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Anemia Ferropriva Caso clínico 1 L.M.S, 25 anos, solteiro, estudante Queixa principal: "fraqueza" HMA: Paciente com quadro de fraqueza há alguns meses com piora progressiva e sonolência. Procurou atendimento médico e realizou exames de sangue que mostraram anemia. Encaminhado para hematologia para investigação. Negava dores, febre, sintomas urinários e emagrecimento. Apresentava queixa de diarréia esporádica, sem sangramento ou presença de muco associado. HMP: Negava comorbidades e cirurgias prévias Negava uso de medicamentos HMF: Negava história de anemia na família ou de câncer Condições e hábitos de vida (CHV): Negava tabagismo e etilismo Ao exame físico: bom estado geral, hipocorado, eupneica, afebril, anictérico MV + bilateral sem alterações BCRNF sem sopro Abdomen plano, flácido, indolor, sem massas palpáveis Membros sem edema, pulsos presentes e simétricos Exames laboratoriais: Hb: 7.6 g/dl; Ht: 22%; VCM: 70fL; HCM: 25pg; RDW: 19%. Leucócitos: 7800/μL ou /mm3 Plaquetas 210.000/μL ou /mm3 Reticulócitos: 1% 1. Qual o diagnóstico mais provável? Alterações observadas: Hb: anemia Ht: devido queda da Hb VCM: microcitose: maioria menor que o normal, pode ser resultado de anemia ferropriva, talassemias, deficiência de cobre. HCM: hipocromia: falta de Hb, devido anemia ferropriva, talassemias RDW: anisocitose (++) Leucóticos, plaquetas e reticulócitos: normais O paciente apresentava anemia, manifestando quadro de fraqueza com piora progressiva e sonolência, além de diarréia esporádica. Nos exames observa-se anemia microcítica e hipocrômica, sendo a mais provável a anemia ferropriva. 2. Causas e a fisiopatologia da doença As causas mais comuns da anemia ferropriva são: - Perdas sanguíneas: menstruais (ciclo menstrual desregulado), gastrintestinais (úlcera péptica, hérnia de hiato, pólipos intestinais, medicação irritante da mucosa gástrica, parasitoses intestinais). - Má absorção do ferro: doença celíaca, remoção de parte do intestino delgado, cirurgia bariátrica. - Gravidez/lactação: desvio do ferro materno para o feto. Em bebês de 3 a 6 meses há uma tendência do ferro diminuir devido ao rápido crescimento, sendo necessário a suplementação a partir dos 3 meses. - Dieta pobre em alimentos com ferro, principalmente em lactentes e crianças. É importante considerar que em homens é mais rara, sendo importante investigar neoplasia maligna de intestino. Fisiopatologia: A deficiência de ferro ocorre devido ao desequilíbrio entre ingestão e absorção, visto que o balanço do ferro é regulado a partir da absorção intestinal. A quantidade de ferro normal no corpo humano é de 3 a 4 g e o corpo necessita de 1mg/dia para repor as perdas normais pelas fezes. No homem adulto o ferro se encontra: 2.000 a 2.500 mg hemoglobina das hemácias 800 a 1.000 mg estoque (ferritina ou hemossiderina) 400 mg ferro tecidual (mioglobina, citocromo) 3 a 7 mg ligado à transferrina no plasma O ferro é absorvido no duodeno e no jejuno. Após chegar ao plasma, é transportado aos tecidos pela transferrina, principalmente para a medula óssea, sendo incorporado na hemoglobina (Hb). A transferrina é reutiliazada. Os eritrócitos senescentes são fagocitados pelos macrófagos e o ferro é liberado da Hb para o plasma, sendo incorporada novamente a transferrina. - Enzimas na absorção do ferro: na superfície apical dos enterócitos o ferro é convertido pela ferrirredutase da forma Fe3+ para Fe2+, e antes de se ligar a transferrina, a ferroxidase na superfície basal converte em Fe3+. Uma pequena porcentagem do ferro é armazenada em células retículo endoteliais, como ferritina e hemossiderina (ns forma férrica). Quando ocorre deficiência de ferro, a ferritina baixa e o receptor 1 de transferrina (TfR1) aumenta. Já quando o ferro aumenta, a ferritina aumenta e o TfR1 diminui. Além disso, quando o ferro plasmático aumenta e a transferrina satura, aumenta a quantidade de ferro transferida as células parenquimatosas, como do fígado, pâncreas, coração; ocasionando alterações patológicas pela sobrecarga de ferro. 3. Metabolismo do ferro A regulação do metabolismo do ferro é realizada pela hepcidina, a qual diminui a absorção intestinal de ferro e a mobilização das reservas. Na deficiência de ferro, ocorre diminuição da síntese de hepcidina. 4. Sinais e sintomas da doença Os sintomas estão relacionados com a falta de oxigenação normal dos tecidos, principalmente do cérebro e do coração. Na anemia leve, o paciente pode ser assintomático ou manifestar cansaço, fraqueza, falta de ar aos esforços, palidez cutaneomucosa, taquicardia (para compensar o déficit de oxigênio) e alterações tróficas da pele e anexos (unhas quebradiças). Já em casos de ferropenia acentuada, por ocorrer: - Glossite atrófica: pode ser acompanhada por perversão do apetite, gerando uma vontade incontrolada de comer terra, gelo, papel, conhecida como PICA. - Disfagia intensa: síndrome de Plummer-Vinson - Amenorreia na mulher e diminuição da libido em ambos os sexos Além disso, em crianças pode causar irritabilidade, má função cognitiva e diminuição do desenvolvimento psicomotor. 