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Pedagogia - Educação para as Relações Étnico-Raciais Apresentação Prezados acadêmicos, Para o estudo da disciplina “Educação para as relações Interétnicas” utilizaremos o cader- no didático intitulado Educação para as Relações Étnico-Raciais - ERER / Módulo II, como segue: • No item 2 estudaremos sobre o “histórico do movimento negro; faremos uma breve análise da declaração de Durban até a lei 10.639/03 e refletiremos sobre a dívida social do Brasil para com o negro. • Para o estudo sobre antagonismo, “discriminação e conflito” refletiremos sobre o propos- to na unidade I que apresenta uma discussão sobre: a LDB, lei 10.639/03; a lei n. 9.394/1996; o pa- recer 03/2004 e a resolução 01/2004 do CNE. Estudaremos, ainda, sobre a discriminação, precon- ceito racial e comportamento Social; discriminação, preconceito racial e comportamento social. • Na unidade 3 abordaremos sobre a questão da identidade étnica na sala de aula, para tanto teremos como suporte as leituras dos textos: “Relações raciais na escola: currículo e respon- sabilidades; “Fiscalizando a tv, o livro didático e a escola”, “O currículo e as relações étnico-raciais na escola”. • Outros artigos, textos e palestras serão sugeridos e disponibilizados textos e links, pelo professor formador na sala virtual, objetivando a complementação dos estudos da temática em questão. Bons estudos! Coordenadora do Curso profª Ms Maria Nadurce da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário Executivo José Henrique Paim Fernandes Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Coordenador Geral da Universidade Aberta do Brasil Celso José da Costa Secretário de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade André Lazaro Coordenadora Geral da Educação do Campo da SECAD/MEC Wanessa Zavarese Sechim Governador do Estado de Minas Gerais Aécio Neves da Cunha Vice-Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Alberto Duque Portugal Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes Paulo César Gonçalves de Almeida Vice-Reitor da Unimontes João dos Reis Canela Pró-Reitora de Extensão Marina Ribeiro Queiróz Coordenador do Curso Márcio Antônio Silva Coordenador de Tutoria Edmilson Mendes de Faria EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS - MÓDULO II Projeto Gráfico Alcino Franco de Moura Júnior Andréia Santos Dias Editoração Andréia Santos Dias Clésio Robert Almeida Caldeira Débora Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida Diego Wander Pereira Nobre Jéssica Luiza de Albuquerque Impressão, Montagem e Acabamento Didática Editora do Brasil Ltda. Revisão Maria Leda Clementino Marques Osmar Oliva Prado ERER Módulo II AUTORES Profª Ms. Ângela Ernestina Cardoso de Brito Mestre em Metodologia de Educação-UFScar. Graduada em Serviço Social - UNESP. Departamento de Ciências Sociais - Unimontes. E-mail: angelafro@yahoo.com.br Profº Dr. Márcio Antônio Silva Doutor em Fundamentos da Educação-UFScar. Mestre em Educação e Ensino Superior - PUCAMP. Departamento de Educação - Unimontes. E-mail: marciozaratrusta@ig.com.br SUMÁRIO Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07 1 A LDB, lei 10.639/03, a lei n. 9.394/1996, o parecer 03/2004 e a resolução 01/2004 do CNE; discriminação, preconceito racial e comportamento social.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.1 Primeiras palavras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.2 A industrialização e as novas exigências educacionais. . . . . . . . 12 1.3 Parecer 03/2004 do Conselho Nacional de Educação. . . . . . . . 17 1.4 Discriminação, preconceito racial e comportamento social . . . 21 1.5 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 1.6 Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 2 Histórico do movimento negro; da declaração de Durban até a lei 10.639/03; dívida social do Brasil para com o nego após o 13 de maio.. 30 2.1 Primeiras palavras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 2.2 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 2.3 Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 3Relações raciais na escola: currículo e responsabilidades. Fiscalizando a tv, o livro didático e a escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3.1 Primeiras palavras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3.2 As repercussões do livro didático nas representações das crianças negras na escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.3 O currículo e as relações étnicos-raciais na escola . . . . . . . . . . 51 3.4 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Atividades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 APRESENTAÇÃO 07 Queremos parabenizá-lo pelo ingresso no curso Educação para Relações Étnico-Raciais - ERER, um dos seis cursos oferecidos pela UAB / REDE - Unimontes. O curso esta estruturado no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação a Distância, e tem por finalidade possibilitar a formação de um número grande de pessoas, geograficamente dispersa. Esta estruturado na modalidade semi-presencial, com momentos presenciais de menor duração. A intenção é ampliar as oportunidades para que professores e profissionais da educação possam compreender os temas da diversidade e introduzi-los transversalmente na prática pedagógica da escola. O objetivo específico deste curso é capacitar professores e gestores em educação da rede de educação básica brasileira, para atendimento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Neste sentido visa introduzir e aprofundar a discussão da temática da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER), capacitar gestores e professores nos conteúdos das Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, qualificar gestores para incluir a temática das relações étnico-raciais (cultura afro-brasileira e indígena) nos programas de formação da educação estadual e proporcionar a inclusão digital de gestores, professores e jovens. De acordo com a proposta do projeto as ações a serem implementadas têm um caráter multiplicador, uma vez que propõe a capacitação de educadores e profissionais da educação visando a construção de relações sociais, econômicas e culturais capazes de respeitar as diferenças (minorias éticas, populações tradicionais). Nessa perspectiva, as leituras dirigidas e práticas de pesquisa que compõem o curso convergem para a ênfase na reflexão e ação sobre o espaço do cotidiano, desencadeando atividades que extrapolam as discussões em sala de aula, atingindo grupos sociais. O curso de Educação para Relações Étnico-Raciais – ERER, coloca- se como uma alternativa da Educação para respeitar as diferenças, vencer as distâncias, sem isolar aqueles que almejam dar continuidade a seus estudos e a sua vida profissional. Este caderno didático tem por objetivo nortear o caminho que você percorrerá ao longo do curso e direcionar as atividades que serão desenvolvidas, permitindo a elaboração gradativa e processual dos conteúdos nele inseridos. Estruturalmente o curso visa atender cincopólos, conta também uma infra-estrutura de coordenação, tutoria, docência, apoio tecnológico, responsáveis pela implantação, operacionalização, implementação, avaliação e monitoramento em interlocução com o Ministério de Educação e Cultura, por intermédio de sua Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e ainda, em parceria com a Secretaria de Educação a Distância e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior. Esta sendo disponibilizado um Núcleo Central de Apoio às ações da Capacitação na Pró-Reitoria de Extensão da Unimontes, local este em que estarão presentes o apoio tecnológico e a secretária do curso. Este núcleo dará todo o suporte necessário aos Pólos bem como aos Tutores Presenciais, possibilitando que os Pólos funcionem, garantindo a dinamicidade das ações, contribuindo para o alcance dos objetivos propostos e o intercâmbio entre os diversos municípios envolvidos e que representarão Pólos. O curso proposto terá um total de 180 horas, sendo 40 presenciais e 140 a distancia horas na modalidade EAD com duração média de 6 meses, numa distribuição de 36 horas-aula/mês, que resulta numa dedicação média de 90 minutos/dia. A organização curricular do curso prevê cinco módulos com carga horária diferenciadas e a realização de seminários locais para avaliação. O curso está planejado para ter um total de 180 horas, sendo 40 horas presencias e 140 horas na modalidade EaD com duração média de 6 meses numa distribuição de 36 horas-aula/mês que resulta numa dedicação média de 90 minutos/dia. A estrutura desse segundo Módulo está organizada da seguinte maneira: A primeira temática com duração de 16 horas fará uma reflexão sobre a LDB, à importância Lei 10639/03, a Lei N. 9394/1996, o Parecer 03/2004, a Resolução 01/2004 do CNE, a Discriminação, o preconceito racial e comportamento social. já na segunda temática discutiremos sobre o processo Histórico do Movimento Negro no Brasil, a importância da declaração de Durban até a Lei 10639/03, abordaremos sobre A divida social do Brasil para com o Negro após o 13 de maio esta temática tem um total de 16 horas. Na terceira temática, com duração de 16 horas, faremos uma reflexão sobre as Relações Raciais na Escola, qual a responsabilidade do Currículo, qual o papel da TV, do livro didático, da escola e como devemos estar atentos para a mensagem oculta e distorcidas que essas agências transmitem sobre o racismo e o preconceito. 