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MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO – P5 | Luíza Moura e Vitória Neves TRATAMENTO DO HIV Atualmente há uma associação de fármacos para: Sustar a replicação do HIV; e Restabelecer o número de células CD4+ e a imunocompetência do hospedeiro. Esse regime é denominado tratamento antirretroviral altamente ativo (TARAA). Há 5 classes de fármacos antirretrovirais, cada um atinge um dos quatro processos virais. Essas classes de fármacos são: Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeo ou nucleotídeo (ITRNs); Inibidores da transcriptase reversa não análogo de nucleosídeo (ITRNNs); Inibidores da protease (IP); Inibidores da integrasse (INI); e Inibidores de entrada. O tratamento inicial é feito uma associação de 3 classes: 2 ITRNs + 1 IPs, 1 ITRNNs ou 1 INI. A escolha da associação se baseia em: 1) Evitar o uso de 2 fármacos do mesmo análogo nucleosídico; 2) Evitar a sobreposição de toxicidades e características genotípicas e fenotípicas do vírus; 3) Considerar os fatores do paciente, como sintomas da doença e doenças concomitantes; 4) Considerar o impacto da interação entre fármacos; e 5) Facilitar a adesão ao regime. Os objetivos do tratamento são: Suprimir de forma máxima e durável a replicação do RNA HIV; Restabelecer e preservar a função imunológica; Reduzir a morbidade e a mortalidade relacionadas ao HIV; e Melhorar a qualidade de vida. INIBIDORES DA TRANSCRIPTASE REVERSA ANÁLOGOS DE NUCLEOSÍDEOS/NUCLEOTÍDEOS - ITRN MECANISMO DE AÇÃO Os ITRNs são análogos dos ribosídeos nativos (nucleosídeos ou nucleotídeos contendo ribose) desprovidos do grupo 3′-hidroxila. Dentro das células, eles são fosforilados por enzimas celulares ao análogo trifosfato correspondente, que é preferencialmente incorporado ao DNA viral pela transcriptase reversa (TR). Como o não tem o grupo 3′-hidroxila, não forma a ligação 3′5′-fosfodiéster entre o trifosfato nucleosídeo e a cadeia de DNA em formação, interrompendo o alongamento do DNA. A afinidade dos fármacos por várias das células DNA-polimerases do hospedeiro é menor do que pela TR do HIV, embora a DNA-polimerase mitocondrial pareça suscetível em concentrações terapêuticas. MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO – P5 | Luíza Moura e Vitória Neves EFEITOS ADVERSOS As toxicidades são creditadas à inibição da DNA-polimerase mitocondrial em certos tecidos. Como regra, os didesoxinucleotídeos, como a didanosina e a estavudina, têm maior afinidade pela DNA-polimerase mitocondrial, causando toxicidades como: Neuropatia periférica; Pancreatite; e Lipoatrofia. Quando se administra mais de um ITRN, deve- se ter o cuidado de evitar sobreposição de toxicidades. Todos os ITRNs têm sido associados à toxicidade hepática potencialmente fatal, caracterizada por: Acidose lática e hepatomegalia com esteatose. TENOFOVIR O tenofovir é um análogo nucleotídico - análogo nucleosídico acíclico fosfonato de 5′- monofosfato de adenosina. Ele é convertido por enzimas celulares em difosfato, um inibidor da TR do HIV. Pode ocorrer resistência cruzxada com outros ITRNs. O tenofovir tem longa meia-vida, permitindo dosificação única por dia. A maior parte do fármaco é recuperada, inalterada, na urina. Deve-se monitorar a creatinina sérica e ajustar a dosagem em casos de insuficiência renal. Transtornos TGI são frequentes e incluem: Náusea e timpanismo. A!! O tenofovir diminui as concentrações de PI atazanavir, de modo que o atazanavir precisa ser reforçado com o ritonavir, se estes fármacos forem administrados ao mesmo tempo. LAMIVUDINA A lamivudina (2′-desoxi-3′-tiacitidina, 3TC) inibe a TR do HIV e do VHB. Porém não afeta a síntese de DNA mitocondrial ou das células precursoras da medula óssea, resultando em menos toxicidade. Tem boa biodisponibilidade oral, depende do rim para excreção e é bem tolerada. ZIDOVUDINA (AZT) A zidovudina (AZT), o análogo pirimidina 3′- azido 3′-desoxitimidina (AZT). A AZT é aprovada para: Tratamento em crianças e adultos; e Prevenir a transmissão perinatal. Ela também é usada para a profilaxia em indivíduos expostos ao HIV. É bem absorvida após administração oral. Efeitos adversos: É