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11 1 INTRODUÇÃO O Sistema Único de Saúde (SUS) é organizado de forma descentralizada a fim de facilitar a prestação de serviços à população. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) fazem parte desse sistema e são as principais responsáveis por promover, prevenir e recuperar a saúde daqueles que usufruem desse serviço. No entanto, profissionais de saúde enfrentam situações de estresse em seu cotidiano. O estresse, nas diversas profissões, está entre uma das principais causas na interrupção de atividades de trabalho e absenteísmo (BAPTISTA; SOARES; RAAD; SANTOS, 2019). Estudos têm sido realizados na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) com profissionais de saúde com enfoque em situações diversas vivenciadas por estes profissionais como sofrimento psíquico, afastamentos, estresse laboral, condições psíquicas, resiliência, entre outros (TEIXEIRA; PREBIANCHI, 2019). Este projeto de pesquisa foi elaborado e construído a partir dos seguintes capítulos: no capítulo dois estão expostos o objetivo geral e os objetivos específicos do estudo. O capítulo três apresenta a justificativa a partir de sua relevância científica e social. O capítulo quatro apresenta o referencial teórico onde são abordados os seguintes conceitos:Sistema Único de Saúde (SUS), Unidade Básica de Saúde (UBS), Estratégia Saúde da Família (ESF), Equipe de Saúde e Profissionais de Saúde, estresse em profissionais de saúde e estratégias de enfrentamento de estresse no contexto de trabalho de profissionais de saúde. No capítulo cinco está exposta a metodologia com a descrição das etapas que foram utilizadas para o procedimento de coleta de dados, os aspectos éticos e o procedimento de análise de dados. Em seguida, no capítulo seis é apresentado a análise e discussões dos dados. No capítulo sete está descrito as considerações finais. Por último, constam as referências utilizadas. 12 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Analisar as percepções de profissionais de saúde sobre situações estressantes e estratégias de enfrentamento de estresse em uma Unidade Básica de Saúde no extremo norte do país. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS: a) Identificar as situações estressantes de profissionais da saúde vivenciadas no contexto de trabalho; b) Analisar as situações estressantes vivenciadas por profissionais da saúde no contexto de trabalho; c) Identificar as estratégias de enfrentamento de estresse, no trabalho, utilizadas por profissionais da saúde; d) Analisar as estratégias de enfrentamento de estresse, no trabalho, utilizadas por profissionais da saúde no contexto de trabalho; e) Analisar as repercussões do estresse no trabalho de profissionais de saúde e os impactos de estratégias de enfrentamento saudáveis e não saudáveis. 13 3 JUSTIFICATIVA Entre as principais causas do absenteísmo no trabalho estão o estresse, a depressão e a ansiedade. O estresse no trabalho exige esforços individuais para lidar com os diversos desafios e exigências (LIPP, 2004; BAPTISTA; SOARES; RAAD; SANTOS, 2019). A realidade do mundo de trabalho é permeada por cobranças e pressões, que são motivadas pela globalização, associadas ao avanço tecnológico, a busca por manter equilíbrio entre os âmbitos do trabalho e âmbito pessoal, ao modo como as pessoas se relacionam através da tecnologia e às intensas cobranças por produtividade percebidas como desafio ou como estressantes pelos profissionais. A área de saúde pode ser considerada uma das mais estressantes por lidar com um ambiente laboral carregado de intensas experiências com o doente, com o familiar, com a dor, com o sofrimento, entre outros sendo que essas condições de trabalho podem acarretar riscos para a saúde desse profissional (ZANELLI, 2010; LIPP, 2010; ASSIS; CARAÚNA; KARINE, 2015; SILVA; MALAGRIS, 2019; BAPTISTA; SOARES; RAAD; SANTOS, 2019; TEIXEIRA; PREBIANCHI, 2019). Portanto, o estresse pode ocasionar diferentes repercussões para os profissionais de um modo geral, especialmente no ambiente laboral de saúde em que “o profissional da saúde faz parte de uma das classes de trabalho mais afetadas pelo adoecimento gerado por essa condição” (SILVA; MALAGRIS, 2019, p. 72). Assim, torna-se importante conhecer o cotidiano de profissionais de saúde, os estressores de seu trabalho bem como a utilização de estratégias de enfrentamento saudáveis ou não com a finalidade de contribuir para minimizar os estressores no trabalho e também para auxiliar estes profissionais a refletirem sobre estratégias saudáveis de estresse para promover saúde e qualidade de vida e reduzir os impactos das situações estressantes vivenciadas no trabalho. Diante disso, é relevante responder a seguinte pergunta de pesquisa: Quais são as percepções de profissionais da saúde sobre situações estressantes e sobre as estratégias de enfrentamento de estresse utilizadas no contexto de trabalho? 