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Júlia Figueirêdo – PINESC III SAÚDE DA CRIANÇA: A POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA CRIANÇA: A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) foi instituída através da Portaria nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. Seu objetivo é promover e proteger a saúde da criança e o aleitamento, desenvolvendo medidas integrais de atenção desde o período gestacional até os nove anos de vida, com destaque principalmente para a primeira infância e os grupos mais vulneráveis, com o intuito de reduzir a morbimortalidade e promover um ambiente propício ao desenvolvimento saudável. No contexto dessa política, consideram-se: Criança: indivíduo na faixa etária de zero a 9 anos completos; o Os atendimentos em pediatria no SUS contemplam crianças e adolescentes de até 15 anos de idade. Primeira infância: corresponde ao intervalo entre zero e 5 anos de idade. Os princípios norteadores da PNAISC são: Direito à vida e à saúde; Prioridade absoluta da criança; Acesso universal à saúde; Integralidade do cuidado; Equidade em saúde; Ambiente facilitador à vida; Humanização da atenção; Gestão participativa e controle social. Com base nesses pilares, diretrizes foram postuladas para direcionar a elaboração de planos e programas voltados para a saúde das crianças, a saber: Gestão interfederativa das ações de saúde da criança; Organização das ações e serviços na rede de atenção; Promoção da saúde; Fomento à autonomia do cuidado e da corresponsabilidade da família; Qualificação da força de trabalho do SUS; Planejamento e desenvolvimento de ações; Incentivo à pesquisa e à produção de conhecimento; Monitoramento e avaliação; Intersetorialidade. A PNAISC se estrutura em sete eixos estratégicos, orientados para o nascimento e o pleno desenvolvimento na infância, bem como a redução dos riscos para o adoecimento e outros agravos, a prevenção das doenças crônicas na vida adulta e da morte prematura, elencados abaixo: 1. Atenção humanizada e qualificada à gestação, ao parto, ao nascimento e ao recém-nascido: baseia-se na melhoria do acesso, cobertura, qualidade e humanização da atenção obstétrica e neonatal, integrando as ações do pré- natal e acompanhamento da criança na atenção básica com aquelas desenvolvidas nas maternidades, formando uma rede articulada de atenção; 2. Aleitamento e alimentação complementar saudável: está ancorada na promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno, iniciada ainda no período gestacional, estendendo-se até o estabelecimento de hábitos alimentares saudáveis pela criança e por sua família; 3. Promoção e acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento Júlia Figueirêdo – PINESC III integral: consiste na vigilância do crescimento e desenvolvimento da criança, em especial do "Desenvolvimento na Primeira Infância ", pela atenção básica à saúde, incluindo ações de apoio às famílias para o fortalecimento de vínculos; 4. Atenção integral a crianças com agravos prevalentes na infância e com doenças crônicas: refere-se às estratégias para o diagnóstico precoce e a implementação de tratamentos adequados para doenças prevalentes na infância e para ações de prevenção de doenças crônicas e de cuidado dos casos diagnosticados, estimulando a atenção e internação domiciliar sempre que possível; 5. Atenção integral à criança em situação de violências, prevenção de acidentes e promoção da cultura de paz: visa consolidar um conjunto de ações e estratégias da rede de saúde para a prevenção de acidentes e da violência, e para a promoção da cultura de paz, além de criar instrumentos para a qualificação da atenção à criança em situação de violência sexual, física e psicológica, negligência ou abandono; 6. Atenção à saúde de crianças com deficiência ou em situações específicas e de vulnerabilidade: refere-se a articulações intrassetoriais e intersetoriais para inclusão dessas crianças nas redes temáticas de atenção à saúde, mediante a identificação condição causadora de vulnerabilidade e dos riscos de agravos e adoecimento, reconhecendo as peculiaridades desse público de forma a criar medidas resolutivas; 7. Vigilância e prevenção do óbito infantil, fetal e materno: consiste na contribuição para o monitoramento e a investigação da mortalidade infantil e fetal, de modo a identificar métodos necessários para a prevenção de óbitos evitáveis. AVALIAÇÃO NO PERÍODO NEONATAL: EXAME FÍSICO E ESCALAS DE VITALIDADE DO RN: A primeira avaliação do RN, realizada ainda na sala de parto, tem por finalidade avaliar a vitalidade, determinar fatores de risco e identificar malformações congênitas, tocotraumatismos (acidentes durante o parto) e alterações cardiopulmonares que possam afetar a saúde desse neonato. O primeiro ponto analisado se dá antes do nascimento, baseando-se numa anamnese detalhada com dados maternos e da gestação, como a idade da mãe, número de gestações, abortamentos e paridades, tipos de parto, ocorrência de consanguinidade, realização adequada do pré-natal, histórico de amenorreia, doenças prévias e gestacionais, uso de medicações, drogas ilícitas, tabaco e álcool, anestesia e informações sobre o trabalho de parto, além dos resultados dos exames laboratoriais, ecografias e de monitorizações fetais. A importância de coletar todas essas informações está na descoberta antecipada de situações de risco, auxiliando a equipe a receber e assistir da melhor forma o neonato. Logo após o nascimento, o RN sadio deve ser colocado em contato direto (pele a pele) com a mãe, enquanto a equipe espera que sejam cessados os batimentos do cordão umbilical, por 1 a 3 minutos, para fazer o clampeamento tardo dessa estrutura (caso esteja respirando/chorando e com tônus muscular em flexão, do contrário, realizar essa ligadura de forma imediata de modo a não atrapalhar o início da VPP). Algumas medidas devem ser realizadas para estender o cuidado ao recém-nascido enquanto ele está junto à mãe, como a manutenção da nortmotermia (temperatura corporal entre 36,5 a 37,5ºC), secando o RN com compressas aquecidas e deixando-o sobre a pele da mãe envolto num pano seco Júlia Figueirêdo – PINESC III e aquecido, a manutenção de vias aéreas pérvias, com leve extensão do pescoço e aspiração de boca e narinas (quando necessário), a avaliação contínua de FC, respiração e tônus do bebê, e a garantia da amamentação na primeira hora. O neonato deve ser mantido próximo à mãe por uma hora, mostrando os sinais de que ele está pronto para a amamentação, que deve ocorrer nesse espaço de tempo. Nesse momento é realizado o primeiro exame físico dessa criança, de forma rápida e objetiva, para determinar sua vitalidade e possíveis intervenções. O teste mais utilizado nesse processo é a Escala (ou Índice) de Apgar, que compreende a avaliação de 5 sinais no primeiro e no 5º minuto de vida, atribuindo a cada parâmetro uma pontuação entre 0 e 2. São avaliados a frequência cardíaca, a respiração, o tônus muscular, a cor da pele e a presença de reflexos. Ao somar todos os pontos, teremos o índice de Apgar. Apgar 8 a 10 significa que o bebê nasceu em ótimas condições. Apgar 5 a 7 significa que o bebê apresentou uma dificuldade/asfixia leve. Apgar 3 a 4 traduz uma dificuldade de grau moderado e Apgar 0 a 2 aponta uma dificuldade de ordem grave, que pode acarretar distúrbios metabólicos caso não seja manejada a tempo. A presença de mecônio enquadra-se como um agravante. TESTES DE TRIAGEM NEONATAL: O Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) é uma ferramenta de rastreamento populacional que tem como objetivo geral identificar, em tempo hábil (entre 0 e 28 dias de vida), distúrbios e doençasno recém- nascido, garantindo tratamento e acompanhamento contínuo às pessoas com diagnóstico positivo, de modo a reduzir a morbimortalidade e melhorar a qualidade de vida desses indivíduos. A premissa do PNTN foi inicialmente mencionada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ainda em 1990, definindo que hospitais e demais serviços de atenção à saúde da gestante, sejam eles públicos ou particulares, são obrigados a ofertar exames diagnósticos e terapêuticas adequadas para as anormalidades do metabolismo do RN, assim como orientar os pais acerca desses acometimentos. Em 2001, por meio de uma portaria do Ministério da Saúde, o Programa Nacional de Triagem Neonatal foi instituído no SUS. As doenças que integravam o programa nesse momento eram fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, doença falciforme e outras hemoglobinopatias e fibrose cística, analisadas por meio do “teste do pezinho”. Uma outra portaria, publicada