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ESTUDOS MIGRATÓRIOS AULA 1 Profª Ludmila Andrzejewski Culpi 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, você estudará os elementos conceituais e teóricos relacionados à questão migratória. Primeiramente, você entenderá as definições dos termos mais centrais como migrante, emigrante, refugiado e deslocado. Depois, investigará os pressupostos das teorias que buscaram entender o fenômeno migratório, entre os quais se destacam a corrente sociológica e a econômica. Para finalizar, demonstraremos como as teorias de Relações Internacionais interpretam o movimento de pessoas ao redor do mundo. TEMA 1 – CONCEITOS CENTRAIS DE MIGRAÇÃO INTERNACIONAL Em primeiro lugar, é importante que você entenda o conceito do que vamos estudar, a migração, cuja origem é latina e significa “a passagem de um lugar para outro” (Baraldi, 2014, p. 16). Dentro das relações internacionais, o termo migração é definido pela Organização Internacional de Migração – OIM (2010) “como todo aquele movimento de pessoas entre as fronteiras de dois Estados, incluindo os refugiados, deslocados por questões ambientais, os apátridas, que são aqueles sem nacionalidade e os migrantes por razões econômicas” (Culpi, 2017, p. 11). Importante diferenciar imigrante de emigrante, que tem origem nos estudos sobre geografia. Nesse sentido, a imigração refere-se à entrada de cidadãos de outros países em seu território nacional, enquanto a emigração representa a saída dos cidadãos de uma nação para outros Estados. O termo estrangeiro tem sido alvo de críticas, porque significa “aquele que é estranho”, “que não pertence ou que se considera como não pertencente a uma região, classe ou meio; forasteiro, ádvena, estranho”. Portanto, esse conceito entende o migrante como alguém que não é bem-vindo, o que criminaliza a migração e obstaculiza a integração desse indivíduo à comunidade de destino. Importante que você entenda que as fronteiras foram criações humanas e, na origem, o ser humano era nômade, migrava em busca de comida, o que torna a nossa essência migrante. Após a revolução agrícola e pastoril, os indivíduos passaram a se fixar nos lugares e deixaram de se deslocar, tornando- se sedentários. Dessa forma, o ser humano é um ser migrante em sua origem e a atitude de se movimentar entre as fronteiras não representa um crime. 3 Uma distinção importante é a de migração interna e internacional: a primeira ocorre dentro do território de uma nação; e a segunda, entre as fronteiras de diferentes Estados. Existe ainda a diferenciação entre migração espontânea, que ocorre sem uma motivação, e migração forçada, que está associada a um movimento resultante de fator de coação, como uma ameaça à vida em caso de conflitos ou perseguição étnica e religiosa (OIM, 2010). Existem também os deslocados ambientais, que se deslocam devido a desastres ambientais, como terremotos ou ciclones, ou mudanças climáticas. Há ainda a categoria do migrante qualificado, que é o com altos níveis de escolaridade e profissionalização e, em geral, bem-vindo nos países, e do não qualificado, que é aquele trabalhador com níveis de escolaridade mais baixos e que não recebe tratamento preferencial. Há o migrante documentado, que possui visto, autorização ou residência, e o indocumentado, que por não estar dentro das normas jurídicas do país, é considerado um transgressor da lei. Uma definição importante, de um movimento crescente, é a de refugiados, que é aquele que recebe esse status de proteção internacional no país que o abriga por escapar de conflitos ou cenários de ameaça à sua vida e de seus familiares. Existem, ainda, os imigrantes humanitários, “que são aqueles que não se enquadram em nenhuma categoria de proteção como a dos refugiados, mas tiveram seus direitos desrespeitados, como no caso do tráfico de pessoas” (Culpi, 2017, p. 15). Já os apátridas são os indivíduos que não têm a nacionalidade reconhecida por nenhum Estado. Essas categorias serão explicadas com mais detalhes na aula 5. TEMA 2 – DEFINIÇÃO DE POLÍTICA MIGRATÓRIA A política migratória faz parte das políticas públicas e é vista como “um conjunto de ações do Estado com a finalidade de regular a entrada, a permanência e a saída de não nacionais do território de um Estado” (Baraldi, 2014, p. 9). Sendo assim, a política migratória engloba relações de poder (Baraldi, 2014). De Haas (2011, p. 25, tradução nossa) traz outra definição de política migratória, como as “leis, regras, medidas e práticas implementadas pelos Estados-nacionais com o objetivo determinado de influenciar o volume, a origem e a composição interna dos fluxos migratórios”. 