Buscar

Módulo 2 - Formato DOC com descrição

Prévia do material em texto

(Descrição da imagem) O layout da primeira página do texto é composto por triângulos em verde, amarelo, laranja e ocre ocupando a parte superior da página como uma moldura. Alguns deles estão com a ponta para baixo. Abaixo, o logo do Uniafro onde as letras UNI estão em verde e AFRO, em ocre. Acima e abaixo da palavra UNIAFRO, em verde, lê-se: Curso de Aperfeiçoamento e Política de Promoção da Igualdade Racial na Escola. À esquerda da palavra UNIAFRO, 8 triângulos encaixam-se em dois grupos sobrepostos. Em cada grupo, quatro triângulos alternam suas pontas para cima e para baixo, encaixando-se. Nas demais páginas, apenas o logo da Uniafro aparece no rodapé esquerdo. (Fim da descrição)
As notas de rodapé citadas no artigo encontram-se no fim deste texto.
MULHERES NEGRAS E RESISTÊNCIA:
formas de (re)conhecê-las por elas mesmas.
Aline Lemos da Cunha Della Libera
Professora do Departamento de Ensino e Currículo
e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS.
“Eu, mulher negra, resisto”
Alzira Rufino
		Quando as palavras se tornam anúncio e denúncia (nota de rodapé 1), a tentativa de calar as vozes torna-se imprescindível para a manutenção “das coisas como elas estão”. Considerando a história das mulheres negras no Brasil, a partir dos registros a que temos acesso, cabe realizar a análise dos “ditos” e “não-ditos”. Primeiramente, é comum que conheçamos as mulheres, negras e não-negras, por meio do que se conta sobre os homens que lhes eram próximos. Chega-se ao absurdo de (re)conhecer personagens criados por elas (desde que homens), sem nem sequer imaginar que foram mulheres que os produziram (nota de rodapé 2). Também é recorrente, o (re)conhecimento sobre seus filhos, maridos, pais, tornando-as despercebidas e silenciadas. Assim, neste texto, apresentamos duas mulheres negras, buscando considerá-las por suas vozes e tempos, destacando suas contribuições para a resistência negra no Brasil, no que se refere à luta por Direitos Humanos das Mulheres (nota de rodapé 3). Em destaque, oportunamente, focamos no que se vislumbra como uma significativa contribuição da cultura negra para a contemporaneidade, as formas de resistência, superando a ideia de que estas se resumem à culinária e às práticas religiosas como únicas manifestações das mulheres negras em contexto brasileiro. 
	
Quem são elas? Por que nunca ouvi falar nesta mulher?
		Como destacado anteriormente, a visibilidade feminina é um dos caminhos para a garantia de Direitos Humanos das Mulheres, bem como a superação das análises por via de juízos de valor, racismo e sexismo (nota de rodapé 4). Partindo deste pressuposto, buscamos promover reflexões sobre as vivências de Luíza Mahín (século XIX) e Thereza Santos (1938 – 2012). A escolha destas mulheres considerou as formas de resistência que empreenderam frente aos modelos de feminino na sociedade brasileira, refletindo sobre o seu protagonismo e as polêmicas em torno de suas biografias. Apresentamos, a seguir, alguns aspectos de suas trajetórias.
		Luíza Mahín (nota de rodapé 5) é uma destas mulheres que tem seu nome e histórico pouco visibilizados. Não há consenso entre historiadores sobre seu protagonismo e biografia (nota de rodapé 6), pelos poucos registros existentes. Um de seus filhos, o poeta Luiz Gama (1830-1882), está entre os maiores abolicionistas do Brasil e, sobre ele, muito se falou e registrou (nota de rodapé 7). Contudo, de Luíza Mahín, pouco sabemos restringindo-se, sua história, ao relatado em uma carta enviada por Luiz Gama ao amigo Lúcio Mendonça no ano de 1880. Nestes registros, (re)conhece-se que esta mulher, em torno de 1812, comprou sua liberdade por meio de seu trabalho e afirmava ter sido uma princesa, antes do sequestro que a trouxe para o Brasil.
