; porém, com diferenças substanciais. Em vez de serem
advogados, são agentes políticos concursados. Ademais, esses agentes
políticos são dotados de garantias e prerrogativas próprias”67.
Por fim, à luz da famosa obra Acesso à Justiça, de Mauro Cappelletti e
Bryan Garth, a assistência jurídica gratuita e a Defensoria Pública se
enquadram na denominada “primeira onda renovatória do acesso à justiça”68.
A primeira onda renovatória, segundo os mencionados autores, teve início
nos países ocidentais que iniciaram a proporcionar serviços jurídicos aos
pobres, adotando modelos diversos: a) o sistema judicare; b) advogado
remunerado pelos cofres públicos; c) modelos combinados.
19.17.4.3. Conceito
Segundo o art. 134 da Constituição Federal, “a Defensoria Pública é
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e
a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e
coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso
LXXIV do art. 5º, desta Constituição Federal”.
A Defensoria Pública é indispensável à concretização do direito à
assistência jurídica gratuita, prevista no art. 5º, LXXIV, da Constituição
Federal: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos”. Tanto é verdade que, diante da
inércia do Estado do Paraná em implantar naquele Estado a Defensoria
Pública, o Supremo Tribunal Federal ordenou que o Estado implantasse a
instituição, sob pena de multa: “Omissão estatal que compromete e frustra
direitos fundamentais de pessoas necessitadas. Situação constitucionalmente
intolerável. O reconhecimento, em favor de populações carentes e
desassistidas, postas à margem do sistema jurídico, do ‘direito a ter direitos’
como pressuposto de acesso aos demais direitos, liberdades e garantias. [...]
A função constitucional da Defensoria Pública e a essencialidade dessa
instituição da República” (AI 598.212 ED, rel. Min. Celso de Mello).
No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal: “A Defensoria
Pública, enquanto instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, qualifica-se como instrumento de concretização dos direitos e das
liberdades de que são titulares as pessoas carentes e necessitadas. É por essa
razão que a Defensoria Pública não pode (e não deve) ser tratada de modo
inconsequente pelo Poder Público, pois a proteção jurisdicional de milhões de
pessoas – carentes e desassistidas – que sofrem inaceitável processo de
exclusão jurídica e social, depende da adequada organização e da efetiva
institucionalização desse órgão do Estado” (ADI 2.903, rel. Min. Celso de
Mello).
19.17.4.4. Defensoria Pública como cláusula pétrea
Por ser um órgão indispensável à efetivação de um importantíssimo direito
fundamental (a assistência jurídica integral e gratuita), a Defensoria Pública é
uma cláusula pétrea, não podendo ser suprimida da Constituição.
Lembremos que cláusulas pétreas decorrem do art. 60, § 4º, da
Constituição Federal, segundo o qual não será objeto de deliberação Proposta
de Emenda Constitucional “tendente a abolir”, dentre outras hipóteses,
“direitos e garantias individuais”. Ora, a supressão da Defensoria Pública do
texto constitucional consistiria num grave retrocesso tendente a abolir o
direito individual de assistência judiciária gratuita. Mesmo sem alegar o
princípio da vedação do retrocesso (juridicamente polêmico, como vimos no
capítulo reservado aos direitos sociais), é inegável a impossibilidade de
supressão da Defensoria Pública do texto constitucional. Ora, como já
reconhecido largamente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, são
integrantes do princípio da proporcionalidade a proibição do excesso e a
proibição da proteção insuficiente. Retirar a Defensoria Pública do texto
constitucional significa deixar de fazer o mínimo necessário para
implementação do direito em tela.
Concorda conosco o Defensor Público Haman Tabosa de Moraes e
Córdova, segundo o qual “defende-se, portanto, que a Defensoria Pública,
inserida de forma estratégica pelo constituinte no citado art. 134 da Carta de
1988, integra o seu núcleo essencial ou imodificável justamente por inserir-se
dentre as garantias individuais – fora do catálogo do art. 5º – protegidas de
qualquer proposta de emenda à Constituição que tenha por objeto sua
supressão ou mesmo redução do seu alcance por obra do Poder Constituinte
de Reforma”69.
19.17.4.5. Hipossuficiência econômica
Segundo o art. 134, caput, da Constituição Federal, a Defensoria Pública
prestará a orientação jurídica em todos os graus “aos necessitados, na forma
do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”. Segundo este
dispositivo, “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos”.
Quem são os “necessitados”? Qual a medida da “insuficiência de
recursos”, que justifica a atuação da Defensoria Pública? A questão é
polêmica e vem recebendo tratamentos distintos das Defensorias Públicas
estaduais, que adotam, na sua maioria, critérios baseados na renda familiar
(por exemplo, em São Paulo, Santa Catarina, Piauí, Paraná, MatoGrosso e
Amazonas, adotam como parâmetro a renda familiar mensal de até 3 salários
mínimos). Já a Defensoria Pública da União definiu o valor de 2 mil reais,
corrigidos anualmente segundo a inflação acumulada (Resolução n. 133 do
Conselho Superior da Defensoria Pública da União, de 7 de dezembro de
2016).