em 2012, atualizou essa lista, que passou a contar com a triagem neonatal para hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase. Outros exames foram adicionados posteriormente à essa iniciativa, como o teste do reflexo vermelho (“teste do olhinho”), a oximetria de pulso (“teste do coraçãozinho), o teste de acuidade auditiva (“teste da orelhinha”), e o “teste da linguinha”. A tiragem neonatal contempla o diagnóstico presuntivo, o diagnóstico de certeza, o tratamento, o acompanhamento dos casos avaliados e a associação de tecnologias para Júlia Figueirêdo – PINESC III a promoção da saúde, a prevenção de agravos e o cuidado integral. É responsabilidade das equipes de saúde alocadas nas maternidades, casas de parto ou centros de saúde indígena, alertar e orientar a puérpera e familiares sobre a necessidade de realização dos testes de triagem neonatal no ponto de coleta da Atenção Básica adstrito à sua residência, quando a coleta não for realizada naquele local. TESTE DO PEZINHO: Esse exame de triagem neonatal utiliza amostras de sangue do RN para detectar anomalias metabólicas de forma precoce, identificando casos de hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, hemoglobinopatias (ex.: anemia falciforme), fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase. Sua realização deve ocorrer o mais rapidamente possível, de preferência entre o 3º e o 5º dia de vida do bebê. A coleta do material a ser analisado acontece nos pontos de atendimento da Atenção Básica em Saúde, podendo também, em alguns estados, ocorrer nas maternidades, casas de parto e comunidades indígenas. No entanto, independentemente do local escolhido para a realização da triagem biológica, esta deve ser registrada e informada nos sistemas do SUS. Deve ser considerada como uma condição de exceção toda coleta realizada após o 28º dia de vida, mesmo que não recomendada, por se tratar de um exame fora do período neonatal. As condições presentes nessa ressalva incluem a dificuldade de acesso em aldeias indígenas e populações do campo e da floresta, questões culturais e casos de negligência. Crianças que não tenham realizado o teste no período neonatal devem ser avaliadas pelo serviço médico para orientação e investigação diagnóstica específica, caso necessário. Essa busca será considerada com a finalidade de um diagnóstico tardio e, nessas condições, a criança detectada se beneficiará com o acesso ao tratamento e acompanhamento especializado e, consequentemente, a uma melhor qualidade de vida. Caso os pais se recuse a realizar a coleta, o profissional responsável deve orientá-los acerca dos riscos atrelados a essa decisão, e o ocorrido deve ser documentado com a assinatura dos responsáveis. PROCEDIMENTO DE COLETA E ENTREGA DOS RESULTADOS: O primeiro passo para a coleta da amostra de cada criança consiste na lavagem das mãos e colocação de luvas de procedimento. O profissional deve então posicionar a criança de modo que o calcanhar se mantenha abaixo do nível do coração (favorece a circulação para os pés da criança). O acompanhante deve ficar de pé, segurando o RN, enquanto o realizador está sentado de frente para o bebê. Realiza-se a assepsia o calcanhar com algodão ou gaze embebida suavemente em álcool 70%, massageando bem o local para aumentar o fluxo sanguíneo (região deve ficar avermelhada). A punção deve ser feita com lancetas próprias para a coleta de sangue periférico, e o local deve ser escolhido de forma adequada, sempre nas laterais plantares da região do calcanhar. O profissional deve segurar o pé da criança de forma a imobilizá- lo, mas mantendo a circulação no local. Júlia Figueirêdo – PINESC III Ao puncionar o local, deve-se aguardar a formação de uma grande gota de sangue, desprezada num algodão, pois pode conter outros fluidos teciduais capazes de modificar os resultados. Com a nova gota formada, encostar o verso do papel filtro no pé do bebê, movendo o primeiro em movimentos circulares até que as áreas demarcadas para coleta sejam preenchidas (só levantar o pé do bebê nesse ponto. Não é necessário que os limites do sangue coincidam com os limites dos círculos impressos no papel-filtro. Esse processo deve ser repetido em todos os pontos de coleta, jamais retornando a um círculo incompleto. Se o fluxo de sangue for interrompido, o profissional de saúde deve fazer uma nova massagem na região, comprimindo-a com algodão para remover o tampão de fibrina. Caso ainda assim não seja possível retornar a coleta, uma nova punção deve ser realizada. É necessário fazer a verificação imediata da qualidade da amostra, colocando o papel filtro contra a luz. Todo o círculo deverá ter um aspecto translúcido na região molhada com o sangue, que deverá estar espalhado de forma homogênea. O RN não pode ser dispensado até que se assegure a coleta correta. Após o término do procedimento, a criança deve ser deitada, e seu calcanhar é levemente pressionado para estancar o sangramento, podendo ser feito um curativo no local. Após a coleta e a verificação, as amostras serão secas em temperatura ambiente e enviadas para o laboratório, onde será feita a análise. Entre a realização do exame e o transporte não devem se passar mais do que dois dias, porem o uso de refrigeradores pode ser empregado em casos excepcionais (coleta no fim de semana ou em locais isolados). Todos os resultados deverão ser entregues às famílias o mais breve possível, assim que a Unidade de Coleta os receba do Laboratório Especializado, fisicamente ou por meio eletrônico. Como esse momento traz ansiedade para a família, é necessário informar claramente a conformidade da amostra com os parâmetros analisados, propondo estratégias de conformação e acompanhamento em caso de retorno sugestivo para determinada doença. TESTE DO OLINHO: O teste do olhinho, também chamado de Teste do Reflexo Vermelho (TRV) é um exame simples, rápido, indolor e de baixo custo realizado em recém-nascidos, cujo objetivo é a detecção precoce de problemas oculares congênitos que comprometem a transparência dos meios oculares e que podem impedir o desenvolvimento visual adequado. Inicialmente esse método era utilizado para avaliar a simetria de fixação binocular e identificar estrabismo. A observação do reflexo vermelho da retina indica que as estruturas oculares internas estão transparentes. A opacidade desses meios pode causar leucocoria (pupila branca) ou perda do reflexo. Júlia Figueirêdo – PINESC III A realização desse teste não deve substituir a consulta oftalmológica a qual todo bebê deve ser submetido em seu primeiro ano de vida, pois ele não é suficiente para assegurar a saúde ocular plena da criança. O TRV é realizado com o oftalmoscópio direto, cuja luzprojetada nos olhos, atravessa as estruturas transparentes, atinge a retina e se reflete, causando o aparecimento do reflexo vermelho observado nas pupilas (semelhante ao que ocorre em fotos tiradas com flash). Esse tom é atribuído à vascularização da retina e do coroide e ao epitélio pigmentado. Na presença de opacidade dos meios oculares no eixo visual, esse reflexo estará ausente ou diminuído. Durante o teste, a sala em penumbra facilita a observação dos reflexos, não havendo a necessidade de dilatação das pupilas com colírios. O oftalmoscópio deve ser posicionado a uma distância de 50 cm a um metro dos olhos do recém-nascido (cerca de um braço esticado). Em seguida, localizam- se os olhos da criança através do orifício do equipamento e iluminam-se suas pupilas. Observa-se então, o reflexo vermelho em cada uma delas, avaliando-se sua presença ou ausência e na presença, comparar a intensidade e simetria entre os olhos. No resultado do TRV consideram-se três respostas possíveis: reflexo presente, ausente ou duvidoso, este último quando há assimetria evidente ou suspeita do reflexo alterado, sendo um resultado duvidoso até por não se saber qual é o reflexo do olho normal. Reflexos vermelhos presentes e simétricos em ambos os olhos (normal) Leucoria no olho direito Reflexo vermelho duvidoso por assimetria, mais brilhante no olho esquerdo (estrábico) Se o reflexo for ausente em um ou ambos os olhos ou duvidoso, a criança deverá ser encaminhada ao oftalmologista para ao exame oftalmológico completo de modo a elucidar o diagnóstico e assegurar a conduta necessária. As principais causas de TRV alterado são a catarata congênita, glaucoma congênito, retinoblastoma, leucoma, inflamações intraoculares da retina e vítreo, retinopatia da prematuridade (ROP) no estágio 5, descolamento de retina, vascularização fetal persistente e hemorragia vítrea. Também podem alterar o reflexo vermelho produzindo assimetria