14 4 REFERENCIAL TEÓRICO 4.1 Considerações sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), Unidade Básica de Saúde (UBS), Estratégia Saúde da Família (ESF), Equipe de Saúde e Profissionais de Saúde O Sistema Único de Saúde (SUS) e a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) são resultados de mobilizações sociais de usuários e trabalhadores, iniciadas na década de 1980 que foram impulsionados pelos movimentos contra a ditadura militar e pela repercussão gerada com a discussão do tema dos direitos humanos, que visava o pleno exercício da cidadania tendo como princípio a dignidade humana garantindo assim o direito à saúde (PORTELA, 2019). O art. 196 da Constituição Federal de 1988 afirma que: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). A Atenção Básica é o primeiro nível de atenção em saúde e caracteriza-se como a porta de entrada para o Sistema Único de Saúde, sendo uma das políticas públicas do governo com atenção voltada para essa área. Caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde que visam à proteção da saúde das pessoas e a prevenção de agravos oriundos de doenças, assim como o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos, e a manutenção da saúde. Além de desenvolver ações que atendam a integralidade do indivíduo impactando em sua autonomia e nos fatores determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. Este trabalho é realizado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), nas Unidades Básicas de Saúde Fluviais, nas Unidades Odontológicas Móveis (UOM) e nas Academias de Saúde (PORTELA, 2019; BRASIL, 2019). Na Atenção Básica as atividades são desenvolvidas em um território geograficamente conhecido e delimitado para cada unidade, o que possibilita aos profissionais uma proximidade com os usuários, tendo como objetivo o conhecimento da história de vida das pessoas e das famílias e suas condições de saúde, e a criação de vínculos possibilitando tratar com equidade àquelas que mais têm necessidade. Orientada pelos princípios da universalidade, acessibilidade, integralidade, humanização, 15 equidade, dentre outros, a Atenção Básica deve ser resolutiva, identificando riscos, necessidades e demandas de saúde da comunidade. A Política Nacional da Atenção Básica tem como foco a Estratégia Saúde da Família priorizando as especificidades loco regionais (PORTELA, 2019). O conceito ampliado de saúde apresentado na VIII Conferência Nacional de Saúde (VIII CNS) aborda quais são os fatores considerados como determinantes e condicionantes da saúde: A saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, acesso a posse da terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formasde organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. (BRASIL, 1986, p.4) Os profissionais de saúde que trabalham em Unidades Básicas de Saúde (UBS) fazem parte de uma equipe multidisciplinar que é composta por no mínimo, um médico, um enfermeiro, um auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitário de saúde (ACS), e também a equipe de saúde bucal, composta por cirurgião-dentista e um auxiliar ou técnico em saúde bucal. Entre as atribuições da Equipe de saúde da família estão: conhecer a realidade e as condições de saúde das famílias e identificar os problemas de saúde mais comuns e situações de risco a qual a população está exposta, executar procedimentos de vigilância epidemiológica e vigilância à saúde nos diversos ciclos de vida e prestar assistência integral visando promover a saúde por meio da educação sanitária (BRASIL, 2019). 