No Recurso Especial 1.264.116/RS (relator Min. Herman Benjamin,
Segunda Turma, 18-10-2011), o ministro relator, em seu voto, sugere um
conceito mais amplo de necessitados, não exclusivamente econômico,
incluindo-se os “hipervulneráveis”: “A expressão ‘necessitados’ (art. 134,
caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da
Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em
sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de
recursos financeiros – os miseráveis e pobres – os hipervulneráveis (isto é, os
socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações
futuras), enfim, todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de
sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores do poder
econômico ou político, necessitem da mão benevolente e solidarista do
Estado para sua proteção”.
19.17.4.6. Defensoria Pública e ação civil pública
Segundo jurisprudência pacífica, poderá a Defensoria Pública ajuizar ação
civil pública. Todavia, como compatibilizar a ação civil pública (que tutela
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos) com os beneficiados da
assistência jurídica gratuita (os “necessitados”, nos termos da Constituição)?
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de interesses difusos
(que pertencem a uma coletividade indeterminável de pessoas), basta a
alegação de que necessitados podem se beneficiar da demanda da Defensoria
Pública. Todavia, em se tratando de interesses coletivos ou individuais
homogêneos, deverá a Defensoria Pública representar apenas os que são
necessitados. Segundo o STJ: “Diante das funções institucionais da
Defensoria Pública, há, sob o aspecto subjetivo, limitador constitucional ao
exercício de sua finalidade específica – ‘a defesa dos necessitados’ (CF, art.
134), devendo os demais normativos serem interpretados à luz desse
parâmetro. A Defensoria tem pertinência subjetiva para ajuizar ações
coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos, sendo que no tocante aos difusos, sua legitimidade será ampla
(basta que possa beneficiar grupo de pessoas necessitadas), haja vista que o
direito tutelado é pertencente a pessoas indeterminadas. No entanto, em se
tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais
homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, a legitimação deverá
ser restrita às pessoas notadamente necessitadas” (REsp 1.192.577-RS, rel.
Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, 15-5-2014).
19.17.4.7. Autonomia funcional, administrativa e financeira da
Defensoria Pública
Nos termos do art. 134, § 2º da Constituição Federal, “às Defensorias
Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a
iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei
de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”. Por
sua vez, segundo o art. 134, § 3º, da Constituição Federal (incluído pela
Emenda Constitucional n. 74/2013), “aplica-se o disposto no § 2º às
Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal”.
Dessa maneira, nos termos da legislação vigente, as Defensorias Públicas
da União, do Distrito Federal e dos Estados gozam de autonomia funcional,
administrativa e financeira.
A então Presidente da República ajuizou ADI contra a referida Emenda
Constitucional, sob o argumento de que tal matéria seria de iniciativa
privativa do Presidente (art. 61, § 1º, CF). O STF indeferiu no dia 18 de maio
de 2016 medida cautelar, argumentando que, “no plano federal, o poder
constituinte derivado submete-se aos limites formais e materiais fixados no
art. 60 da Constituição da República, a ele não extensível a cláusula de
reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, prevista de modo
expresso no art. 61, § 1º, apenas para o poder legislativo complementar e
ordinário – poderes constituídos” (Medida Cautelar na ADI 5.296/DF,
Plenário, rel. Min. Rosa Weber, 18-5-2016). O Supremo Tribunal Federal
agiu corretamente. As hipóteses constitucionais de iniciativa privativa
referem-se à legislação ordinária e complementar, mas não às Emendas
Constitucionais. Caso contrário, não poderia a “Reforma do Judiciário” ter
sido de iniciativa do Poder Legislativo (como foi), sob o argumento de
separação dos Poderes, o que é, claro, impertinente.
a) Autonomia funcional
No tocante à autonomia funcional, podemos afirmar que não há qualquer
grau de hierarquia entre a Defensoria Pública e outras instituições (Ministério
Público, Poder Executivo, Poder Judiciário etc.). Dessa maneira, a Defensoria
Pública não pode estar vinculada a nenhum órgão dos três poderes. For isso,
o STF declarou inconstitucional lei estadual que vinculava a Defensoria
Pública à Secretaria do Estado de Pernambuco70, bem como Lei maranhense
que vinculava a Defensoria Pública ao Poder Executivo71.
Essa autonomia funcional (desvinculação da Defensoria Pública dos
demais Poderes) é necessária, tendo em vista que muitas vezes a Defensoria
Pública demandará contra o Estado, em favor de brasileiros necessitados. Um
segundo aspecto dessa autonomia funcional se dá internamente: “no aspecto
interno, é a chamada independência funcional, prerrogativa própria de todos
os membros da Defensoria Pública. [...] Isso significa que, no exercício de
suas atividades, deve o defensor público observar a lei e suas convicções. [...]
Essa garantia, ao contrário do que possa parecer, não se trata de uma carta em
branco, conferindo ao defensor público o poder de agir como bem entender,
justificando pela independência funcional, pois a independência funcional
sempre deve estar subordinada à função institucional da Defensoria Pública,
prevista na CF, que é a assistência ao necessitado, de forma integral”72.
b) Autonomia administrativa
A autonomia administrativa significa a autonomia de se autogerir. Isso
significa que “a administração superior da instituição pode, livremente,
distribuir seus recursos humanos e seu orçamento como bem lhe provier,
sempre respeitando o comando constitucional de prestar, com excelência,
assistência jurídica e integral aos necessitados, sem a interferência de
qualquer outro órgão”73.