tóxica para a medula óssea e pode causar anemia e neutropenia; Cefaleia. A!! A estavudina e a ribavirina são ativadas pela mesma via intracelular e não devem ser administradas junto com a AZT. INIBIDORES DA INTEGRASE Os inibidores da integrase para transferência de fita (IITFs) atuam inibindo a inserção do DNA proviral no genoma da célula hospedeira. O centro ativo da enzima integrase se liga ao DNA da célula hospedeira e introduz dois cátions metálicos divalentes que servem de alvos de quelação para os IITFs. MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO – P5 | Luíza Moura e Vitória Neves Como resultado, quando um IITF está presente, o centro ativo da enzima é ocupado, e o processo de integração é interrompido. Os IITFs são bem tolerados, mas pode ocorrer efeitos adversos, como: Náusea e diarreia. A!! Eles estão sujeitos a interações de quelação com antiácidos, resultando em redução significativa da biodisponibilidade. Por isso, é recomendado que as doses de IITFs sejam afastadas por várias horas das doses de antiácidos. A!! Pode ocorrer resistência cruzada entre o raltegravir e o elvitegravir, ao passo que o dolutegravir tem resistência cruzada limitada com outros IITFs. DOLUTEGRAVIR O dolutegravir é rapidamente absorvido por via oral. É extensamente ligado a proteínas. Ele é um inibidor da proteína de transporte renal OTC2 e pode resultar em elevação leve, benigna e reversível da creatinina sérica. É dosificado 1x ao dia sem o uso do reforçador farmacocinético a pacientes sem resistência preexistente a IITFs. A dosificação diária dupla é recomendada para pacientes IITFs experientes. A!! Pacientes com resistência ao raltegravir e ao elvitegravir por mutação podem ser suscetíveis ao dolutegravir RALTEGRAVIR Em associação a outros antirretrovirais, o raltegravir é aprovado para o tratamento de: Pacientes novos; e “experientes”. Estes com evidências de multiplicação viral, apesar do tratamento com antirretrovirais em andamento. O raltegravir é usado 2x ao dia. Ele é bem tolerado, porém pode ter efeitos adversos graves, como: Elevação da creatinocinase com dor muscular, rabdomiólise; e Possível depressão com ideias suicidas. ELVITEGRAVIR Atualmente, o elvitegravir é a única associação disponível em doses fixas em comprimido único contendo: Tenofovir, entricitabina, elvitegravir e cobicistate O efeito adverso mais comum é: Náusea; Embora o cobicistate também possa causar elevação na creatinina sérica, devido à inibição da secreção tubular de creatinina. A!! A resistência cruzada entre o raltegravir e o elvitegravir é alta. INIBIDORES DA TRANSCRIPTASE REVERSA NÃO ANÁLOGOS DE NUCLEOSÍDEOS Os ITRNNs são inibidores não competitivos de TR-HIV1, altamente seletivos. Ligam-se à TR de HIV1, em um local alostérico hidrofóbico adjacente ao local ativo, induzindo uma modificação de conformação que resulta na inibição da enzima. Eles não necessitam de ativação por enzimas celulares. Esses fármacos têm características comuns: Resistência cruzada com outros ITRNNs; Interações farmacológicas; e Alta incidência de reações de hipersensibilidade, incluindo urticária. MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO – P5 | Luíza Moura e Vitória Neves NEVIRAPINA (NVP) É usada em associação a outros antirretrovirais para o tratamento em adultos e crianças. Devido ao potencial para hepatotoxicidade grave, a nevirapina não deve ser iniciadaem: Mulheres com CD4 >250/ mm3; ou Homens com CD4 >400/mm3. A nevirapina é bem absorvida por via oral. A natureza lipídica explica ampla distribuição tissular, incluindo SNC, placenta e leite materno. Os efeitos adversos são: Urticária; Febre e cefaleia; Elevação das transaminases séricas e hepatotoxicidade fatal. Foram observados efeitos dermatológicos graves, incluindo: Síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica. A!! Um período de adaptação de 14 dias, usando a metade da dosagem, é necessário para reduzir o risco de reações epidérmicas graves e hepatotoxicidade. RILPIVIRINA (RPV) Está aprovada para o tratamento do HIV em pacientes virgens, em combinação com outros antirretrovirais. Ela é administrada por via oral, 1x/dia, com alimentos, e tem absorção dependente do