4.2 Estresse em profissionais de saúde e suas repercussões Na literatura são encontrados diferentes conceitos sobre estresse. Para os cognitivistas esse termo é conceituado como um estímulo que desencadeia comportamentos que visam à retomada do estado de equilíbrio do organismo. Na física e na engenharia o termo estresse era utilizado para denominar a deformidade que um material sofria quando era submetido a um esforço. Na medicina o estresse é tido como uma resposta a um estímulo que ameace o equilíbrio do organismo (ALCHIERI, 2004; ZANELLI, 2010; FERREIRA; MENDONÇA, 2012). É o resultado da interação das características do empregado com o ambiente de trabalho, onde as exigências do trabalho excedem as habilidades do trabalhador para enfrentá-las (TAMAYO, 2001). Consiste em demandas excessivas exigidas ao trabalhador que superam suas possibilidades de enfrentamento ou que são ameaçadores ao seu bem-estar e auto-estima e desencadeiam consequências negativas (ALCHIERI, 2004; FERREIRA;MENDONÇA, 2012;). Consiste em uma complexa reação 16 psicofisiológica pela necessidade de o organismo lidar com algo que ameace a sua homeostase ou seu autocontrole (LIPP, 2004). Estresse é um imunodepressor que pode deixar a pessoa mais sujeita a adoecer, afetando sua qualidade de vida de modo geral (LIPP, 2010). São estímulos gerados no ambiente de trabalho que tem como resultado o desgaste físico e/ou psicológico dos servidores, sendo classificados em organizacionais ou extra-organizacionais, individuais ou grupais. Equivale à uma reação do organismo a um forte estímulo psicossocial a qual o indivíduo deva adaptar-se ou ajustar-se (LIPP, 2004). A forma de avaliar e de enfrentar os problemas cotidianos são variáveis em cada indivíduo e isso também define como o estressor afeta cada pessoa (PRADO, 2016).Lipp (1996, p.20) definiu estresse como: uma reação do organismo, com componentes físicos e\ou psicológicos, causada pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situação que de um modo ou de outro, a irrite, amedronte, excite ou confunda, ou mesmo que a faça imensamente feliz. O estresse na perspectiva psicológica constitui um fenômeno complexo, resultante da interação entre o indivíduo e o ambiente de trabalho, centrado em alterações na cognição, afetividade e alterações fisiológicas envolvendo uma rede complexa de variáveis tanto individuais como organizacionais. Quando ocorre desgaste físico e emocional há uma perda da capacidade psicológica e biológica onde as exigências do trabalho afetam a saúde do trabalhador e estão na base dos problemas de saúde crônicos como a insônia, dores de cabeça, pressão alta, úlcera e maior susceptibilidade às gripes e resfriados, além de que o estresse e a fadiga no trabalho podem ter consequências como a maior intenção de rotatividade, menor qualidade no atendimento e maior frequência de erros e a maior susceptibilidade à doenças infecciosas como o câncer , doenças cardiovasculares e crônicas e perturbações gastrointestinais (DIAS; PAIS-RIBEIRO, 2019; ESTEVES; LEÃO; ALVES, 2019; ZANELLI, 2010). Assim, o estresse no trabalho é resultante da interação entre muitas demandas psicológicas, menor controle no processo de trabalho e menor apoio social recebido de colaboradores e chefes no ambiente laboral. As demandas psicológicas referem-se às exigências do trabalho que envolvem tempo, velocidade e intensidade na realização das atividades, bem como as demandas conflitantes. Já o controle está relacionado ao uso das habilidades intelectuais e a autonomia para a tomada de decisão sobre o seu próprio trabalho. Por último, o apoio social diz respeito à interação e ao suporte oferecido 17 pelas relações interpessoais no trabalho (RIBEIRO; MARZIALI; MARTINS; GALDINO; RIBEIRO, 2018). Analisar a ocorrência do estresse no contexto de trabalho permite refletir sobre a cultura organizacional a partir de seus valores, por exemplo. Assim, quando há incompatibilidade entre os valores organizacionais e os valores pessoais, as condições para o estresse emocional podem ser favorecidas. Entre os diversos estressores organizacionais estão as dificuldades de conciliar trabalho e família, o excesso de trabalho e a sobrecarga de trabalho, os prazos curtos para a realização das atividades, a ausência ou redução de autonomia, ambiente físico precário, sobrecarga de trabalho ou exigências além das qualificações, tarefas repetitivas ou sem sentido, papéis indefinidos ou ambíguos, os conflitos interpessoais, os desajustes entre o trabalhador e a administração, os trabalhos constantemente transferidos para o ambiente do lar, as insatisfações, inseguranças e falta de perspectivas na carreira, o tempo de serviço e o tempo de exposição aos estressores estes tem sido vistos como fatores que interferem no estresse e bem-estar dos trabalhadores e que podem desencadear problemas de saúde (ZANELLI, 2010; FERREIRA; RIBEIRO; CARAMURU; HANZELMANN; VELASCO; PASSOS, 2017; ESTEVES; LEÃO; ALVES, 2019; MANDARINI; ESTICCA, 2019). Homens e mulheres têm as mesmas condições de