Até 2014, a autonomia administrativa das Defensorias Públicas tinham
uma limitação: não poderia criar cargos, estabelecer a política remuneratória
o plano de carreira. Isso porque, ao contrário do Ministério Público
(instituição semelhante à Defensoria), que possuía previsão constitucional
expressa (art. 127, § 2º)74, a Defensoria Pública não tinha o mesmo
tratamento constitucional. Assim, até 2014 a Defensoria Pública não tinha
“capacidade de criar cargos, estabelecer a política remuneratória e o plano de
carreira, dependendo, para tanto, da iniciativa do chefe do executivo
estadual”75.
Todavia, esse cenário mudou em 2014, por força da EC 80/2014, que
incluiu o § 4º no art. 134 da Constituição Federal: “são princípios
institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no
art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal”. O art. 93 afirma
que os princípios que regem o Poder Judiciário serão de iniciativa do próprio
Judiciário (pelo Supremo Tribunal Federal). Por sua vez, o art. 96, II, CF
afirma que “Compete privativamente: II – ao Supremo Tribunal Federal, aos
Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo
respectivo, observado o disposto no art. 169: a) a alteração do número de
membros dos tribunais inferiores; b) a criação e a extinção de cargos e a
remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízes que lhes forem
vinculados, bem como a fixaçãodo subsídio de seus membros e dos juízes,
inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; c) a criação ou extinção dos
tribunais inferiores; d) a alteração da organização e da divisão judiciárias”.
Dessa maneira, desde 2014 poderá a Defensoria Pública propor (como já
faziam o Poder Judiciário e o Ministério Público) ao Poder Legislativo a
criação de cargos, alteração de seus órgãos etc.
c) Autonomia orçamentária (financeira)
Por fim, no tocante à autonomia financeira, a Defensoria Pública tem
iniciativa de proposta orçamentária: “Às Defensorias [...] são asseguradas
autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta
orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º” (art. 134, § 2º,
CF). Assim como as demais autonomias (funcional e administrativa), a
autonomia financeira, outrora reservada somente às Defensorias Estaduais
(em razão da EC 45/2004), passou a ser uma característica da Defensoria
Pública da União e do Distrito Federal76. Como afirma Ana Carvalho Ferreira
Bueno de Moraes, “a intenção do legislador reformador foi, então, dar à
iniciativa orçamentária da Defensoria os mesmos contornos da iniciativa
orçamentária do Poder Judiciário, de sorte que a iniciativa orçamentária deve
ser encaminhada ao Chefe do Poder Executivo pelos dirigentes da instituição
da Defensoria Pública”77.
O que ocorre se a Defensoria não encaminhar a proposta orçamentária
dentro do prazo constitucional? Aplicar-se-ão os §§ 3º e 4º do art. 99 da
Constituição Federal. Segundo o § 3º, “se os órgãos referidos no § 2º não
encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo
estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo
considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os
valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os
limites estipulados na forma do § 1º deste artigo”.
Para assegurar o equilíbrio financeiro da instituição, bem como de forma a
dar à Magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública um tratamento
isonômico, a EC 45/2004 incluiu a Defensoria como beneficiária dos
“duodécimos”, ou seja, o repasse orçamentário mensal à Defensoria Pública
de parcelas nunca inferiores a 1/12 do total do orçamento previsto para o ano
de exercício78.
19.17.4.8. Princípios da Defensoria Pública
a) Unidade
Segundo o princípio da unidade, a Defensoria Pública deve ser vista como
uma única instituição (assim como o Ministério Público, que possui o mesmo
princípio). As divisões existentes buscam apenas operacionalizar a função
institucional da Defensoria Pública. A unidade decorre do art. 134, § 4º da
Constituição Federal, segundo o qual “são princípios institucionais da
Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional,
aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do
art. 96 desta Constituição Federal”. Segundo o art. 3º da LC 80/94, “são
princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e
a independência funcional”.
Uma demonstração clara dessa unidade é a subsidiariedade da atuação da
Defensoria Pública da União nos Tribunais Superiores, quando a Defensoria
Pública do Estado não estiver estruturada para tal. Outrossim, o art. 14, § 1º,
da LC 80/94 prevê a realização de convênios entre a DPU e as Defensorias
dos Estados para atuação junto a órgãos de primeiro se segundo graus de
jurisdição. Essa possibilidade se dá por conta do princípio da unidade.
b) Indivisibilidade
O princípio da indivisibilidade, também aplicado ao Ministério Público,
“indica que os atos são exercidos pela Defensoria Pública, e não pela pessoa
do defensor público. [...] Isso implica dizer que é possível a substituição
automática de um membro da Defensoria Pública por outro sem a
necessidade de qualquer procedimento próprio”79.
Dessa maneira, com base nesse princípio, é possível que, num só processo,
a petição inicial seja feita por um defensor público, a audiência de instrução
seja realizada por outro membro e a interposição de um recurso feita por um
terceiro defensor.
c) Independência funcional
Referimo-nos à independência funcional como o aspecto interno da
autonomia funcional. Como afirmamos acima, no aspecto interno, a chamada
independência funcional é prerrogativa própria de todos os membros da
Defensoria Pública que, no exercício de suas atividades, podem seguir
livremente suas convicções, desde que no cumprimento de seus deveres
funcionais. Acima, abordamos a questão das “teses institucionais” e sua
eventual violação da independência funcional.
d) Defensor natural
Para analisar o presente princípio (que não consta expressamente do art.