4 Em geral, a política migratória busca contemplar os interesses do Estado- nação, sem considerar os desejos e necessidades da população que migra. Contudo, de todo modo, as políticas migratórias incorporam demandas da sociedade civil organizada, como associações protetoras dos interesses dos migrantes. A política migratória pode ser separada em quatro diferentes categorias: a) política imigratória, referente aos imigrantes, isto é, indivíduos que advêm de outros países, como refugiados e apátridas; b) política emigratória, relativa aos emigrantes, que são nacionais que se dirigem a outro país; c) política de integração, naturalização e retorno, referente à incorporação plena dos imigrantes no país de destino; e d) combate à migração irregular e ao tráfico humano. (Culpi, 2017, p. 49) A política imigratória, associada ao ingresso de imigrantes de países terceiros em território nacional, tem sido relacionada à lógica da securitização, ou seja, de entender os imigrantes como criminosos e inimigos da nação, devido ao aumento de casos de terrorismo. Além disso, há um discurso crescente anti- imigração, xenofóbico, que sustenta que os imigrantes roubam os empregos dos nacionais e são responsáveis pelos aumentos dos níveis de violência dos países, o que é uma visão generalizante e preconceituosa. Deve-se ter em conta que a maioria dos migrantes se desloca por razões humanitárias, ou seja, sua vida está correndo perigo se permanecer em seu país de origem, e é dever dos demais Estados receber essa população e integrá-la à nova comunidade (Siciliano, 2013). TEMA 3 – TEORIAS SOCIOLÓGICAS DAS MIGRAÇÕES O tema das migrações sempre representou uma temática que gera debates acalorados, pois existem diversas explicações sobre as causas do fluxo de pessoas. No final do século XIX e começo do século XX, os sociólogos tinham uma preocupação menor com o tema, mas, em geral, entendiam o fenômeno como resultante do progresso capitalista (Sassaki; Assis, 2000). Os autores clássicos da Sociologia, que de alguma maneira estudaram as migrações, foram Malthus, Marx, Weber e Durkheim. Para Malthus, a migração é fruto do excesso populacional, sendo que este defendia que o crescimento da população deveria ser regulado. Malthus partia da ideia de que a população crescia numa proporção mais alta que os alimentos, o que provocaria fome e miséria. Para evitar essa situação, seria necessário controlar a população, o que 5 deveria ser realizado pelo Estado, mediante políticas de controle da natalidade, como a do filho único ou a proliferação de pragas (esta medida bastante criticada). Conforme Malthus, “as migrações ocorriam por busca de novas oportunidades e fuga dos ciclos de miséria” (Culpi, 2017, p. 18). Marx ia na contramão do pensamento de Malthus, pois considerava que havia saída para a pobreza, pois esta era resultado da exploração da força de trabalho por parte da burguesia, a qual expandia seus lucros aumentando a jornada de trabalho do proletariado, mas não os salários. O autor defendia que o governo incentiva a migração dos camponeses para as cidades, pois o Estado é uma ferramenta de manutenção do capitalismo. Por sua vez,Durkheim sustentava que a migração é uma das razões de rompimento das comunidades tradicionais, que estavam ligadas entre si por “laços de solidariedade mecânica”. Segundo o autor, essa solidariedade mecânica desaparecia e era substituída por uma solidariedade orgânica, baseada na divisão social de trabalho e na interdependência econômica, causando a extinção dos sistemas de valores compartilhados. Por fim, para Weber, a migração, “era um fator incidental, criando novas classes sociais e grupos de status étnicos” (Sassaki; Assis, 2000, p. 1). As teorias sociológicas mais contemporâneas colocam ênfase nas instituições e nas redes, que asseguram maior mobilidade às pessoas. Essas visões entendem que alguns agentes coletivos incentivam o deslocamento de pessoas. De acordo com a teoria das redes migratórias, os migrantes não realizam seu ato de modo isolado, mas inseridos em um contexto de redes que fornecem apoio à decisão de para onde irão. TEMA 4 – TEORIAS ECONÔMICAS DAS