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1 Camila Carminate – 5 FASE Doenças Desmielinizantes INTRODUÇÃO A esclerose múltipla (EM) e outras doenças desmielinizantes do sistema nervoso central (SNC) são caracterizadas pela presença de um processo inflamatório autoimune associado a lesões focais na bainha de mielina (desmielinização). Em razão da característica clínica de promoverem a instalação de sintomas neurológicos agudos chamados de surtos ou ataques, que podem deixar sequelas e ocorrer de forma recorrente, essas doenças devem ser suspeitadas e precocemente diagnosticadas. A EM é a mais frequente desse heterogênico grupo de doenças, e a sua prevalência vem aumentando em nível mundial. Os estudos feitos no Brasil indicam uma prevalência moderada em relação ao mundo, em torno de 15 a20/10 habitantes. Trata-se de uma doença que acomete adultos jovens, sendo um importante causa de incapacidade neurológica não traumática nessa faixa etária. A EM possui um componente neurodegenerativo, além do quadro inflamatório crônico do SNC, o que parece ser pouco observado em outras doenças desmielinizantes. Outras doenças englobadas nesse grupo são: neuromielite óptica (NMO) e encefalomielite aguda disseminada. A NMO é relativamente comum na população brasileira, caracterizada por ataques de neurite óptica grave e mielite extensa. A identificação do autoanticorpo contra aquaporina-4 na maioria dos pacientes com NMO permitiu uma melhor segregação dessa doença, que chegou previamente a ser considerada um subtipo da EM. A outra doença desse grupo é a ADEM, que afeta predominantemente pacientes pediátricos ou jovens com quadro inflamatório cerebral intenso, mas geralmente possui uma evolução monofásica. Com alguma frequência, o inicio da ADEM vem associado a quadros pós-infecciosos virais e/ou vacinações, mas os mecanismos etiopatogênicos envolvidos ainda estilo pouco esclarecidos. ESCLEROSE MÚLTIPLA A EM é uma doença inflamatória crônica desmielinizante do SNC, que se inicia comumente em adultos jovens e acomete cerca de duas a três vezes mais pacientes do sexo feminino, começando entre a segunda e terceira décadas de vida. O diagnóstico é feito baseado em achados clínicos e de imagem por ressonância magnética. A forma clinica mais comum é a EM remitente-recorrente (EM-RR). A exclusão de outras doenças que podem mimetizar a EM é mandatória e deve ser feita de forma minuciosa, induzindo a realização de exames laboratoriais de sangue e liquido cefalorraquidiano (LCR) com pesquisas de marcadores infecciosos (p. ex.., neurosifilis, HTIV -1 e HN) e bandas oligoclonais. O tratamento na fase aguda tem o objetivo de reduzir o processo inflamatório no SNC e visa ao controle dos déficits neurológicos desenvolvidos durante o surto da doença; já o tratamento crónico tem por objetivo reduzir o número de surtos e a progressão da incapacidade neurológica. FISIOPATOLOGIA A causa exata da EM ainda não é completamente conhecida, mas existem evidências consistentes de um processo inflamatório crónico desmielinizante e processos neurodegenerativos que resultam em perda neuronal. Esses dois processos fisiopatológicos interdependentes (inflamação/degeneração do SNC) provavelmente coexistem na maioria dos pacientes com. Com a predominância variando de acordo com a fase ou fenótipo da doença. A inflamação no SNC causa uma destruição focal da bainha de mielina denominada desmielinização, provocando o 2 Camila Carminate – 5 FASE aparecimento de sintomas neurológicos agudos nos "surtos” da doença, que variam de acordo com a região cerebral que foi acometida. Os processos neurodegenerativos podem causar distúrbios cognitivos e/ou aumento lento e progressivo da incapacidade neurológica. Fatores de risco genéticos O envolvimento de fatores genéticos na EM se origina da observação de uma variação na prevalência entre diferentes etnias. A prevalência extremamente elevada em algumas etnias originárias do norte europeu e baixa frequência em grupos étnicos com origem na África e Ásia. A presença de casos de EM familiar, com uma concordância em tomo de 20 a 40% dos gêmeos monozigóticos e de 2 a 5% nos heterozigóticos, também sugere um substrato genético, mas a doença não parece ter traços de transmissão mendeliana. Grande parte dos estudos para busca de um gene causador da doença não obteve resultados significativos, o que indica que a EM pode estar ligada