08 Apresentação Caderno Didático 09 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes Os participantes contarão com o apoio dos coordenadores, dos professores formadores, tutores presenciais, tutores a distância e Plantões Pedagógicos semanais de 20 horas. O material utilizado no curso, além de ser disponibilizado impresso, estará disponível no ambiente virtual de aprendizagem. Constará do Manual de Utilização da Plataforma Moodle, o Manual do Aluno e os Guias específicos para o trabalho com cada conteúdo, todos estes em uma formatação específica para a EAD. Constará também de uma biblioteca virtual interativa disponibilizada para complementação de outras ou novas referências bibliográficas ou eletrônicas sobre os estudos em questão. A avaliação da aprendizagem dos cursistas será feita pelos docentes e tutores do ERER, mediante registro integral de realização de todas as atividades propostas em cada conteúdo trabalhado, durante todo o curso, considerando ainda a freqüência em todos os fóruns e chats programados, a participação nestes. Cada participante receberá da Unimontes, por meio da Pró- Reitoria de Extensão, um certificado de conclusão do curso, registrado em livro próprio desta Pró-Reitoria, especificando a carga horária, os conteúdos e respectivos professores docentes e o aproveitamento dos alunos cursistas que concluírem todas as etapas previstas para o curso. Acreditamos, assim como Paulo Freire que a educação se faz num processo de interação do educando e do educador, neste sentido, desejamos um excelente aproveitamento dos conteúdos propostos no curso, e certos de que estaremos sempre prontos para juntos construirmos uma metodologia onde as barreiras sejam transpostas. Muito Axé! A Coordenação. 11 1.1 PRIMEIRAS PALAVRAS Ferreira (1966) descreve que o início da História da Educação no Brasil, como um processo sistematizado de transmissão de conhecimentos, é indissociável da história da Companhia de Jesus. As condições que favoreceram a evolução do ensino no Brasil foram a organização social e o conteúdo cultural, por meio da formação dos padres da companhia de Jesus. Aliado a esses fatores, está o fato de que o direito à educação era restrito, excluía mulheres, escravos, e, em alguns momentos, os primogênitos. Santana (2006) ressalta que, no período colonial, a educação das crianças ocorria em âmbito privado, nas casas e em insituições religiosas. Assim, não se podem perder de vista os objetivos práticos da ação jesuítica no Novo mundo: o recrutamento de fieis e servidores. Ambos foram atingidos pela ação educadora. A catequese, neste sentido, assegurou a conversão da população indígena e foi levada a cabo mediante criação de escolas elementares para os “curumins” e de núcleos missionários no interior das nações indígenas. A educação que se ministrava aos “curumins” estendia-se aos filhos dos colonos, o que garantia a evangelização destes. A simples presença dos padres já era garantia de manutenção da fé entre os colonos; as condições objetivas que favoreceram a evolução do ensino no Brasil foram a organização social e o conteúdo cultural, por meio da formação dos padres da companhia de Jesus. (Romanelli, 1983, p. 35). De acordo com o autor, os padres ministravam a educação elementar para a população índia e branca em geral, com exceção das mulheres; a educação média para os homens da classe dominante continuou nos colégios, preparando-se para o ingresso na classe sacerdotal. A educação superior religiosa era somente para esta última. A outra parte da população que não seguia a carreira eclesiástica era encaminhada para a Europa, a fim de completar os estudos. Então, podemos considerar que a obra de catequese acabou cedendo lugar à educação de elite. Romanelli (1983) destaca que essa educação jesuítica transformou-se em educação de classe e atravessou todo o período colonial e imperial, atingindo o período 1UNIDADE 1A LDB, LEI 10.639/03, A LEI N. 9.394/1996, O PARECER 03/2004 E A RESOLUÇÃO 01/2004 DO CNE; DISCRIMINAÇÃO, PRECONCEITO RACIAL E COMPORTAMENTO SOCIAL. Figura 1: Capa. Fonte: www.thomsonlearning.com.br/ images/capasGrandes/852210056X.jpg DICAS A LDB é a lei que determina os fins da educação, os caminhos a serem percorridos e os meios adequados para atingi-los. A LDB regulamenta a Educação Escolar Nacional.(Santos, 1999:52) PARA REFLETIR As principais leis de ensino que se seguiram: Lei N. 5.540, de 28 de novembro de 1968 (ensino superior). Lei N. 5.692, de 11 de agosto de 1971 (ensino de 1º e 2º graus) Lei N. 7.044, de 18 de outubro de 1982 ( ensino de 2º grau). 12 Módulo II Caderno Didático republicano sem ter sofrido, em suas bases, modificação estrutural. E foi com esta característica que ela sobreviveu à própria expulsão dos jesuítas, ocorida no século XVIII. Já no século XIX, surge no Brasil uma grande estratificação social, e com isso a primeira camada intermediária: Mas, se essa camada intemediária procurou a educação, como meio de ascensão social, são suas relações com a classse dominante que vão proporcionar-nosuma compreensão maior da característica dominante no ensino brasileiro, na época e posteriormente. Essas relações são ainda relações de dependência. Uma vez que as camadas inferiores viviam na servidão ou na escravatura e o trabalho físico era tido como degradante, não é de estranhar que se considerasse o ócio como um distintivo de classe. Com a presença de D. João, surge no Brasil o ensino superior e um processo de autonomia, que culminou com a independência política, o que não modificou a situação do ensino, acentuando o abandono total dos demais níveis de ensino e a solidificação da tradição na educação aristocrática. 1.2 A INDUSTRIALIZAÇÃO E AS NOVAS EXIGÊNCIAS EDUCACIONAIS Com o fim do império e o declínio do regime escravocrata, a adoção do regime assalariado e as grandes transfomações ocorridas na sociedade brasileira, como a expansão da lavoura de café, a insersão do telégrafo, a instalação portuária, as ferrovias, a urbanização etc, colocam o país rumo “à modernização”, à república, o que não representou o fim do sistema político elitista. A passagem de um modelo econômico para outro não diminuiu a defasagem educacional; no entanto, é fato que o século XIX é caracterizado pela acentuada tendência do Estado agir como educador. As exigências da sociedade industrial impunham modificações profundas na forma de se encarar a educação e, em consequencia, na atuação do Estado, como responsável pela educação do povo. As mudanças itroduzidas nas relações de produção e, sobretudo, a concentração cada vez mais ampla de população em centros urbanos tornaram imperiosa a necessidade de se eliminar o analfabetismo e dar um mínimo de quallificação para o trabalho a um máximo de pessoas. (ROMANELLI, 1983, p. 59). O capitalismo industrial impõe a necessidade de fornecer conhecimentos à população, ou pela necessidade da própria produção ou pela necessidade de se consumir; portanto, era necessário que a população tivesse condições mínimas de concorrer e consumir os bens produzidos. Com a expansão do sistema escolar, processa-se, de maneira atropelada, a atuação do Estado, atendendo somente às pressões sociais, o que contribuiu para o crescimento desigual das oportunidades educacionais. 13 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes Destacamos, então, no período de 1930, a forte relação entre educação e desenvolvimento, contribuindo para duas grandes mudanças, uma especificamente no crescimento da demanda educacional e a outra no crescimento da demanda efetiva, ou seja, em 1930, cresceu a defasagem existente entre educação e desenvolvimento no Brasil, e essa defasagem se encontrava diretamente atrelada às condições políticas ocasionadas entre as várias facções das classes dominantes. Mesmo assim, temos de considerar que a década de 1930 marcou o início de muitas transformações no campo educacional, como o Movimento da “Escola Nova” , o que trouxe perspectivas inovadoras para a época, como a laicidade do ensino, a co- educação dos sexos, a escola pública para todos e a revolução pedagógica. 