entre os olhos a presença de estrabismo, anisometropia (erros de refração distintos entre os olhos), altas ametropias, luxações de cristalino e malformações como o coloboma de polo posterior. O teste do reflexo vermelho é realizado pelo pediatra na maternidade, antes da alta do recém-nascido. Embora todos tivessem que ser submetidos ao teste, se não for possível, deve-se realizá-lo o mais breve ainda no primeiro mês de vida. Recomenda-se ainda que o teste seja repetido durante as visitas pediátricas regulares, e toda vez que se suspeitar de alguma anomalia ocular. Filhos de ais com doenças oculares de caráter hereditário ou de mães acometidas por doenças infecciosas na gestação devem tanto realizar o “teste do olhinho” como também ser encaminhados para avaliação oftalmológica. Júlia Figueirêdo – PINESC III TESTE DO CORAÇÃOZINHO: O teste do coraçãozinho, denominação popular para o teste da oximetria de pulso, busca averiguar a presença de cardiopatias congênitas críticas (afetam 1 ou 2:1000 RN), que podem evoluir rapidamente para choque, hipóxia e óbito precoce caso não diagnosticada precocemente. Essas doenças podem ser causadas por fluxo pulmonar ou sistêmico dependente do canal arterial, ou por transposição das grandes artérias. Na maioria das Unidades Neonatais, a alta hospitalar é realizada entre 36 e 48 horas de vida, período no qual a manifestação clínica desses acometimentos pode não ter ocorrido, com ausculta normal. O diagnóstico precoce é fundamental, pois pode evitar choque, acidose, parada cardíaca ou agravo neurológico antes do tratamento da cardiopatia. Idealmente, esse rastreamento seria realizado por meio de ecocardiograma com mapeamento de fluxo em cores, seja no período fetal ou pós-natal, porém ele é inacessível para triagem em amplo espectro. No grupo dessas cardiopatias ocorre uma mistura de sangue entre as circulações sistêmica e pulmonar, o que acarreta uma redução da saturação periférica de O2. Neste sentindo, a aferição da oximetria de pulso de forma rotineira em recém-nascidos aparentemente saudáveis nascidos a termo tem mostrado uma elevada sensibilidade e especificidade para detecção precoce destas doenças. A oximetria deve ser aferida no membro superior direito e em um dos membros inferiores. Para que essa medição seja adequada, é necessário que o recém- nascido esteja com as extremidades aquecidas e o monitor evidencie uma onda de traçado homogêneo. Os resultados esperados são a saturação periférica maior ou igual a 95% em ambas as medidas e diferença menor que 3% entre o membro superior direito e membro inferior. Caso os resultados sejam diferentes desse padrão, o teste deve ser refeito após uma hora. Se ainda se mantiverem deturpados, o RN deve ser submetido a um eletrocardiograma nas próximas 24h. Este teste apresenta sensibilidade de 75% e especificidade de 99%, logo não descarta a necessidade de realização de exame físico minucioso e detalhado em todo recém- nascido, antes da alta hospitalar. TESTE DA ORELHINHA: A prevalência da deficiência auditiva varia de um a seis neonatos para cada mil nascidos vivos, número considerado elevado quando comparado a outras doenças passíveis de triagem na infância, como fenilcetonúria (1:10.000), e anemia falciforme (2:10.000). São diversos os fatores de risco para o desenvolvimento de disfunções auditivas no período neonatal, como infecções congênitas, Apgar entre 0 e 4 no 1º minuto, anomalias craniofaciais, uso de medicações ototóxicas, permanência na UTI por mais de 5 dias e antecedentes familiares de surdez permanente desde a infância. A Triagem Auditiva Neonatal (TAN) tem por finalidade a identificação de forma mais precocemente possível da deficiência auditiva nos neonatos e lactentes. Consiste no teste de medidas fisiológicas e eletrofisiológicas da audição, com o objetivo Júlia Figueirêdo – PINESC III de encaminhar os infantes para diagnóstico dessa deficiência, e propor intervenções adequadas à criança e sua família. Esse teste deve ser realizado no primeiro mês de vida do infante (preferencialmente após 24 a 48h do nascimento), independentemente da presença de fatores de risco. Ele é organizado em duas etapas, teste e reteste, ambos indolores e não invasivos, realizados por fonoaudiólogos em 3 a 5 minutos, sendo possível aplica-lo mesmo durante o sono da criança. Um pequeno fone é acoplado na orelha do RN, gerando estímulos sonoros que mostram como o ouvido do recém-nascido reage aos sons. Dois resultados podem ser extraídos desse exame: se o ouvido do bebê responder aos sinais propostos, ele apresenta audição normal e deve iniciar a fala em torno de 1 ano de vida e ser capaz de construir frases simples aos 2 anos. Caso isso não aconteça, é indicado realizar uma nova avaliação da audição, e o bebê deve ser enviado o para um acompanhamento que inclui a realização de outros exames para esclarecer se o problema é temporário ou permanente. TESTE DA LINGUINHA: O teste da linguinha é um exame padronizado que possibilita diagnosticar e indicar o tratamento precoce das limitações dos movimentos da língua causadas pela anquiloglossia (língua presa) que podem comprometer as funções exercidas pela língua: sugar, engolir, mastigar e falar. Esse teste deve ser realizado por um profissional da área da saúde qualificado, como por exemplo, o fonoaudiólogo. Ele deve elevar a língua do bebê para verificar se está presa, e também observar o bebê chorando e sugando. O exame não tem contraindicações e deve ser feito precocemente, por volta de 48h após o nascimento. Recomenda-se que a avaliação do frênulo da língua seja inicialmente realizada na maternidade. A avaliação precoce é ideal para que os bebês sejam diagnosticados e tratadoscom sucesso, evitando maiores complicações. Existem graus variados de língua presa, por isso a importância de haver um teste que leva em consideração os aspectos anatômicos e funcionais para fazer um diagnóstico preciso e indicar a necessidade da realização do “pique no frênulo lingual”. Para posicionar adequadamente o bebê, é solicitado que a mãe ou responsável apoie a nuca da criança no espaço entre o braço e o antebraço, segurando as mãos desta. Para elevar a língua é utilizada uma manobra específica onde são introduzidos os dedos indicadores enluvados embaixo da língua, pelas margens laterais, evitando abrir demais a boca do RN. Se o escore dos sinais observados for superior a 7, um reteste deve ser feito após 30 dias, momento no qual será definida a real necessidade de intervenção cirúrgica. A ICTERÍCIA NEONAATAL: A icterícia é um dos problemas neonatais mais comuns, secundária a níveis de bilirrubina indireta (BI) superiores a 1,5mg/dL ou de bilirrubina direta (BD) maior que 1,5mg/dL, desde que esta represente mais Júlia Figueirêdo – PINESC III que 10% do valor de bilirrubina total (BT). A coloração amarelada da pele, principal indício clínico desse acometimento, torna-se presente quando os níveis sanguíneos desse pigmento se mantêm entre e 5 a 7 mg/dL. A icterícia pode estar presente ao nascimento ou aparecer em qualquer momento do período neonatal, dependendo da etiologia. Ela geralmente fica visível em progressão cefalocaudal, com início na face e avanço para o abdome e depois até os pés, à medida que os níveis séricos aumentam. A pressão sobre a pele pode revelar a progressão anatômica do quadro. Na prática, 98% dos RN apresentam níveis séricos de bilirrubina total acima de 1 mg/dL durante a primeira semana de vida, sendo que cerca de dois terços ou mais desenvolvem icterícia com valores superiores a 5 mg/dL. Estudos realizados pela Universidade Johns-Hopkins observaram que os valores de BT não ultrapassam o platô de 13mg/dl, que passou a ser considerado fisiológico. Uma das formas de avaliar a progressão da icterícia por hiperbilirrubinemia indireta é pelas zonas de Kramer: Zona 1: icterícia somente na face, associada a valores de BI menores que 5mg/dL; Zona 2: icterícia desde a cabeça até a cicatriz umbilical, com valores de BI entre 5 e 12mg/dL; Zona 3: icterícia até os joelhos e cotovelos, podendo apresentar valores de 8 a 16mg/dL; Zona 4: icterícia em pernas e braços, correspondendo a valores de 10 a 18 mg/dL; Zona 5: icterícia em planta de pés e palma das mãos, indicando valores acima de 15 mg/dL. Essa ampla variabilidade de valores encontrada em cada zona demonstra que não existe boa concordância entre a avaliação clínica da icterícia e os valores de bilirrubina sérica. A visualização da icterícia depende, além da experiência do profissional, da pigmentação da pele do RN e da luminosidade, fatores que podem subestimar ou prejudicar a análise de uma forma