trabalho, entretanto, o estresse é mais suscetível de ocorrer em mulheres, levando em consideração que em nossa sociedade são comumente atribuídas à mulher as atividades de cuidar da casa e da família, sendo assim uma dupla jornada de trabalho que envolve atividades domésticas e outras exigências familiares. Os níveis de estresse também podem ser superiores em servidores que não praticam atividade física. Outro aspecto antecedente ao estresse é a preocupação excessiva com o seu próprio sucesso e com o desejo de superar os outros sem levar em consideração o trabalho em equipe (TAMAYO, 2001; BIROLIM; MESAS; GONZÁLE; SANTOS; HADDAD; ANDRADE, 2017). A área da saúde é uma área em que prevalece a atuação feminina sendo que o setor de enfermagem é coberto em aproximadamente 80 % por mulheres. A função de cuidar atribuída à mulher é o resultado de um processo de construção social a qual lhe emitiu a habilidade do cuidado como qualidade natural ao gênero. As divisões sexuais do trabalho também são encontradas nas especialidades médicas onde as áreas de pediatria, ginecologia, obstetrícia e dermatologia são áreas em que predominam mulheres enquanto que nas áreas de cirurgia, traumatologia e anestesiologia são predominantemente masculinas. Alguns profissionais também costumam acumular cargos o que 18 diminui a qualidade de vida do profissional e pode afetar também a qualidade do serviço prestado por ele podendo favorecer o estresse e acidentes de trabalho (PASTORE; ROSA; HOMEM, 2008; ZANATTA; LUCCA; SOBRAL; STEPHAN; BANDINI, 2019). Realizada em uma cooperativa de médicos com o objetivo de identificar estressores laborais, uma pesquisa apresentou como resultados alguns fatores que desencadeavam estresse nos trabalhadores como a deficiência de treinamentos e capacitação profissional, a falta de informações sobre as tarefas no trabalho, a falta de autonomia naexecução das tarefas, a forma de distribuição das tarefas, o tempo insuficiente para a realização do volume de trabalho, a falta de informações sobre as decisões organizacionais, a falta de compreensão sobre as responsabilidades de cada funcionário no trabalho, entre outros fatores. Um contexto hospitalar precário que apresente deficiências de materiais e equipamentos repercute sobre a economia da organização e a efetividade das políticas públicas. Os fatores citados influenciam nos níveis de estresse dos trabalhadores que ao se tornarem crônicos podem acarretar em outros problemas de saúde como a Síndrome de Burnout (FERREIRA; RIBEIRO et al., 2017; TABOSA; CORDEIRO, 2018; SILVA; MALAGRIS, 2019; ESTEVES; LEÃO; ALVES, 2019). Os resultados sobre a percepção do estresse em enfermeiros de um hospital universitário obtidas a partir de um estudo destacou entre os seus principais resultados que a maioria dos sujeitos (67%) apresentou nível médio de estresse já a média de estresse em enfermeiros que exerciam função de chefia era maior do que as dos que não exerciam. Como sugestão para amenizar o estresse no trabalho os funcionários sugeriram melhores condições de trabalho. A pesquisa também ressaltou que o comprometimento, o estresse e a satisfação com a vida desses trabalhadores variam quanto ao tipo de setor de atuação onde os níveis de complexidade são diferentes, os tipos de pacientes, a composição da equipe e a rotina de assistência prestada a esses pacientes (SILVA; MALAGRIS, 2019). Um estudo feito com empregados terceirizados que objetivou identificar os fatores de risco psicossociais que desencadeavam em estresse nos empregados demonstrou entre os seus principais resultados que os trabalhadores que atendiam pessoas de outros países precisavam utilizar a língua dos clientes e ainda adequar o sotaque para evitar represálias e preconceitos dos consumidores por estarem sendo atendidos por pessoas de outra nacionalidade, a pesquisa também ressaltou que ambientes e materiais inadequados para o trabalho e a baixa qualidade dos relacionamentos influenciam nos níveis de estresse do trabalhador. A falta de reconhecimento e salários baixos ou insuficientes é um fator que levava os trabalhadores a fazer hora extra e trabalhar em mais de um local ou turno o que dificultava os 19 momentos de lazer ou atividades sociais dessas pessoas. Os fatores psicossociais têm sido relacionados com a diminuição da capacidade para o trabalho e o surgimento de doenças (FERREIRA; LUCCA, 2015; PETERSEN; MARZIALE, 2017; BIROLIM; MESAS; GONZÁLE; SANTOS; HADDAD; ANDRADE, 2017MANDARINI; ESTICCA, 2019). A violência é um risco do