1.2.1 A Lei de Diretrizes e Bases: LDB Vamos, neste momento, fazer um salto histórico significativo e destacar o surgimento da primeira LDB, por determinação da Constituição de 1946. Em 20 de novembro de 1961, é sancionada e publicada a primeira LDB, Lei n. 4.024, vigorando no dia 1º de Janeiro de 1962. Com a nova Constituição de 1967, foram inseridas novas leis de ensino: Com base nessa nova ordem constitucional, 1967/69, foram baixadas várias leis de ensino em épocas diferentes, revogando parte da 4.024/61 que, originalmente, tinha 120 artigos e remanesceram apenas 30 até 1996. (SANTOS, 1999, p. 50) Com base no artigo 22, XXIV, da nova Constiuição em vigor desde 1988, foram muitos os projetos apresentados, encaminhados, modificados para a nova LDB, até à sua aprovação pela Câmara dos Deputados. Em 20 de Dezembro de 1996, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a nova LDB, Lei nº 9.394/96, com caráter desafiador, regulamentando a atuação da União para gerir o modelo educacional brasileiro, estabelecendo, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e municípios, a condição para as diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos. De acordo com Gonçalves (2006), a LDB regularizava o ensino educacional brasileiro, desprivilegiando pontos específicos e necessários para o bom andamento da Educação. A autora aponta que, pautada nesta legislação, surgem os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) que não são normativos, mas entram no cotidiano das escolas com um caráter desafiador e é assumido como instrumento legal por muitos gestores e professores. Ainda parafraseando Gonçalves (2006), a partir da década de 90, fruto de manifestações organizadas e reivindicatórias do Movimento Negro, surge no Brasil: 14 Módulo II Caderno Didático um aparato jurídico-normativo que contempla a diversidade como variável nuclear propondo mudanças na proposta curricular. São esses ajustamentos apontados como inovadores nascidos das bases inscritas na Carta Magna que se constituem na matéria-prima da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Da ação conjunta do texto constitucional e do contexto da LDB nascem a política e o planejamento educacional, e depende o dia-a-dia do funcionamento das redes escolares de todos os graus de ensino. A nova LDB reservava capítulos exclusivos para as peculiaridades da educação em especial para as áreas pouco contempladas, historicamente, no conjunto das políticas públicas brasileiras (GONÇALVES, 2006). A autora considera que as recomendações contidas nos PCN's estão voltadas nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, destacando para reflexões e debates que inquietam parte da população, tais como meio ambiente, sexualidade e pluralidade Cultural. Esses pontos são destacados como estratégias que subsidiaram profissionais envolvidos com a educação a tratar com menos preconceito assuntos referentes à sexualidade, ao meio ambiente e à pluralidade cultural: A aplicação e o aperfeiçoamento da legislação são decisivos, porém insuficientes. Os direitos culturais e a criminalização da discriminação atendem aspectos referentes à proteção de pessoas e grupos pertencentes às minorias étnicas e culturais. Para contribuir nesse processo de superação da discriminação e de construção de uma sociedade justa, livre e fraterna, o processo há de tratar do campo social, voltados para a formação de novos comportamentos, novos vínculos, em relação àqueles que historicamente foram alvos de injustiças, que se manifestam no cotidiano (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997, apud GONÇALVES, 2006). Conforme Gonçalves (2006), é dever do Estado cumprir com o estabelecimento pleno da educação democrática, anti-racista, que prime pelo aprimoramento da solidificação das diferenças, da liberdade e dos direitos fundamentais da pessoa humana. A autora destaca que, com as diretrizes dos PCNs, a escola deve ser parceira e colaborar para que os princípios constitucionais da igualdade, da manifestação das diferenças sexuais e da pluralidade sejam concretizados, “mediante ações em que a escola trabalharia com questões da diversidade cultural, indicando a necessidade de se conhecer e considerar a cultura dos diversos grupos étnicos.” (GONÇALVES, 2006). Devemos considerar que foi somente na década de 1990 que questões referentes à pluralidade étnica e racial e a questão da diferença começam a se destacar nos estudos: A necessidade imperiosa da formação de professores no tema PluralidadeCultural. Provocar essa demanda específica na formação docente é exercício de cidadania. É investimento importante e precisa ser um compromisso 15 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes político pedagógico de qualquer planejamento educacional/escolar para formação e/ou desenvolvimento profissional dos professores (PCN. Temas Transversais, 1997, p. 123). Entendemos que, assim como expressa nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a educação escolar deve ser entendida como um espaço sociocultural e institucional responsável pelo trato pedagógico do conhecimento e da cultura, mas deve ser compreendido e solidificado como um espaço pleno de manifestação cultural. 1.2.2 Lei 10. 639/03: dimensões para uma educação anti-racista A história do Brasil tem sido uma história de perdas, de exclusões e de manutenção dos privilégios de minorias. A herança que as crianças e os jovens, hoje a maioria da população, recebem dessa história caracteriza-se pela opressão, pela carência, pelo descrédito e pela ausência de perspectivas, pela perplexidade. A política de desobrigação do Estado com a educação pública, gratuita e de qualidade cada vez mais vem excluindo crianças, jovens e adultos da escola e aprofundando as desigualdades sociais e raciais. A Lei 10.639/03 altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, e dá outras providências. No entanto, como pondera Gonçalves (2006), a essa estrutura jurídico-normativa acrescenta a Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a LDB, inserindo no currículo oficial a obrigatoriedade da temática História e Cultura afro-brasileira. Os artigos incluídos são os seguintes: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra." Dessa maneira, conforme Gonçalves destaca, no currículo oficial da Rede de Ensino ocorre a inclusão obrigatória da temática História e Cultura afro-brasileira; há também a institucionalização do dia 20 de novembro DICAS A primeira LDB passou 13 anos para ser aprovada no Congresso Nacional. (...) desde 1988, busca-se a aprovação de uma lei que, finalmente, organize o sistema nacional de educação e estabeleça a sua unidade. Passando esse tempo, durante o qual foi realizado um amplo debate entre a sociedade civil organizada, parlamentares de todos os partidos e educadores, se chegou a uma projeto de LDB que talvez possamos classificar como o mais democrático da história do nosso legislativo. Nesse processo de elaboração, foram ouvidas mais de 40 instituições e entidades de todas as concepções ideológicas, além de realizados numerosos seminários temáticos, envolvendo especialistas sobre os pontos mais polêmicos, nunca se discutiu e negociou tanto para elaborar uma lei.