geral. PUERICULTURA: A puericultura refere-se ao fornecimento de cuidados à criança, tendo como pilares a prevenção e a educação em saúde, o que justifica sua classificação como “pediatria preventiva”. Outro dos enfoques principais dessa modalidade de atenção é a abordagem de doenças do adulto com raízes na infância, e, portanto, preveníveis nesse período. Um exemplo dessa correlação é o baixo peso ao nascer como fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade. A efetivação da puericultura se dá por meio do acompanhamento periódico e sistemático da criança, avaliando seu crescimento e desenvolvimento, verificando o calendário de vacinação, fornecendo orientações aos responsáveis acerca do aleitamento materno e alimentação durante o desmame, da prevenção de acidentes, e da importância da higiene pessoal e ambiental, além de identificar precocemente os agravos para que possam ser implementadas intervenções eficazes e apropriadas. Nesse sentido, tal atividade requer a atuação de toda a equipe de saúde que assiste o infante e sua família, analisando seu contexto Júlia Figueirêdo – PINESC III biopsicossocial por meio da consulta de enfermagem, consulta médica, consulta odontológica, grupos educativos e visitas domiciliares presentes no contexto da Atenção Básica. De forma a garantir a extensão da cobertura do atendimento infantil na rede básica de saúde e assegurar o aumento da capacidade resolutiva desses serviços, desde 1984 o Ministério de Saúde prioriza cinco ações básicas em saúde importantes para a redução da morbimortalidade infantil: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, promoção do aleitamento materno e orientação alimentar para o desmame, prevenção e controle das doenças diarreicas, prevenção e controle das infecções respiratórias agudas, e imunização. A primeira avaliação da criança é realizada pelo pediatra idealmente ainda na sala de parto, devendo ocorrer até a alta hospitalar. A partir daí preconiza-se que o infante seja avaliado na primeira de semana de vida e seja acompanhado na Atenção Básica nas UBS com retornos, no 1º mês, 2º mês, 4º mês, 6º mês, 9º mês e 12º mês, além de duas consultas no 2º ano de vida (no 18º e no 24º mês) e, a partir do 2º ano de vida, com consultas anuais, próximas ao mês do aniversário, até que sejam completos 5 anos de idade (esse período é o que apresenta maior velocidade de crescimento, justificando o monitoramento constante). Nas consultas periódicas, a equipe de saúde observa a criança, indaga aos pais sobre as atividades do filho, reações frente a estímulos e realiza o exame clínico. Quanto mais nova a criança, mais frágil e vulnerável, daí a necessidade de consultas mais frequentes. Idealmente, a primeira consulta deve ser realizada ainda na primeira semana de vida, momento no qual são avaliados o andamento do aleitamento materno e o crescimento O crescimento é um dos indicadores mais importantes da saúde infantil, sendo considerado um pré-requisito para qualquer estratégia de promoção da saúde nessa faixa etária, sendo sua avaliação uma forma de conhecer e monitorar o estado geral da saúde de uma criança e o desenvolvimento socioeconômico e de saúde da comunidade onde ela vive. De modo geral, pode-se dizer que o crescimento do ser humano é um processo dinâmico e contínuo que ocorre desde a concepção até o final da vida, considerando os fenômenos de substituição e regeneração de tecidos e órgãos. Na avaliação do crescimento infantil, devem- se considerar as medidas antropométricas e a evolução de certas estruturas físicas conhecidas como indicadores do crescimento, sendo os mais comuns o peso, a estatura (dois parâmetros básicos e essenciais de avaliação na puericultura), os perímetros cefálico, torácico e braquial, a erupção dentária, o fechamento das fontanelas e suturas e, eventualmente, a idade óssea da criança. Sobre os dados antropométricos, é importante ressaltar que a variação do peso em relação à idade é mais rápida que a da altura, refletindo de forma quase imediata quaisquer alterações no estado de saúde da criança, mesmo que por processos agudos. Júlia Figueirêdo – PINESC III O acompanhamento do perímetro cefálico deve ser feito principalmente nas crianças de zero a 24 meses de idade, período de maior crescimento pós-natal da cabeça e do cérebro. Com essa medida em mãos, deve ser realizada a evolução do fechamento das fontanelas e suturas cranianas. A fontanela anterior ou bregmática deve se fechar entre 9 e 18 meses. A fontanela posterior ou lambdoide costuma fechar entre um e dois meses de idade. O fechamento precoce da fontanela (craniossinostose) pode ocasionar comprometimento do crescimentocerebral. O desenvolvimento infantil contempla a interação do indivíduo com o ambiente que o cerca, sofrendo influência de diversos fatores, que podem ser divididos em intrínsecos (aspectos neuroendócrinos e genéticos) e ambientais (pré-natais e pós- natais), gerando uma transformação complexa, dinâmica e permanente que inclui, para além do crescimento físico, o aprendizado e os aspectos psíquicos e sociais. A avaliação do desenvolvimento da criança será sempre mediada por outras pessoas, sejam familiares, profissionais da educação ou da saúde. A interação com a sua rede social de proteção assegura a sobrevivência e molda seu relacionamento com o mundo. Nas relações com adultos, o infante assimila habilidades como sentar, andar, falar e controlar os esfíncteres. Durante os 2 primeiros anos de vida, um aspecto importante reside no desenvolvimento afetivo, caracterizado pelo apego. Uma segunda interpretação desse parâmetro reside no caráter qualitativo, que compreende o aprendizado e a busca pela independência, sendo um processo contínuo, que também deve ser incorporado à Caderneta da Criança. Em casos onde o profissional de saúde suspeita de atrasos no desenvolvimento infantil, pode ser aplicada, como forma de triagem (logo sem valor diagnóstico) a escala Denver II. Esse instrumento, aplicável em crianças de zero a seis anos de idade, permite a avaliação comparativa com comportamentos e atitudes esperadas em determinadas idades, percorrendo os aspectos motor grosso, motor fino (adaptativo), pessoal-social e de linguagem. Júlia Figueirêdo – PINESC III As consultas com enfoque na criança devem acontecer desde a 32ª semana de gestação de modo a esclarecer dúvidas da família sobre os cuidados com o infante. Já na maternidade, as mães devem ser orientadas sobre os “sinais de alerta do bebê”, que, quando identificados, significam necessidade imediata de atendimento médico. Estes sinais são: Choro franco, sonolência e dificuldade para despertar (principalmente quando isso surge subitamente); Dificuldade para respirar ou presença de gemidos, ainda mais relevante se durante o aleitamento; Alteração na cor de mãos e pés (palidez, cianose, icterícia); Aceitação reduzida de leite materno; Vômito em grande quantidade, acompanhados ou não por febre e diarreia; Aumento no número de evacuações ou presença de fezes líquidas ou com sangue, especialmente quando acompanhadas por vômito, febre e/ou recusa alimentar; Distensão abdominal; Ausência de diurese nas últimas 12h; Urina escurecida e de odor forte; Icterícia estendida para braços, pernas ou região abaixo do umbigo; Umbigo avermelhado ou com mau cheiro; Temperatura corporal inferior a 35,5ºC ou maior que 37,8ºC (bebês de até 3 meses de idade apresentam problemas para regular sua temperatura corporal, então podem se mostrar febris quando muito agasalhados em climas quentes); Convulsões. Há, na Atenção Primária à Saúde, uma forte preocupação com a primeira semana de vida da criança. Espera-se garantir a visita domiciliar do agente de saúde ao binômio mãe e filho no contexto da família, para orientação de todos sobre o cuidado de ambos, bem como para ofertar as ações programadas para a primeira semana na Unidade de Saúde, se possível oportunizando tudo para a mesma data (consulta para o bebê e para a puérpera), estimulando a presença do pai ou outro familiar próximo sempre que possível, fornecendo apoio ao aleitamento materno, e promovendo imunizações e a coleta de sangue para o teste do pezinho, caso não tenha sido colhido na maternidade. Depois disso, até a criança completar 2 anos de idade, o objetivo é um acompanhamento cuidadoso do crescimento e desenvolvimento desse indivíduo pela equipe de saúde (inclusive com busca ativa dos faltosos), com um olhar biopsicossocial não só para o infante, mas também para as condições do contexto de saúde e da vida de sua mãe e da família. EXAME CLÍNICO NA PUERICULTURA: Durante o acompanhamento da criança nas consultas de