		Nascida em Costa da Mina (nota de rodapé 8) no início do século XIX, trabalhadora escravizada em solo brasileiro, foi importante articuladora de revoltas e levantes de homens e mulheres, negros e negras, na então Província da Bahia, nas primeiras décadas do século XIX (Revolta dos Malês e Sabinada). Sua profissão era quituteira. Conta-se que, em seu tabuleiro, além dos quitutes eram compartilhadas mensagens (em árabe) que possibilitavam a articulação dos resistentes. Seu protagonismo e ousadia lhe resultariam, no caso de vitória do levante, o (re)conhecimento como Rainha da Bahia. Segundo o relato de seu filho Luiz, esta mulher resistiu inclusive aos doutrinamentos cristãos. Ao longo de sua vida, não negou suas convicções e seu desejo de liberdade. Luiza, em meio aos conflitos que presenciou, foi viver no Rio de Janeiro deixando o filho pequeno aos cuidados do pai. Conta-se que Luiz Gama, aos 10 anos, foi vendido por este para ser escravo em uma fazenda, a fim de quitar uma dívida de jogo. Estes fatos, somados ao protagonismo invisibilizado de Luíza Mahín, provoca a reflexão sobre as mães-mulheres e as (im)possibilidades de resistência para as que desejam “dar a luz a si mesmas”. 
		Dantas (2016) destaca que na segunda metade do século XVIII, por meio de documentos cartoriais, é possível constatar as estratégias de mulheres-mães negras, libertas e com poder aquisitivo, para que seus filhos tivessem melhores condições de vida e uma possível ascensão social, liberando-se do estigma de serem descendentes de pessoas escravizadas. Esta autora salienta, a partir da obra de Júnia Furtado sobre Chica da Silva (2003), que “o processo sucessório de transmissão de bens e o peso social da ascendência africana podia impedir que os filhos de mulheres libertas se beneficiassem do sucesso sócio-econômico de suas mães” (DANTAS, 2016, p. 89). Também se pode considerar que mesmo com a visível desvantagem social, estas mulheres resistiram encontrando formas de romper com as lógicas da exclusão, além de promover condições para o bem-estar dos seus descendentes com estratégias, até então, questionáveis sobre o ponto de vista não-negro. Os tabuleiros e os quitutes, cercados de meninos que para elas trabalhavam, era uma destas formas de ascensão social mesmo que associadas à falta de “honra feminina”, levando em conta a exposição pública destas quituteiras (DANTAS, 2016). Além disto, muitas destas mulheres, provável situação de Luíza Mahín, eram companheiras consideradas ilegítimas em sua união com os seus parceiros, o que gerava inúmeras dificuldades para sucessão e garantia de algum direito aos filhos. Em meio à resistência, às condições adversas e aos poucos elementos para o seu (re)conhecimento social, mulheres como Luíza eram concebidas sob “a suspeita de que [...] facilitavam encontros e festas de escravos, os quais causavam desordem e escândalos, [isto] gerou uma imagem da mulher vendeira como sendo ela mesma desordeira e predisposta a exibir um comportamento escandaloso” (DANTAS, 2016, p.93). Tal pensamento corrobora o que se diz sobre ter contribuído para a articulação de revoltas de trabalhadores escravizados. Adquirir e vender escravos para os filhos homens, deixar um bom dote para as filhas mulheres e, assim, garantir um bom casamento, dotes para a aceitação de filhas pequenas em internatos frequentados por meninas brancas (DANTAS, 2016) ou mesmo deixar os filhos com os pais portugueses e com posses, eram algumas das estratégias destas mulheres buscando garantir aos filhos e filhas melhores condições de vida. 
