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LEGISLAÇÃO E POLÍTICAS URBANAS ANELIZE PANTALEÃO PUCCINI CAM INHA Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6567-7 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 6 7 7 Código Logístico 59071 Cada capítulo deste livro é destinado à compreensão estrutural e funcional dos sistemas urbanos. Assim, aborda- se, primeiramente, uma noção geral e introdutória do estudo do direito urbanístico e analisam-se os principais conceitos e as legislações mais importantes no Brasil. Em seguida, destacam-se o modelo ideal de desenvolvimento urbano e os desafios que o país encontra para implementá-lo. Por fim, discorre-se sobre alguns problemas encontrados nos espaços urbanos brasileiros e as possíveis soluções para essas questões. Legislação e políticas urbanas IESDE 2019 Anelize Pantaleão Puccini Caminha © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: IM_photo/Miloje/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C191L Caminha, Anelize Pantaleão Puccini Legislação e políticas urbanas / Anelize Pantaleão Puccini Caminha. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2019. 110 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6567-7 1. Direito urbanístico - Brasil. I. Título. 19-60666 CDU: 349.44(81) Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Anelize Pantaleão Puccini Caminha Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Mestre em Direito e especialista em Processo Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Autora de artigos científicos e livros na área de Direito e professora no nível superior e em cursos preparatórios. É sócia-proprietária em um escritório de advocacia. Sumário Apresentação 7 1. A questão urbana no Brasil 9 1.1 A evolução do direito urbanístico no Brasil 10 1.2 Questões políticas e governamentais 14 1.3 Questões sociológicas e econômicas 19 2. Planejamento urbano 25 2.1 O planejamento urbano no Brasil 26 2.2 Zoneamento e transporte 31 2.3 Gestão democrática 34 3. Estatuto da Cidade 43 3.1 Implementação do Estatuto da Cidade 43 3.2 Cidades sustentáveis 51 3.3 Serviços públicos 55 4. Gestão da cidade 63 4.1 O planejamento de gestão da cidade 63 4.2 Mobilidade urbana 70 4.3 Violência urbana 77 5. Espaço urbano 85 5.1 Reforma urbana 86 5.2 Custos e financiamento urbano 92 5.3 Fiscalidade e extrafiscalidade urbanística 96 Gabarito 107 Apresentação O espaço urbano brasileiro é organizado de diversas formas que possibilitam à população transitar livremente. Essa organização é regulamentada pelo direito urbanístico, que trata de diversos fatores da sociedade, como mobilidade e sustentabilidade urbanas, além de abordar assuntos relacionados à violência nas cidades. Compreende-se, portanto, a necessidade do estabelecimento de legislações que regulamentem a organização do espaço urbano de modo que este se desenvolva adequadamente e sem causar prejuízos ao meio ambiente. Cada capítulo deste livro é destinado à compreensão estrutural e funcional dos sistemas urbanos. Assim, aborda-se, primeiramente, uma noção geral e introdutória do estudo do direito urbanístico e analisam-se os principais conceitos e as legislações mais importantes no Brasil. Em seguida, destacam-se o modelo ideal de desenvolvimento urbano e os desafios que o país encontra para implementá-lo. Por fim, discorre-se sobre alguns problemas encontrados nos espaços urbanos brasileiros e as possíveis soluções para essas questões. Todo conteúdo abordado nos capítulos desta obra está atualizado com base na legislação urbana vigente. Além disso, para que este estudo se torne mais prático, ao fim de cada capítulo há atividades que integram e aplicam os assuntos estudados em situações cotidianas. 8 Legislação e políticas urbanas Em suma, este livro apresenta informações básicas para a compreensão geral das legislações urbanísticas brasileiras e destina-se a estudantes e profissionais que buscam o aprofundamento sobre as principais questões do espaço urbano brasileiro. Bons estudos! 1 A questão urbana no Brasil A questão urbana brasileira passou por muitas evoluções, desenvolvendo-se ao longo dos ciclos econômicos do Brasil e, principalmente, por meio da Constituição Federal de 1988, que deu início à positivação do direito urbanístico, o qual se relaciona com o direito ambiental. Neste capítulo, em particular, iremos estudar o surgimento do direito urbanístico no Brasil, analisando seus principais conceitos, a interpretação da doutrina majoritária, a sua organização, o seu impacto político-governamental e econômico-social, de que forma é aplicado e executado e como regulamenta e organiza os espaços habitáveis da comunidade. Além disso, compreenderemos as questões econômicas e sociais do direito urbanístico, identificando duas dimensões: a regulação da propriedade urbana e a gestão política da infraestrutura pública. Ainda neste capítulo, abordaremos os aspectos políticos e governamentais relativos à questão urbana no Brasil, antes e após o advento da Constituição Federal de 1988, discorrendo, portanto, sobre o estabelecimento de poderes específicos para a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, e buscando equilíbrio entre o direito de propriedade e sua função social. 10 Legislação e políticas urbanas 1.1 A evolução do direito urbanístico no Brasil Para compreender a evolução do direito urbanístico no Brasil, faz-se necessário distingui-lo de urbanismo. O urbanismo surgiu, primeiramente, com o objetivo de embelezar os locais que os povos habitavam, evoluindo para um conceito social de cidade. Já o direito urbanístico é um ramo do Direito que está em processo de construção e tem como objetivo regulamentar e legislar as atividades urbanas, ou seja, os espaços da população que vive em cidades, possibilitando ao Poder Público atuar ativamente nas áreas privadas. Assim, se o urbanismo é a ciência que pretende encontrar os meios adequados para a interação entre a urbanização e a qualidade de vida do homem, o direito urbanístico é o conjunto de normas que visam regular a atividade urbana. Desse modo, o direito urbanístico procura assegurar, além de reforçar, a forma como a sociedade se organiza na vida privada (direito privado). Por se constituir de normas que procuram realizar o que não se concretiza por meio das forças sociais, pode ser conceituado, também, como direito do urbanismo, tendo como característica básica a constituição de normas jurídicas destinadas a compor o equilíbrio dos interesses gerais da comunidade. Além disso, o direito urbanístico pode ser considerado um dos principais componentes constitutivos da questão territorial e apresenta traços no ordenamento jurídico brasileiro. Alguns exemplos que também se aplicam ao direito urbanístico na legislação brasileira são o direito fundamental à moradia (acesso à terra urbana), o planejamento urbano, a atividade de gestão urbanística e a regularização fundiária, que não se encontram ligados entre si de modo tão orgânico quanto ao caráter sistemático da divisão metodológica dos ramos que o Direito poderia sugerir. De acordo com Jacquignon e Danan (1979, p. 628-629), A questão urbana no Brasil 11 o Direito Urbanístico é o conjunto de regras através das quais a administração, em nome da utilidade pública, e os titulares do direito de propriedade, em nome da defesa dos interesses privados, devem coordenar suas posições e suas respectivas ações com vistas à ordenação do território. Com base na ideia relacionada ao direito urbanístico, apresentada anteriormente, deve haver equilíbrioentre os interesses públicos e os interesses privados, visando à ordenação do território. A palavra urbanismo vem do latim urbs, cujo significado é cidade. Sendo assim, Silva (2008) afirma que o conceito de urbanismo está relacionado ao estabelecimento humano na cidade e, portanto, ligado diretamente à cidade e às suas necessidades. Desse modo, compreende-se que o direito urbanístico decorre da necessidade de regulamentar o desenvolvimento das cidades, sendo fundamental que o Poder Público atue na esfera privada, respeitando o princípio da legalidade, para organizar e ordenar os interesses da coletividade que habita determinado espaço. Assim, tem-se um conjunto de normas que buscam o equilíbrio entre os interesses públicos e privados relacionados à questão urbana no Brasil. Pode-se definir o direito urbanístico por meio de três conceitos: conceito intermediário, conceito restrito e conceito amplo. O conceito intermediário afirma que o direito urbanístico se estende, “ainda que ultrapasse as fronteiras da cidade, ou que não seja alheio às implicações de ordem econômica, social e ambiental que resultem das opções do ordenamento do território” (MONTEIRO, 1995, p. 9-10). Segundo esse autor, direito urbanístico é “o conjunto de normas e princípios jurídicos que disciplinam a atuação da Administração e dos particulares com vista ao correto ordenamento da ocupação, utilização e transformação dos solos para fins urbanísticos” (MONTEIRO, 1995, p. 9-10). Diante das definições apresentadas por Monteiro (1995), pode-se entender que o direito urbanístico pertence apenas à atividade humana 12 Legislação e políticas urbanas que se projeta sobre o território, ou seja, que pretenda