(SANTOS, 1999, p.52-3) 16 Módulo II Caderno Didático como dia da Consciência Negra. O objetivo é viabilizar a implementação da lei, e, para isso, são elaboradas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana, aprovada pelo Conselho Nacional de educação em 10 de março de 2004. A autora destaca que as diretrizes indicam para as condições materiais das escolas e que a formação dos professores são indispensáveis para uma educação de qualidade, visando oportunidades para todas as pessoas, valorizando o reconhecimento e a valorização do processo histórico, cultural e identitário dos afro-descendentes. Ao refletir sobre a dinâmica escolar e a maneira como os docentes lidam com conceitos discriminatórios, Gonçalves (2006) enfatiza a incipiência dessas políticas pois, de acordo com a autora, não ”provocam inserções significativas no âmbito escolar”. Essa forma, ainda que rudimentar, de tratar a questão dos negros, corrobora com a “formação social de uma cultura oriunda do sistema escravocrata e da oligarquização do Estado, o que ocasionou uma forma específica de opressão, que, por sua vez, provoca segregação racial”. Assim, a autora acredita que, paralelamente às políticas públicas, fazem-se necessárias manifestações, tendo como: “[...] horizonte a revisão dos currículos e materiais pedagógicos em todos os níveis de ensino, especificamente dos livros didáticos no que tange à constituição social, demográfica, cultural e política do povo negro, incluindo nas discussões toda comunidade escolar.” (GONÇALVES, 2006). A autora destaca nesse processo a imperiosa necessidade de diretrizes voltadas para uma formação profissional, onde a educação privilegie não só uma cultura, mas todos os povos: Crianças brasileiras de todas as origens étnico-racias têm direito ao conhecimento da beleza, riqueza e dignidade das culturas negro-africanas. Jovens e adultos têm o mesmo direito. Nas universidades brasileiras, procure nos departamentos as disciplinas que informam sobre a África. Que silêncio lamentável é esse, que torna invisível parte tão importante da construção histórica e social de nosso povo, e de nós mesmos? (Ribeiro, 2002, p. 150). PARA REFLETIR Como recontar a educação sob a ótica Africana? Como criar uma nova forma de educar diferente do ângulo eurocêntrico? Figura 2 Fonte: www.diamang.com/diamang/Lunda/povo/ tradicoes/images/TamboresImage45.jpg Figura 3 Fonte: carlafabianny.catuca-hit.zip.net/ images/tambor702.jpg 17 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes Destacamos, neste sentido, a necessidade da educação brasileira estar atenta para as diversidades que compõem a nossa sociedade. Não nos esquecendo de que somos considerados o segundo país mais negro do mundo, e mesmo assim a população afro-descendente é rotulada com discriminação e expropriada de seus diretos fundamentais. 1.3 PARECER 03/2004 DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO Em 10 de março de 2008, o governo altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática da cultura Indígena. De acordo com o texto elaborado por Silva et al (2004), o parecer é uma das poucas tentativas concretas na área da educação que procura oferecer um suporte para dar resposta à demanda da população negra. Isso significa que, pela primeira vez na educação, temos uma política de reparação, que tenta reconhecer e valorizar a história, a cultura, a identidade da população afro-descendente: Trata, ele, de política curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmenteos negros. (PARECER N.º:CNE/CP 003/2004) Ainda conforme Silva et al (2004), o parecer propõe: Divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada. É importante salientar que tais políticas têm como meta o direito dos negros se reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias, manifestarem com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos. É necessário sublinhar que tais políticas têm, também, como meta o direito dos negros, assim como de todos os cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis de ensino, em escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos; com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais, ou seja, entre descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, e povos indígenas. Consideramos que os negros, desde a imposição de sua permanência em nossa sociedade pelo sistema escravocrata, têm sido permanentemente expropriados de suas condições mínimas de 18 Módulo II Caderno Didático sobrevivência, o que tem colaborado para desdobramentos negativos na educação brasileira; entendemos que o racismo do passado continua, implicitamente, mas presente em nossa sociedade, o que constitui ingredientes para o fracasso escolar dos alunos afro-descendentes. Tal como Cavalleiro (2006), entendemos que a Sanção da Lei n. 10.639/2003, da Resolução CNE/CP1/2004 e do Parecer CNE/CP 3/2004 constitui medidas iniciais rumo à reparação do povo negro brasileiro. Isso significa que aceitamos a ideia de que somos um país racista e preconceituoso. Além disso, abrimos espaço para se adotar medidas claras e democráticas que possam amenizar, ou até mesmo corrigir formas conexas de discriminação. Conforme Silva et al: O parecer é destinado aos administradores, aos mantenedores de estabelecimentos, aos próprios estabelecimentos de ensino, seus professores e a todos implicados na elaboração, na execução, avaliação de programas de interesse educacional, de planos institucionais, pedagógicos e de ensino. Destina-se, também, às famílias dos estudantes, a eles próprios e a todos os cidadãos comprometidos com a educação dos brasileiros, para nele buscarem orientações, quando pretenderem dialogar com os sistemas de ensino, escolas e educadores, no que diz respeito às relações étnico-raciais. O reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro- brasileiros, à diversidade da nação brasileira, ao igual direito à educação de qualidade, isto é, não apenas direito ao estudo, mas também à formação para a cidadania responsável pela construção de uma sociedade justa e democrática. O parecer oferece alguns apontamentos que norteiam a importância do ensino da história e cultura Afro- Brasileira e africana que, certamente, muda o foco da educação e percepção dos afro-brasileiros na construção ideológica de sua história. (PARECER N.º:CNE/CP 003/2004) Para conduzir suas ações, os estabelecimentos terão como referência as bases filosóficas e pedagógicas que assumem os seguintes princípios: I Consciência política e histórica da diversidade. II Fortalecimento de identidades e de direitos. III Ações educativas de combate ao racismo e a discriminações. O parecer, em seus princípios e desdobramentos, sugere mudança não somente na mentalidade, mas também no modo de pensar e agir dos indivíduos, das intuições, de suas tradições culturais e dos professores. As determinações são baseadas no seguinte princípio: O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Esta determinação, de acordo com o parecer, tenta estabelecer um elo de articulação entre passado, presente e futuro, envolvendo experiências, construções e pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do afro-descendente, com o objetivo de reconhecer e de valorizar a identidade, a história e a cultura dos afro-brasileiros, garantindo, dessa maneira, seus direitos de cidadãos. 19 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes Na segunda determinação, o ensino de História e Cultura A f r o - B r a s i l e i r a e Afr icana envolverá diferentes meios, que busquem compreender e i n t e r p r e t a r, n a perspectiva de quem o formule, diferentes formas de expressão e de organização de raciocínios e de pensamentos de raiz da cultura africana. Deve promover oportunidades de diálogo, de comunicação entre diferentes sistemas simbólicos e estruturas conceituais, buscar formas de convivência harmoniosa, promover a construção de projeto de sociedade em que todos se sintam encorajados a expor, a defender sua especificidade étnico-racial. (PARECER N.º:CNE/CP 003/2004: p.10). Na terceira determinação, o ensino de História e Cultura Afro- Brasileira e Africana e a educação das relações étnico-raciais serão desenvolvidos no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, como conteúdo de disciplinas, particularmente, Educação Artística, Literatura e História do Brasil, sem prejuízo das demais, em atividades curriculares ou não, trabalhos em salas de aula, nos laboratórios de ciências e de informática, na utilização de sala de leitura, biblioteca, brinquedoteca, áreas de recreação, quadra de esportes e outros ambientes escolares. (PARECER N.º:CNE/CP 003/2004, p.10). Na quarta determinação, o ensino de História Afro-Brasileira abrange iniciativas e organizações negras, incluindo a história dos quilombos, a começar pelo de Palmares, e de remanescentes de quilombos, que têm contribuído para o desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades, municípios, regiões (exemplos: associações negras recreativas, culturais, educativas, artísticas, de assistência, de pesquisa, irmandades religiosas, grupos do Movimento Negro). Serão estacados acontecimentos e realizações próprios de cada região e localidade. O parecer determina, ainda, que as datas significativas para cada região e localidade serão devidamente assinaladas. Assim, o dia 13 de maio envolverá o dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, e será vivenciado como o dia de denúncia das repercussões das políticas de eliminação física e Figura 4 Fonte: media.photobucket.com/image/Educa%2525C3%2 525A7%2525C3%2525A3o%20Afro-brasileira.j PARA REFLETIR Como despertar interesse pela cultura Afro-brasileira nas escolas? Como valorizar uma cultura historicamente estereotipada e rotulada de forma negativa? Como trabalhar a intolerância religiosa na educação de base? Figura 5 Fonte: www.site1.unibh.br/ 20 Módulo II Caderno Didático simbólica da população afro-brasileira no pós-abolição, e de divulgação dos significados da Lei áurea para os negros. Já o dia 20 de novembro será celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, entendendo-se consciência negra nos termos explicitados anteriormente no Parecer N.