		Lagarde y de los Rios (2005) contribui com elementos para que se questione a ideia de que “mulher é aquela que é mãe” e que, por isso, ao parir, ao “dar à luz”, ao “dar à vida”, ao “trazer filhos ao mundo”, media sua existência por meio dos filhos e filhas. Um dos argumentos apontados por esta antropóloga encontra-se no mito de que “mãe é uma só”. Para ela, esta mesma concepção condiciona às mulheres aos atributos “da maternidade”, bastante distintos dos que são considerados “da paternidade” aos homens que, na maioria das vezes, podem mover-se com maior liberdade nas formas de exercê-la. Com isto, há comportamentos esperados das mulheres que resultam em dúvidas de sua capacidade de ser “boa mãe”, incluindo àquelas situaçõesem que o que fazem assemelha-se ao que é comum e aceito como atitudes dos pais (homens) (nota de rodapé 9). Para esta antropóloga, ainda cabe lembrar que, nas mais diversas formas de organização social, o espaço da reprodução da vida é povoado de mulheres. As mães geralmente têm ou buscam ajuda para cumprir com as exigências do exercício maternal (tias, primas, avós, professoras...). Além disto, ressalta que cada indivíduo, ao longo de sua vida, é atendido e cuidado maternalmente de maneira sucessiva e em certas ocasiões simultaneamente por diversas mães. Em suma, afirma que nascemos de uma mulher e temos uma única progenitora, mas “mães” ou pessoas que cumprem com este papel (incluindo homens) temos muitas (LAGARDE Y DE LOS RÍOS, 2005). 
		As questões acima apresentadas, para além da emissão de juízos de valor, buscam apresentar reflexões sobre a maternidade e o fato de as mulheres serem reconhecidas por meio de seus filhos, como foi o caso de Luíza Mahín. Sua trajetória provoca a reflexão sobre os lugares de mulher-mãe-militante e os dilemas oriundos desta condição (nota de rodapé 10).
		Na sequência destas análises, propomos o (re)conhecimento de Thereza Santos (nota de rodapé 11). Esta filósofa, jornalista e teatróloga nasceu no dia 07 de julho de 1938 no Rio de Janeiro (Brasil). Seu nome de registro era Jaci, tendo adotado, anos mais tarde, o nome artístico Thereza. Sua larga trajetória inclui o ingresso na Faculdade Nacional de Filosofia (atual UFRJ), a participação ativa como integrante da União Nacional dos Estudantes (UNE), a atuação no Teatro Experimental do Negro (TEN) (nota de rodapé 12) tendo sido, na década de 80, a primeira mulher negra a ser nomeada para o Conselho Estadual da Condição Feminina (São Paulo, Brasil). Questionou, durante sua militância no Partido Comunista Brasileiro, a afirmação de que a miséria e a discriminação eram questões sociais e não raciais. Veemente declarou: “A vida inteira tentaram me convencer que o preconceito contra o negro no Brasil é social e não racial. Não conseguiram. É racial!” Seu pensamento inspirou outras escritoras que também analisaram este fenômeno social. Thereza Santos faleceu no dia 19 de dezembro de 2012, após lutar contra um câncer de bexiga e insuficiência renal.
		Esta mulher militante apresentou argumentos (nota de rodapé 13) que visibilizaram a mulher negra como esteio da organização familiar. Suas análises provocam a reflexão sobre as formas de resistência empreendidas por estas mulheres que, sob os olhares de outros grupos sociais (incluindo mulheres brancas), estavam em condição subalternizada, subjugada e passiva. Para esta filósofa, ao mesmo tempo em que estavam escravizadas e submetidas às ordens dos senhores, o trabalho nas cozinhas das casas grandes era o que garantia o acesso às melhores condições de alimentação para si e seus familiares. Após o período de escravidão, considerou que as mulheres negras, com suas profissões e conhecimentos, foram as que tiveram melhores inserções no mercado de trabalho, em relação aos homens negros no início do século XX, tornando-se responsáveis pelo sustento das famílias, sem negar a visível exploração a que estavam submetidas. 
		Lagarde y de Los Ríos (2005) afirma que as formas de ser mulher neste modelo social que é patriarcal e machista, com suas diversas manifestações culturais, constituem-se como cativeiros para as mulheres. Contudo, uma análise da vivência nestes cativeiros também aponta para as formas de vivê-los criativamente, as quais são peculiares a todas as mulheres em maior ou menor medida. Com isto, cabe dizer que, por esta via, nas mulheres negras que foram excluídas por sua condição racial e de gênero, ampliaram-se os meios para superação criativa dos cativeiros vivenciados. 