trabalho do profissional de saúde que compromete a qualidade e o processo de trabalho desse servidor. Uma das motivações para que ocorra violência na Atenção Básica de Saúde se dá porque os profissionais de saúde têm de lidar com um público diverso e composto por pacientes psiquiátricos, delinquentes e bêbados, e tem que lidar também com a revolta dos familiares de pacientes que quando não são atendidos imediatamente ou motivados pela irresolutividade dos problemas ou quando são encaminhados para buscarem atendimentos fora da Unidade ou em situações em que o paciente tem que ouvir um não do profissional acabam se revoltando contra esse trabalhador (BIANCHI, KAISER, 2008; RODRIGUES; MAGALHÃES; LIMA, 2015). Além de riscos psicossociais os profissionais de saúde também estão expostos a riscos biológicos já que rotineiramente entram em contato direto com fluidos de pacientes e correm o risco de serem contaminados com doenças como Tuberculose, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (HIV/AIDS) e hepatite B e C entre outras doenças, também estão expostos a doenças como LER e DORT por esforços repetitivos durante a execução do trabalho. Uma análise feita a cerca dos acidentes de trabalho notificados por profissionais de saúde expostos à materiais biológicos constatou que os profissionais da enfermagem (técnico, auxiliar ou enfermeiro) são os que mais sofrem esse tipo de acidente no trabalho e que a maioria deles eram pouco experientes, eram do sexo feminino e estavam na faixa etária de 20 a 30 anos de idade (RODRIGUES; MAGALHÃES; LIMA, 2015; SOARES; SCHOEN; BENELLI; ARAÚJO; NEVES, 2019; ZANATTA; LUCCA; SOBRAL; STEPHAN; BANDINI,2019). As repercussões do estresse podem variar como, por exemplo, disfunções orgânicas, transtornos psicológicos, predisposição à depressão e queda da produtividade (SILVA; MALAGRIS, 2019; ESTEVES; LEÃO; ALVES, 2019). Entre as consequências do estresse no ambiente de trabalho estão a ausência de ânimo, a falta de envolvimento, o afastamento para tratamento médico, a alteração na pressão arterial, o cansaço físico e emocional, a ansiedade, a depressão, a insatisfação, a frustração, as dificuldades em tomar decisões cotidianas, a falta ao trabalho, as dificuldades de lidar com mudanças, o absenteísmo, a rotatividade, a produtividade diminuída, a vulnerabilidade a acidentes, a sensação de 20 desempoderamento, entre outros. O impacto do estresse pode repercutir no aumento de custos previdenciários provenientes do absenteísmo e afastamentos dos profissionais por problemas de saúde, bem como redução do desempenho e da qualidade do trabalho. Portanto, o estresse, pode interferir significativamente nas diferentes esferas da vida: social, afetiva, profissional e de saúde. Na esfera laboral, pode ocasionar em custos elevados para os indivíduos, às organizações e à sociedade (WILHELM; ZANELLI, 2013; WILHELM; JUNIOR; DEON; BENETTI; ROSA; NUNES, 2017). A avaliação que o trabalhador faz das exigências do trabalho e dos recursos que dispõe para enfrentá-las podem desencadear dois resultados opostos com diferentes repercussões no trabalho e no bem-estar do indivíduo: muitas exigências e poucos recursos geram mais estresse e menor desempenho, pessoas expostas a constantes pressões têm mais dificuldades de lidar com frustrações e mais chances de apresentar comportamentos hostis e de ansiedade, irritabilidade e agressão aos demais, por outro lado, um profissional que disponha de estratégias para enfrentar o estresse como autonomia, feedback, apoio social e uma relação positiva com o chefe, será mais engajado e poderá ter reduzidas as chances de desenvolver estresse ( ZANELLI, 2010; ESTEVES; LEÃO; ALVES, 2019). Deste modo, o estresse está presente no contexto de trabalho, em diversas profissões. Portanto, é relevante analisar sobre a atuação dos gestores em relação a planejar ações de prevenção e intervenções com a finalidade de reduzir suas consequências, como por exemplo, criar oportunidades e ambientes mais saudáveis, positivos e relaxantes (WILHELM; ZANELLI, 2013; WILHELM; JUNIOR; DEON; BENETTI; ROSA; NUNES, 2017) 4.3 Estratégias de enfrentamento de estresse no contexto do trabalho e em profissionais de saúde Coping é um termo em inglês que significa estratégia ou enfrentamento psicológico, é uma variável que define como o indivíduo interpreta as demandas do ambiente e as estratégias que utiliza para lidar com os estímulos geradores de estresse (FERREIRA; MENDONÇA, 2012). Neste estudo, será utilizada a tradução em língua