transformá-lo com fins urbanizadores. Esse é o conceito escolhido para o presente estudo, visto que é o que melhor esclarece o sentido e o alcance do direito urbanístico. Já segundo o conceito restrito, o direito urbanístico não contempla a regulamentação jurídica do espaço rural nem as regras de equilíbrio entre a cidade e o campo. Dessa forma, é: o sistema das normas jurídicas que, no quadro de um conjunto de orientações em matéria de Ordenamento do Território, disciplinam a atuação da Administração Pública e dos particulares com vista a obter uma ordenação racional das cidades e da sua expansão. (AMARAL, 1994, p. 17) Com base nessa citação, entende-se que o direito urbanístico fica restrito a criar normas e regramentos para as cidades. Portanto, não se atenta às questões relativas à organização da atividade rural e, tampouco, à interação entre a atividade rural e a atividade urbana. Por fim, para o conceito amplo, o direito urbanístico “é o conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos, sistematizados e informados por princípios apropriados, que tenha por fim a disciplina do comportamento humano relacionado aos espaços habitáveis” (MOREIRA NETO, 1977, p. 56). Os espaços habitáveis, segundo Moreira Neto (1977), são os espaços que são realmente habitados, isto é, os que se destinam à habitação das pessoas na cidade, diferentemente dos espaços meramente potenciais, como é o exemplo dos oceanos e rios, do espaço aéreo e dos satélites (naturais e artificiais). Desse modo, como regra geral, o direito urbanístico relaciona-se ao território com solo (SPANTIGATI, 1973). Sendo assim, compreende-se que o conceito amplo tem como objetivo disciplinar a forma como as pessoas se relacionam com o ambiente onde vivem e habitam. Assim, busca a regulamentação da atividade privada, ou seja, das pessoas que moram no local, na cidade onde moram. A questão urbana no Brasil 13 Abordados os três conceitos (intermediário, restrito e amplo), entende-se que o intermediário é o que melhor se enquadra ao direito urbanístico. Verifica-se que, ao não se restringir a utilização do solo urbano, como se observa no conceito restrito, não ocorrem falhas. Isso se explica porque o direito urbanístico não está restrito apenas a disciplinar a utilização do solo urbano, mas também a regulamentar a utilização levando em consideração os interesses públicos e privados. Ainda, não se opta pelo conceito amplo, pois é necessário organizar o direito urbanístico de modo mais adequado, limitar o planejamento urbano e sua gestão e regulamentar o uso, a ocupação e o parcelamento do solo no espaço urbano. O direito urbanístico está presente no artigo 182 da Constituição Federal (CF) de 1988, no dispositivo que positiva a questão urbana no Brasil. A saber: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (BRASIL, 1988) Nesse sentido, é possível concluir que o direito urbanístico se efetiva por meio da ação do Estado com o objetivo de transformar o espaço urbano. Portanto, há uma busca pela efetivação da política urbana, podendo, assim, afastar a ideia de que o Estado intervém na propriedade somente para restringir o direito do proprietário e passando a desenvolver o conceito de que a atividade estatal é fundamental para a organização do território. Logo, o Estado não tem como função apenas a regularização, mas, também, deve se adequar à realidade orçamentária. A atividade financeira do Estado é influenciada pela capacidade de gestão política do fundo público. No entanto, para que o Estado possa regulamentar o solo urbano, é necessário que haja atividade financeira e capacidade de gestão. Dessa forma, há a efetivação das políticas públicas urbanas adequadas, inclusive com a 14 Legislação e políticas urbanas infraestrutura pública. Portanto, o orçamento estatal destinado à implementação de políticas públicas urbanas é extremamente importante no contexto brasileiro. De acordo com o artigo 182, parágrafo 2º, da Carta Política de 1988, “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” (BRASIL, 1988). Com base nesse artigo, observamos que a atual Constituição Federal consagrou o direito de propriedade com exercício de sua função social. Dessa forma, entende-se que, embora seja privada, a propriedade deve se adequar à sua função social, com o objetivo de oferecer igualdade social sem perder seu caráter individual. Nesse sentido, para que esteja de acordo com a sua função social, uma propriedade deve ser habitada ou utilizada para fins sociais. As propriedades que se desviam dessa finalidade, portanto, não buscam os elementos fundamentais previstos na Magna Carta de 1988 – inclusive, a função social da propriedade está prevista na constituição como um direito fundamental (art. 5°, inc. XXIII). 1.2 Questões políticas e governamentais Antes da Constituição Federal de 1988, o direito urbanístico era um ramo do Direito cujo objetivo consistia em organizar as cidades brasileiras. Portanto, o Estado criava normas jurídicas para ordenar a ocupação do espaço urbano, sua localização e uso, sendo regido pela lei de zoneamento em conjunto com as leis estaduais e municipais e com especificações das construções, como altura, número de andares, recuos etc. A Carta Constitucional de 1988 apresentou, no artigo 24, inciso I, uma regulamentação sobre o direito urbanístico, atribuindo competência legislativa concorrente à União e aos Estados membros para regulamentar tal matéria. Já aos municípios está A questão urbana no Brasil 15 estabelecida competência privativa para executar a política urbana e a ordenação do território, corroborada pela Constituição Federal (art. 30, VIII, e art. 182). Entretanto, cumpre destacar que, com base no artigo 29, caput, da Constituição Federal, o município possui competências legislativas para a sua capacidade de auto-organização por meio de lei orgânica, e para legislar sobre interesse local conforme as peculiaridades e necessidades ínsitasà localidade, como prevê o artigo 30, inciso I (BRASIL, 1988). Ainda segundo a Lei Fundamental de 1988 (art. 30, inc. II), o município possui competência legislativa suplementar à legislação federal ou estadual com base no interesse local. Por fim, de acordo com Lenza (2018), cada município deverá criar o seu plano diretor obrigatório. A regra vale para todos os municípios com mais de 20 mil habitantes, servindo como meio de aplicação da política de expansão urbana e de desenvolvimento, conforme artigo 182, parágrafo 2º, da CF (BRASIL, 1988). Acerca do direito material, o Texto Magno de 1988 dispõe de um capítulo próprio para a Política Urbana (Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, Capítulo II – Política Urbana, arts. 182 e 183), estruturando de uma nova forma o direito urbanístico brasileiro. Desse modo, incluiu o bem-estar dos habitantes e o planejamento como indissociáveis da organização do espaço urbano, previstos no caput do artigo 182, que “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (BRASIL, 1988). Com base no artigo 183 da Constituição Federal de 1988, verifica-se a regra do usucapião especial urbano. A previsão é de que as pessoas que utilizam um imóvel na área urbana para sua moradia, sem a oposição do proprietário, poderão ficar com o domínio do bem após 5 anos de uso. Assim dispõe o texto: 16 Legislação e políticas urbanas Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (BRASIL, 1988) Dessa forma, verificamos nesse artigo um exemplo de aplicação da proteção à função social da propriedade, compreendendo-se, portanto, que os imóveis urbanos deverão ser habitados. Em 2001, foi publicada a Lei Federal n. 10.257, chamada de Estatuto da Cidade, com o objetivo de editar as regras gerais voltadas para a política urbana estabelecidas sobre o planejamento urbano, as suas diretrizes, os seus princípios, os seus instrumentos, as suas competências e as suas sanções em caso descumprimento das normas. A partir da Carta Constitucional de 1988, o direito urbanístico brasileiro ganhou intensa notabilidade em todas as esferas federativas, garantindo realidade, efetividade e complexidade. No atual texto, verifica-se que foram incluídos diversos dispositivos com diretrizes acerca do desenvolvimento urbano. O direito ambiental é um deles, impactando diretamente no direito urbanístico. Com isso, tem-se a inserção de produções normativas não institucionalizadas. Compete à União elaborar e executar os planos de ordenação do território, nas esferas regionais e nacionais, e de desenvolvimento econômico e social. Verifica-se que a política de desenvolvimento urbano, cujo objetivo é o planejamento e a gestão das cidades, está positivada no Capítulo II do Título VII, da Constituição Federal, que trata da ordem econômica e financeira do país, regulamentando o A questão urbana no Brasil 17 programa de ação governamental que visa à ordenação dos espaços habitáveis como política pública. Já para que a intervenção voltada à ordenação dos espaços habitáveis seja feita de modo adequado, é necessária a participação da sociedade civil e a cooperação da iniciativa privada e dos demais setores da sociedade, visando à promoção do processo de urbanização e sendo realizada pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios. As normas de direito