		Thereza Santos questionou conceitos como “famílias desestruturadas”, analisando-os a partir das vivências de homens e mulheres negros durante o período de escravidão e as consequências deste momento histórico para a atualidade das famílias dos grupos populares. Destaca que a desestruturação da família negra, em determinado momento da história, interessou aos que se beneficiavam do trabalho braçal escravizado destes homens e mulheres, bem como do interesse em perpetuar a exploração da força de trabalho de seus filhos e filhas. A separação forçada de membros de um mesmo grupo familiar foi estratégia reconhecida como fundamental para a desarticulação da resistência à escravidão. Por outro lado, Thereza Santos analisou que são descritas pelos historiadores as formas como as mulheres negras buscavam este reencontro familiar e a manutenção deste coletivo. Além disto, ao longo do século XX, por meio do trabalho doméstico, esta filósofa considerou que as mulheres negras também foram importantes para a manutenção das famílias brancas, em um momento em que as mulheres brancas ingressaram no trabalho remunerado externo ao lar.
		Thereza Santos realizou estudos sobre a condição de vida e trabalho das mulheres negras no período declarado pela ONU como a Década da Mulher (1976-1985). Naquela época, os ganhos de homens negros eram equivalentes aos de mulheres brancas. Já as mulheres negras possuíam, em relação às mulheres brancas, ganhos bem menores, a considerar que 97% das mulheres negras tinham salários inferiores ao mínimo nacional, tendo pouca ou nenhuma escolarização. Também denunciou a exclusão das mulheres negras no movimento feminista brasileiro, o que inclui discordâncias e preconceitos às formas de resistência e às manifestações culturais destas mulheres. Thereza Santos ressaltou que este silenciamento das mulheres negras no movimento feminista, era fruto de sua condição subalternizada frente às mulheres brancas, as quais as concebiam sob a ótica de uma elite que não as representava. As reivindicações do movimento feminista, portanto, não contemplam as necessidades e realidades das mulheres negras, entendendo que o gênero reúne as mulheres, mas a classe e a negritude as diferenciavam.
Considerações finais
		Duzentos anos depois da história de resistência de Luíza Mahin e cerca de trinta anos decorridos dos estudos de Thereza Santos, vemos um cenário de permanências e mudanças no que se refere às mulheres negras brasileiras, pois na atualidade “há avanços em relação aos homens de seu grupo de cor, ao mesmo tempo [em] que permanecem com significativas desvantagens em relação às mulheres brancas” (LIMA, RIOS e FRANÇA, 2013, p. 56). Dentre as permanências, podemos destacar a precarização do trabalho, pois 
As mulheres que começam a se movimentar para ocupações de nível superior são predominantemente brancas, enquanto há uma forte concentração de mulheres pretas e pardas no serviço doméstico. As mulheres provenientes das classes mais pobres (majoritariamente negras) [ainda] dirigem-se para os empregos domésticos, de prestação de serviços e também para os ligados à produção na indústria; enquanto as mulheres de classe média, devido às maiores oportunidades educacionais, dirigem-se para prestação de serviços, para áreas administrativas ou de educação e saúde (BRUSCHINI E LOMBARDI, 2000, p. 85 apud LIMA, RIOS E FRANÇA, 2013)
		Uma das mudanças significativas dos últimos 30 anos, foram as políticas públicas de democratização do acesso à educação formal, que possibilitaram o crescimento das taxas de escolarização de mulheres negras nos níveis médio e superior (LIMA, RIOS e FRANÇA, 2013). Contudo, “a pergunta pertinente a se fazer seria: o aumento do nível educacional das mulheres negras significou um melhor posicionamento no mercado de trabalho em comparação aos demais grupos analisados?” (LIMA, RIOS e FRANÇA, 2013, p. 61). Além disto, cabe ressaltar alguns índices, considerando as mulheres negras. Conforme dados do IBGE (Censo de 2010), 14% da população brasileira não sabe ler e escrever um bilhete simples ou apenas assina o próprio nome. Dentre as mulheres negras, cerca de 12% são analfabetas. No caso das mulheres brancas, em torno de 6% estão nesta condição. Um pouco mais da metade das mulheres negrasbrasileiras (55,2%) não tem instrução escolar ou não concluíram o ensino fundamental. Entre as mulheres brancas, 41%. Além destes dados, cabe o destaque ao fato de que menos de 7% das mulheres negras brasileiras (6,71%) têm Ensino Superior completo. No caso das mulheres brancas, 17% já o concluíram. Estas realidades apontam para mudanças significativas, mas com a necessidade de superação destas desigualdades que demarcam lugares sociais para as mulheres subjugando, ainda mais, as que são negras. Estas permanências e mudanças possibilitam vislumbrar que