5. Exames para confirmação diagnóstica Hemograma: paciente apresenta número de eritrócitos dimuídos, microcíticos e hipocrômicos em casos de anemia de longa data, se for recente pode ser normocíticos e hormocrômica; VCM diminuído (< 75fL), RDW aumentado, HCM diminuído. Hemoglobina e hematócrito diminuídos. Pode ter leucopenia, assim como plaquetas diminuidas em casos de perda crônica de sangue. Pode ou não aprensentar leucopenia. As plaquetas podem estar diminuídas em 30% das crianças e aumentadas em 50% dos adultos, geralmente por perda crônica de sangue. Reticulócitos: normal ou reduzido. Perfil do ferro: Ferro sérico: diminuído Capacidade total de ligação de ferro ou transferrina: aumentada Saturação de transferrina: diminuída (<20%) quantidade de ferro ligada à transferrina. Ferritina: muito baixa (<15 a 30 μg/L), mas pode estar elevada em processos inflamatórios, insuficiência renal crônica, neoplasia maligna e hepatite. Mielograma: padrão-ouro para avaliação de estoques de ferro, mas é invasivo e pouco utilizado atualmente. Observa-se ausência de ferro depositado nos macrófagos e nos eritroblastos em desenvolvimento, os quais são pequenos e com falhas no citoplasma. 6. Hemograma e evolução da doença Apresenta doença apresenta três fases: Depleção do ferro: oferta de ferro é incapaz de suprir as necessidades, gerando diminuição dos depósitos de ferro no fígado, baço e medula óssea, e se caracteriza por ferritina baixa. Deficiência de ferro: caracterizada por diminuição do ferro sérico, diminuição da saturação da transferrina (< 16%) e aumento da capacidade total de ligação da transferrina (>250-390μg/dl). Anemia ferropriva instalada: ausência de depósitos de ferro, diminuição de ferro sérico, diminuição da saturação de transferrina e aumento da capacidade total de ligação da transferrina. Diminuição da hemoglonima e do hematócrito e alteraçãoes hematimétricas como VCM e HCM diminuidos, e RDW aumentado. A anemia é microcítica e hipocrômica. 7. Tratamento Primeiramente deve-se eliminar e tratar as causas responsáveis pela espoliação do ferro, como infecções parasitárias, gastrites, hemorragias. Após, realizar a reposição de ferro por meio da suplementação oral. Pode ser administrado junto com as refeições para evitar intolerância gástrica. A medicação deve ser usada até normalizar a Hb e depois mantida por mais três meses para repor os estoques de ferro (pelo menos 6 meses). Além disso, pode ser realizada reposição por via parenteral quando a necessidade de ferro for imediata, como em sangramentosgastrointestinal, menorragia severa, hemodiálise crônica, intolerância ou não adesão ao uso oral (doença celíaca, colonização por Helicobacter pylori ou doença intestinal inflamatória) e em pacientes que se submeteram a cirurgia bariátrica. Apenas em anemia grave a transfusão de hemácias pode ser indicada. 8. Medidas de profilaxia Entre as principais medidas de prevenção pode-se citar: incentivo ao aleitamento materno exclusivo até o sexto mês; não utilização do leite de vaca no primeiro ano de vida; suplementação profilática; controle de infecções; consumo de alimentos que contenham ferro de alta biodisponibilidade. 9. Diagnóstico diferencial Os diagnósticos diferenciais de anemia hipocrômica e microcítica incluem doenças como: anemia de doença crônica, betatalassemia e hemoglobinopatias, intoxicação por chumbo, anemia responsiva à piridoxina e anemia sideroblástica. Teste Anemia ferropriva B-talassemia Anemia de doença crônica Anemia Sideroblastica Ferro sérico Normal ou Normal ou Normal ou Capacidade total de ligação do ferro Normal Leve Normal Saturação da transferrina Normal ou Normal ou Normal ou Feritina Normal ou Normal ou RDW Normal ou Normal 10. Contagem de reticulócitos Os reticulócitos são eritroblastos que perderam seus núcleos. Em casos de anemia ferropriva podem estar em número normal ou reduzido. A diminuição dessas células reflete uma respota hematopoiética inadequada (estado hipoproliferativo). Por conta da reposição de ferro, pode ser observado seu pico entre 5 a 7 dias após. REFERÊNCIAS: HAMERSCHLAK, Nelson. Manual de hematologia: Programa Integrado de Hematologia e Transplante de Medula Óssea. Barueri, SP: Manole, 2010. SANDES, Alex Freire; et al. Diagnósticos em hematologia. 2ª ed. Barueri, SP: Manole, 2021. ZAGO, M.A., FALCÃO, R.P., PASQUINI, R. Tratado de Hematologia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2013.
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