urbanístico são, portanto, de direito público, pois necessitam da intervenção do Estado. O papel do município na execução da política de desenvolvimento urbano é de suma importância, visto que está expresso na Constituição Federal, no artigo 182, caput, que o Poder Público Municipal deverá executar as diretrizes gerais fixadas na lei federal. Ainda, tem-se como diretrizes gerais o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) e o Estatuto da Metrópole (Lei n. 13.089/2015). Em 1996, a Emenda Constitucional n. 15 alterou a Constituição Federal nos seguintes termos: Art. 18. § 4º – A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. (BRASIL, 1996) Assim, é função do Estado legislar sobre a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento dos municípios, desde que os Estudos de Viabilidade Municipal sejam apresentados e publicados na forma legal. Na sequência, deve ser realizada a consulta prévia por meio de um plebiscito entre os cidadãos envolvidos e observando o prazo determinado pela lei complementar federal. Ao município cabe a responsabilidade de elaborar planos diretores obrigatórios em cidades com mais de 20 mil habitantes, 18 Legislação e políticas urbanas que devem ser editados por meio de lei municipal. Ainda, deve limitar o perímetro em que o aproveitamento do solo urbano não edificado, não utilizado ou subutilizado pode ser exigido pelo Poder Público, com a aplicação dos instrumentos elencados no artigo 182, parágrafo 4º, da Constituição Federal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive, já se manifestou no seguinte sentido: É pacífico o entendimento desta Corte Superior de que o Município tem o poder-dever de agir para fiscalizar e regularizar loteamento irregular, pois é o responsável pelo parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, atividade essa que é vinculada, e não discricionária. (BRASIL, 2017) Dessa forma, compreende-se que é subsidiária a responsabilidade pelas obras de infraestrutura necessárias para a regularização de loteamento privado pelo ente municipal. Nesse sentido, é importante salientar que o artigo 40 da Lei 6.766/1979 deve ser aplicado e interpretado conforme a Constituição Federal (BRASIL, 2003). Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes. (BRASIL, 1979) Portanto, o ente municipal não tem a faculdade, mas o dever de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, preservando o padrão urbanístico e o bem-estar social. Com efeito, o Texto Magno firmou dois objetivos centrais para nortear o desenvolvimento urbano: a ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem- estar de seus habitantes (CF, art. 182, caput), devendo o primeiro estar disposto no plano diretor do município. Frise-se que os objetivos citados têm relação direta com os direitos ao trabalho, à moradia, ao transporte e ao lazer, os quais A questão urbana no Brasil 19 estão positivados no artigo 6º do Texto Constitucional. Esses direitos sociais fundamentais são de segunda geração, ou seja, direitos que devem ser garantidos pelo Estado para a sociedade, conforme dispõe o artigo 6º da Constituição Federal. Ao analisar o artigo 225, que assegura o meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações, e o artigo 182, que positiva os objetivos da política de desenvolvimento urbano, nota-se que deve ser promovido o desenvolvimento urbano sustentável como modelo de desenvolvimento. Comisso, a política urbana brasileira deve ser implementada com o crescimento econômico, a inclusão social, a preservação e a solidariedade intergeracional ambiental em equilíbrio. Esse modelo de desenvolvimento urbano sustentável está positivado no capítulo que trata da garantia do direito às cidades sustentáveis no Estatuto da Cidade (art. 2°, I). 1.3 Questões sociológicas e econômicas O direito urbanístico também impacta na atividade econômica, pois deve levar em conta a forma como o espaço urbano é organizado e a sua relação social. Portanto, o espaço urbano deve ser entendido também como uma atividade econômica, pois o desenrolar do processo econômico urbano é essencial para a execução das normas de direito urbanístico. A atividade urbanística deve ser identificada como a regulação da propriedade urbana e a gestão política da infraestrutura pública. A primeira deriva da faculdade que o Poder Público possui para definir as regras de construção, dentre elas o uso e ocupação do solo. Já a segunda decorre do valor que a propriedade possui, visto que se alimenta de uma custeada e mantida infraestrutura. Assim, o Estado deve implementar de forma adequada o equilíbrio entre o público e o privado. Desse modo, tendo em vista que os objetivos da política urbana são o desenvolvimento pleno das funções sociais da cidade e a 20 Legislação e políticas urbanas garantia do bem-estar dos habitantes, as políticas urbanas devem levar em consideração as questões ambientais. Isso se explica não apenas pelo fato de que as cidades se desenvolvem no solo, mas também porque outros bens ambientais são diretamente afetados pelas transformações urbanas (RODRIGUES, 2017). Assim, temos dois princípios constitucionais que servem de base para as questões sociológicas e econômicas do direito urbanístico no Brasil. O Princípio da Função Socioambiental da Propriedade, (art. 186, inc. II, CF), segundo o qual devem ser observadas as questões de preservação ambiental, princícipio este que deve ser lido de acordo com o artigo 1.228, parágrafo 1º, do Código Civil. É importante salientar que, além do exposto, segundo Amado (2018), o direito de propriedade precisa ser exercido de acordo com as finalidades econômicas e sociais. Já o segundo princípio-base é o Princípio do Desenvolvimento Sustentável ou Ecodesenvolvimento. Há a previsão implícita desse princípio na Constituição Federal nos artigos 2251 e 170, VI2, e, ainda, está expresso na Declaração do Rio sobre ambiente e desenvolvimento no princípio 43. Atente-se, contudo, que deve ocorrer uma ponderação, tendo em vista o princípio da proporcionalidade entre o direito fundamental ao desenvolvimento econômico e o direito à preservação ambiental (AMADO, 2018). 1 “Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988). 2 “Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação [...]” (BRASIL, 1988). 3 “Para se alcançar um desenvolvimento sustentável, a protecção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada separadamente” (ONU, 1992). A questão urbana no Brasil 21 Diante da necessidade de aplicação do desenvolvimento econômico e social em conjunto com a preservação e qualidade do meio ambiente, deve-se observar o artigo 4°, inciso I, da Lei n. 6.938/19814. Dessa forma, é possível compreender que o espaço urbano é determinado por um conjunto de comportamentos individuais e adequados socialmente. A sua regulamentação deve ser adequada à propriedade privada e capitalizada via orçamento público, encontrando equilíbrio entre os interesses públicos e privados. Considerações finais Neste primeiro capítulo, estudamos os principais conceitos de direito urbanístico e o papel fundamental da Constituição Federal na conceituação desse importante ramo do Direito. As questões que abordam o planejamento urbano são importantes na organização do Estado, tendo em vista o seu papel fundamental na política urbana. Além disso, observamos a forma como as cidades brasileiras eram organizadas antes da Constituição Federal de 1988, as leis de zoneamento em conjunto com leis estaduais e municipais e a mudança que ocorreu após a presente Constituição, atribuindo as competências para cada ente público, além da aplicação de princípios fundamentais. Compreendemos, também, os objetivos constitucionais essenciais para a política urbana – o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes –, aplicando-se, assim, um modelo de desenvolvimento urbano sustentável. Identificamos, ainda, além das políticas governamentais, as questões sociológicas e econômicas que devem ser levadas em 4 Lei n. 6.938/1981: “Art 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I – à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico [...]” (BRASIL, 1981). 22 Legislação e políticas urbanas consideração para a aplicação do direito urbanístico, utilizando os princípios da função social da propriedade e do desenvolvimento sustentável para a formulação das normas urbanísticas. Por fim, ao longo deste capítulo, compreendemos que o direito urbanístico é o ramo do Direito que busca a organização do espaço urbano de acordo com os interesses públicos e privados, levando em conta os princípios fundamentais e a proteção do meio ambiente. Logo, devemos pensar o espaço urbano não só como uma organização pública, mas como a intersecção entre os interesses de todos que nele habitam. Ampliando seus conhecimentos • MUKAI, T. Direito urbano e ambiental. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006. Esse livro é uma leitura complementar ao assunto abordado, pois trata da interação entre o direito urbanístico e o direito ambiental no contexto atual do Brasil. Nessa obra, o autor desenvolve com clareza os principais conceitos dessas áreas e apresenta a interação delas com os demais ramos do Direito. • SABER direito – Direito Urbanístico – Aula 1. 