134, § 4º, da Constituição Federal), é necessário relembrar o princípio do juiz
natural. Este é composto de dois elementos: a proibição do juízo ou tribunal
de exceção e a garantia do juiz constitucionalmente competente (art. 5º, LIII,
CF). Em outras palavras, “pode-se dizer que o princípio do juiz natural
reclama três requisitos: a) somente é juiz aquele que integra o Poder
Judiciário, de tal sorte que não existe juiz ad hoc para um determinado caso;
b) necessidades de regras preestabelecidas e aleatórias, ou seja, regras que
vêm preceder o processo para evitar manipulação; c) estrita observância
dessas regras, sem a possibilidade de se impor exceção”80.
Como o passar do tempo, passou-se a defender o princípio do promotor
natural (visando a impedir designações arbitrárias feitas pelo Procurador-
Geral). Assim como é questionável a existência de um princípio do promotor
natural, também se discute a existência de um princípio do defensor natural.
O art. 4º-A da LC 80/94 afirma que “são direitos dos assistidos da
Defensoria Pública [...]: IV – o patrocínio de seus direitos e interesses pelo
defensor natural”. Dessa maneira, aparentemente, a Lei Complementar da
Defensoria Pública parece ter acolhido o referido princípio. Segundo a
doutrina, o princípio do defensor natural deve assim ser interpretado: “da
mesma forma que o princípio do juiz natural impede que a parte escolha qual
juiz irá julgar sua causa, o princípio do defensor natural implica a vedação de
a parte escolher o defensor público que irá defender seus interesses. Ao
assistido não é concedida a assistência por determinado defensor público,
mas sim pela Defensoria Pública”81.
Outro aspecto desse princípio é abordado também pela doutrina: “o
Defensor Público não poderá ser afastado arbitrariamente dos casos em que
deva oficiar, de acordo com critérios legais estabelecidos anteriormente, de
maneira que apenas os membros da Defensoria Pública que tiverem
atribuições predeterminadas é que poderão atuar nos casos a que forem
submetidos”82.
19.17.4.9. Garantias dos defensores públicos
Segundo o art. 134, § 1º, da Constituição Federal, “Lei complementar
organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos
Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em
cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de
provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e
vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais”.
Outrossim, o art. 43 da LC 80/94 afirma que “são garantias dos membros da
Defensoria Pública da União: I – a independência funcional no desempenho
de suas atribuições; II – a inamovibilidade; III – a irredutibilidade de
vencimentos; IV – a estabilidade”.
a) Inamovibilidade
Prevista expressamente na Constituição Federal (art. 134, § 1º) e na Lei
Complementar n. 80/94 (art. 43, II), a inamovibilidade visa a garantir a
independência funcional do defensor público, que terá a liberdade de litigar
contra autoridades locais, sem o risco de ser removido arbitrariamente lotação
onde atua, contra sua vontade83. Como afirma a doutrina, “essa garantia
significa que o defensor público não pode ser removido de sua lotação para
atuar em órgão distinto, ainda que situado em uma mesmacomarca ou até de
um mesmo fórum. É, portanto, violação dessa garantia a remoção
compulsória do defensor público lotado para atuar na 1ª Vara Cível do Fórum
de Santana para atuar na 2ª Vara do mesmo fórum”.
Essa garantia da inamovibilidade, quando aplicada ao membro do
Ministério Público e do Poder Judiciário, permite uma exceção
constitucional: podem os juízes e os membros do MP ser removidos por
interesse público. É o que afirma o art. 95, II, CF (para os juízes) e o art. 128,
§ 5º, I, “b”, CF, para os membros do Ministério Público. Curiosamente, a
Constituição Federal não prevê a mesma exceção para os defensores
públicos. Embora a Constituição não preveja, poderá a lei infraconstitucional
prever as hipóteses de remoção do defensor público de sua respectiva lotação
(desde que preveja a exceção, de forma razoável e proporcional). Atualmente,
existe a exceção prevista nos arts. 34 a 38 e 79 a 83 da LC 80/94. Segundo o
art. 79, por exemplo “os membros da Defensoria Pública do Distrito Federal
e dos Territórios são inamovíveis, salvo se apenados com remoção
compulsória, na forma desta Lei Complementar”. Leis estaduais podem
estabelecer parâmetros semelhantes para os Defensores Públicos estaduais.
b) Independência funcional
A independência funcional está prevista expressamente no art. 134, § 4º,
da Constituição Federal (“São princípios institucionais da Defensoria Pública
a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional...”. Outrossim, está
prevista no art. 43, I, da LC 80/94: “são garantias dos membros da Defensoria
Pública da União: I – a independência funcional no desempenho de suas
atribuições”.
Como afirmamos anteriormente, a independência funcional significa que
os defensores são plenamente independentes no exercício de suas atividades
funcionais, no que se refere aos aspectos e estratégias de natureza técnico-
jurídica de que pretendam se valer para levar a cabo a assistência e o
patrocínio dos interesses das partes que estiverem sob seus cuidados.