pH. Por isso, não deve ser administrada junto a inibidores da bomba de prótons e requer separação dos antagonistas de receptor H2 e de antiácidos. Os efeitos adversos mais comuns são: Distúrbios depressivos e insônia; Cefaleia; e Urticária. A!! Resistência cruzada com outros ITRNNs é provável após falhas virológicas e desenvolvimento de resistência à rilpivirina. INIBIDORES DA PROTEASE (IPS) Os IPs HIV têm alterado significativamente o curso do HIV. Esses fármacos potentes apresentam várias características comuns que caracterizam sua farmacologia. MECANISMO DE AÇÃO Todos os fármacos desse grupo são inibidores reversíveis da aspartil protease (retropepsina) HIV, que é a enzima viral responsável pela clivagem da poliproteína viral em inúmeras enzimas essenciais (transcriptase reversa, protease e integrase) e várias proteínas estruturais. A inibição evita a maturação de partículas virais e resulta na produção de vírions não infecciosos. EFEITOS ADVERSOS Os IPs comumente causam: Parestesia; Náusea e êmese; e Diarreia. Também ocorrem distúrbios no metabolismo de glicose e lipídeos, incluindo: Diabetes; Hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia. A administração crônica resulta em redistribuição de gordura, incluindo: Perda de gordura nas extremidades; Acúmulo no abdome e na base do pescoço (“corcunda de búfalo”); e Aumento do tórax. Essas mudanças físicas podem indicar que um indivíduo é infectado por HIV. RITONAVIR O ritonavir (RTV) não é mais empregado como IP isoladamente, mas é usado como “reforçador MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO – P5 | Luíza Moura e Vitória Neves farmacocinético” ou “reforçador booster” de outros IPs. Os efeitos adveros mais comuns são: Náusea e êmese; Diarreia; Cefaleia; e Parestesia circumoral. SAQUINAVIR Para maximizar a biodisponibilidade, o saquinavir (SQV) é administrado sempre junto a uma dose baixa de ritonavir. Dietas ricas em gordura também aumentam a absorção. Os efeitos adversos mais comuns incluem: Cefaleia e fadiga; Diarreia; Náusea e outros distúrbios TGI. Particularmente em pacientes com hepatite viral B ou C concomitante é observada elevação dos níveis de aminotransferases hepáticas. INDINAVIR (IDV) É bem absorvido por via oral e, de todos os IPs, é o que menos se liga às proteínas plasmáticas. São necessárias condições gástricas ácidas para sua absorção, que diminui quando é administrado com alimento, embora um lanche leve e pobre em gordura seja permitido. O reforço com ritonavir supera esse problema e também permite dosificação 2x ao dia. Efeitos adversos: Sintomas TGI; e Cefaleia. A!! Pode causar nefrolitíase e hiperbilirrubinemia. A hidratação adequada é importante para reduzir a formação de cálculos renais; os pacientes devem beber pelo menos 1,5 litro de água por dia. INIBIDORES DE ENTRADA ENFUVIRTIDA A enfuvirtida é um inibidor de fusão. Para que o HIV entre na célula do hospedeiro, ele deve fundir sua membrana com a da célula do hospedeiro. Isso é possibilitado por mudanças na conformação da glicoproteína viral transmembrana gp41, o que ocorre quando o HIV se liga à superfície da célula do hospedeiro. A enfuvirtida é um polipeptídeo que se liga à gp41, evitando a mudança conformacional. Em associação a outros antirretrovirais, ela é aprovada para: Tratamento de pacientes “experientes” que tem evidências de replicação viral, apesar do tratamento com antirretroviral. É administrada por via SC, a maioria dos efeitos adversos se relaciona com a injeção, como: Dor, eritema, endurecimento e nódulos, praticamente todos os pacientes. MARAVIROQUE O maraviroque é outro inibidor de entrada. Como ele é bem absorvido por via oral, ele é formulado como comprimido. Ele bloqueia o correceptor CCR5, que atua junto com a gp41, facilitando a entrada do HIV através da membrana da célula. O HIV pode expressar preferência pelo correceptor CCR5 ou pelo CXCR4, ou por ambos (dual-trópico). Antes de usar o maraviroque, é necessário um teste para determinar o tropismo viral e diferenciar entre cepas de vírus que usam o correceptor CCR5, o correceptor CXCR4 ou se é dual. Somente as cepas de HIV que usam o correceptor CCR5 são tratadas com maraviroque.