2018 (55 min.). Publicado pelo canal TV Justiça Oficial. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=o-5MbeRUp_8. Acesso em: 27 set. 2019. Para uma análise mais detalhada sobre o tema abordado neste capítulo, assista às aulas do professor Thiago Marrara, as quais apresentam um panorama geral sobre o direito urbano no Brasil. Nesse vídeo, o professor aborda temas como a Emenda Constitucional n. 15/1996 e outros trabalhados no presente capítulo. A questão urbana no Brasil 23 Atividades 1. Com base nas competências atribuídas à União, aos estados membros e aos municípios, como podemos definir a regulamentação sobre direito urbanístico? 2. Mencione e fundamente os objetivos essenciais para o desenvolvimento urbano. 3. Tendo em vista as questões sociológicas e econômicas do direito urbanístico, quais princípios devem ser levados em consideração para a implementação da política urbana? Justifique. Referências AMADO, F. Direito ambiental. 9. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2018. AMARAL, D. F. do. Ordenamento do território, urbanismo e ambiente. Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, Coimbra, Almedina, n. 1, 1994. BRASIL. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 20 dez. 1979. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6766.htm. Acesso em: 17 out. 2019. BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 deagosto de 1981. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 2 set. 1981. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm. Acesso em: 17 out. 2019. BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 11 out. 2019. BRASIL. Emenda constitucional n. 15, de 12 de setembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 13 set. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/ emc15.htm. Acesso em: 11 out. 2019. 24 Legislação e políticas urbanas BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 448216/SP 2002/0084523-8. Diário da Justiça, 17 nov. 2003. Disponível em: https://www.polis.org.br/ uploads/1158/1158.pdf. Acesso em: 17 out. 2019. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1326903 DF 2012/0116422- 6. Diário da Justiça, 28 nov. 2017. Disponível em: https://stj.jusbrasil. com.br/jurisprudencia/525543619/recurso-especial-resp-1326903- df-2012-0116422-6. Acesso em: 17 out. 2019. JACQUIGNON, G. P. L.; DANAN, Y. M. Le Droit de l’urbanisme. Annales de Géographie, t. 88, n. 489, p. 628-629, 1979. LENZA, P. Direito constitucional esquematizado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. MONTEIRO, C. O embargo e a demolição de obras no Direito do Urbanismo. Lisboa, 1995. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Lisboa. MOREIRA NETO, D. de F. Introdução ao direito ecológico e ao direito urbanístico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. ONU - Organização das Nações Unidas. Declaração do rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. In: CNUMAD – CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 3-14 jun. 1992, Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.mma. gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21- global?tmpl=component&print=1. Acesso em: 23 out. 2019. RODRIGUES, M. A. Direito ambiental esquematizado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. SILVA, J. A. da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008. SPANTIGATI, F. Manual de derecho urbanistico. Trad. de Diorki. Madri: Montecorvo, 1973. 2 Planejamento urbano O desenvolvimento do direito urbanístico no Brasil necessita da regulamentação do espaço urbano brasileiro. Desse modo, é indispensável a imposição de alguns critérios específicos para a expansão de cidades e municípios. Neste capítulo, vamos compreender a diferença entre urbanismo e direito urbanístico, bem como a importância do plano urbano para o pleno desenvolvimento das cidades, tendo em vista sempre o bem‑estar da população. Desse modo, é importante verificarmos de que forma o espaço urbanístico é regulamentado no direito brasileiro em vigor, observando a função de cada órgão público no estabelecimento da política pública urbana e como é realizada a participação popular no desenvolvimento do regramento. Observaremos a evolução do direito urbanístico, como é regulamentado na Constituição Federal de 1988 e os critérios específicos para o desenvolvimento urbano, que, muitas vezes, consistem na necessidade de um plano diretor. Além disso, analisaremos o zoneamento urbano como forma de execução e organização de uso e ocupação do solo. Vamos estudar ainda a participação popular na criação e execução de políticas públicas, com foco na organização do espaço urbano. Por fim, neste capítulo, compreenderemos o desenvolvimento urbano, sua regulamentação, sua execução por meio de zoneamento urbano e como é realizada a participação popular na política urbana. 26 Legislação e políticas urbanas 2.1 O planejamento urbano no Brasil Os ambientes urbanos cresceram e têm crescido de modo acelerado e, consequentemente, desproporcional. Dessa forma, com o objetivo de organizar e controlar o desenvolvimento das cidades, houve a necessidade de regulamentações locais e intervenções diretas no ambiente urbano, a fim de melhorar questões como mobilidade, qualidade de vida dos habitantes e sustentabilidade. Como reação ao impacto ambiental causado pelas cidades industriais, no fim do século XX, a expressão desenvolvimento sustentável passou a ser utilizada, pensando no desenvolvimento das cidades sem ocasionar a deterioração do meio ambiente. Diante disso, faz‑se necessário um planejamento urbano que leve em consideração fatores como o equilíbrio entre o direito urbanístico e a necessidade de implementação de políticas que visem à preservação ambiental, com o estabelecimento de equidade social e crescimento econômico das cidades e metrópoles. No entanto, antes de se analisar o planejamento urbano, é importante compreender o conceito de urbanismo, que, conforme Meirelles (2007, p. 511), “é o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade”. Desse modo, o urbanismo estuda o planejamento e o desenvolvimento das cidades, com foco na organização de áreas metropolitanas, sendo que, para um planejamento urbano adequado, é necessária a interação entre diversas ciências, como engenharias, ciências sociais e arquitetura. Compreende‑se, portanto, que o planejamento urbano trata do crescimento e do funcionamento das cidades, com a implementação do zoneamento local, que objetiva organizar o espaço urbano. Outras tarefas importantes do planejamento urbano consistem em estabelecer critérios de infraestrutura das áreas urbanas e, zoneamento local: sistema regulamentador do uso do solo urbano. Planejamento urbano 27 conforme disposto na Constituição Federal de 1988, implementar regulamentações ambientais que promovam o desenvolvimento sustentável. Para promover qualidade de vida aos moradores de determinada região e conectar os interesses coletivos e individuais, é necessário o planejamento de construções locais, zoneamento, transporte, saneamento básico, entre outros, atentando para a preservação do meio ambiente, a fim de impedir sua degradação. Esse planejamento necessita de um conjunto de profissionais com habilidades específicas, que devem acordar e estabelecer regras para o desenvolvimento da área urbana local. Outro fator a se considerar é a regulamentação para o uso do solo, subsolo e espaço aéreo da cidade, conceituada pelo direito urbanístico. Há, ainda, a função urbanística, que estabelece como o espaço urbano será utilizado para habitação, comércio, cultura, entre outros. Antes da CF de 1988, havia fragmentação do direito urbanístico, devido a diversas normas esparsas existentes, que estabeleciam critérios para a implementação da cidade. Não existia a consolidação do regramento de modo unificado e organizado. No Estado brasileiro foi necessária, a partir da instauração da República em 1988, a criação e implementação de departamentos específicos para o desenvolvimento urbano. Com isso, formou‑se uma estrutura de administração municipal com critérios estabelecidos na Constituição Federal. No que se refere ao direito urbanístico, a Constituição Federal é organizada em normas materiais e normas de competência urbanística. As materiais estabelecem regras de institutos, normas de direito à moradia, função social da propriedade, entre outros. Já as normas de competência, estabelecem as regras de ação e execução do Poder Público no espaço urbano. 