puericultura, é necessário Júlia Figueirêdo – PINESC III colher, na primeira visita, dados e informações que permitam a compreensão do estado de saúde geral do infante, bem como induzem a detecção de sinais de alarme para complicações, sejam elas decorrentes do período gestacional ou da fase neonatal. Aspectos essenciais que devem ser avaliados nas consultas de puericultura nos diferentes grupos etários Ao avaliar a realização do pré-natal materno, é preciso comprovar a realização e rever os resultados de cada laudo, além de verificar os tratamentos realizados para ISTs durante a gravidez e o acompanhamento da suplementação alimentar. O choro se insere como um ato reflexo desenvolvido de forma progressiva, integrado a maturação fisiológica e às experiências ambientais, compondo voluntariamente a linguagem pré-verbal. O exame segmentar de um recém-nascido contempla: Dados antropométricos, discutidos anteriormente; Desenvolvimento social e psicoafetivo: pode ser avaliado pelos marcos do desenvolvimento neuropsicomotor e pela troca de informações entre a criança e seu responsável, analisando como ela responde aos estímulos do meio; Estado geral: contempla a postura normal do RN (extremidades fletidas, as mãos fechadas e o rosto, geralmente, dirigido a um dos lados), o padrão respiratório, o estado de vigília (oscila entre o sono profundo/leve e o choro), a presença de sinais de desidratação ou hipoglicemia (hipoatividade, letargia, pouca diurese e má ingestão alimentar), e a temperatura axilar (entre 36,4ºC e 37,5ºC); Face: necessário averiguar a presença de assimetrias, deformações, malformações e de caracteres sindrômicos; Pele: requer a avaliação de edema, palidez, cianose e icterícia, essa última que merece mais atenção caso se instale antes das primeiras 24h de vida ou persista por mais de 7 dias, ou em caso de disseminação para pernas e braços. O profissional deve pesquisar assaduras e possíveis lesões de pele; Crânio: exame das fontanelas, avaliando o tamanho, formato e o estágio do fechamento (fontanela anterior entre 1 e 4 cm, com forma de losango, fechando- se totalmente entre o 9º ao 18º mês de vida; fontanela posterior com 0,5 cm, triangular, de fechamento integral até o segundo mês). Essas regiões não devem estar abauladas ou deprimidas; Olhos: realizar o teste do reflexo vermelho (teste do olhinho) e analisar o reflexo fotomotor (reação pupilar a um feixe de luz); Orelhas: avaliar a implantação, o tamanho e a simetria das orelhas, além de orientar a família para a realização do teste da orelhinha; Nariz: observar o formato, possíveis obstruções e a presença de secreção, sinal sugestivo para sífilis; Boca: observar atentamente a úvula, o tamanho da língua, o palato, o freio lingual (avalia a presença de anquiloglossia – teste da linguinha) e a coloração dos lábios, pois todos esses fatores podem interferir na pega durante o aleitamento; Pescoço: pontua a assimetria facial e a posição viciosa da cabeça, encontrada Júlia Figueirêdo – PINESC III comumente em crianças com torcicolo congênito; Tórax: é necessário avaliar a simetria torácica, que quando alterada pode indicar alterações congênitas do gradil costal, da coluna vertebral, do coração ou dos pulmões. Verificar a existência de fraturas claviculares e de sinais de sofrimento respiratório é fundamental, bem como medir frequência cardíaca; Abdome: a verificação da frequência respiratória é realizada nessa região uma vez que o padrão respiratório de infantes é basicamente abdominal. A sua superfície deve ser plana, com dilatações associadas a gases ou visceromegalia,e escavação relacionada à hérnia diafragmática. São investigadas hérnias umbilicais e inguinais, e avalia-se o estado do coto umbilical, que será descrito posteriormente; Genitália: em RN do sexo masculino, apalpar a bolsa testicular, aguardando até o 3º mês de vida caso sejam impalpáveis na primeira consulta. Se aos 6 meses os testículos não forem apalpados na bolsa escrotal, a criança deve ser encaminhada para melhor avaliação e tratamento. A fimose é fisiológica nesse período, e líquido pode se acumular no saco escrotal, causando hidrocele de resolução espontânea. Deve-se observar a localização do meato urinário para excluir a possibilidade de hipospádia (meato na região ventral do pênis) ou epispádia (abertura dorsal na face superior do pênis). Na genitália feminina, os pequenos lábios e o clitóris são mais proeminentes. Pode haver secreção esbranquiçada ou hemorrágica, devido à passagem de hormônios maternos, que se resolve espontaneamente; Ânus e reto: necessário avaliar sua permeabilidade, posição e a presença de fissuras; Sistema osteoarticular: examinar membros superiores e inferiores, avaliando sua resistência à extensão e a flexão destes, eventual flacidez muscular e suspeitas de paralisia. Deve-se verificar a presença de displasia evolutiva do quadril realizando os testes de Ortolani e de Barlow; A avaliação neurológica dos reflexos primitivos será descrita no próximo tópico. REFLEXOS PRIMITIVOS: Os reflexos primitivos são respostas assintomáticas e estereotipadas a determinados estímulos externos, presentes ao nascimento, mas que devem ser inibidos ao longo dos primeiros dias de vida, momento no qual surgem os reflexos posturais. Sua presença indica que o Sistema Nervoso está intacto, porém sua permanência sugere disfunções neurológicas. A persistência do sinal de Moro, anteriormente descrito, para além do sexto mês de vida, indica atraso de desenvolvimento, ao passo que sua Júlia Figueirêdo – PINESC III ausência em lactentes com hiperbilirrubinemia pode indicar kernicterus. A sucção reflexa é outro exemplo de reflexo primitivo, manifestado por meio da estimulação dos lábios, após a qual há vigorosa sucção, desaparecendo por volta do 6º mês. O reflexo de busca é desencadeado por estimulação da face ao redor da boca, com o neonato rotacionando a cabeça na tentativa de buscar o objeto, com subsequente sucção do mesmo. O reflexo do esgrimista é desencadeado pela rotação da cabeça enquanto o examinador estabiliza o tronco do RN. Observa-se extensão do membro superior do lado análogo à rotação e flexão do membro superior contralateral. A resposta dos membros inferiores obedece ao mesmo padrão, mas é mais sutil. Deve regredir por volta do 3º mês de vida. A preensão palmar é observada após pressionar a palma da mão, observando-se flexão dos dedos. Ausência antes dos 3 meses, assimetria ou persistência após os 6 meses pode corresponder à anormalidade. A preensão plantar, por sua vez, é desencadeada pela pressão na base dos pododáctilos (dedos dos pés), que se flexionam. Ausência antes dos 3 meses, assimetria ou persistência após os 12 meses pode corresponder à anormalidade. Quando o RN é colocado, apoiado pelos pés, numa superfície dura, observa-se extensão das pernas, correspondendo ao reflexo do apoio plantar. A marcha reflexa é desencadeada por meio da inclinação do tronco do RN após obtenção do apoio plantar, quando se observa o cruzamento das pernas, uma à frente da outra. O reflexo de Galant é desencadeado por estímulos táteis na região dorsolateral, observando-se encurvamento do tronco na região estimulada. Júlia Figueirêdo – PINESC III O reflexo da escada é observado após estímulo tátil do dorso do pé, com o bebê sendo sustentado pelas axilas. O pé se eleva como se estivesse subindo uma escada. ATENÇÃO COM O COTO UMBILICAL: O cordão umbilical é uma estrutura única, formada por uma camada fina que reveste uma porção de tecido conjuntivo na qual se encontram duas artérias e uma veia, sendo responsável pela nutrição do feto durante a gestação. Logo após o nascimento (1 a 3 minutos), esse cordão será separado da placenta, não recebendo mais oxigênio e entrando num processo de mumificação. A higiene adequada desse coto é imprescindível para sua total cicatrização, evitando o aparecimento de bactérias patológicas que possam causar infecções. A OMS recomenda que o restante do cordão seja mantido limpo e seco, e que uma avaliação inicial seja realizada na consulta da 1ª semana de vida para assegurar o desenvolvimento adequado da mumificação. Diversas são as substâncias utilizadas para a limpeza do coto umbilical, porém preconiza-se como norma básica a higiene com água e sabão, mantendo a região sempre seca. O uso de álcool etílico a 70% ou clorexidina em concentrações de 0,5% a 4% são aparentemente eficazes em reduzir ainda mais o risco de infecção, além de permitir a desidratação do coto, devendo ser incentivado o uso adequado em todas as maternidades e cuidados pós-natais em casa. As medidas de higiene das mãos de quem vai manipular o coto ou