MIGRAÇÕES Algumas teorias buscam entender o fenômeno migratório pelas motivações econômicas envolvidas, como a busca por melhor qualidade de vida. O modelo mais conhecido entre essas teorias é o modelo push-pull, de Ravenstein. Segundo Ravenstein, a migração ocorre por um desejo do indivíduo de melhorar a sua qualidade de vida e de seus familiares. Portanto, a tomada de decisão de onde ir leva em consideração elementos do país de origem e do país de destino. Após realizar essa análise, o migrante define para onde se deslocará, 6 com base nos fatores de repulsão do seu Estado de origem e fatores de atração do Estado de destino (Peixoto, 2004). Assim, os movimentos migratórios para o modelo push-pull são explicados pela combinação entre os fatores de atração e repulsão, os obstáculos aos deslocamentos, como a distância, e fatores de ordem pessoal. Nesse sentido, a eleição do local está relacionada ao cálculo de custos, ou seja, quando os custos da mobilidade forem menores do que os da permanência ocorrerá o deslocamento (Peixoto, 2004). Outra importante teoria econômica das migrações é da segmentação, que argumenta que existe uma “complementaridade entre o imigrante e o nativo quanto à locação de mercado de trabalho” (Sassaki; Assis, 2000, p. 8). Para essa visão, os dois grupos de trabalhadores (nacionais e estrangeiros) estão em busca de diferentes tipos de trabalho. Nesse sentido, os nativos buscam emprego no mercado primário, que exige qualificação, e os migrantes, no secundário, que oferece salários menores, requerendo menos qualificação. Portanto, esses autores da segmentação argumentam que não há uma competição por empregos entre imigrantes e nacionais. A teoria do capital humano tem um pensamento contrário ao da teoria da segmentação, pois defende que o capital humano pode representar um recurso econômico e as migrações de pessoas qualificadas devem ser priorizadas (Guimarães, 2010, p. 20). Essa visão destaca que os migrantes indocumentados são acusados de concorrer com os trabalhadores nacionais, o que gera uma situação de confronto entre ambos. Essa teoria defende que as políticas governamentais, para evitar a situação de precariedade no mercado de trabalho, devem dar preferência à entrada de imigrantes mais qualificados. TEMA 5 – TEORIAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E AS MIGRAÇÕES As teorias clássicas das RI buscavam desvendar as causas da guerra e da paz, com ênfase Estado-cêntrica. Assim, as teorias clássicas estudam a migração pela perspectiva dos Estados, sem destacar os direitos dos imigrantes e o seu papel na sociedade. O realismo visualiza a migração como algo que deve estar submetido aos interesses nacionais, podendo permitir a restrição ou a promoção da migração conforme os interesses do Estado. Já o liberalismo prevê que a cooperação 7 permitiria a paz, inclusive na temática migratória. Porém, verifica-se que a temática da migração não era uma preocupação central para os clássicos. Novas teorias surgiram na década de 1980, revisando as teorias clássicas, como a teoria da interdependência complexa, que defende que a migração é um tema central, assim como os direitos humanos e o meio- ambiente, pois existe uma diversidade de temas na agenda internacional. A Escola de Copenhague, que está dentro da visão neorrealista, determina que os Estados tendem a securitizar temas, isto é, tratá-los como uma ameaça de segurança. Dessa forma, os Estados restringem as migrações, com receio de que possam diversificar as identidades da nação e possibilitar conflitos e ameaças à segurança interna (Silva; Culpi, 2017). O construtivismo é uma visão que analisa as identidades e as ideias dos atores. Para essa perspectiva, as migrações seriam um movimento resultado das múltiplas identidades transpostas. Cada Estado forma a sua imagem em relação à recepção de migrantes ou ao controle da entrada dos estrangeiros, como é o caso dos EUA, que limitam a entrada de migrantes ou de refugiados a partir da sua própria identidade (Morais, 2017). A teoria do Sistema mundial moderno, de Wallerstein, verifica um mundo dividido em três categorias: centro, periferia e semiperiferia. Para essa visão, as assimetrias entre periferia e centro explicam as migrações. A migração se torna um resultado inevitável da expansão do capitalismo (Nolasco, 2016). A teoria da Escola Inglesa centra-se na lógica de ordem e justiça em meio à anarquia, que pode ser superada com base em normas e nas instituições internacionais. Portanto, essa teoria defende que a cooperação e o estabelecimento de normas e regras e instituições, como a OIM e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), garantem a proteção dos migrantes e refugiados (Nolasco, 2016). NA PRÁTICA NASCIMENTO, T. C. O dilema dos refugiados na Itália: um estudo de caso a partir de protection by persuasion e da escola inglesa das relações internacionais. Conjuntura Internacional, v. 10, n. 2, 2013. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/conjuntura/article/view/5706/5564>. A- cesso em: 18 set. 2018. 8 Leia o artigo e identifique como a teoria da Escola Inglesa analisa a questão dos refugiados na Itália, apontando quais pressupostos são destacados pelo autor para a interpretação do fenômeno migratório. FINALIZANDO Nesta aula, foram apresentados os primeiros conceitos e teorias sobre a migração. No primeiro tópico, foram apontadas as diferenças entre emigração e imigração e as definições das diferentes categorias de migração, assim como os deslocados ambientais, refugiados e apátridas. Na segunda parte, foi destacada a definição de política migratória, assim como ressaltados os elementos da política migratória: a política imigratória, a política emigratória, a política de combate ao tráfico ilegal de migrantes e a política de integração dos migrantes à comunidade de destino. No terceiro tema, foram apresentadas as teorias sociológicas clássicas e sua interpretação sobre as migrações, na figura de Malthus, Marx, Weber e Durkheim, e as teorias contemporâneas das migrações, que focam as redes e as instituições. Na quarta parte, foram esmiuçadas as teorias econômicas das migrações, com ênfase sobre a teoria push-pull de Ravenstein, a teoria da segmentação e a teoria do capital humano. Por fim, você conheceu a forma como as teorias clássicas das RI (realismo e liberalismo), interpretam as migrações e as contribuições das teorias contemporâneas sobre o tema das migrações (Escola Inglesa, Escola de Copenhague, sistema mundo moderno e construtivismo). 9 REFERÊNCIAS BARALDI, C. Migrações internacionais, Direitos Humanos e cidadania sul- americana: o prisma do Brasil e da Integração Sul-Americana. Tese (Doutorado em Relações Internacionais) – Universidade de São Paulo, 2014. CULPI, L. A. Mercosul e políticas migratórias:processo de transferência de políticas públicas migratórias pelas instituições do Mercosul ao Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai (1991-2016). Tese (Doutorado em Políticas Públicas) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2017. DE HAAS, H. The determinants of international migration: conceptualizing policy origin and destination effects. Working Paper Series, London, v. 32, abr. 2011. GUIMARÃES, J. L. C. Abordagens teóricas sobre migrações. 2010. Disponível em: <https://www.webartigos.com/artigos/abordagens-teoricas-sobre-migracoes/ 47805>. Acesso em: 17 set. 2018. MORAIS, R. J. O refúgio no sistema internacional. Uma análise da experiência do “novo” refugiado nas Relações Internacionais. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 6., Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2017. NOLASCO, C. Migrações internacionais: conceitos, tipologia e teorias. Oficina do CES, n. 434, mar. 2016. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/publicacoes/ oficina/ficheiros/14615_Oficina_434.pdf>. Acesso em: 17 set. 2018. OIM – ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE MIGRAÇÕES. Glossário dobre Migrações. 2010. Disponível em: <http://publications.iom.int/system/files/pdf/ iml22.pdf>. Acesso em: 17 set. 2018. PEIXOTO, J. As teorias explicativas das migrações: teorias micro e macro sociológicas. SOCIUS working papers, Lisboa, 2004. SASSAKI, E; ASSIS, G. Teoria das Migrações Internacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABEP, 12, Caxambu. Anais..., Caxambu, 2000. Disponível em: <http://www.pucsp.br/projetocenarios/downloads/CDH/Teoria_das_Migracoes_In ternacionais.pdf>. Acesso em: 17 set. 2018. SICILIANO, A. A política migratória brasileira: limites e desafios. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade de São Paulo, 2013. 10 SILVA, C. C. V.; CULPI, L. A. Teoria de Relações Internacionais: origens e desenvolvimento. Curitiba: InterSaberes, 2017.
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