28 Legislação e políticas urbanas Ao longo do desenvolvimento da sociedade, houve, portanto, a necessidade de criação de regras específicas para o planejamento urbano, tornando as suas normas técnico‑jurídicas. Atualmente é possível verificar que a organização do território nacional é positivada no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, existem regras específicas para a sociedade se organizar no espaço urbano. Conforme estudado no capítulo anterior, a Constituição Federal de 1988, visando à inclusão social e ao desenvolvimento sustentável das cidades, estabeleceu nos artigos182 e 183 a política urbana, com a implementação de normas que objetivam regular o crescimento urbano. Os planos de ordenação territorial na esfera nacional e regional e as respectivas execuções devem ser estabelecidos pela União Federal. De acordo com o artigo 21, inciso IX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), é competência da União “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. Entretanto, é preciso salientar que os planos de ordenação do território devem observar o desenvolvimento econômico e social para serem implementados. Verifica‑se, ainda, na Constituição Federal, que o Estado deve estabelecer, por meio de lei, as diretrizes e bases para o desenvolvimento nacional equilibrado, conforme dispõe o artigo 174, § 1º: “A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.” (BRASIL, 1988). Com base nisso, compreende‑se que as diretrizes e bases do planejamento devem se estabelecer de modo compatível com os planos nacionais e regionais, e o desenvolvimento das zonas urbanas por meio de planos nacionais e regionais deve sempre estar equilibrado. Com a positivação do planejamento urbano, por meio da referida previsão constitucional, tem‑se uma imposição jurídica e, Planejamento urbano 29 nesse sentido, a Carta Constitucional determina uma obrigação de elaborar planos. Consequentemente, sendo integrantes da lei, os planos adquirem força de lei, conforme estabelece o artigo 48, inciso IV. Portanto, há a necessidade de o Congresso Nacional dispor de planos e programas de desenvolvimento objetivando sua efetiva regulamentação. De acordo com Silva (2008, p. 91), a obrigatoriedade de planos suscita controvérsias na doutrina e a discussão tem em vista o valor jurídico do plano, que pode ser de dois tipos: plano imperativo e plano indicativo. Consoante Silva (2008, p. 91), no plano imperativo, as diretrizes são impostas por meio de um conjunto de normas obrigatórias do Poder Público para a coletividade. Já no plano indicativo, as normas são sugestivas, ou seja, o Poder Público sugere a coletividade e os indivíduos são livres para se ajustar ou não às normas. Ainda, conforme o artigo 174 da Constituição Federal (BRASIL, 1988): “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. Portanto, o plano diretor deve ser aplicado de modo imperativo ao setor público, sendo, inclusive, obrigatório para os municípios com mais de 20 mil habitantes, conforme o artigo 182, parágrafo 2º, da CF. Para o setor privado, o plano diretor serve como mecanismo indireto de planejamento, portanto é indicativo, isto é, pode‑se encontrar sugestões. Entretanto, ao analisar os dispositivos anteriores e levar em consideração que a definição do plano diretor é a lei que normatiza a política de desenvolvimento urbano de determinado município, verifica‑se a presença de disposições que estabelecem uma diretriz para estimular a organização do espaço urbano, mas há também 30 Legislação e políticas urbanas regras de caráter obrigatório ao se estabelecer critérios e restrições para a construção nas cidades. Desse modo, compreende‑se que há regras para estimular o desenvolvimento da cidade para certo rumo, como incentivar que determinada região da cidade se desenvolva comercialmente. Assim, embora seja uma imposição indicativa para o setor privado, este não poderá se estabelecer de modo contrário ao plano diretor. A restrição estabelecida pelo plano diretor não se trata de uma restrição ao desenvolvimento econômico, mas ao direito de propriedade, visando à sua função social. Contudo, conforme destaca Silva (2008, p. 94), prefere‑se falar em planos gerais ou planos preparadores e em planos vinculantes, planos especiais, planos particularizados, planos de urbanização ou planos de edificação, impondo‑se, assim, imperativos nos limites da sua normatividade e vinculativos tendo em vista os seus destinatários mais imediatos. Os empreendimentos da cidade, habitacionais ou comerciais, devem se atentar para o planejamento urbano de modo que o seu desenvolvimento seja sustentável, havendo equilíbrio entre os interesses públicos e privados. Além disso, é necessário atentar ao processo de criação de normas jurídicas referentes ao planejamento urbanístico. Por isso, para que o planejamento urbano adquira instrumentos formais e se materialize em determinações objetivas, é fundamental que se desenvolva o plano urbanístico com regulamentações expressas, ou seja, para a instrumentalização do planejamento urbano, é necessário haver a elaboração de planos. Assim, o plano diretor precisa estar de acordo com as diretrizes orçamentárias – orçamento anual e plano plurianual – e, ainda, englobar todo o território do município. Além disso, para o estabelecimento do plano diretor, é necessária a realização de audiências públicas e debates Planejamento urbano 31 envolvendo a população local e as associações que representam a comunidade. Segundo Miranda e Castro (2016), há exigência desse plano diretor para os municípios que: • o número de habitantes exceda 20 mil; • integrem regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; • desejem utilizar instrumentos de parcelamento, edificações ou compulsórios da área urbana; • estiverem inseridos em áreas de interesse turístico; • integrem áreas de influência de empreendimentos ou de atividades com significativo impacto ambiental. Além disso, é importante destacar que, conforme a Lei n. 12.608/2012, há obrigatoriedade do plano para municípios que estejam no cadastro nacional de municípios com áreas em risco de deslizamento de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos (MIRANDA; CASTRO, 2016)1. Ainda, há exigência de revisão do plano diretor pela Lei n. 12.608/2012, no seu artigo 40, parágrafo 3º, a cada dez anos pelo menos, devendo atentar à realidade do município. 2.2 Zoneamento e transporte Zoneamento urbano é a ordenação do uso e da ocupação do solo urbano. Para que haja um efetivo planejamento urbano, é necessário ordenar de que forma ocorrerão o uso e a ocupação do solo nas cidades e regiões, estabelecendo‑se instrumentos legais que visem controlar a estrutura orgânica da região. Segundo Azevedo (1966, p. 349), o instrumento legal é utilizado pelo Poder Público e consiste em “controlar o uso da terra, as densidades da população, a localização, a dimensão, o volume dos edifícios e seus usos específicos, em prol do bem‑estar geral”. 1 No Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257/2001, que será estudado nos próximos capítulos, é possível verificar algumas regras para a organização das cidades. 32 Legislação e políticas urbanas Nesse sentido, pode‑se entender que o zoneamento é o meio pelo qual o Poder Público executa a ocupação da terra urbana, tendo em vista o número de habitantes da região, o local onde o município está e o seu tamanho, além do bem‑estar da população local, objetivando implementar normas de zoneamento adequadas com as necessidades de todos. Alguns doutrinadores entendem que efetivamente há correlação entre o uso e a ocupação do solo. Desse modo, utiliza‑se o zoneamento para implementar regras em relação ao uso e modelo de assentamento urbano (SILVA, 2008, p. 240). Assim, o zoneamento urbano é utilizado como instrumento para o planejamento urbano, pois há a regulamentação pelo sistema legislativo na esfera municipal para a utilização do espaço urbano, impondo‑se, dessa forma, regras para o uso e a ocupação do solo urbano por construtoras, incorporadoras, imóveis particulares e, inclusive, para o próprio Estado. Um dos objetivos do zoneamento é regulamentar aforma de exploração dos recursos naturais, modificando alguns padrões de produção e consumo da zona urbana. Com isso, o zoneamento divide os municípios em zona urbana, zonas urbanizáveis, zonas de expansão urbana e zonas rurais2. O zoneamento urbano não deve se ater apenas ao perímetro urbano, devendo ser projetado para todo o território sob jurisdição municipal. Ressalta‑se que o município não é o ente competente para estabelecer normas de uso do solo para fins agrícolas e pastorais, mas para orientar como será estabelecida a urbanificação no seu território, evidenciando o que não se deve urbanizar fora do perímetro urbano (SILVA, 2008, p. 241). 2 No presente capítulo, o foco de estudo está nos zoneamentos urbanizável e urbano, tendo em vista que, neste momento, o objetivo não é observar a regulamentação da área rural. Planejamento urbano 33 Assim, verifica‑se que o zoneamento é o instrumento que divide a área urbana por meio de diferentes diretrizes para uso e ocupação do solo. Nesse sentido, observa‑se, além do zoneamento urbano, o zoneamento ambiental, que se destina à proteção das áreas com interesse ambiental. Sendo o conjunto de normas que regulamenta levando em consideração a função social da propriedade (o direito de propriedade e o direito de construir), o zoneamento deve abranger todo o perímetro urbano. Assim, as normas podem ser diferentes em zonas distintas, contudo devem ser iguais em zonas idênticas ou dentro da mesma área. Uma das questões que devem ser abordadas no zoneamento urbano é a mobilidade urbana e o transporte. O artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal estabelece que cabe à União editar diretrizes gerais de mobilidade, portanto tem‑se a Lei de Mobilidade Urbana (Lei n.12.587/2012), que deve ser aplicada pelo município. Já o artigo 30, inciso V, da CF, estabelece que é competência do município o estabelecimento da política de mobilidade urbana (BRASIL, 1988). O escopo da Lei de Mobilidade Urbana é instrumentalizar o desenvolvimento urbano com o objetivo de integrar diferentes formas de transporte, sendo, também, necessária atenção para a melhoria da acessibilidade, para a mobilidade de pessoas e cargas no território municipal. Mesmo após a entrada em vigor do Estatuto da Cidade3, verifica‑ se que o zoneamento ainda é um importante instrumento de controle urbano. A seguir, a Figura 1 apresenta como ocorre a organização das normas de planejamento urbano. 