º: CNE/CP 003/2004, p.11. O parecer ainda determina que o ensino de Cultura Afro-Brasileira enfatizará a especificidade de cada cultura. O ensino de História e de Cultura Afro-Brasileira se fará por diferentes meios, como por exemplo a realização de projetos.Entendemos que o parecer vem reconhecer o problema do racismo em nosso país e, o mais importante, a necessidade de combatê-lo nas mais diferentes esferas, sobretudo nas instituições escolares. Vem destacar, também, a necessidade da promoção do respeito à cultura afro- descendente. Dessa maneira, o Ministério da Educação tem a obrigação de implementar medidas que visem ao combate ao racismo e à construção de medidas que busquem a valorização do pertencimento racial dos alunos negros. 1.3.1 A RESOLUÇÃO 01/2004: Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana Em 17 de junho de 2004, é homologada a Resolução que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas pelas Instituições de ensino que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por Instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores. Em seus nove artigos, o parecer visa indicar elementos norteadores para a institucionalização das Dirtetrizes, tendo como prioridade promover a educação de cidadãos autônomos rumo à construção de uma sociedade mais justa e democrática. Essas medidas podem ser consideradas as primeiras iniciativas para minimização dos efeitos causados pelas relações discriminatórias, podendo contribuir concretamente para a transformação da sociedade em um espaço democrático e de respeito à diversidade. Vale salientar que, tratar a questão do negro de forma diferenciada, significa garantir à população negra um direito que lhe foi negado durante toda sua trajetória no Brasil, além de proporcionar a possibilidade de conhecer verdadeiramente sua história. 21 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes Entendemos que as diretrizes previstas na Resolução NNE/CP 1/2004 e na Lei 10.639/2003 constituem passos importantes para orientação de ações concretas e democráticas para a educação da diversidade racial no Brasil. 1.4 DISCRIMINAÇÃO, PRECONCEITO RACIAL E COMPORTAMENTO SOCIAL Guimarães (1999) nos esclarece que é necessário distinguir, como nas ciências sociais, as diferenças existentes entre dois conceitos que são os analíticos e os nativos. Neste sentido, tentaremos trabalhar, a partir dessa ótica, com a categoria analítica e a categoria nativa. Para compreendermos melhor a questão, seguiremos a concepção metodológica utilizada por Antônio Sergio Guimarães: Um conceito ou categoria analítica é o que permite a análise de um determinado conjunto de fenômenos, e faz sentido apenas no corpo de uma teoria. Quando falamos de conceito nativo, ao contrário, é porque estamos trabalhando com uma categoria que tem sentido no mundo prático, efetivo. Ou seja, possui um sentido histórico, um sentido específico para um determinado grupo humano. A verdade é que qualquer conceito, seja analítico, seja nativo, só faz sentido no contexto ou de uma teoria específica ou de um momento histórico específico. (GUIMARÃES, 1999, p. 2). Acreditamos que não existem conceitos que possuem uma legitimidade em todo lugar, desvinculados de um caráter histórico ou descontextualizado de uma teoria. Guimarães (1999) destaca que são pouquíssimos os conceitos que atravessam o tempo ou as teorias com o mesmo sentido. Sendo assim, estes são conceitos que adotaremos não só neste primeiro capítulo, porque são termos que devem ser compreendidos dentro de certos contextos, considerando os aspectos históricos, culturais e sociais que fazem parte do seu contexto. Considerando o supracitado, compreendemos que o preconceito consiste na formação de uma ideia ou conceito antecipadamente, sem um real conhecimento dos fatos. Os indivíduos que apresentam um comportamento preconceituoso possuem uma postura dogmática, e não estão abertos para um estudo aprofundado sobre a questão julgada (Bernd, 1994). Apresentam-se com um comportamento baseado no senso comum, sem que haja uma reflexão ou questionamento em relação ao que está posto na realidade como verdadeiro. O preconceito pode resultar na criação de estereótipos que Bernd (1994) conceitua como uma generalização apressada, algo que foi observado em um único indivíduo toma forma de uma verdade universal. Bernd acrescenta que, depois de sua cristalização, torna-se muito difícil sua desconstrução, um processo que pode levar décadas. 22 Módulo II Caderno Didático Outro aspecto a ser discutido é a questão do racismo, em que se faz necessário apresentar um pequeno histórico da noção de raça, e como foi usada em prol do capitalismo para legitimar a dominação e a exploração de um povo sobre outro. A partir dessa característica, utilizando como referência Bernd (1994), no momento em que discorre sobre a utilização do termo raça, ocorria unicamente no reino animal, desde o século XVI. Mas neste mesmo século a essência do que viria mais tarde a ser chamado de racismo já fazia parte da realidade da época, uma vez que a expansão marítima acarretou o conhecimento de novas civilizações, e a ideia da superioridade era utilizada pelos europeus que chegavam à América como uma forma de justificar a exploração dos povos nativos. Entretanto, essa essência é bem mais antiga, pois Aristóteles já defendia a superioridade grega em relação aos bárbaros que deveriam ser escravos (Bernd, 1994). Diante disso, pode-se concluir que o racismo manifestou-se ao longo da história, de diversas maneiras; na idade antiga, entre gregos e bárbaros; na idade média, entre cristãos e não cristãos, até fundamentar-se principalmente nas diferenças de cor. E, como acrescenta Hofbauer: A palavra "raça" surgiria como uma nova referência conceitual possível para pensar diferenças humanas. As alterações semânticas ocorridas no vocábulo ao longo dos séculos, contudo, são expressão de disputas intelectuais e ideológicas pela interpretação mais adequada da realidade e acompanhavam as grandes transformações econômicas, políticas e sociais do mundo ocidental. (Hofbauer, 1999, p. 93). Assim, a forma de diferenciação entre os seres humanos fazia emergir a ideia de superioridade e inferioridade entre os povos, tornando-se uma justificativa para que ocorresse a dominação de um grupo sobre outro. O termo raça se adaptou às diferentes épocas, de acordo com as necessidades políticas e econômicas de cada período, ao longo da história. O primeiro registro conhecido do termo raça para designar seres humanos em espécies foi utilizado por François Bernier, no século XVII, em artigo publicado em um jornal de Paris (GUIMARÃES, 2008). Mas é a partir do século XIX, com o surgimento das ideias evolucionistas, que a raça, no sentido de caracterizar os seres humanos, passa a influenciar vários campos de estudo, entre eles a biologia (SANTOS, 1980). Desse modo, a ciência buscava provas, estudando as particularidades físicas da hereditariedade e dos genes dos indivíduos, para afirmar a superioridade do homem branco europeu em relação aos demais (asiáticos, africanos, latino-americanos). A partir desse período, o que se convencionou chamar de raça estava relacionado a um conjunto de traços físicos como cor da pele, textura do cabelo, altura média dos indivíduos, além de outras características que foram internalizadas e popularizadas como pontos de identificação de grupos raciais. (GONÇALVES, 1985). 