As mulheres, em seu conjunto, tiveram a maior taxa de crescimento nas faixas superiores de escolaridade, sendo que as mulheres negras acompanharam esse perfil de crescimento feminino. Entretanto, ao se observar os valores atingidos pelas negras em 2009, nota-se que só agora estas atingiram, nas faixas mais elevadas, valores próximos àqueles que as brancas tinham em 1995. As desvantagens das mulheres negras em relação às brancas eram tão elevadas no ponto de partida, que, mesmo tendo um bom crescimento ao longo do período considerado, elas ainda se mantêm bem longe de se assemelhar ao perfil das mulheres brancas ocupadas e mais escolarizadas. (LIMA, RIOS e FRANÇA, 2013, p. 62).
		Contrariamente ao exposto por Thereza Santos e diferentemente do vivenciado pelas quituteiras no Brasil Império, as possibilidades de ascensão social, por meio do trabalho remunerado, são instáveis. No que se refere às oportunidades de trabalho “observa-se [na atualidade] que a taxa de desemprego feminina é maior que a masculina, tanto entre brancos quanto entre negros” (LIMA, RIOS e FRANÇA, 2013, p. 66). Para Lima (et. all) “as características de desocupação das mulheres negras representam a síntese da condição de dupla discriminação: marcadas pelo estigma racial na busca pelo emprego e pelas dificuldades encontradas pelas mulheres” em geral, as quais precisam conciliar o trabalho remunerado (fora de casa) com aquele realizado gratuitamente no interior de seus lares (cuidar do marido, dos filhos, dos mais velhos, dos doentes, da manutenção da vida provendo alimentação e higienização dos ambientes da casa, dentre outros). Por outro lado, ainda são atuais as considerações de Thereza Santos no que se refere ao descompasso salarial entre homens e mulheres, entre negros e brancos.
Mesmo no emprego doméstico, em termos de rendimentos, esse descompasso é visível, uma vez que, nesta categoria, as mulheres negras recebem cerca de R$ 600 contra R$ 920 dos homens brancos, no ano de 2009. Ou seja, ainda que esta categoria apresente pouca distância entre os grupos, é possível verificar desigualdade, porque as mulheres negras recebem 73% dos rendimentos dos homens brancos, ao passo que homens negros e mulheres brancas empatam com 85%. Neste cenário de baixo status e rendimentos, longe de se verificar uma equidade em ocupações negativamente privilegiadas, afirma-se uma desvantagem peculiar às mulheres negras. Talvez aqui se faça cristalizar o amálgama do “lugar da mulher” e “lugar do negro” na cultura e na estratificação social brasileira. (LIMA, RIOS e FRANÇA, 2013, p. 76)
		Portanto, cumpre referir que a necessidade de que (re)conheçamos as mulheres negras e suas lutas cotidianas por meio de suas vozes é patente. Torna-se imprescindível à luta por Direitos Humanos das Mulheres Negras, a visibilidade de suas conquistas e as pautas que são oriundas de sua coletividade. Os relatos de vida e projeto de Luíza e Thereza, são representativos de milhares de mulheres negras ao redor do mundo, que se imortalizaram por seus posicionamentos contrários às formas de subjugação do feminino, as quais ainda se verificam ao analisarmos as estatísticas nacionais brasileiras. A militância das organizações feministas negras no Brasil (nota de rodapé 14), por meio de Manifesto da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver (nota de rodapé 15), realizada em 13 de maio de 2015, em Brasília, registra:
Estamos em Marcha:
*pelo fim do feminicídio de mulheres negras e pela visibilidade e garantia de nossas vidas; *pela investigação de todos os casos de violência doméstica e assassinatos de mulheres negras, com a penalização dos culpados;
*pelo fim do racismo e sexismo produzidos nos veículos de comunicação promovendo a violência simbólica e física contra as mulheres negras;
*pelo fim dos critérios e práticas racistas e sexistas no ambiente de trabalho;
*pelo fim das revistas vexatórias em presídios e as agressões sumárias às mulheres negras em casas de detenções;
*pela garantia de atendimento e acesso à saúde de qualidade às mulheres negras e pela penalização de discriminação racial e sexual nos atendimentos dos serviços públicos; *pela titulação e garantia das terras quilombolas, especialmente em nome das mulheres negras, pois é de onde tiramos o nosso sustento e mantemo-nos ligadas à ancestralidade; 
*pelo fim do desrespeito religioso e pela garantia da reprodução cultural de nossas práticas ancestrais de matriz africana;
*pela nossa participação efetiva na vida pública. 