Até que ponto a subordinação do defensor público às autoridades
superiores não fere a independência funcional? Segundo a doutrina, “os
membros da Administração Superior da Defensoria Pública não têm nenhum
poder de interferir nesse âmbito, sendo que suas decisões somente devem ser
obrigatoriamente acatadas pelos membros da instituição nas matérias de
ordem administrativa e disciplinar”84.
c) Irredutibilidade de vencimentos
Embora não prevista expressamente na Constituição Federal, a
irredutibilidade de vencimentos decorre do art. 43, III, da Constituição
Federal: “são garantias dos membros da Defensoria Pública da União: III – a
irredutibilidade de vencimentos”.
Não é nova a discussão sobre o conteúdo dessa garantia: se ela se refere ao
valor real da remuneração ou apenas e tão somente ao valor nominal. Se
considerarmos que a garantia se refere ao valor real, implicaria dizer que o
servidor teria direito a reajustes periódicos de modo a manter o mesmo poder
de compra.
Por mais que respeitemos entendimento em sentido contrário, a garantia
ora em análise se refere ao valor nominal. Dessa maneira, o valor nominal
recebido pelo defensor público não poderá ser reduzido nos meses
supervenientes. A Constituição somente prevê o reajuste de modo a manter o
“valor real” em se tratamento de benefícios previdenciários: “é assegurado o
reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o
valor real, conforme critérios definidos em lei” (art. 201, § 4º, CF).
Aliás, esse é o entendimento jurisprudencial contemporâneo. O TRF da 3ª
Região, no tocante à Defensoria Pública, decidiu: “o princípio da
irredutibilidade de vencimentos diz respeito à garantia da irredutibilidade do
valor nominal e não do valor real dos estipêndios. Precedentes do STF.
Descabe providência do Judiciário deferindo reajuste dos proventos e pensões
relativos a servidores públicos em decorrência de desvalorização da moeda
provocada pelo processo inflacionário” (AC 1.171 SP 2001.61.18.001171-0,
2ª Turma, 31-5-2005, rel. Des. Federal Peixoto Júnior). O STF já se
posicionou no mesmo sentido: “não há falar-se, no caso, em violação ao
princípio da irredutibilidade de vencimentos, já que não tem ele por escopo
assegurar o valor real dos estipêndios, não havendo espaço, portanto, para se
falar em vencimentos reduzidos, mas simplesmente em expectativa de
correção não verificada, coisa diversa” (AI 283.302 AgR/DF, rel. Min.
Sydney Sanches, 1ª Turma, 20-8-2002).
d) Estabilidade
Outra garantia dos membros da Defensoria Pública é a “estabilidade”,
prevista no art. 43, IV, da LC 80/94: “são garantias dos membros da
Defensoria Pública da União: IV – a estabilidade”. Aplica-se, portanto, ao
Defensor Público a estabilidade, prevista no art. 41, da Constituição Federal:
“são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para
cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”.
Segundo o § 4º do mesmo artigo, “como condição para aquisição da
estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão
instituída para essa finalidade”. Durante esse período, afirma-se que o
defensor público está em “estágio probatório”, que será acompanhado pela
Corregedoria-Geral da Defensoria Pública, nos termos do art. 105, VII, da LC
80/94.
Não há que se confundir a estabilidade (do defensor público e demais
servidores públicos) com a vitaliciedade (dos juízes). Esta última (a
vitaliciedade) é adquirida após 2 (dois) anos, e, adquirida, somente poderá o
magistrado perder o cargo por sentença transitada em julgado. Já a
estabilidade, depois de adquirida (no prazo de 3 anos), só permite a demissão
do servidor estável por meio de sentença transitada em julgado, processo
administrativo (assegurada a ampla defesa) e avaliação periódica de
desempenho (assegurada a ampla defesa), nos termos do art. 41, § 1º, CF.
Aos defensores públicos é garantida a estabilidade, e não a vitaliciedade,
apesar das críticas doutrinárias85.
O STF declarou inconstitucional dispositivo da Constituição do Estado do
Rio de Janeiro (art. 181, I, “g”, da Constituição estadual) que garantiu aos
defensores públicos a vitaliciedade após dois anos, em vez da estabilidade
após três anos (ADI 230/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 1º-2-2010).
e) Prerrogativa de foro
A Constituição Federal não prevê foro por prerrogativa de função aos
defensores públicos, ao contrário do que ocorre com os membros do
Ministério Público e da magistratura. Não obstante, é possível que haja
previsão nas Constituições Estaduais. É o que ocorre com a Constituição do
Rio de Janeiro, segundo a qual (art. 161, IV, “d”, 2) compete ao Tribunal de
Justiça do Estado processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns e de
responsabilidade, os membros da Defensoria Pública do Estado. Segundo o
Superior Tribunal de Justiça, tal previsão é possível: “No caso, ao proclamar
a prerrogativa de foro dos membros da Defensoria Pública, o constituinte
estadual assegurou a simetria funcional entre os diversos agentes políticos do
Estado. Habeas corpus deferido com o intuito de se preservar e julgar o
paciente – Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro” (STJ – 6ª Turma,
HC 45.604/RJ, rel. Min. Nilson Naves, 10-10-2006). Da mesma forma, o
Supremo Tribunal Federal entendeu constitucional a prerrogativa de função
dada aos Defensores Públicos pela Constituição do Estado de Goiás
(entendendo inconstitucional apenas a mesma prerrogativa aos delegados de
polícia (STF – Pleno, ADI 2.587/GO, rel. Min. Carlos Britto, 1º-12-2004).