a interações genéticas polimórficas e complexas com o meio ambiente, e cada gene exerce apenas um pequeno efeito no risco de desenvolver a doença. No entanto, a região do complexo de histocompatibilidade principal localizado no cromossomo 6 parece concentrar uma quantidade significativa de genes que aumentam a suscetibilidade à doença, como alguns haplótipos de antígenos leucocitários humanos classe, e possuem papel em respostas autoimunes mediadas por células T. Mais recentemente, os estudos de mapeamento do genoma em pacientes com EM encontraram associação com polimorfismos cm receptores de interleucinas, como IL-2R (CD25), IL-4R e IL-7R-aJfa (CDl27), como quimiocinas e proteína quinase e alfa, sugerindo a participação de muitas moléculas envolvidas na regulação do sistema imune e na manutenção celular. Fatores de risco ambientais A prevalência da EM possui uma distribuição geográfica que indica uma influência da latitude, e os fatores associados com a baixa exposição solar durante alguns meses e baixos níveis de vitamina D parecem representar um componente de risco para desenvolver a doença. O acometimento mais frequente de mulheres sugere que hormônios sexuais podem influenciar no risco de desenvolver EM ou na sua forma clínica. Muitos agentes infecciosos têm sido pesquisados na EM, como vírus, bactérias e parasitas, sem grandes evidências de associação com o risco de desenvolver EM, com alguma exceção a estudos que avaliaram a prevalência da infecção pelo vírus Epstein-Barr, especialmente na faixa pediátrica. Outro fator ambiental que aumenta o risco de desenvolver EM é o tabagismo, sendo esse risco independente de outros fatores com risco relativo estimado em torno de 1,3 a 1,8 vez em fumantes do que em não fumantes. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO A EM é uma doença heterogênea com manifestações e curso clínico muito variáveis. Uma vez que não existe nenhuma prova ou biomarcador que pernúta estabelecer o diagnóstico de EM, assim se utilizam uma série de critérios diagnósticos que o apoiam e que se fundamentam na demonstração de lesões que afetam o SNC, disseminadas no tempo e no espaço pela 3 Camila Carminate – 5 FASE IRM do encéfalo e medula espinal, e na exclusão de outras doenças neurológicas que podem se apresentar de maneira similar à EM. Os critérios diagnósticos utilizados atualmente são provenientes dos critérios revisados de McDonald para EM. FORMAS CLÍNICAS A EM possui urna apresentação heterogênea e pode ser dividida em algumas formas clinicas que estão descritas a seguir: Síndrome Clinica Isolada A CIS é definida como o primeiro episódio clinico sugestivo de um quadro inflamatório desmielinizante que pode ser a primeira manifestação clínica de EM, mas ainda não preenche os critérios para disseminação no tempo. Cerca de 85% dos pacientes com CIS convertem para EM. A sintomatologia clinica pode ser qualquer uma das observadas na EM, mas os pacientes frequentemente apresentam neurite óptica, lesões do tronco cerebral ou medula espinhal. A visualização de lesões desmielinizantes na IRM contribui para confirmar o quadro clinico, e pacientes com alto risco de conversão para EM podem iniciar o tratamento nessa fase. Uma entidade ainda pouco entendida é a síndrome radiológica isolada. Os pacientes com RIS possuem lesões sugestivas de doença desmielinizantena IRM, encontradas ao realizar o exame por outro motivo, mas não tem nenhum sintoma ou sinal clinico sugestivo de doença desmielinizante. Alguns pacientes com RIS apresentam sintomas sugestivos de desmielinização depois de alguns meses, mas o risco de conversão para EM deverá ser estabelecido em estudos futuros. EM recorrente-remitente (EM-RR) A grande maioria dos pacientes com EM está concentrada na forma EM-RR, caracterizada por períodos de exacerbação da doença (surtos) e períodos de relativa estabilidade clínica. A IRM tipicamente demonstra lesões periventriculares que possuem formas bastante peculiares conhecidas como dedos de Dawson. Entretanto, IRM de rotina nesses pacientes frequentemente demonstram atividade de doença com novas lesões, algumas podendo ter captação de contraste denotando lesões ativas. Dessa forma, a doença pode ter atividade restrita a IRM ou sintomas clínicos se uma nova lesão acomete uma região cerebral eloquente. EM secundariamente progressiva (EM-SP) Após alguns anos de doença (10-15 anos), uma parcela dos pacientes com EM-RR evoluiu para a forma EM-SPW6, caracterizada por piora lenta e progressiva da incapacidade neurológica sem a presença de um número grande de surtos. Na EM-SP, o aumento da incapacidade é acompanhada de uma atrofia cerebral vista na IRM, sem necessariamente ter um aumento significativo de lesões desmielinizantes, sugerindo que a incapacidade se correlaciona com uma perda neuronal acima da compensação obtida pe.la plasticidade cerebral. 