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Teoria da Conciliação 1 CONCEITO Como já explicado, a conciliação é um método de solução de conflito autocompositivo com intervenção de um terceiro imparcial, o conciliador, que buscará auxiliar as partes a chegarem a uma composição de interesses. Para César Fiuza (1995, p. 56) “[...] a conciliação é processo pelo qual o conciliador tenta fazer que as partes evitem ou desistam da jurisdição, encontrando denominador comum, quer pela renúncia, quer pela submissão ou transação”. A conciliação, genericamente, é uma forma de resolução pacífica de disputas e de lides administrada por um terceiro investido de autoridade decisória ou validatória na questão posta ou delegado por quem a tenha, judicial ou extrajudicialmente, a quem compete aproximar as partes, gerenciando e controlando as negociações, aparando arestas, sugerindo e formulando propostas, no sentido de apontar vantagens e desvantagens, sempre visando um acordo (ZAPPAROLLI, 2020, n.p.). Ou seja, visa-se um acordo de vontade entre as partes, obtido com o auxílio do terceiro – conciliador - que propõe a solução considerando os argumentos de ambas as partes. O conciliador terá um papel mais interventor que o mediador porque fará a sugestão da proposição de acordo, ainda que não seja obrigatória como na arbitragem. Ricardo Soares Stersi dos Santos (2004, p. 20) chama a atenção para o fato de que dependendo da condução da conciliação podem persistir animosidades entre os envolvidos já que na busca de convencê-los a conciliar, o conciliador acaba se concentrando no objeto da disputa e não nos motivos que geraram a controvérsia, podendo dessa forma, possibilitar eventuais tensões futuras, o que diferencia esse método da mediação que busca uma solução duradoura. Eduardo Cambi (2015, p. 880-881) corrobora o papel da conciliação na pacificação social. [...] trata-se de uma forma de evitar a solução do conflito pelo transcurso regular do processo. É a forma mais adequada, célere, econômica e eficaz de resolução de conflitos. Promove a reaproximação das partes, restaura relacionamentos prolongados, contribui para a pacificação social, evita que o litígio seja resolvido com uma decisão impositiva do Estado-Juiz, além de contribuir para o descongestionamento do Poder Judiciário. Deve-se observar os métodos autocompositivos como métodos adequados a determinados conflitos e não com o fim de descongestionar o Judiciário. A autocomposição não deve ser uma imposição, mas uma cultura de emancipação do indivíduo e democratização da solução de conflitos, visando efetivamente a cultura da pacificação social. A consequência natural é o encaminhamento para a “porta certa, adequada, viável” e por fim, deixar o Judiciário para os conflitos que realmente necessitam de uma decisão adjudicada. A conciliação pode ocorrer de forma extrajudicial (fora de um processo judicial) ou judicial (dentro do processo já existente). Diante do sistema brasileiro e da incipiente cultura da pacificação social, a conciliação ainda é uma via “oferecida” dentro do processo civil. 2 CONCILIAÇÃO JUDICIAL Como estudado anteriormente, existem várias portas possíveis e adequadas para solução de conflitos. O profissional do direito deve identificar estas portas e encaminhar o cliente para elas, conscientizando-o das vantagens e desvantagens de cada uma. O sistema processual brasileiro, a partir de 2015, com a Lei 13.105/2015 (CPC), incorporou o sistema multiportas no ordenamento, elencando a conciliação como um método consensual de solução de conflitos que deve ser estimulada por todos aqueles que participam do processo, incumbindo inclusive ao juiz buscar a qualquer tempo a autocomposição entre as partes. Art. 3º, § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; Neste sentido, o CPC, elevou o conciliador à auxiliar do juiz. O conciliador é o terceiro que foi capacitado para buscar as melhores alternativas de negociação entre as partes. Em que pese o juiz ter o poder e dever de buscar a autocomposição, é recomendável que ele se auxilie de alguém que compreenda e utilize as técnicas de negociação adequadas. Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias. O Código de Processo Civil assumiu a responsabilidade de implementar a autocomposição no início do processo civil, durante a fase postulatória, antes da apresentação da defesa, como um estímulo à diminuição da animosidade ou afastamento das partes. Foi neste sentido que a audiência preliminar do art. 334 foi implementada: Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. § 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária. § 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes. (...) § 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. § 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos. (...) § 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença. § 12. A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte. Para dar suporte ao sistema de autocomposição, o CPC determinou que os tribunais criassem os CEJUSCs, como já estudado. Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. § 1º A composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça. § 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. Interessante observar que houve uma opção legislativa em distinguir a conciliação da mediação pelo critério do “vínculo” existente entre as partes, determinando no §2º que o conciliador atue nos casos em que não há vínculo anterior entre as partes. E por que? Porque o conciliador intervém mais, chegando a propor a solução para o conflito, ele não precisa necessariamente se preocupar com a profundidade do conflito porque as partes não possuem comunicação a ser retomada para o futuro. A conciliação tem umaaplicação voltada para questões extracontratuais no sistema processual brasileiro. Em que pese esta intervenção maior do conciliador que pode sugerir a solução para o litígio, ele não tem o “poder de decidir”. Cabe aos litigantes decidirem se querem ou não realizar o “acordo”. De forma alguma podem ser coagidos ou constrangidos pelo conciliador e muito menos pelo juiz. O conciliador também não pode parecer estar do lado de alguma das partes. É fundamental que ele se mantenha imparcial. Neste sentido, o CPC, no art. 166 elenca princípios comuns à conciliação e à mediação: independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e decisão informada. Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. § 1º A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes. § 2º Em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação. § 3º Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição. § 4º A mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais. Em respeito ao princípio da autonomia da vontade das partes, o art. 168 autoriza as partes a escolher, de comum acordo, o conciliador ou o mediador ou a câmara privada de conciliação e de mediação, que não precisam, necessariamente, estar cadastrados no tribunal. Se não houver este acordo para escolha, ocorrerá a distribuição prevista pelo CEJUSC. E quanto a remuneração dos conciliadores judiciais? Exceto os casos de serem concursados (art. 167, §6º), o art. 169 prevê que receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça. Mas, o §1º prevê a voluntariedade, o que tem sido a realidade. Como auxiliares da justiça, o conciliador e o mediador devem comunicar os casos de suspeição e impedimento para cumprirem com o pressuposto de imparcialidade (art. 170 CPC). Ainda, por uma questão ética, o art. 172 impede o conciliador e o mediador, pelo prazo de 1 (um) ano, contado do término da última audiência em que atuaram, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes. 3 CRÍTICAS AO MODELO JUDICIAL DE CONCILIAÇÃO Sobre a imposição da audiência de conciliação no inicio do processo judicial é interessante observar as críticas formuladas pelos estudiosos da área. Frontalmente, ressalta-se que a audiência necessariamente acontecerá a menos que exista expressa negativa das partes. Faz-se necessária, inicialmente, a análise do percentual de acordos nos CEJUSCs (CNJ EM NÚMEROS, 2020, n.p.) Figura 1: índice histórico de conciliação Na Figura 125 está exposto o percentual de sentenças homologatórias de acordo, comparativamente ao total de sentenças e decisões terminativas proferidas. Em 2019, 12,5% dos julgados foram por meio de sentenças homologatórias de acordo, índice que aponta para redução pelo terceiro ano consecutivo. Na fase de execução, as sentenças homologatórias de acordo corresponderam, em 2019, a 6,1% do total de sentenças, e na fase de conhecimento, a 19,6%. Há de se destacar o impacto do novo Código de Processo Civil (CPC), que entrou em vigor em março de 2016 e tornou obrigatória a realização de audiência prévia de conciliação e mediação. Em três anos, o número de sentenças homologatórias de acordo cresceu 5,6%, passando de 3.680.138 no ano de 2016 para 3.887.226 em 2019. Em relação ao ano anterior, houve aumento de 228.782 sentenças homologatórias de acordo (6,3%) (CNJ EM NÚMEROS, 2020, n.p.). Importante, ainda, observar as lições de Fernanda Tartuce (2020, n.p.): Em audiência as partes poderão ser veementemente instadas a acreditar que conciliar é a melhor opção 26 e acordos poderão ser celebrados sem a devida reflexão, olvidando aspectos importantes para a sua concretização com eficiência. Tal fato poderá ensejar a necessidade de posterior execução do pacto, já que o descumprimento será resultado da falta de genuína adesão aos seus termos. Ainda, Vale então refletir: haverá verdadeira conciliação se o magistrado exagerar no esforço para que as partes se componham e, pressionadas, aceitem o pacto proposto sem real adesão ao seu teor? Em um contexto no qual as pessoas se sentem intranquilas, atemorizadas pela autoridade do juiz, mantendo internamente a postura acirrada, sem qualquer harmonia nem aliança, há como acreditar que a autocomposição será genuína e alcançará os fins para os quais foi cogitada? À despeito da excelente iniciativa estatal em promover a conciliação, há também de se esclarecer que esta fundamenta-se na autonomia da vontade das partes. Os envolvidos deverão ter ciência dos riscos e das possibilidades e negociarem, então, a melhor solução tendo em vista a realidade fática. Esta característica, além de ser basilar ao instituto, é também o fundamento ao cumprimento do acordo, restando, portanto, prejudicada, caso seja forçada pelas figuras judiciais 4 A CONCILIAÇÃO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A Administração Pública pode fazer uso da autocomposição? Sim! O art. 174 do CPC, inclusive previu que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como: I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública; III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta. 5 ANALISE ECONÔMICA DA CONCILIAÇÃO Evidente que quando as partes alcançam autocomposição, especialmente se for extrajudicial ou, até mesmo no início do processo judicial, que seus custos de transação serão reduzidos e por isso a vantagem econômica tanto para as partes (resolverão mais rapidamente e sem tanta burocracia o seu conflito, de acordo com sua vontade), quanto para o advogado (que receberá mais rapidamente seus honorários), bem como para a estrutura do Judiciário (que pacificará em menor tempo e com menores custos de manutenção da estrutura e do processo). 6 REFERENCIAS BRASIL, Conselho Nacional de Justica. Justiça em números 2020. Brasília: CNJ, 2020. _______, Lei n° 13.105 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/507525. Acesso em 18 set. 2020. CAMBI, Eduardo. Curso de Processo Civil. 2015 FIUZA, César. Teoria geral da arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995 SANTOS, Ricardo Soares Stersi dos. Noções gerais da arbitragem. Florianópolis : Boiteux, 2004. TARTUCE, Fernanda. Conciliação em juízo: o que (não) é conciliar? in SALLES, Carlos Alberto (cord.), LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopres (cord.), SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem: Curso de Métodos Adequados de Solução de Controvérsias. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2020 ZAPPAROLLI, Célia Regina. Procurando entender as partes nos meios de resolução pacífica de conflitos, prevenção e gestão de crises in SALLES, Carlos Alberto (cord.), LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopres (cord.), SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem: Curso de Métodos Adequados de Soluçãode Controvérsias. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2020
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