Importante relembrar que, por se tratar de prerrogativa de função prevista
possivelmente em Constituição estadual, não prevalecerá sobre a
competência do júri, em se tratando de crimes dolosos contra a vida e
conexos. Dessa maneira, em se tratando de prática de homicídio ou outro
crime doloso contra a vida, o defensor público será julgado pelo Tribunal do
Júri, nos termos da Súmula Vinculante 45: “a competência constitucional do
Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativade função
estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual”.
f) Promoção
Segundo a doutrina, “os membros da Defensoria Pública têm a garantia da
existência de um plano de carreira por meio de promoções. Assim, a
promoção é o acesso do membro da Defensoria Pública à próxima categoria
de carreira”86. A Lei Complementar n. 80/94 trata da promoção da
Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e Estados. Em todas, por
expressa previsão legal, tal promoção deve ser realizada com base nos
critérios da antiguidade e merecimento (arts. 31, 76 e 116).
No caso da Defensoria Pública da União, “as promoções serão efetivadas
por ato do Defensor Público-Geral Federal” (art. 30, § 4º, LC 80/94)87. Por
sua vez, segundo o art. 116, caput, da mesma lei, “as promoções serão
efetivadas por ato do Defensor Público-Geral do Estado, obedecidos,
alternadamente, os critérios de antiguidade e merecimento”.
19.17.4.10. Prerrogativas dos defensores públicos
O art. 44 da Lei Complementar n. 80/94 prevê uma série de prerrogativas
aplicadas aos Defensores Públicos da União. Dispositivos semelhantes da
mesma lei são aplicados aos Defensores Públicos do Distrito Federal e
Territórios (art. 89) e Estados (art. 128).
a) Intimação pessoal
Segundo os sobreditos dispositivos da LC 80/94, é prerrogativa do
defensor público “receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos
autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição
ou instância administrativa...”.
Sobre a questão, decidiu a Segunda Turma do STF que constitui
prerrogativa da Defensoria Pública a intimação pessoal para todos os atos do
processo, mediante a entrega dos autos, sob pena de nulidade. Com esse
entendimento, o STF afastou a intempestividade de um recurso de apelação
interposto ao STM e concedeu habeas corpus para determinar que a apelação
de um condenado, assistido pela Defensoria Pública da União, seja submetida
a novo julgamento. Segundo o STF: “À Defensoria Pública, instituição
permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, compete promover a
assistência jurídica, judicial e extrajudicial, aos necessitados (art. 134 da
Constituição Federal), sendo-lhe asseguradas determinadas prerrogativas para
o efetivo exercício de sua missão constitucional. Constitui prerrogativa a
intimação pessoal da Defensoria Pública para todos os atos do processo. [...]
A intimação da Defensoria Pública, a despeito da presença do defensor na
audiência de leitura da sentença condenatória, se perfaz com a intimação
pessoal mediante remessa dos autos” (HC 125.270/DF, Segunda Turma,
relator Min. Teori Zavascki, 23-6-2015). Não obstante, segundo o STF, essa
hipótese de nulidade deve ser alegada no primeiro momento processual
possível: “O defensor dativo foi intimado pessoalmente do resultado do
julgamento da apelação e não arguiu, por meio dos instrumentos processuais
cabíveis, a nulidade suscitada nesta impetração. Preclusão da matéria com o
trânsito em julgado da apelação” (HC 102.077/SP, rel. Min. Roberto Barroso,
1ª Turma, 11-3-2014).
b) Contagem do prazo em dobro
O Código de Processo Civil, de 2015, afirma que a “Defensoria Pública
gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais”.
Aliás, garantia idêntica é reservada ao Ministério Público (art. 180, caput,
CPC) e Advocacia Pública (art. 183, caput, CPC). O art. 44, I, da LC 80/94,
que não se restringe ao Processo Civil, também prevê para a Defensoria
Pública o prazo em dobro: “contando-se-lhes em dobro todos os prazos”.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, esse prazo em dobro dado às
Defensorias Públicas também é constitucional no processo penal (por mais
que não existe esse mesmo prazo para o Ministério Público). A explicação é
que a Defensoria Pública não tem ainda a mesma estrutura do Ministério
Público. Por essa razão, decidiu o STF: “não é de ser reconhecida a
inconstitucionalidade [...] no ponto em que confere prazo em dobro, para
recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos
Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que
é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal
pública” (HC 70.514/RS, rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, 23-3-
1994). Trata-se da chamada inconstitucionalidade progressiva ou lei ainda
constitucional. O tratamento diferenciado se justifica na medida em que os
órgãos possuem estruturas distintas. No dia em que a estrutura for
semelhante, o tratamento processual diferenciado não mais se justificará.
Por fim, em razão do princípio da especialidade, há legislação especial não
aplicando essa prerrogativa (da intimação pessoal e prazo em dobro) no rito
dos Juizados Especiais. Segundo o art. 82, § 4º, da Lei n. 9.099/95, “as partes
serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa”. Da mesma
forma, segundo o art. 7º da Lei n. 12.153/2009, “não haverá prazo
diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas
de direito público, inclusive a interposição de recursos”.
b.1) Defensores dativos
Já decidiu o STF que a contagem do prazo em dobro não se aplica aos
advogados dativos, que atuam nas causas patrocinadas pelos Estados na
modalidade de assistência judiciária: “não se estendem aos defensores dativos
as prerrogativas processuais da intimação pessoal e do prazo em dobro
asseguradas aos defensores públicos em geral e aos profissionais que atuam
nas causas patrocinadas pelos serviços estaduais de assistência judiciária”
(Pet. 932-SP, 14-9-1994).