trocar as fraldas, a colocação de uma gaze limpa para cobrir o coto e a troca frequente de fraldas depois da micção ou evacuação são medidas essenciais e benéficas na redução das infecções nessa área. Para aplicar o álcool, é necessário proteger a pele ao redor do umbigo, de modo a não queimar a região periférica. Todos esses cuidados auxiliam a prevenir a onfalite, condição inflamatória do coto umbilical que merece atendimento médico para evitar sua disseminação pela parede abdominal. Ainda no sentido de promover uma cicatrização segura, não é recomendado o uso de nenhum curativo oclusivo, evitando assim o crescimento de fungos e bactérias. Com o passar do tempo, o coto vai endurecer e cair, normalmente entre 5 e 15 dias, e deve ser orientado à mãe ou à família que não puxe o coto, mesmo que ele aparente estar totalmente solto. Júlia Figueirêdo – PINESC III ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS NO TRATO GENTURINÁRIO FEMININO AO NASCER: Durante o exame dos órgãos genitais do RN, nos dois primeiros dias de vida, é visível edema dos grandes lábios, extrofia dos pequenos lábios e presença de corrimento vaginal esbranquiçado ou com presença de sangue (menstruação neonatal), autolimitada ainda nos primeiros dias de vida. Isso se deve à ação dos estrogênios maternos que penetram a placenta e, quando têm seu fluxo interrompido, promovem a pequena liberação hemorrágica. Os níveis elevados de hormônios também podem causar outros sinais, como o leve intumescimento da glândula mamária, que pode culminar na secreção de leite, tanto em meninos quanto em meninas. Externamente, podem ser observados prolongamentos vaginais exteriorizados conhecidos como franjas do hímen, que logo regridem. Também é possível observar coloração mais escurecida nos genitais externos, associada à hiperpigmentação epidérmica transitória. CÓLICA: A cólica do lactente é definida como ataques paroxísticos (súbitos) de choro forte, agudo, estridente, inexplicável e inconsolável (medidas de conforto comuns não surtem efeito), geralmente ao anoitecer (19-23 horas), típicos do primeiro trimestre de vida. Quando acometido por esse quadro, o bebê fica inquieto e avermelhado, virando a cabeça para os lados, fechando os punhos e fletindo as coxas sobre o abdômen. Por vezes ocorre a eliminação de gases, que trazem certo grau de alívio momentâneo. Com pequenos intervalos, o choro pode persistir por horas, o que acarreta estresse aos pais, que se sentem incapazes e frustrados por não conseguir solucionar o incômodo. O método clínico mais aceito para chegar aodiagnóstico de cólica (que é realizado por exclusão, uma vez que o exame físico é normal e não há causa identificável via exames complementares) é o da “regra dos 3” proposta por Weasel: verifica-se se os episódios de agitação e choro se mantém por pelo menos três horas por dia, mais de três dias na semana e em ao menos três semanas em crianças previamente saudáveis. A cólica do lactente é uma condição transitória, sem risco de mortalidade associada e que não afeta o crescimento da criança, mas pode alterar o desenvolvimento desta por meio do reflexo negativo que as crises provocam na relação do bebê com seus pais, ou deixar sequelas emocionais, levando ao surgimento de transtornos somáticos no lactente. O choro é, de todos os padrões de comportamento pré-verbais, o que mais chama a atenção dos pais, sendo comum a tentativa de identificação dos padrões de específicos para cada necessidade (fome, dor e frio). Estudos demonstram que as mães conseguem interpretar com acurácia essa forma de comunicação infantil, fazendo com que o choro relatado seja o critério mais fidedigno para o diagnóstico de cólica. Ainda que essa manifestação seja estudada há mais de 50 anos, a etiologia da cólica segue pouco esclarecida. Alguns possíveis fatores causais são a imaturidade/processo de amadurecimento do trato intestinal, hipertonicidade congênita, alergia ao leite de vaca (pesquisas comparativas observaram que bebês alimentados com leite de soja apresentam redução dos sintomas e de sua frequência), componentes ambientais e até mesmo por tensão dos pais (ansiedade, inexperiência, insegurança materna). Júlia Figueirêdo – PINESC III A alimentação materna também pode influenciar na duração e intensidade da cólica, com estudos que apontam risco relativo de 2,0 para ingestão de leite de vaca; 1,7 para cebola; 1,5 para chocolate; 1,3 para brócolis e repolho 1,2 para couve-flor; e 0,7 para carne vermelha. O tabagismo durante a gestação é outro fator que pode estar associado ao quadro, com incidência dobrada de cólica em filhos de mulheres que fumavam 15 ou mais cigarros na gravidez ou o puerpério. O tratamento das cólicas em lactentes é bastante amplo, raramente empregando terapias medicamentosas. O contato físico, seja por pressão, massagem ou calor local, é bastante utilizado em meio doméstico, tendo como objetivo a eliminação de gases. Chás de ervas diversas também são muito frequentes, devendo apenas ser feita a ressalva de que sua administração deve ser feita com cautela e moderação, pois seu excesso pode acabar prejudicando a amamentação ou causando distúrbios nutricionais. A modificação comportamental entre o binômio mãe-filho e a maior interação familiar também aparentam ter efeito terapêutico, pois ao serem orientados acerca do caráter remissivo da cólica e da importância do pronto atendimento das necessidades do bebê, os pais apresentam menor nível de estresse, o que pode auxiliar a reduzir a intensidade das crises. A aplicação do Método Canguru de contato com o lactente também é uma boa ferramenta, minimizando, prevenindo ou até mesmo interrompendo os episódios de choro. A AMAMENTAÇÃO: Amamentar é um processo que vai muito além da simples nutrição da criança. Representa um momento de interações profundas e significativas entre mãe e filho, repercutindo no seu crescimento, em sua capacidade imunológica, no seu desenvolvimento (emocional e cognitivo), e na manutenção de sua saúde a longo prazo, além de beneficiar aspectos físicos e psicológicos maternos. A OMS classifica a amamentação em diversas categorias, a saber: Aleitamento materno exclusivo: refere-se à situação em que a criança recebe somente leite materno (direto da mama, ordenhado ou por outra fonte [banco de leite]), sem outros líquidos e sólidos na dieta, com exceção de medicamentos, vitaminas, sais de reidratação oral ou vitaminas de uso oral; Aleitamento materno predominante: indica que a criança recebe, para além do leite materno, água ou bebidas à base de água (chás, infusões e água adocicada), sucos de frutas e fluidos rituais; Aleitamento materno: o critério de inclusão é a oferta de leite materno em suas diversas apresentações, independentemente de receber ou não outros alimentos; Aleitamento materno complementado: é definido como a dieta que associa o leite humano a qualquer alimento sólido ou pastoso no intuito de complementar a alimentação, sem substituir o fator materno; Aleitamento materno misto ou parcial: ocorre quando a criança recebe vários tipos de leite, incluindo o materno. A amamentação deve, segundo a OMS e o Ministério da Saúde, ser mantida de forma exclusiva nos seis primeiros meses de vida, podendo se estender por dois anos ou mais, período no qual o leite materno continua sendo fonte importante de vitaminas e minerais, além de manter as funções imunológicas. Júlia Figueirêdo – PINESC III TÉCNICA DE AMAMENTAÇÃO: Ainda que a sucção do RN seja motivada por reflexo, ele deve aprender a retirar o leite do seio de forma eficiente, de modo a formar um lacre perfeito, garantindo a formação do vácuo, que estabiliza a aréola e o mamilo na boca do bebê. Nesse movimento, a língua eleva suas bordas laterais e a ponta, assumindo a forma de uma concha (canolamento), que conduz o leite em direção à faringe posterior e ao esôfago, induzindo o reflexo da deglutição. A ordenha é feita pelo movimento ritmado da ponta da língua para trás, comprimindo o mamilo suavemente. O bebê consegue, enquanto mama, respirar pelo nariz normalmente, mantendo os padrões respiratórios fisiológicos. Todo esse conjunto de movimentos mandibulares (para baixo, para a frente, para cima e para trás) permite que a face cresça harmonicamente. A técnica aplicada durante a amamentação, ou seja, o posicionamento do conjunto mãe- filho para amamentar/mamar e a pega e sucção do bebê são imprescindíveis para que a ordenha do leite seja bem-sucedida e também para que os mamilos não sejam lesionados. Caso um dos integrantes desse processo esteja mal posicionado, a boca do infante terá mais dificuldade em circundar as estruturas