3 O Estatuto da Cidade, que será abordado no próximo capítulo, implementou regras em caráter nacional que devem ser seguidas para o desenvolvimento do planejamento urbano nas cidades. 34 Legislação e políticas urbanas Figura 1 – A organização das normas de planejamento urbano Plano diretor Zoneamento urbano Uso e ocupação do solo Fonte: Elaborada pela autora. Conforme a Figura 1, verifica‑se como devem ser estabelecidas as normas de planejamento tendo em vista a sua evolução e que o plano diretor é o instrumento necessário para estabelecer as normas de zoneamento urbano, com a implantação de regras de uso e ocupação do solo. 2.3 Gestão democrática A noção de política deliberativa e emancipatória deve levar em consideração a concepção participativa. Nesse sentido, Habermas (2002) desenvolve a teoria deliberativa de participação, que busca o equilíbrio entre interesses não predeterminados e divergentes. Sendo assim, o planejamento urbano deve ocorrer de modo democrático, visando ao diálogo entre a população e o Poder Público e à relação entre o cuidado do município com o espaço urbano e o interesse da população local. Um dos objetivos da gestão democrática consiste em assegurar o acesso à moradia digna, ao saneamento básico para todos os Planejamento urbano 35 cidadãos, ao transporte e à mobilidade urbana – elementos das chamadas cidades sustentáveis. Diante da necessidade de encontrar meios para alcançar a melhor qualidade de vida da população, as políticas públicas de desenvolvimento urbano precisam ser elaboradas e executadas de modo planejado e com a participação popular. Dessa forma, tem‑se a participação popular na implementação do planejamento urbano prevista no artigo 37, § 3º, da Constituição Federal: A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. (BRASIL, 1988) O artigo 37, parágrafo 3º, da CF, disciplina de que forma será realizada a participação do usuário do serviço público, ou seja, do cidadão na administração pública. Pode‑se verificar, também, que há a possibilidade de reclamação do serviço público em geral, do livre acesso aos atos do governo e, inclusive, a representação nos casos de negligência ou abuso do poder. Além disso, na Constituição há a previsão da cooperação das associações representativas dos cidadãos no planejamento municipal, conforme o artigo 29, inciso XII. A participação popular também acontece por meio de iniciativas para projetos de lei cujo interesse do município, da cidade ou dos bairros seja específico. Para tanto, deve haver a manifestação de pelo menos cinco por cento do eleitorado, conforme o inciso XIII do referido dispositivo legal. 36 Legislação e políticas urbanas Ainda, a participação da população como forma de soberania popular pode ser exercida por voto ou por sufrágio universal por meio de plebiscito, referendo ou iniciativa popular, conforme dispõe o artigo 14 e seus incisos I, II e III da Constituição Federal. De acordo com o artigo 18, parágrafo 4º, a participação da população acontece, inclusive, na criação do próprio município por meio de plebiscito. A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far‑se‑ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei (BRASIL, 1988). Dessa maneira, verifica‑se que o referido artigo trata da forma de criação do município, da fusão e do desmembramento. Inicialmente não havia a necessidade de criação de Lei Complementar, entretanto foi estabelecido na Emenda Constitucional (EC) 15/1996 que haveria uma Lei Complementar para regulamentar o processo de criação. Além disso, a EC 57/2006 estabeleceu que os processos de criação que ocorreram até o fim de 2006 permaneceriam se tivessem seguido a regulamentação estadual. Portanto, o município é uma pessoa jurídica de direito público interno criada com a participação popular mediante os processos disciplinados na Constituição Federal. A transparência do poder público como forma de gestão democrática e participação popular também pode ser verificada na Lei de Responsabilidade Fiscal, LC n. 101, de 4 de maio de 2000, no Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001 (art. 2°, inc. IV; art. 4º, incs. I, II e III, “f ”; art. 40, incs. I, II e III; e art. 44), na Lei de Diretrizes da Política Nacional de Saneamento, Lei 11.445/2007 (art. 19), na Lei de Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, Lei 12.587/2012 (art. 21). Planejamento urbano 37 A participação popular pode ocorrer em audiências públicas por meio de debates, contando com a representação de diversos segmentos da comunidade. É importante que essas audiências sejam acessíveis e transparentes a qualquer interessado, no que diz respeito aos documentos e às informações. Com isso, constrói‑se um processode implementação das políticas públicas relacionadas às cidades, regulamentando moradia, transporte e mobilidade urbana, uso e ocupação do solo, saneamento e desenvolvimento urbano. Durante a revisão do plano diretor da cidade, pode‑se estabelecer um cronograma como forma de planejamento para o processo. A Figura 2 ilustra o caso que ocorreu em Camboriú, Santa Catarina. Figura 2 – Revisão do plano diretor de Camboriú (SC) 1ª audiência: preparação do processo. 2ª audiência: leitura da realidade local. 3ª audiência: definição de diretrizes e proposições. Elaboração do projeto de lei da revisão do plano diretor. Encaminhamento do projeto de lei à Câmara de Vereadores. Aprovação do projeto. Emendas do projeto. Audiência pública para justificativa técnica por parte do autor da emenda. Aprovação do projeto de lei. Aplicação do plano diretor. Fonte: Elaborada pela autora com base em Camboriú, 2011. Verificamos no exemplo de Camboriú que houve a participação popular em todo o processo de revisão do plano diretor da cidade, 38 Legislação e políticas urbanas que foi elaborado em conjunto com a população local, além disso, foram destinadas algumas vagas para os representantes da sociedade civil visando à participação de todos na organização do espaço urbano. Durante o período de revisão do plano diretor de Camboriú, foram realizadas diversas reuniões e audiências públicas em cada etapa da elaboração, como é possível verificar na Figura 2. A revisão do referido plano diretor sucedeu por meio do Decreto n. 13.04/2011, que autorizou o Conselho Municipal a revisar o plano diretor de desenvolvimento territorial do município. Por meio desse exemplo, chegamos à conclusão de que democratizar a criação e o fortalecimento do espaço urbano com a participação popular significa permitir a participação dos cidadãos e dos diversos setores da sociedade na tomada de decisões. É importante permitir que se impere a democracia para que haja efetivamente combate à corrupção e ao clientelismo na gestão pública. Ainda, com a participação ativa da sociedade no planejamento urbano, há a promoção da inclusão social e a redução das desigualdades no espaço urbano. Portanto, a transparência das audiências públicas é fundamental para se definir objetivos e metas de desenvolvimento urbano. É importante definir nesses momentos as metas de longo, médio e curto prazo, com a distribuição dos recursos financeiros, e a participação popular nesse ato é essencial para se estabelecer os problemas da cidade e as soluções adequadas diante de determinada situação. Dessa forma, tendo em vista o bem‑estar da população, verifica‑se o importante papel da gestão participativa da cidade na política urbana, havendo equilíbrio entre o desenvolvimento sustentável e a garantia de melhores condições de vida para a população. Planejamento urbano 39 Considerações finais Neste capítulo, estudamos o desenvolvimento e a importância do planejamento urbano para o crescimento das cidades. Compreendemos também que, devido ao crescimento da sociedade e à necessidade de organização das metrópoles, houve o estabelecimento da autonomia do urbanismo. Além disso, aprendemos que, visando à organização da área urbana, houve a necessidade de regulamentação da política pública, muito importante para o bem‑estar da população local, que leva em consideração os interesses públicos e privados. Com isso, estudamos diversas formas de legislação de regulamentação do espaço urbano encontradas atualmente no Direito brasileiro e estabelecidas na Constituição Federal, que tratam desde a obrigatoriedade da implementação de plano urbano para cidades com população superior a 20 mil habitantes até as competências estatais para o estabelecimento de diretrizes e bases. Compreendemos, também, que para um efetivo planejamento urbano é necessário estabelecer, por meio do zoneamento urbano, critérios de uso e ocupação do solo. Ainda, é importante que haja harmonia entre as diferentes normas de zoneamento urbano estabelecidas no mesmo perímetro. Consequentemente, verificamos a importância do zoneamento urbano para a execução de normas de mobilidade urbana e de transporte e discorremos sobre a participação popular local como forma de gestão democrática, estabelecida pela Constituição Federal para a implementação da regulamentação urbana. Estudamos ainda que a transparência é imprescindível para a implementação da política urbana e que a participação da população nas audiências públicas também é uma forma de gestão democrática, que visa ao equilíbrio entre o bem‑estar da população e o desenvolvimento sustentável do espaço urbano. 