No tocante ao processo penal, segundo o Código de Processo Penal (art.
370, § 4º), por expressa previsão, a intimação do defensor nomeado deverá
ser pessoal (“a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será
pessoal”). Tal garantia visa tutelar de forma mais efetiva o contraditório e a
ampla defesa. Aliás, foi o que decidiu o STF: é “obrigatória a intimação
pessoal dos defensores nomeados, sejam eles defensores públicos,
procuradores da assistência judiciária ou defensores dativos” (HC 89.315, 1ª
Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19-9-2006).
c) Representação independente de mandato
Está expressamente prevista na Lei Complementar n. 80/94 a prerrogativa
de o defensor público representar a parte em feito administrativo ou judicial,
independentemente de mandato. É o que dispõe o art. 44, XI, da referida lei:
“representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente
de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais”.
Dessa maneira, a atuação pode se dar sem mandato, ressalvados os casos
para os quais a lei exija poderes especiais. Por exemplo, em se tratando de
queixa-crime, por expressa previsão no Código de Processo Penal, é
necessária procuração com poderes especiais (art. 44).
d) Poder de requisição
Segundo a Lei Complementar n. 80/94 (arts. 44, X, 89, X, e 128, X), é
prerrogativa do defensor público “requisitar de autoridade pública e de seus
agentes, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos,
informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas
atribuições”.
Segundo a doutrina, “o poder de requisição pode ter como destinatário
qualquer autoridade pública, seja federal, estadual ou municipal, tendo em
vista que a lei federal não faz qualquer ressalva. [...] Trata-se de um ato
administrativo autoexecutável, de sorte que prescinde do Poder Judiciário
para efetivá-lo”88.
É extremamente controvertida a constitucionalidade dos dispositivos
legais sobremencionados que dão ao defensor público poderes de requisição.
Se, de um lado, tais poderes dariam à Defensoria Pública a possibilidade de
buscar informações com mais celeridade, presteza, tutelando o direito do
jurisdicionado necessitado, por outro lado, tal poder não tem previsão
constitucional (ao contrário do que ocorre com o Ministério Público – art.
129, VI, CF) e implicaria a criação de um “advogado com superpoderes”,
violando a “paridade de armas”, um dos princípios constitucionais.
O Tribunalde Justiça do Estado de São Paulo decidiu ser válido o poder
de requisição da Defensoria (Apelação 91335041-05.2008.8.26.0000, 5ª
Câmara de Direito Público, rel. Des. Relator Francisco Bianco). Não
obstante, o STF adotou o segundo posicionamento (da inconstitucionalidade
de tais poderes). Isso porque, na ADI 230, julgada em 2010, o STF declarou
inconstitucional trecho da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que
previa tal prerrogativa. Segundo voto da Ministra relatora (Cármen Lúcia), “a
condição do Defensor Público [...] não o torna um superadvogado, superior a
qualquer outro, até mesmo porque então teria condições de desonomia
relativamente aos demais advogados, incluídos os da parte contrária, que
podem até mesmo ser advogados também públicos, defensores das entidades
estatais”.
e) Deixar de patrocinar ações
Segundo o inciso XII dos arts. 44, 89 e 128 da Lei Complementar n.
80/94, uma das prerrogativas do defensor público é “deixar de patrocinar
ação, quando ela for manifestamente incabível ou inconveniente aos
interesses da parte sob seu patrocínio, comunicando o fato ao Defensor-
Público Geral, com as razões de seu proceder”.
Segundo a doutrina, não se trata de um pré-julgamento por parte do
defensor, aplicando-se tais dispositivos legais aos casos em que “não existe
qualquer fundamental legal para a demanda. São as demandas teratológicas.
Na dúvida, o defensor deve agir”89.
f) Honorários de sucumbência
Primeiramente, por força do art. 46, III, da LC 80/94, é vedado ao
defensor público “receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto,
honorários, percentagens ou custas processuais, em razão de suas
atribuições”.
Diferente questão se refere aos honorários de sucumbência. Em 2010,
sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 421, segundo
a qual “os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública
quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público a qual pertença”.
Em decisão recente, o STJ manteve o mesmo entendimento: “INSS.
Pagamento de Honorários Advocatícios à Defensoria Pública da União.
Condenação. Impossibilidade. Pessoa Jurídica de Direito Público integrante
da Mesma Fazenda Pública. Incidência da Súmula 421/STJ” (AI no REsp
1560642/SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, 24-4-2017).