4 Camila Carminate – 5 FASE EM primariamente progressiva (EM-PP) Uma parcela pequena dos pacientes (< 10%) com EM possui a forma EM-PP, caracterizada por progressão da EM sem a presença evidente de surtos. Existem algumas discussões em relação à fisiopatologia da EM-PP, e é aconselhável uma extenuante investigação desses pacientes antes de firmar o diagnóstico. Muito embora os critérios diagnósticos atuais de EM não exijam a investigação Liquóricos, a presença de bandas oligoclonais somente no LCR e o índice de lgG são importantes para suportar o diagnóstico de EM-PP. TRATAMENTO A alteração neurológica deve ter duração maior que 24 horas e preceder um período de estabilidade clínica de pelo menos 30 dias, na ausência de febre ou infecção, para ser considerada um novo surto. O tratamento agudo é feito na maioria dos pacientes com EM com pulsos de altas doses de corticosteroides, sem a necessidade de plasmaférese. Em casos muito selecionados, como pacientes gestantes, pode-se optar por tratamento com imunoglobulina humana. Após o controle da fase aguda, tratamentos imunomoduladores ou drogas modificadoras da doença devem ser considerados para pacientes com doença ativa. As opções terapêuticas têm se multiplicado nos últimos anos, com opções de anticorpos monodonais e medicamentos orais, mas o conhecimento acerca desses novos medicamentos ainda é limitado, se comparado aos imunomoduladores de primeira linha que estão aprovados há mais de 15 anos. No entanto, o uso desses tratamentos para formas progressivas ainda não está aprovado ou mostra-se pouco eficaz. Medicamentos, que tem interferon-beta, pode-se citar o dimetil-fumarato via oral 240 mg duas vezes ao dia, daclizumabe (anti-CD25) 150 mg ou 300 mg via subcutânea a cada 4 semanas, ocrelizumabe (anti-CD20 humanizado) 600 mg ou 2.000 mg por via intravenosa a cada 6 meses e o laquinimode 0,6 mg via oral uma vez ao dia. NEUROMÍELIE ÓPTICA A NMO, ou doença de Devic, é urna doença inflamatória do SNC que afeta preferencialmente os nervos ópticos e a medula espinhal. As formas limitadas da doença (p.ex: somente mielite ou neurite óptica) são conhecidas por espectro da NMO (ENMO). A maioria dos casos de NMO possui recorrência dos ataques, forte predominância do sexo feminino (1 homem: 9 mulheres), e a idade de início gira em tomo da terceira e quarta década de vida. Os episódios de neurite óptica podem ser unilaterais ou bilaterais e normalmente apresentam comprometimento mais grave que as neurites ópticas da EM. Os ataques de mielites muitas vezes causam alterações sensoriais, motoras e esfincterianas graves por afetarem grande área transversal da medula espinhal (mielite transversa). Além disso, pacientes com NMO possuem frequentemente lesões no tronco encefálico que se caracterizam por náuseas, vômitos e soluços incoercíveis que permanecem por mais de 48 horas. Já o envolvimento de outras estruturas do SNC, como diencéfalo e hemisférios cerebrais, ocorre com menor frequência. Apesar da gravidade dos ataques, a transição para uma fase de progressão secundária é incomum. Na IRM observam-se lesões diferentes das lesões sugestiva de EM, tanto em configuração quanto em localização. As lesões na NMO estão concentradas nas regiões hipotalâmicas, tronco cerebral e periependimárias, nas quais existe uma alta expressão de oquaporina-4. Durante os ataques de mielite aguda, a IRM da medula espinhal mostra lesões extensas que afetam três ou mais segmentos vertebrais nos cortes longitudinais. Essas lesões são hiperintensas nas sequências T2/FLA1R, com presença de edema, e podem mostrar realce após a administração de gadolínio. A análise do LCR durante um surto pode mostrar pleocítose com a presença de neutrófilos e aumento da proteína total, 5 Camila Carminate – 5 FASE mas apenas 10 a 20% dos casos possuem positividade para bandas oligodonais por isoeletrofocalização, achados que contrastam com os encontrados na EM. Em 2004, foi