40 Legislação e políticas urbanas Logo, neste capítulo, compreendemos a importância do planejamento urbano, do zoneamento urbano e da gestão democrática no crescimento e na organização das cidades. Ampliando seus conhecimentos • SILVA, J. A. da. Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. Como leitura complementar do assunto abordado, indicamos a leitura do título II – “Do planejamento urbanístico”. Nesse livro, o autor discorre de modo claro sobre a implementação do planejamento urbano no direito brasileiro atual. • SABER direito – Direito Urbanístico – Aula 2. 2018. (57min 10seg). Publicado pelo canal TV Justiça Oficial. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=G2BBG7yQO9o. Acesso em: 9 out. 2019. Para uma análise mais detalhada do tema abordado neste capítulo, assista à aula do professor Thiago Marrara, principalmente de 17min 50 até 34min 20, que aborda um panorama geral sobre o direito urbano no Brasil. Nessa aula, o professor analisa a evolução do direito urbanístico, as normas existentes na Constituição Federal e a execução do direito urbanístico. Atividades 1. De que forma é executado o planejamento urbano no Brasil? 2. Como é analisada a obrigatoriedade do plano diretor nas esferas pública e privada? Planejamento urbano 41 3. Quais são os mecanismos utilizados para a efetiva participação popular no que diz respeito ao direito urbanístico? Referências AZEVEDO, E. de A. Uso desconforme com a destinação do bairro. Revista de Administração Municipal, IBAM, Rio de Janeiro, n. 78, p. 349, mar./abr. 1966. BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 out. 2019. SANTA CATARINA. Decreto n. 1.304, de 3 de agosto de 2011. Diário Oficial do Município, Camboriú, SC, 11 ago. 2011. Disponível em: https:// leismunicipais.com.br/a/sc/c/camboriu/decreto/2011/130/1304/decreto‑n‑ 1304‑2011‑autoriza‑o‑conselho‑municipal‑da‑cidade‑a‑propor‑opinar‑e‑ monitorar‑a‑1‑revisao‑do‑plano‑diretor‑de‑desenvolvimento‑territorial‑ de‑camboriu‑e‑da‑outras‑providencias‑2011‑08‑03. Acesso em: 9 out. 2019. HABERMAS, J. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002. MIRANDA, M. da S.; CASTRO, R. A. de. Manual do procurador do município: teoria e prática. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. MEIRELLES, H. L. Direito municipal brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. SILVA, J. A. da. Direito urbanístico brasileiro. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. 3 Estatuto da Cidade Neste capítulo, vamos compreender a forma de desenvolvimento das cidades, os principais objetivos para o desenvolvimento sustentável e os problemas que atualmente encontramos. Assim, na seção 3.1, vamos analisar quais dispositivos constitucionais o Estatuto da Cidade regulamenta para o uso e a ocupação do solo urbano e rural. Além disso, observaremos as diretrizes gerais definidas pela legislação e as principais mudanças no desenvolvimento urbano. Estudaremos, também, as obrigatoriedades implementadas para o desenvolvimento urbano das cidades e como cada município deve regular seu plano diretor. Em seguida,na seção 3.2, analisaremos os principais objetivos da cidade sustentável. Também discorreremos sobre os mecanismos já implementados no Brasil e qual caminho o país precisa percorrer para se desenvolver de modo sustentável. Por fim, na seção 3.3, vamos conhecer os objetivos e princípios fundamentais do serviço público no Brasil e quais ainda precisam ser implementados pela administração pública. 3.1 Implementação do Estatuto da Cidade Com a Constituição Federal de 1988, houve necessidade de criar instrumentos de política urbana para a organização das cidades com a observação da função social da propriedade e da própria cidade. Assim, incluiu-se no texto constitucional um capítulo sobre política urbana com uma série de instrumentos, alguns exemplos são: parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, IPTU progressivo no tempo, desapropriação com pagamento em títulos e consórcio imobiliário. 44 Legislação e políticas urbanas Diante desse novo contexto, instituído em 1988, foi preciso que se criasse uma legislação nacional específica, com os objetivos de implementar e positivar tais instrumentos. Com isso, iniciou-se o processo de redação do atual Estatuto da Cidade, por meio do Projeto de Lei n. 5.788 de 1990, aprovado em julho de 2001, como Lei n. 10.257. O Estatuto da Cidade é uma lei federal editada pelo Congresso Nacional e se aplica a todos os participantes da Federação. Na prática, essa lei regulamenta os instrumentos previstos nos artigos 1821 e 1832 da Constituição Federal de 1988, mas não se restringe a eles, abordando questões que vão além do que está disposto na norma constitucional. Esse Estatuto divide-se em cinco capítulos. O primeiro apresenta as diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano; o segundo destaca seus instrumentos; o terceiro trata das normas do plano diretor; o quarto evidencia a gestão democrática da cidade; e o último aborda as disposições gerais. Atualmente, tem-se em vigor o Estatuto da Cidade, que tem como objetivos principais regulamentar a política urbana das cidades em esfera nacional, por meio dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, e estabelecer diretrizes gerais da política urbana. Desse modo, o Estatuto da Cidade é a lei federal exigida pela CF para regulamentar as políticas urbanas utilizadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e, principalmente, pelos municípios (BRASIL, 1998). 1 Artigo 182. “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.” (BRASIL, 1988) 2 Artigo 183. “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.” (BRASIL, 1988) Estatuto da Cidade 45 Diante disso, o Estatuto da Cidade prevê alguns instrumentos para a política urbana, como planos nacionais e regionais que objetivem a ordenação do território e o desenvolvimento econômico e social, planos estaduais visando à ordenação do território e ao desenvolvimento econômico e social, planos metropolitanos e plano diretor municipal (SILVA, 2008) – instrumentos necessários para o efetivo desenvolvimento urbano na cidade. As normas estabelecidas pelo Estatuto da Cidade têm o objetivo de regulamentar o uso da propriedade urbana conforme estabelece o parágrafo único do seu artigo 1: Art. 1. Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. (BRASIL, 2001) Assim, compreende-se que a propriedade urbana deve ser utilizada observando o bem coletivo, ou seja, devem ser aplicadas as normas de ordem pública e interesse social. Ainda, salienta-se que o bem-estar e a segurança dos cidadãos devem ser preservados, sem prejuízo e buscando o desenvolvimento do equilíbrio ambiental. Na sequência, o Estatuto da Cidade estabeleceu os objetivos da política urbana, observando a ordenação do pleno desenvolvimento das suas funções sociais. De tal modo, o seu artigo 2 estabelece orientações para o desenvolvimento e a implementação da política urbana. Portanto, o artigo 2 do Estatuto da Cidade é uma concretização do artigo 21, XX, da Constituição Federal, que afirma que a União deve estabelecer as diretrizes de planejamento urbano, garantindo o direito a cidades sustentáveis (BRASIL, 1988). 