		A invisibilização das trajetórias de mulheres negras e suas denúncias frente às desigualdades históricas torna longínqua a possibilidade de anúncio de novos tempos. O não (re)conhecimento destas biografias impede que os “espelhos” disponíveis para as mulheres negras reflitam imagens desejáveis e inspiradoras, restando-lhes conviver com percepções borradas ou distorcidas sobre si mesmas e sua ancestralidade. Além disto, ad-mirar (nota de rodapé 16) biografias de mulheres negras, contribui para a superação das cisões existentes entre as mulheres, provocadas por uma sociedade machista e patriarcal, em prol da sororidade (nota de rodapé 17): “UMA SOBE E PUXA A OUTRA!”
Referências:
DANTAS, Mariana L. R.. Mulheres e Mães Negras: mobilidade social e estratégias sucessórias em Minas Gerais na segunda metade do século XVIII. Almanack,  Guarulhos,  n. 12, p. 88-104,  Abril  2016. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/alm/n12/2236-4633-alm-12-00088.pdf>
IBGE. Estatísticas de Gênero. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/apps/snig/v1/?loc=0>
LA ROCQUE, Lucia de, TEIXEIRA, Luiz Antonio. Frankenstein, de Mary Shelley, e Drácula, de Bram Stoker: gênero e ciência na literatura. História Ciências Saúde - Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 8, n. 1, p. 11-34,  Junho  2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v8n1/a01v08n1.pdf>
LIMA, Márcia, RIOS, Flavia, FRANÇA, Danilo. Articulando gênero e raça: a participação das mulheres negras no mercado de trabalho (1995-2009). In.: MARCONDES, Mariana Mazzini (et. all). Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: IPEA, 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_dossie_mulheres_negras.pdf>
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997 (versão online). Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_pedagogia_da_esperanca.pdf>
LUÍZA MAHIN. Disponível em:
<http://antigo.acordacultura.org.br/herois/heroi/luizamahin>
THEREZA SANTOS. Entrevista concedida em 1985. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=mR4iW1bAivk>
THEREZA SANTOS. Heróis de todo mundo. Disponível em:
<http://antigo.acordacultura.org.br/herois/heroi/therezasantos>
Notas de Rodapé:
Nota de rodapé 1
Para Paulo Freire, pedagogo brasileiro, “não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia de um presente tornando-se cada vez mais intolerável e o anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, ética e esteticamente, por nós, mulheres e homens” (FREIRE, 1997, p. 47, versão online).
Nota de rodapé 2
Escrita em 1818, “Frankenstein, da inglesa Mary Shelley, é considerada a primeira obra de ficção científica, gênero literário que se volta para o mundo da ciência, incluindo aí sua organização e produção, ideais de conhecimento e avanços técnicos etc” (DE LA ROCQUE E TEIXEIRA,2001, p.13, grifo meu). Provavelmente, no Brasil, este personagem seja mais (re)conhecido que sua criadora, estando como ícone em produtos impressos e midiáticos.