identificado o anticorpo anti-aquaporina-4 (AQP4), inicialmente chamado de NMO-lgG, em pacientes com NMO ou alto risco para a doença. Cerca de 80 a 90% dos pacientes com NMO e mais da metade dos pacientes com ENMO são positivos para anti- AQP4. A sensibilidade do teste para o anti·AQP4 varia de acordo com a técnica utilizada, com uma sensibilidade menor por imunofluorescência indireta no tecido cerebral (método inicial) ou ELISA e mais alta quando se utilizam células transfectadas com AQP4 humana. Alem de ser uma ferramenta útil no diagnóstico diferencial. o anti·AQP4 ajuda a identificar precocemente pacientes que não possuem histórico de neurite óptica bilateral simultânea, neurite óptica recorrente ou mielite longitudinal extensa, como formas frustras de mielite, primeiro episódio de neurite óptica unilateral e pacientes com doença restrita ao cérebro ou tronco encefálico. Apesar dos avanços importantes no reconhecimento do ENMO e de evidências da patogenicidade do antí-·AQP4 em modelos experimentais, uma parcela dos pacientes com ENMO é negativa para anti-AQP4 a despeito do uso das melhores técnicas para detecção do anticorpo. Pacientes anti-MOG+ possuem quadro clinico compatível com ENMO, mas não possuem predominância do sexo feminino, possuem poucos ataques ou são monofásicos, têm quadros mais limitados (neurite óptica > mielite) e tendência a ter uma resposta melhor a tratamentos do que os casos anti -AQP4. O tratamento da NMO e ENMO engloba estratégias na fase aguda para redução do quadro inflamatório durante os ataques que são o pulsos de altas doses de corticosteroides e plasmaférese. Para a prevenção de novos ataques, é comum o uso de corticosteroides orais em baixa dose e medicações imunossupressores. ENCEFALOMIELITE AGUDA DISSEMINADA A encefalomielite aguda disseminada corresponde a uma doença inflamatória desmielinizante que geralmente se manifesta depois de processos infecciosos de etiologia principalmente viral ou após uma imunização. O curso dessa doença, geralmente monofásico, afeta mais crianças do que adultos e não possui maior predileção por sexo como a EMsa. ADEM possui um curso clínico de início agudo com confusão, febre e alteração do nível de consciência, muitas vezes associadoa crises convulsivas e sinais neurológicos focais (ataxia, paraplegia, anormalidades dos nervos cranianos). A IRM mostra lesões de características desmielinizantes distribuídas difusamente no SNC. A localização da lesão é predominantemente subcortical, com presença de atividade inflamatória em todas elas (realce de gadolínio), acometimento dos gânglios da base e ausência de lesões hipointensas TI sem reforço de gadolínio são dados que favorecem o diagnóstico de ADEM contra EM. Assim, um tratamento precoce da doença pode reduzir as chances de invalidez permanente. O tratamento mais utilizado para ADEM é pulso de corticosteroides intravenosos, mas pode haver uma falha de resposta em até 30% dos pacientes. Em tais casos, a gamaglobulina intravenosa ou a plasmaférese podem ser alternativas terapêuticas. A leucoencefalite hemorrágica de Hurst é uma forma rara de doença inflamatória desmielinizante idiopática e é considerada uma variante hiperaguda de ADEM. 6 Camila Carminate – 5 FASE O início dos sintomas pode ser fulminante, com febre, cefaleia e diminuição do nível de consciência, que em alguns casos leva à morte em poucos dias. Estudos de IRM mostram lesões sugestivas de leucoencefalopatia multifocal associada com focos de hemorragia. DOENÇAS DESMIELINIZANTES ADQUIRIDAS Dentro do grupo de doenças desmielinizantes inflamatórias idiopáticas adquiridas (não congênitas), existem ainda algumas formas raras que geralmente são caracterizadas por lesões pseudotumorais. O crescimento de tais lesões pode provocar o aparecimento e/ou progressão de sintomas neurológicos focais, como hemiparesia, alterações na marcha e equilíbrio, associados a cefaleia, vómitos e alteração no nível de consciência, se o quadro tumefativo se torna muito severo. Entre essas doenças, pode-se citar doença de Marburg, doença de Schilder e esclerose concêntrica de Baló. O tratamento desses quadros mais raros se base ia em altas doses de corticosteroides, plasmaférese e imunossupressores. Contudo, por causa da raridade desses quadros, a experiência é limitada a relatos de casos. REFERÊNCIA Clínica Medica – Vol. 6
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