46 Legislação e políticas urbanas Para a implementação e o desenvolvimento da política urbana, o Estatuto da Cidade estabelece que deve haver cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade. Assim, é indispensável que haja parceria entre a sociedade civil e o poder público, buscando o interesse da sociedade, conforme estabelece o inciso III, do artigo 2 da referida legislação (BRASIL, 2001). Além disso, no referido estatuto há a necessidade de planejar o desenvolvimento das cidades, incluindo investimentos públicos de equipamentos urbanos e comunitários que melhorem as condições de vida locais. Desse modo, tem-se a Lei de Uso e Ocupação do Solo, que busca regulamentar a distribuição do solo em cada área urbana. Embora o Estatuto da Cidade trate prioritariamente de zonas urbanas, verifica-se, também, a integração entre as atividades urbanas e as rurais, tendo em vista a relação de dependência entre essas regiões. Salienta-se que, conforme o parágrafo 2º do artigo 40 do Estatuto da Cidade, o plano diretor não se restringe à zona urbana, devendo ser elaborado de modo que abranja tanto a zona urbana como a zona rural do município (BRASIL, 2001). Nesse sentido, deve-se observar o desenvolvimento socioeconômico de todo o município e seu território, conforme o inciso VII, artigo 2, do referido estatuto (BRASIL, 2001). Ao tratar de desenvolvimento urbano, os gastos públicos devem observar a função redistributiva, conforme estabelece o inciso X do artigo 2 do dispositivo legal referido anteriormente. Portanto, todos os valores provenientes de tributos e impostos devem privilegiar o bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais (BRASIL, 2001). Verifica-se que as diretrizes de planejamento urbano elencadas no Estatuto da Cidade são de observância obrigatória pelos municípios, portanto, possuem força normativa, ou seja, Estatuto da Cidade 47 forma de lei. Por meio da implementação do Estatuto da Cidade houve mudança em três campos distintos do direito urbanístico: • formas de uso e ocupação do solo; • regularização das posses urbanas; • participação direita da população no desenvolvimento de políticas públicas urbanas. Desse modo, entende-se que os instrumentos estabelecidos no Estatuto da Cidade devem ser observados no plano diretor da cidade. Assim, nota-se a importância do plano diretor no artigo 39 do Estatuto da Cidade: Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. (BRASIL, 2001) Com base no artigo mencionado, compreende-se que, para que seja cumprida a função social da propriedade, o Estatuto da Cidade estabelece que devem ser observadas as exigências no plano diretor da cidade, em que há necessidade de atender à qualidade de vida, à justiça sociale ao desenvolvimento das atividades econômicas. Para o desenvolvimento eficaz da função social da propriedade é necessário observar os objetivos estabelecidos no artigo 2 do referido estatuto, tais como a gestão democrática, o planejamento do desenvolvimento das cidades, o controle e uso do solo, dentre outros (BRASIL, 2001). Ainda, por meio da leitura dos dispositivos mencionados no parágrafo anterior, nota-se que o plano diretor é o instrumento básico utilizado para o desenvolvimento e a expansão urbana, desde que seja aprovado por lei municipal. Salienta-se que o plano diretor deve seguir as normas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). 48 Legislação e políticas urbanas De acordo com o Estatuto da Cidade, o planejamento urbano estabelece o equilíbrio entre intervenção urbanística e desenvolvimento das cidades, tratando-se, portanto, de um processo que faz um diagnóstico da área urbana e estabelece metas de desenvolvimento urbano. Sendo o plano diretor o instrumento básico da política de desenvolvimento urbano, conforme estabelecem a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade, verifica-se a abrangência de aspectos econômico, social, físico-espacial e administrativo (SILVA, 2008). Conforme o artigo 41 do Estatuto da Cidade, verifica-se a necessidade do plano diretor nas seguintes hipóteses (BRASIL, 2001): a. Cidades com mais de 20 mil habitantes, de acordo com o inciso I do Estatuto da Cidade, que apenas reafirma a norma prevista no artigo 182, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988. b. Cidades integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, tendo em vista o inciso II do Estatuto da Cidade em consonância com o artigo 25, parágrafo 3º, da Constituição Federal, que estabelece a previsão de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões, mediante lei complementar, pelos Estados. c. Cidades em que se pretenda utilizar pelo Poder Público municipal os instrumentos dispostos no artigo 182 da Constituição Federal, diante do referido no inciso III do Estatuto da Cidade. d. Cidades que integram área de interesse turístico especial, conforme estabelece o inciso IV do Estatuto da Cidade, que deve ser compreendido em conjunto ao artigo 182 da Constituição Federal. e. Cidades estabelecidas em áreas de significativo impacto ambiental, tendo em vista a influência de empreendimentos Estatuto da Cidade 49 ou atividades no âmbito regional ou nacional, conforme inciso V do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). Nesse inciso, verifica-se que em alguma situação o empreendimento local pode gerar um impacto significativo na região, sendo necessário o estabelecimento de critérios e exigências para o seu desenvolvimento por meio do plano diretor. Desse modo, observa-se que, embora tais hipóteses não estejam todas estabelecidas na Constituição Federal, há imposição do plano diretor por meio do Estatuto da Cidade, tendo em vista a necessidade de regulamentação para o desenvolvimento local. Ainda, conforme estabelece o parágrafo 2º, do artigo 41, do Estatuto da Cidade, nos casos em que há mais de 500 mil habitantes há a necessidade de se estabelecer um plano de transporte urbano integrado, que deverá ser compatível ou inserido no plano diretor (BRASIL, 2001). Assegura-se à população o direito à publicidade dos atos praticados pelo Poder Público municipal. Assim, é assegurado o acesso pleno aos documentos e às informações sobre o desenvolvimento da cidade, conforme o artigo 42, parágrafo 4º, incisos II e III do Estatuto da Cidade. Isso acontece para que haja a plena participação da sociedade nas políticas urbanas tendo em vista o acesso à informação adequado (BRASIL, 2001). No que se refere à função social da área urbana, é importante salientar que deve haver um limite para o desenvolvimento da cidade, observando a demanda social e cultural, e não apenas a demanda econômica. A função social da propriedade está prevista no parágrafo 4º do artigo 182 do Estatuto da Cidade. O dispositivo referido anteriormente dispõe sobre os limites dos instrumentos que poderão ser utilizados pelo Poder Público municipal em face do proprietário do imóvel, promovendo o seu adequado aproveitamento (BRASIL, 2001). 50 Legislação e políticas urbanas Desse modo, se em determinada região da cidade houver imóveis abandonados, por exemplo, e também houver grande demanda da sociedade para habitação de moradores de rua, o plano diretor poderá delimitar essa área urbana como subutilizada e destiná-la à habitação. Além disso, verifica-se, no artigo 5, parágrafo 1º, inciso I, do Estatuto da Cidade, a hipótese de considerar um imóvel subutilizado se a sua utilização for inferior ao mínimo definido no plano diretor do imóvel urbano, sendo possível exigir, nesse caso, que o proprietário utilize o potencial mínimo da propriedade (BRASIL, 2001). Continuando o estudo sobre a função social da propriedade urbana, percebe-se que o artigo 42 do Estatuto da Cidade permite que o município delimite quais áreas urbanas não estão cumprindo a sua função social (BRASIL, 2001). Ademais, o artigo 36 do Estatuto debatido no presente capítulo prevê a elaboração do estudo de impacto de vizinhança, que tem como objetivo verificar o impacto de determinado empreendimento no local em que será construído. Entretanto, esse estudo não se confunde com o estudo prévio de impacto ambiental previsto no artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV, da CF, que também pode ser requerido para o desenvolvimento do empreendimento. Além disso, a lei municipal específica prevista no artigo 182, parágrafo 4º da Constituição Federal, não se confunde com o plano diretor. Portanto, para verificar se a propriedade atende efetivamente à sua função social, é necessário observar as exigências presentes no plano diretor e na lei municipal (BRASIL, 1998). A lei orgânica municipal, prevista no artigo 29 da Constituição Federal, desempenha um importante papel na regulamentação dos procedimentos e mecanismos de participação popular e, ainda, na estipulação de prazos para o desenvolvimento e aprovação dos planos diretores. Se não houver a regulamentação, pode ser configurada a Estatuto da Cidade 51 inconstitucionalidade por omissão, que pode ser responsabilidade do Poder Executivo ou Legislativo. Estabeleceu-se, pelo artigo 50 do Estatuto da Cidade, o prazo de cinco anos para que todos se adaptem às exigências previstas nos incisos I e II do artigo 41. O não cumprimento da exigência legal pode acarretar em sanções previstas no mesmo dispositivo legal e a revisão do plano diretor deve ser realizada, no mínimo, a cada dez anos (BRASIL, 2001). A não observância da lei é de responsabilidade do prefeito, estando sujeito à improbidade administrativa pelo inadimplemento com as suas funções. Já a não aprovação do plano diretor pela Câmara Municipal é de responsabilidade dos vereadores locais. Diante disso, entende-se que, buscando promover a reforma urbana necessária para garantir a função social da cidade e da propriedade, o Estatuto da Cidade adota instrumentos como parcelamento, edificação ou utilização compulsórios (art. 5 e 6), IPTU progressivo no tempo (art. 7), desapropriação com pagamento em títulos (art. 8) e consórcio imobiliário (art. 46) (BRASIL, 2001). 3.2 Cidades sustentáveis Em 1992, houve, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual foi aprovado o documento denominado Agenda 21. Esse documento estabeleceu entre os signatários um pacto para a implementação da mudança do padrão de desenvolvimento global para o próximo século. Após essa conferência, houve mudança de padrão de crescimento econômico, tornando o direito ao desenvolvimento e à vida em ambiente saudável um binômio indissolúvel para as futuras gerações, ou seja, deve-se sempre observar o desenvolvimento urbano ligado ao ambiente saudável. Na Agenda 21 foram escolhidos alguns