23 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes A teoria das raças possui dois equívocos, conforme é exposto por Guimarães(2008). O primeiro deles é o de colocar a distribuição de atributos humanos, como a capacidade intelectual, como sendo determinado por uma característica coletiva, definindo seu grau de capacidade e inteligência, visto que ela se distribui de uma forma homogênea em todos os indivíduos, independente da sua origem. O segundo equívoco apresentado por Guimarães (2008) era o de tentar explicar, pelo viés da biologia, as diferenças existentes entre determinados grupos, que, na verdade, são derivadas de uma série de características culturais, geográficas e cognitivas. O estudo das raças nunca teve como objetivo o conhecimento da diversidade humana, mas sim a reprodução de preconceitos e uma justificação para a dominação política e exploração econômica, que é resultado do etnocentrismo dos poderosos. Tais ideias serviram principalmente ao capitalismo, para legitimar a exploração dos países reconhecidos como desenvolvidos sobre os subdesenvolvidos, tendo como um dos principais difusores da ideia de superioridade e inferioridade das raças com bases na ciência, o chamado Racismo Científico, o Conde de Gobineau (1816– 1882). Gobineau produziu inúmeros ensaios sobre a desigualdade das raças, e reuniu seguidores em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. O racismo científico influenciou o surgimento do fascismo, na Itália, e do nazismo, na Alemanha, que ocasionou a morte de milhões de judeus (BERND, 1994). As pessoas que são vítimas de racismo carregam o que Goffman (1963) chama de estigma; no caso do negro, o estigma tribal encontra-se relacionado às características de raça, nação e religião. Ele pode se apresentar de um modo que a característica que o diferencia é totalmente perceptível, como a cor da pele. Desse modo, o autor supracitado complementa que o estigma é utilizado como referência de existência de um traço reconhecido pela sociedade negativa, mas não necessariamente caracteriza como algo negativo. Diante deste aspecto, os indivíduos discriminados tornam-se estigmatizados, uma vez que sua cor e outros traços que lhes são inerentes são vistos pela sociedade, muitas vezes, como negativos e não se encaixam nos padrões exigidos. Após a segunda Guerra Mundial, as ideias racistas passam a ser condenadas por todo o mundo devido aos horrores causados pelo ódio nazista. A Unesco passa a financiar pesquisas sociológicas em torno da temática, na tentativa de superar o uso que vinha sendo feito do conceito de raça. Percebeu-se que os grupos nacionais religiosos ou geográficos não constituem grupos de raça, desse modo, buscou-se uma substituição do conceito de raça para grupos étnicos. (HOFBAUER, 1999). Guimarães (1999) apresenta etnia como sendo um tipo de carisma ou estigma relacionado à identidade nacional, cultural ou regional dos indivíduos, considerando que, no Brasil, elas são importantes, no sentido de identificação dos negros e se apresentam de forma diferenciada por meio de 24 Módulo II Caderno Didático identidades regionais que foram estigmatizadas negativamente ou positivamente, como as ideias depreciativas em relação a uma determinada região (“paraíba” ou “nordestino”), ou às identidades reconhecidas como positivas e carismáticas ( “sulistas” ou “paulistas”). Em 1978, a UNESCO publica a Declaração sobre Raça e os Preconceitos Raciais, que condena o racismo e a discriminação que estão presentes na sociedade, abolindo a ideia de raças humanas e da superioridade e inferioridade racial. Diante desse aspecto, pode-se concordar com Bernd (1994), quando ela diz que as desigualdades entre os povos são decorrentes de inúmeras diferenças geográficas, climáticas, culturais e sociais, resultando em diversas formas de adaptação e vivências diferenciadas, e, conforme o que atualmente já foi comprovado pela ciência, as diferenças não são ocasionadas por uma inferioridade biológica. Resultam de uma postura etnocêntrica dos países europeus em considerar como o único modo possível de organização e de civilização o que é adotado por eles. O Racismo no Brasil possui uma particularidade que foi, durante muito tempo, aceita pela maioria da população. A crença na sua não existência foi perpetuada pelo surgimento, na década de 1930, do “mito da democracia racial”, conceito criado por Gilberto Freyre em sua obra Casa Grande e Senzala (1932) com grande repercussão em todo o país. Dessa forma, o racismo se expressou de forma velada, mascarado por uma ideia de que as três raças que formavam o país (índio, negro, branco) conviveram de forma harmônica, sem resistência ou conflitos perante as relações desiguais estabelecidas entre elas. Na década de 1940, surgiram os estudos de Donald Pierson, o qual pontua que os grupos seriam classes e que, desse modo, estariam abertos à mobilidade e ao trânsito entre si e, consequentemente, não seriam raças. Outro período importante para o estudo das relações raciais no Brasil ocorreu sob o patrocínio da Unesco de estudos que ocorreram principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. A chamada escola paulista de sociologia desenvolveu estudos que rompiam com a ideia dominante de relações igualitárias entre os grupos raciais. Acreditavam que, em áreas tradicionais, essas relações igualitárias se estabeleciam, mas em locais mais desenvolvidos economicamente, percebeu-se um acirramento da competição e desencadeou-se o preconceito racial. (GUIMARÃES, 1999). Mas, com a persistência do mito da democracia racial, predominou o pensamento de que o preconceito e a discriminação e as desigualdades que existiam no país não eram de ordem racial, mas, sim, de ordem econômica. Neste aspecto, é importante ressaltar que estes fatores, classe e raça, estão historicamente relacionados. A luta do negro configurou-se como uma luta de classe (Gonçalves, 1985), em busca de liberdade e de condições de emprego e de uma vida melhor, mas dizer que no Brasil só 25 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes existe a discriminação social é uma forma de negação de um problema inerente ao cotidiano, que é o preconceito contra os negros. Não por serem pobres, mas por serem de uma cor diferente, ocasionando, dentro de uma perspectiva histórica, um processo de marginalização e de inferioridade. Outro aspecto relevante, que contribuiu para a invisibilidade do racismo no Brasil, foi uma constante comparação com o tipo de racismo existente nos Estados Unidos, marcado por um contexto diferenciado, em um modelo que não poderia ser aplicado ao nosso país, uma categoria particular específica existente na realidade norte-americana elevada, a uma categoria universal (GUIMARÃES, 2008). Sendo assim, como pontua Cavalleiro (2006), o racismo no Brasil se identifica quando se percebem e se analisam as desigualdades gritantes entre os negros e os brancos e as consequências dessas desigualdades na vida de cada grupo. Neste sentido, percebem-se a marginalização do negro, do espaço que ele ocupa na sociedade, a falta de acesso a serviços básicos e a direitos como produtos do racismo existente no Brasil, que não possibilitou o acesso das populações que foram negligenciadas aos direitos básicos. O fator 1 cor é um forte determinante dos espaços que essa população vai ocupar na sociedade, e, de forma mais subjetiva, de compreensão do lugar dos diferentes grupos raciais em sociedade hierarquizada. Quando se acredita que o preconceito é de ordem social e, não, racial, desconsideram-se as relações que foram estabelecidas historicamente no Brasil de dominação do homem branco europeu sobre o negro e o índio, desvalorizando seus aspectos culturais e os inferiorizando, por meioda criação de um grande número de estereótipos negativos sobre sua cor, sua conduta, sua religiosidade e sua capacidade intelectual. Ao se acreditar na supremacia do preconceito social em detrimento do racial, exime-se a sociedade de qualquer culpa, pois se o racismo existe, não é devido à forma desigual de organização da sociedade, mas em decorrência da irracionalidade e ignorância de alguns indivíduos. Destarte, o fracasso alcançado e a permanência de um grande contingente de negros em uma condição de pobreza é algo que ocorre unicamente devido a sua falta de esforço e empenho e incapacidade, não da falta de condições que deveriam ser geradas pela sociedade (GONÇALVES, 1985). Quando essa ideia passa a ser introjetada nas pessoas, o racismo produz, nas suas próprias vítimas, o sentimento de não aceitação das suas características (SANTOS, 1980), e essa condição se manifestou no país por meio da ideologia do branqueamento, se um modo que os negros buscavam cada vez mais se aproximar dos padrões brancos, pois quanto mais próximo do modelo de homem branco mais fácil se tornava sua aceitação na sociedade. A partir daí, o negro busca, por meio da miscigenação com o branco, a ascensão social para seus descendentes, tornando-os mais claros. A concepção passada do branco como modelo de perfeição e de DICAS 1 Não se esquecendo de que cor é uma categoria nativa, portanto um marcador social. 