mamárias superficiais, resultando no que se denomina como “má pega”. Esse fenômeno atrapalha o esvaziamento completo da mama, o que, por sua vez, pode implicar na redução da produção de leite. Outro resultado comum inclui o ganho ponderal reduzido (mesmo que passe longos períodos junto ao seio), pois há dificuldade em retirar o leite final, mais denso caloricamente. Além de dificultar a alimentação da criança, a pega deficitária machuca os mamilos que, desprotegidos da fricção e compressão (essa estrutura aloja-se inteiramente na boca do infante), pode sofrer com lesões. A mãe deve escolher uma posição que traga conforto a ela e à criança A mãe deve ser educada a estimular que o infante venha à mama, e não o contrário, podendo fazer uso de movimentos para estimular o contato quando ambos estiverem prontos. Quatro pontos são descritos pela OMS para caracterizar o posicionamento e a pega adequados: Júlia Figueirêdo – PINESC III Pontos-Chave do posicionamento adequado: o Bebê com rosto de frente para a mama, com nariz na altura do mamilo; o Corpo da criança próximo do da mãe; o Alinhamento entre cabeça e corpo do bebê; o Bebê bem apoiado. Pontos-chave da pega adequada: o Mais aréola visível acima da boca do bebê; o Boca do infante bem aberta; o Lábio inferior projetado para fora; o Queixo junto ao seio. Técnicas inadequadas de amamentação se evidenciam por meio dos seguintes aspectos: Encovamento das bochechas do bebê a cada sucção; Presença de ruídos da língua; Seio esticado ou de aparência deformada durantea amamentação; Mamilos com estrias vermelhas ou áreas esbranquiçadas ou achatadas quando a mama é solta; Dor ao amamentar. Se a mama está muito cheia, a aréola pode estar tensa e endurecidas, dificultam a pega e a sucção, sendo recomendado que se retire manualmente um pouco de leite do seio ingurgitado. ACONSELHAMENTO EM ALEITAMENTO MATERNO: A equipe multiprofissional deve engajar-se no aconselhamento das mulheres em diversas etapas do processo da maternidade, auxiliando-a na tomada de decisões levando em consideração seu conceito cultural e socioeconômico, para além dos aspectos médicos e biológicos. A promoção da amamentação ainda no período gestacional tem impactos positivos na prevalência desse hábito, especialmente entre mães de primeira viagem, representando um ótimo momento para motivar a mulher e seu companheiro. O exame das mamas é fundamental, pois por meio dele podem-se detectar situações que poderão exigir uma maior assistência à mulher logo após o nascimento do bebê, como a presença de mamilos muito planos ou invertidos e cicatriz de cirurgia de redução de mamas. A “preparação das mamas” para o aleitamento não é mais uma recomendação de rotina, estando a cargo do próprio desenvolvimento gestacional. Manobras que envolvem o estiramento manual dos mamilos ou esfrega-los com toalhas ásperas na tentativa de fortalece-los não é recomendado, pois na maioria das vezes não apresentam efeito ou são prejudiciais. Em mulheres com mamilos planos ou invertidos, a intervenção logo após o nascimento do Júlia Figueirêdo – PINESC III bebê é mais importante e efetiva que intervenções no período pré-natal. O uso de sutiã adequado ajuda na sustentação das mamas, pois na gestação elas apresentam o primeiro aumento de volume. Caso durante toda a gravidez a mulher não perceba aumento nas mamas, será necessário acompanhar de perto ganho de peso do bebê, pois é possível que haja insuficiência de tecido mamário. Os primeiros dias após o parto são cruciais para o sucesso da amamentação, contemplando momentos de intenso aprendizado para a mãe e para o RN. Nesse contexto, os seguintes pontos devem ser abordados pela equipe multiprofissionais: Comportamentos normais do bebê: a família deve ser orientada de modo a compreender que cada criança apresenta um perfil distinto, podendo chorar mais ou menos que outras, sem que seja indicativo de prejuízos à saúde. Cabe à mãe atender com prontidão às necessidades do RN, permitindo a formação de vínculo afetivo entre esse binômio; Número e duração das mamadas: é recomendado que a criança seja alimentada sem restrição de horário e de tempo mínimo de permanência na mama, método que se chama amamentação em livre demanda. Nos primeiros meses, é normal que a criança mame com frequência e sem horários regulares. Em geral, um bebê em aleitamento materno exclusivo mama de oito a 12 vezes ao dia. O tamanho dos seios pode estar associado à frequência de aleitamento, mas não têm relação com a produção e a “força” do leite produzido; Uso de mamadeiras e chupetas: esses dois artifícios são contraindicados pois podem induzir a “confusão de bicos”, que reduz a qualidade da mamada pelo lactente. Além disso, a oferta de mamadeiras de água e chás também não deve ser recomendado, pois relacionam- se ao desmame precoce e à redução no crescimento infantil; Aspecto do leite: a equipe de saúde deve informar a mulher sobre a aparência de seu leite para evitar pré-julgamentos que possam afetar o discorrer da amamentação. O leite no início da mamada tem alto teor de água, sendo mais translúcido, porém conta com muitos anticorpos. Já o leite do meio da mamada tende a ter uma coloração branca opaca devido ao aumento da concentração de caseína. E o leite do final da mamada, o chamado leite posterior, é mais amarelado devido à presença de betacaroteno. Para estimular a manutenção da amamentação, é necessário que os profissionais de saúde orientem a mãe sobre a necessidade de manter uma alimentação saudável, aumentando somente 500 calorias por dia para suprir às necessidades da lactação. A alimentação ideal (variada e equilibrada) de uma nutriz pode não ser acessível para muitas mulheres de famílias com baixa renda, o que pode desestimulá-las a amamentar seus filhos. Por isso, a orientação alimentar deve ser feita levando- se em consideração, além das preferências e dos hábitos culturais, a acessibilidade aos alimentos. É importante lembrar que as mulheres produzem leite de boa qualidade mesmo consumindo dietas subótimas. A hipovitaminose B em crianças amamentadas por mães vegetarianas é uma condição que merece atenção, pois essa vitamina não é encontrada na alimentação dessas mulheres. O retorno ao trabalho também pode ser um fator de complicação para a amamentação, em especial a exclusiva. A manutenção do Júlia Figueirêdo – PINESC III processo nesse caso depende da ocupação materna e da possibilidade de flexibilização para o atendimento das demandas infantis. Para as mães manterem a lactação após retornarem ao trabalho, é importante que o profissional de saúde estimule os familiares, em especial o companheiro, quando presente, a dividir as tarefas domésticas com a nutriz e oriente a mãe trabalhadora quanto a algumas medidas que facilitam a manutenção do aleitamento materno, como a intensificação no número de mamadas quando estiver em casa, armazenar o leite em frascos de vidro esterilizados com tampa plástica em baixas temperaturas (resiste por 12 horas na geladeira e por 15 minutos no congelador), além da ordenha do leite materno, preferencialmente manual (movimento em C). Não há dúvidas que o leite materno representa a melhor alternativa para a alimentação de crianças até 6 meses, porém o profissional de saúde deve estar apto a realizar o aconselhamento e a orientação quanto ao melhor método de suplementação alimentar (fórmula ou leite de vaca), levando em conta aspectos econômicos e culturais daquela família. As “fórmulas infantis” para lactentes correspondem a leites manipulados industrialmente indicados para crianças que não estão em processo de aleitamento materno. A maioria dos produtos existentes no mercado deriva do leite de vaca, atingindo padrões nutricionais pré-estabelecidos, porém mesmo com essa adaptação com relação aos macro e micronutrientes, os fatores imunológicos e bioativos não são encontrados nesses substitutos. Frente à impossibilidade da continuação da amamentação, recomenda-se que crianças menores de seis meses sejam alimentadas com fórmulas infantis de partida, e de 6 a 12 meses, com fórmulas de seguimento para lactantes. O leite de vaca é bastante diferente do humano, tanto na quantidade de nutrientes como em sua qualidade (aplicabilidade às necessidades nutricionais do RN), não sendo recomendado para crianças menores de 1 ano. Esse alimento apresenta proteínas em quantidade elevada, relação caseína/soro inadequada, alto teor de sódio, cloreto e fósforo, e quantidades insuficientes de carboidratos, ácidos graxos essenciais, vitaminas e minerais para essa primeira fase da vida. Além de todo o desequilíbrio nutricional, o leite de vaca ainda é