Todavia, em mais recente decisão, o Supremo Tribunal Federal entendeu
de forma diversa. Segundo o STF, terá direito aos honorários de sucumbência
a Defensoria Pública, ainda que demande contra outro órgão público do
mesmo ente federativo: “honorários em favor da Defensoria Pública da
União. Mesmo ente público. Condenação. Possibilidade após EC 80/2014”
(Ação Rescisória 1937, rel. Min. Gilmar Mendes, 9-8-2017). O mesmo
raciocínio poderá portanto ser aplicado à Defensoria Pública dos Estados e os
respectivos Estados-membros.
g) Inscrição nos quadros da OAB
Tema polêmico é a necessidade (ou não) de o defensor público estar
inscrito nos quadros da OAB, como advogado. Em 2017, o STF reconheceu a
existência de repercussão geral em Recurso Extraordinário que discute a
questão (RE 609.517, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 3-3-2017). No seu
parecer nessa ação, o Procurador-Geral da República se manifestou pela
desnecessidade: “não há fundamento razoável para exigir vinculação e
submissão desses agentes públicos a estatuto regente de advogados privados.
[...] É inconstitucional a exigência de inscrição de advogado público nos
quadros da Ordem dos Advogados do Brasil como condição para exercer suas
funções públicas”. Devemos aguardar o deslinde desse recurso, para verificar
a futura posição que será adotada no país.
19.17.4.11. Estrutura da Defensoria Pública
A Constituição Federal e a Lei Complementar n. 80/94 preveem quatro
Defensorias Públicas: a) Defensoria Pública da União (DPU); b) Defensoria
Pública do Distrito Federal90; c) Defensoria Pública dos Territórios; d)
Defensorias Públicas Estaduais.
a) Defensoria Pública da União
O campo de atuação da Defensoria Pública da União está no art. 14 da Lei
Complementar n. 80/94: “A Defensoria Pública da União atuará nos Estados,
no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho,
Eleitoral, Militar, Tribunais Militares Superiores e instâncias administrativas
da União”.
DPU atuará nos Estados, DF e Territórios junto à
Justiça Federal
Justiça do Trabalho
Justiça Eleitoral
Justiça Militar
Tribunais Militares Superiores
Instâncias administrativas da União
Embora a área de atuação da Defensoria Pública seja muito extensa91, o
número de defensores públicos da União atualmente é bastante reduzido. Em
outubro de 2017, segundo dados oficiais da Defensoria Pública da União,
havia em todo o Brasil um total de 628 defensores92. Segundo relatório
divulgado pela Assessoria de Planejamento, Estratégia e Modernização da
Gestão, a DPU realizou, em 2017 (até outubro), 1.551.002 atendimentos em
todo o Brasil.
Por força do art. 14 da LC 80/94, no mesmo Estado (e no DF) haverá
atuação da Defensoria Pública do Estado (ou do DF) (nas demandas
estaduais) e da Defensoria Pública da União (nas demandas federais,
trabalhistas, eleitorais, militares etc.).
Muito importante: com o advento da EC 74/2013, que incluiu o § 3º no
art. 134 da Constituição Federal, a Defensoria Pública da União passa a gozar
das mesmas garantias das Defensorias Públicas dos Estados: autonomia
funcional, administrativa e orçamentária.
A Constituição Federal não prevê, portanto, a Defensoria Pública
Municipal. Dessa maneira, por ausência constitucional que pode ser
entendida como um silêncio eloquente, não será possível a criação de
Defensoria Pública municipal (assim como não há Ministério Público
Municipal ou Judiciário Municipal). A questão polêmica é se o Município
poderia criar políticas públicas de assistência judiciária (não criando uma
instituição autônoma, mas políticas públicas diversas que auxiliam a
concretização da assistência jurídica gratuita).
Entendemos que tal política pública seria possível, por ser constitucional.
Primeiramente, de acordo com o art. 5º, LXXV, da Constituição Federal, “o
Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos”. A expressão “Estado” se refere a todos os entes
federativos. Outrossim, o art. 23 da Constituição Federal afirma ser
competência comum de todos os entes federativos “zelar pela guarda da
Constituição” (I), promover “a integração social dos setores desfavorecidos”
(X). Por fim, ainda mais claro é o art. 30, V, da Constituição Federal,
segundo o qual é competência do Município “organizar e prestar [...] os
serviços públicos de interesse local...”. Portanto, parece-nos constitucional lei
municipal que implanta mecanismos de assistência jurídica gratuita. Dizer o
contrário nos parece irrazoável, teratológico. Dizer que um ente federativo
não pode facilitar a realização de um direito fundamental dos seus munícipes
por que não é da sua competência é preocupar-se demasiadamente com
formalismos ou vaidades institucionais e menos com os objetivos da
Constituição.
Todavia, a questão será julgada pelo STF. Está pendente de julgamento a
ADPF 279, que analisa a constitucionalidade da assistência judiciária
municipal. A Procuradoria-Geral da República, autora da ação, afirmou que
as leis municipais adentraram no âmbito legislativo e administrativo referente
à disciplina e prestação de serviço de assistência jurídica, previsto na
Constituição Federal e reservado aos Estados, DF e União.
a.1) Atuação exclusiva em Tribunais Superiores?
Indaga-se: nas demandas estaduais que chegarem aos Tribunais
Superiores, quem representará o jurisdicionado necessitado? A Defensoria
Pública da União ou a Defensoria Pública estadual? Analisando o art. 14 da
LC 80/94, não se vê exclusividade da Defensoria Pública da União de
atuação nos Tribunais Superiores93. Foi o que decidiu o STF no HC 92.399
(rel. Min. Ayres Britto, j. 29-6-2010, 1ª Turma): “o art. 106 da LC 80/94
afasta eventual tentativa de conferir à Defensoria Pública da União a
exclusividade

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