26 Módulo II Caderno Didático superioridade, defendida por alguns intelectuais do final do século XIX e início do século XX, como Nina Rodrigues, foi colocada em prática por meio da política adotada pelo governo brasileiro de incentivo à imigração europeia. Os imigrantes vieram para trabalhar nas lavouras de café e embranquecer a população brasileira, tornando o país mais civilizado e mais desenvolvido. A ideia de raça foi perdendo sua razão biológica, pois já foi comprovado não haver tal diferença entre os seres humanos. Mesmo não se caracterizando mais com essa realidade concreta, essa idéia continua a persistir no imaginário da população, pois se configura como uma construção social, que possui uma função e uma realidade social (GUIMARÃES, 2008). É algo presente no pensamento da população como um demarcador de grupos e de suas identidades, pelas características físicas e de suas expressões culturais e religiosas. Destarte, podemos concluir que o racismo nasceu e foi utilizado pelos ideais do capitalismo para colocar como motivo do atraso dos países subdesenvolvidos sua inferioridade racial. Acrescentando que ele pode surgir de uma postura de defesa em relação ao diferente, que evolui para a criação de estereótipos, que são julgamentos de um comportamento observado em um único indivíduo, o qual passa a ser creditado como uma atitude de todos que pertencem àquele grupo, atitudes universais. (SANTOS, 1980). E, como pontua Guimarães (1999), pensamos que o significado de raça depende do local de onde falamos, se é de uma categoria do mundo real, ou seja, nativa, ou se estamos falando em termos científicos, de uma categoria analítica. Como citamos anteriormente, as posturas preconceituosas e racistas correspondem a uma atitude discriminatória. A discriminação é a confirmação, por ações do preconceito e do racismo, e pode se expressar em regimes separatistas e de forma legal, como o Apartheid, na África do Sul, ou apenas fazer parte do comportamento da população, como no Brasil. Portanto, é instrumento agressivo de afirmação de um grupo sobre outro (SANTOS, 1980) Ainda de acordo com Gonçalves (1985), em sua dissertação de mestrado, apresenta a discriminação como um movimento que se apresenta sob duas vertentes. Uma delas é a de que o processo discriminatório ocorre de forma violenta e agressiva, acarretando inúmeros prejuízos para os indivíduos discriminados. Na outra vertente, a discriminação se apresenta como um processo de valorização e conhecimento da diversidade. Gonçalves aponta a discriminação como uma categoria que possui um caráter contraditório, na medida em que pode se apresentar com uma dimensão positiva ou negativa, uma vez que penaliza, outra que reconhece as diferenças. Diante disso, o autor supracitado postula dois termos, que acredita provisoriamente sanar tal ambigüidade. O primeiro é a Discriminação 27 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes Diferencial, que reconhece as particularidades, para sua valorização, respeito e reconhecimento enquanto partes construtoras da totalidade; ou seja, ao se discriminar, pode-se reconhecer, mediante uma ação política, as especificidades de determinados grupos de minorias na sociedade. Esse primeiro aspecto, a Discriminação Diferencial, se apresenta de forma contrária ao que está posto na sociedade; torna-se um meio de luta dos grupos raciais minoritários, em busca do reconhecimento de suas particularidades, em busca de uma transformação (GONÇALVES, 1985). Atualmente, tal posicionamento pode ser identificado com as chamadas ações afirmativas, que são políticas que têm por objetivo promover o acesso de grupos estigmatizados, discriminados e marginalizados à educação, ao emprego, entre outros direitos, por meio de um tratamento preferencial ou com a utilização de cotas (GUIMARÃES, 2008). O segundo termo é a Discriminação não Diferencial. Como apresenta Gonçalves (1985), é aquele que se apresenta de forma negativa, que coloca um modelo social a ser seguido, excluindo aqueles que não se adaptam a ele. A exclusão é percebida de três formas: a violência de repressão; a violência pela transmissão de estereótipos negativos; e a exploração material e do trabalho. As relações discriminatórias se apresentam em diversos âmbitos da sociedade, inclusive na escola, onde o indivíduo não tem reconhecimento e o respeito de suas especificidades, que nunca foram valorizadas. A persistência do racismo, do preconceito e da discriminação na sociedade configura-se como algo extremamente negativo, pois afasta as minorias de alcançarem uma elevação nas condições de vida, de emprego e de educação, além de provocar nas suas vítimas o sentimento de negação dos seus traços característicos, e uma busca incessante de atingir os padrões socialmente mais aceitos. Um conjunto de práticas que subordina socialmente todos os não-brancos aos brancos, que concentram o poder. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 18 ed. Revista e ampliada. São Paulo, 1998. BRASIL. Lei nº 4.024/61 - Estabelece a Primeira Diretriz de Bases da Educação Nacional, 1961. BRASIL. Lei nº 5.692/71 - Estabelece a Segunda Diretriz de Bases da Educação Nacional, 1971. 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A primeira vem incluir no currículo oficial a obrigatoriedade da história da África, da cultura afro-brasileira e institucionaliza a data 20 de novembro como dia nacional da Consciência Negra no currículo escolar; a segunda altera a primeira e estabelece a obrigatoriedade da cultura indígena. Discute também a resolução 01/2004, que homologa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História, de Cultura Afro-brasileira e Africana. Paralelamente, aborda o racismo nos livros didáticos, o preconceito e a discriminação racial nos ambientes escolares e na sociedade. 30 Módulo II Caderno Didático 2UNIDADE 2HISTÓRICO DO MOVIMENTO NEGRO; DA DECLARAÇÃO DE DURBAN ATÉ A LEI 10.639/03; DÍVIDA SOCIAL DO BRASIL PARA COM O NEGO APÓS O 13 DE MAIO. 2.1 PRIMEIRAS PALAVRAS As formas de reação ao racismo são múltiplas. Entendemos a heterogeneidade dos Movimentos Sociais Negros brasileiros em face da multiplicidade de organizações negras, das diferentes maneiras de formular, de propor e de executar projetos de combate ao racismo, ou das diferentes perspectivas de agir politicamente na luta anti-racismo; no entanto, demonstraremos que há uma forma de combate ou um instrumento de luta contra o racismo que é singular entre os Movimentos Sociais Negros. Nesse sentido, para fins didáticos, inicialmente, dividimos o texto em dois períodos: a) escravista; e b) pós-escravista. De acordo com Fernandes (1972, p.71), entendemos que a luta contra a escravidão também era uma luta contra o racismo, visto que o preconceito e a discriminação raciais eram inerentes ao escravismo brasileiro. 2.1.1 As formas de luta no sistema escravista brasileiro Florestan Fernandes destaca que os escravos reagiam de diversas maneiras às formas de controle social e à ordem vigente, dentre as quais o desânimo no trabalho e os constantes ataques contra o senhor: O desmazelo, o descuido e o afrouxamento no trabalho; a tentativa de suicídio, de aborto ou de fuga; a rebelião e o ataque ao senhor ou aos seus prepostos. A documentação demonstra que tais eclosões de desajustamentos e conflitos sociais, inerentes ao próprio regime servil brasileiro, ocorreram abundantemente em São Paulo. Em consequência, o recurso aos castigos corporais, às torturas, ao tronco, aos capitães do mato e à repressão policial não foi aqui menos intenso que em outras regiões do país. (Bastide e Fernandes 1955, p. 89) A recusa ao trabalho escravo foi um dos primeiros atos de luta, não só contra a escravidão, mas também contra o racismo, pois uma das premissas básicas de negação do escravismo e ao racismo que lhe era inerente era a afirmação do cativo como sujeito humano, por meio do exercício de sua auto-deliberação, renegando o estatuto de “coisa” a ele Figura 6 Fonte: www.comciencia.br/reportagens/negros/02.shtml 31 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes atribuído pelos senhores brancos. Santos (2007) ressalta que as expectativas dos senhores com relação ao escravo eram negativas. Primeiro, porque imaginavam que o negro não era humano, conforme o racismo predicava; segundo, porque, ao longo da escravidão, sinais da luta contra o sistema escravista, não percebidos como tal, reforçavam os estigmas contra o escravo. Assim, as representações ou juízos de valor sobre o escravo negro eram estabelecidos de forma pejorativa, por meio de estereótipos que o degradavam ainda mais. A rebeldia coletiva foi outro tipo de luta contra o escravismo. Os escravos não só atacavam os senhores e os seus prepostos, conforme afirmou