altamente alergênico para crianças, podendo resultar no desenvolvimento da alergia à proteína do leite. Para que esse alimento seja fornecido a crianças de até 4 meses, o cuidador deve realizar sua diluição em 1/3 de água (para leite líquido) e em 100ml de água para uma colher de sobremesa de leite, acrescentando 1 colher de sopa de olho para recuperar o percentual lipídico. Júlia Figueirêdo – PINESC III INTRODUÇÃO DA ALIEMNTAÇÃO COMPLEMENTAR: A amamentação deve, como mencionado anteriormente, persistirde forma exclusiva até os seis meses de idade, período no qual o leite materno é suficiente para atender às demandas nutricionais do bebê. A partir desse momento, a alimentação complementar deve ser iniciada, de modo a prover as quantidades necessárias de água, calorias, lipídios, proteínas, vitaminas e minerais por meio da introdução gradual da dieta da família para a criança. Por volta do sexto mês de vida, a criança já desenvolveu os reflexos necessários para a deglutição, manifesta interesse quando observa o alimento e já consegue sustentar a cabeça, facilitando a alimentação com colher, além de iniciar a erupção dos primeiros dentes, promovendo a mastigação. A descoberta de novos sabores, texturas e cores também é acentuada nessa fase, com a descoberta de preferências alimentares, fazendo com que a introdução de alimentos não tenha finalidade somente metabólica, mas sim de adaptar o infante a uma nova fase da vida. O sucesso desse processo depende da paciência, do carinho e do afeto depreendido pelos cuidadores da criança, que devem contribuir positivamente nessa fase. A introdução da alimentação complementar se mostra como um momento no qual toda a família pode aprender a comer de forma saudável, além de permitir a interação mais próxima entre o bebê e os demais indivíduos em seu convívio (participação mais ativa do pai, por não ser a mulher a única provedora de alimento). O profissional de saúde deve mostrar-se empático e disponível para atender às demandas oriundas desse período de grandes mudanças, colaborando grandemente para o desfecho geral dessa etapa. A definição do período adequado para iniciar a introdução alimentar deve levar em conta não só a idade, mas também a maturidade neuromuscular e fisiológica da criança, direcionando especial atenção aos alimentos disponíveis para esse fim e às condições de preparo dos mesmos. Os pontos-chave observados no desenvolvimento infantil são o desaparecimento do reflexo de protusão (o infante não joga mais para fora o que é colocado em sua boca), a capacidade de manter-se sentado sem apoio e de movimentar a cabeça (importante para sinalizar a rejeição do alimento). A partir dos 4 meses de idade, ocorre a depleção do estoque de ferro, e a alimentação passa a ter papel fundamental na prevenção da anemia. O ferro na forma heme, presente nas carnes, é mais facilmente absorvido, enquanto o ferro que não está na forma heme, presente nos vegetais, precisa estar na forma ferrosa e depende do estado nutricional e dos outros alimentos para ser absorvido. É importante conhecer os alimentos que favorecem (sucos cítricos e cereais crus/farelos [ácidos orgânicos]) ou prejudicam (leite [cálcio – afeta inclusive a hemoglobina heme] e chás/cafeína [polifenóis]) a absorção para incluí-los ou não nas refeições ricas em ferro, como o almoço e o jantar. O período de intervalo é de 2 horas, para não haver interferência. O leite materno, durante o intervalo de 6 a 12 meses de idade, contribui com metade da energia necessária pela criança, e a 1/3 da demanda calórica entre 12 e 24 meses. Esses dados justificam a importância de se manter a amamentação mesmo após a consolidação da alimentação complementar, uma vez que o leite ainda auxilia no desenvolvimento imunológico. Com início no 6º mês de vida, a criança deve receber três refeições por dia (uma papa principal e duas papas de fruta). Com 7 Júlia Figueirêdo – PINESC III meses completos, a segunda papa principal pode ser introduzida, composta for feijão, arroz, carnes, legumes ou verduras. Aos 12 meses, devem ser fornecidas 5 refeições diárias, oferecendo água filtrada ao longo do dia. Embora a amamentação deva continuar em livre demanda após os seis meses de vida, é possível estabelecer um esquema para a administração da alimentação complementar, de forma a aproximar gradativamente os horários da criança aos da família, o que pode auxiliar no estímulo à ingestão do alimento e na consolidação de significado para a refeição. Nos primeiros dias após a apresentação inicial da alimentação complementar não é preciso se preocupar com o volume de comida ingerida, sendo o foco promover uma introdução gradual da criança ao alimento para que ela se acostume. Além disso, em decorrência de seu desenvolvimento psicomotor, o infante não se satisfaz mais em manter papel passivo no processo, querendo explorar o ambiente e manipular a comida, o que aumenta o interesse pelo processo. A dieta infantil deve ser a mais variada possível, de modo a garantir que ela receba todos os nutrientes necessários ao crescimento saudável, e também para ajudar a formar hábitos alimentares. A energia requerida pela alimentação complementar para as crianças em aleitamento materno é de aproximadamente 200kcal/dia de seis a oito meses de idade, 300kcal/dia de nove a 11 meses de idade e 550kcal/dia de 12 a 23 meses. Na fase inicial, a comida pode ser amassada, peneirada ou batida em liquidificador até adquirir consistência de papa ou purê, que possui maior densidade energética. Com o desenvolvimento da criança, passa a não ser mais necessário que os alimentos tenham consistência lisa, incentivando a mastigação e apresentando o bebê a diversas texturas, podendo ser oferecidos picados ou em pedaços aos 8 meses de idade. Ao final do 1º ano de vida, a maioria das crianças já é capaz de ingerir alimentos na mesma consistência da refeição do restante da família. É válido salientar que a alimentação inicial dessa criança precisa incluir ao menos um elemento de cada grupo alimentar (cereais, hortaliças/frutas, carnes/ovos e grãos), e não deve conter níveis elevados de açúcar, sódio e gorduras, de modo a estimular a manutenção dessa preferência ao longo da vida (infantes são mais propensos a gostar do que lhes é oferecido frequentemente). Mel e alimentos em conserva ou embutidos também devem ser evitados, pois podem conter esporos de Clostridium botulinum, bactéria cuja toxina, facilmente produzida no trato intestinal infantil, é responsável pelo desenvolvimento do botulismo. O consumo precoce de sal está associado ao aparecimento de hipertensão arterial, e consequente aumento no risco cardiovascular, quando adulta. Opções de Júlia Figueirêdo – PINESC III ervas e temperos naturais que podem ser utilizados para temperar as refeições, o que estimula a redução do uso do sal e evita a adição de condimentos prontos e industrializados, e que apresentam em suas composições elevado teor salino e de gorduras, além de aditivos que deveriam ser evitados. Dez passos foram estabelecidos para auxiliar no desenvolvimento da alimentação saudável até o 2º ano de vida: Passo 1: “Dar somente leite materno até os seus meses, sem oferecer água, chás ou qualquer outro alimento”; Passo 2: “A partir dos seis meses, introduzir de forma lenta e gradual outros alimentos, mantendo o leite materno até os dois anos de idade ou mais”; Passo 3: “Após seis meses, dar alimentos complementares (cereais, tubérculos, carnes, leguminosas, frutas, legumes) três vezes ao dia, se a criança receber leite materno, e cinco vezes ao dia, se estiver desmamada”; Passo 4: “A alimentação complementar deve ser oferecida de acordo com os horários de refeição da família, em intervalos regulares e de forma a respeitar o apetite da criança”; Passo 5: “A alimentação complementar deve ser espessa desde o início e oferecida de colher; começar com consistência pastosa e, gradativamente, aumentar a consistência até chegar à alimentação da família”; Passo 6: “Oferecer à criança diferentes alimentos ao dia. Uma alimentação variada é uma alimentação colorida”; Passo 7: “Estimular o consumo diário de frutas,verduras e legumes nas refeições”; Passo 8: “Evitar açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas nos primeiros anos de vida. Usar sal com moderação”; Passo 9: “Cuidar da higiene no preparo e manuseio dos alimentos: garantir o seu armazenamento e conservação adequados”; Passo 10: “Estimular a criança doente e convalescente a se alimentar, oferecendo sua alimentação habitual e seus alimentos preferidos, respeitando a sua aceitação”.
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