Nota de rodapé 3
Os Direitos Humanos das Mulheres incluíram-se como categoria do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) com forte expressão na década de 70, ano em que a ONU instituiu a Década da Mulher (1976-1985), buscando superar as formas de exclusão e discriminação das mulheres ao redor do mundo.
Nota de rodapé 4
Discriminação baseada no sexo. No caso das mulheres, por sua condição lhes são atribuídos lugares e modos de ser que, caso não sejam cumpridos, levam a concebê-las como desviantes ou inadequadas.
Nota de rodapé 5
FONTE site www.palmares.gov.br. Referência completa no texto deste módulo.
Nota de rodapé 6
Incluindo seu próprio nome que ora aparece nos registros com “s”, ora com “z”. Optamos por apresentar o registro presente no Instituto Luiz Gama.
Nota de rodapé 7
Instituto Luiz Gama. Disponível no site: institutoluizgama.org.br
Nota de rodapé 8
Esta é uma das informações sobre a qual ficam dúvidas, pois também é possível que tenha nascido na Bahia (Brasil).
Nota de rodapé 9
Em conversas cotidianas, no âmbito da informalidade, são recorrentes as notícias de um “pai que abandonou os filhos” sendo ouvidas sem nenhuma surpresa. O mesmo não acontece quando se trata de uma “mãe que abandonou os filhos”, por exemplo.
Nota de rodapé 10
Em diálogos realizados com servidoras da área de segurança pública no Estado do Rio Grande do Sul, que atuam com mulheres em situação de prisão, apresentamos parte de um conto folclórico presente na obra “No meio da noite escura tem um pé de maravilha” de Ricardo Azevedo. Na narrativa, uma mulher vive o dilema entre recolocar suas asas, escondidas pelo marido e encontradas pelo filho, sair voando e encontrar o seu destino ou ficar com ambos, por serem os amores de sua vida. Ao serem perguntadas sobre qual a “solução” para este dilema, houve polarização nas respostas, assim como em outros grupos onde a história foi contada. De um lado, os que consideravam que deveria tomar suas asas, voar e abandonar o filho e o marido. De outro, ficar e resignar-se pela condição de mãe e esposa, por amor. Poucas foram as vezes onde a resposta encontrada foi: retomar suas asas, recuperar sua autonomia, mas permanecer com a família. Vislumbra-se que tal dilema apresentado na ficção, não é tão fictício assim, considerando-se mulheres-mães-trabalhadoras na atualidade brasileira.
Nota de rodapé 11
Ao ouvir entrevistas concedidas por Thereza Santos, em uma delas, há o destaque à biografia de Luíza Mahin.
Nota de rodapé 12
“O Teatro Experimental do Negro (TEN) surgiu em 1944, no Rio de Janeiro, como um projeto idealizado por Abdias Nascimento (1914-2011), com a proposta de valorização social do negro e da cultura afro-brasileira por meio da educação e arte, bem como com a ambição de delinear um novo estilo dramatúrgico, com uma estética própria, não uma mera recriação do que se produzia em outros países” (Site da Fundação Palmares. Disponível do site: www.palmares.gov.br. Referência completa no texto deste módulo.
Nota de rodapé 13
Entrevista disponível no youtube. Referência completa no texto deste módulo.
Nota de rodapé 14
Dentre elas: Geledes, em São Paulo; Maria Mulher – organização de mulheres negras, no Rio Grande do Sul; Criola, no Rio de Janeiro. 
Nota de rodapé 15
Disponível no site: www.geledes.org.br. Referência completa no texto deste módulo.
Nota de rodapé 16
No sentido expresso por Paulo Freire, ad-mirar é o “olhar de dentro”, ver com profundidade.
Nota de rodapé 17
Em linhas gerais, sororidade “é a união e aliança entre mulheres, baseada na empatia e companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum” (FONTE: site www.significados.com.br/sororidade/). Este conceito tem sido apresentado, por feministas, como forma de destacar a necessidade de superação da competição entre as mulheres.

Continue navegando