Florestan Fernandes (Bastide e Fernandes, 1955, p. 89), como também fugiam das fazendas e formavam quilombos (Moura, 1981a, p. 14), que eram uma espécie de sistema sócio-político alternativo ao escravismo brasileiro. Os quilombos, sem dúvida, foram uma das provas concretas de confronto mais contundente dos movimentos sócio-políticos organizados pelos negros no Brasil contra o sistema escravista/racista. Prova inconteste da luta de classes e de raças entre senhores e escravos, que se travou durante todo o período escravista brasileiro. Os quilombos eram “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”, segundo resposta do Rei de Portugal a consulta do Conselho Ultramarino datada de 02 de dezembro de 1740. De acordo com esta definição da Metrópole, o Brasil se converteu, praticamente, em um conjunto de quilombos, uns maiores, outros menores, mas todos significativos para a compreensão da nossa história social. O quilombo, conforme definição acima, por isto mesmo, não foi um fenômeno espontâneo.Pelo contrário (...) pontilhou todo o território brasileiro durante o período em que a escravidão existiu. Esses quilombos tinham vários tamanhos e se estruturavam de acordo com o seu número de habitantes. Os pequenos quilombos possuíam uma estrutura muito simples: eram grupos armados. As lideranças, por isto, surgiam no próprio ato da fuga e da sua organização. Os grandes, porém, já eram muito mais complexos. O de Palmares chegou a ter cerca de vinte mil habitantes e o de Campo Grande, em Minas Gerais, cerca de dez mil ou mais. Igual número tinha o Ambrósio, também naquele Estado (Moura, 1981, 1981p. 16-18). Ainda de acordo com Santos (2007) e Santos (2006), apesar de ter havido poucos quilombos de grande porte, eles são exemplos irrefutáveis de uma luta negra contundente contra o sistema escravista/racista brasileiro. Luta essa que não só se mostrou viável, como teve o condão de assustar o poder central do sistema escravista/racista brasileiro, em face de os quilombos estarem à margem desse sistema e não serem apenas um enclave negro isolado dentro da sociedade escravagista (Cf. Moura, 1981, 1981a). Relatos comprovam que havia não só articulações entre os 32 Módulo II Caderno Didático quilombolas e os escravos dos engenhos e das cidades, com o propósito de fazer rebeliões contra a escravidão, como também relacionamentos de diversos tipos, especialmente econômicos, entre os aquilombados e as populações das cidades vizinhas aos quilombos. Segundo Clóvis Moura, “o quilombo, como vemos, nada tinha de semelhante a um quisto, ou grupo fechado, mas pelo contrário, constituía-se em polo de resistência que fazia convergir para o seu centro os diversos níveis de descontentamento e opressão de uma sociedade que tinha como forma de trabalho fundamental a escravidão” (MOURA, 1981, p. 31). O mais famoso de todos os quilombos brasileiros, em função da sua extensão territorial, da sua magnitude populacional e, principalmente, do seu prolongado tempo de existência no século XVII – quase um século –, o quilombo dos Palmares era, sem dúvida, uma referência positiva de sociedade para os escravos e outros grupos sociais oprimidos pelo sistema escravista/racista (SANTOS, 2007). O principal objetivo militar dos quilombos mudava de acordo com o tamanho do quilombo – se grande, mais defensivo e, se pequeno, mais ofensivo. Os quilombos, porém, independentemente do tamanho, davam apoio militar às revoltas e rebeliões de escravos (bem como de negros e mestiços livres) contra a escravidão e a opressão racial. Havia um processo de interação dos quilombolas com outros grupos de escravos rebeldes, que causava pânico tanto no meio rural como no urbano (Cf. Moura, 1981, 1981a). Outra interação não menos importante entre quilombolas, escravos, negros e mestiços urbanos livres contra a opressão escravista e racista no Brasil ocorreu na cidade de Salvador, durante a revolta dos Malês, em 1835. O sistema escravista estava perdendo, cada vez mais, o controle disciplinar sobre os escravos ante a luta destes por liberdade, que recrudescia dia após dia. Consideramos a Revolta da Chibata como uma das primeiras manifestações públicas dos Movimentos Negros. Após a abolição da escravatura, esta foi a única revolta com baixas humanas que aconteceu no Brasil com forte conotação racial. Ainda que essa revolta não tenha sido exclusivamente fundamentada na raça, a luta contra a discriminação racial foi um dos principais fatores que condicionaram a Revolta da Chibata. 2.1.2 Movimentos Sociais Negros em São Paulo no século XX: a Imprensa 33 Educação para as Relações Étnico-Raciais UAB/Unimontes Negra e a Frente Negra Brasileira Para Nei Lopes (2004), na Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, o Movimento Negro é: Nome genérico dado, no Brasil, ao conjunto de entidades privadas integradas por afro-descendentes e empenhadas na luta pelos seus direitos de cidadania. Numa visão mais restrita, a expressão diz respeito às organizações nascidas a partir do final da década de 1960 e que se incluem dentro dessa denominação. As diferenças entre estas e as organizações anteriores seriam, entre outras, sua continuidade temporal e o fato de compartilharem uma agenda internacional, graças, hoje, à popularização das viagens aéreas e do progresso dos meios de comunicação, particularmente da Internet. Das confrarias à era getuliana: alguns do marcos iniciais do movimento negro brasileiro estão nas confrarias e sociedades de auxílio mútuo constituídas, ainda na época escravista, com a finalidade de propiciar a alforria de seus membros. Após a abolição, talvez a mais importante entre todas essas entidades tenha sido a Frente Negra Brasileira, fundada em São Paulo em 1931. Depois dela, entre 1935 e 1950 fundaram-se no Brasil, entre outras, as seguintes organizações negras: Movimento Brasileiro contra o Preconceito Racial (Rio, RJ, 1935); Associação dos Brasileiros de Cor (Santos, SP, 1938); Congresso Brasileiro do Negro (Rio, RJ, 1940); Cruzada Social e Cultural do Preto Brasileiro (São Paulo, SP, 1948); Teatro Experimental do Negro (Rio, RJ, 1944); União dos Homens de Cor (Rio, RJ, 1948); Justiça Social Cristã (Rio, RJ, 1950). Reestruturação: Na segunda metade dos anos de 1970, livre do Estado Novo, mas ainda na vigência da ditadura instaurada em 1964, o Movimento Negro começa a se reestruturar, de forma contínua, em algumas das principais cidades brasileiras. E se reorganiza certamente inspirado pelos movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos e pela independência dos países africanos. Surgem, então, em Campinas, SP, o Grupo Evolução, em 1971; e, no Rio de Janeiro, a partir de fóruns de debates promovidos na Universidade Cândido Mendes, a Sociedade de Intercâmbio Brasil-África, Sinba, e o Instituto de Pesquisa das Culturas Negras, IPCN, ambos em 1975. O final da década vê nascerem, na cidade de São Paulo, o Centro de Cultura e Arte negra, Cecan, e a Associação Casa de Arte de Cultura Afro-Brasileira, Acacab, fundados em 1977. E, no ano seguinte, em que a cidade paulista de Araraquara sedia o Feconezu, Festival Comunitário Negro Zumbi, nasce o MNU, Movimento Negro Unificado. A partir daí, surgem, em todo o Brasil, inúmeras entidades, de vida efêmera ou não, algumas delas verbatizadas nesta obra. Movimento Negro e pesquisa acadêmica: No final de 2002, Carlos Alberto Medeiros e Ivanir dos Santos, em artigo jornalístico (O Globo, 31-12-2002), chamavam a atenção para o fato de que as denúncias do Movimento Negro já se respaldavam 34 Módulo II Caderno Didático numa nova vertente da pesquisa acadêmica sobre relações raciais no Brasil e que, por meio de indivíduos qualificados do ponto de vista acadêmico, os negros já se assumiam como agentes do discurso anti-racista, não necessitando mais de intérpretes ou intermediários (Lopes, 2004, p.455-456). Percebe-se que Lopes (2004) define o Movimento Negro como um conjunto de entidades privadas, integradas por afro-descendentes e empenhadas na luta pelos seus direitos de cidadania. Embora não esteja explícito aí, entende-se por entidades negras as organizações com regimento interno, estatuto, carta de princípio, entre outros documentos que formalizam essas instituições, conforme, por exemplo, o Movimento Negro Unificado (MNU), surgido em 1978. Já de acordo com o Movimento Negro Unificado: Compreende-se por Movimento Negro aqui o conjunto de iniciativas de resistência e de produção cultural e de ação política explícita de combate ao racismo, que manifesta em diferentes instâncias de atuação, com diferentes
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