portuguesa “estratégia de enfrentamento de estresse”. O enfrentamento não constitui um evento isolado, mas um processo de avaliação constante e dinâmico entre a pessoa e o ambiente, transformando o lugar, os eventos e seus significados, onde os indivíduos modificam as suas respostas à medida que são confrontados com as demandas do espaço. Por se tratar de um processo dinâmico de interação com o ambiente as estratégias de enfrentamento se tratam de 21 processos que podem ser aprendidos no decorrer da vida do sujeito de forma adaptá-lo melhor às circunstancias estressantes da vida (DIAS; PAIS-RIBEIRO, 2019; CHAMON, 2006). Na perspectiva cognitiva de Lazarus e Folkman (1984), coping é definido como umconjunto de esforços, cognitivos e comportamentais tecidos pelos indivíduos com o objetivo de lidar com demandas específicas pessoais ou interpessoais, internas ou externas, que surgem em situações de estresse e são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo os recursos do indivíduo, que visam amenizar o sofrimento e diminuir o impacto das emoções negativas. Para o autor existem oito tipos de estratégias de enfrentamento, que podem ser classificadas da seguinte forma: resolução de problemas; suporte social; aceitação de responsabilidade; autocontrole; reavaliação positiva; fuga e esquiva; afastamento e confronto. As estratégias de enfrentamento são utilizadas com o objetivo de restabelecer o estado de equilíbrio do organismo ou neutralizar ou amenizar o estresse (LAZARUS E FOLKMAN 1984, apud ANTONIAZZI; DELL´ANGLIO; BANDEIRA, 1998; LAZARUS E FOLKMAN 1984 apud SERVINO; RABELO; CAMPOS, 2013; SOUSA; MILIONI; DORNELLES; 2018; DIAS; PAIS- RIBEIRO, 2019). As estratégias de regulação emocional ou estratégias de moderação de regulação emocional são meios através dos quais os indivíduos procuram responder mais adequadamente às demandas, modificando suas emoções e expressões, usando estratégias que visem aumentar ou manter as emoções positivas, ou diminuir o efeito das emoções negativas. Os recursos pessoais são moderadores que aumentam as emoções positivas do ambiente de trabalho entre eles constam a estabilidade emocional, as estratégias de autorregulação, a inteligência emocional, o desapego psicológico e a idade. A psicologia positiva afirma que a regulação emocional é importante porque dessa forma as pessoas conseguem ter mais qualidade de vida e qualidade das relações interpessoais ao evitar o sofrimento ajustando-se às normas e expectativas sociais. Usar estratégias de regulação que potencializem as emoções positivas traz mais benefícios para o bem-estar no trabalho do que tentar amenizar as emoções negativas. A qualidade e a disponibilidade desses recursos o sujeito torna-se mais vulnerável ou não aos efeitos do estresse (ANTONIAZZI et al., 1998; HIRSCHLE; GONDIM; ALBERTON; FERREIRA, 2019; GONDIM; HIRSCHLE, 2019). Entre os recursos moderadores do ambiente de trabalho constam o controle, o suporte social e os eventos positivos no trabalho, a autonomia do trabalhador, a percepção de suporte organizacional e o clima de segurança. O estresse, a falta de recursos, a pressão e a sobrecarga, altas demandas e o baixo 22 controle, a monotonia e o baixo poder de decisão, e as interações sociais negativas a falta de apoio social, e os eventos afetivos negativos no ambiente de trabalho são precursores do mal-estar dos trabalhadores. Como fatores positivos ao bem-estar no trabalho constam os recursos pessoais como autoestima, o coping ativo, o otimismo, a auto eficácia, o comprometimento afetivo no trabalho e as experiências de emoções positivas (HIRSCHLE; GONDIM; ALBERTON; FERREIRA, 2019; GONDIM; HIRSCHLE, 2019). As organizações podem incorporar ações e programas voltados à prevenção do estresse e adotar estratégias de enfrentamento com o objetivo de promover condições para a promoção de saúde física e emocional das pessoas. Podem ser adotadas medidas preventivas comportamentais e cognitivas que visam prevenir o surgimento de doenças que possam afetar a vida do trabalhador como os hábitos de vida inadequados e de risco, bem como mudanças cognitivas que envolvam atitudes e valores inapropriados frente a vida. Hábitos de vida saudáveis contribuem para a saúde e controle do estresse, como por exemplo, a atividade física, a alimentação saudável e a manutenção de relacionamentos interpessoais e afetivos (JAMIR; EDUARDO; SERGIO 2004; LIPP, 2010). 4.4 Estratégias de enfrentamento de estresse focadas no problema O Coping centrado no problema é uma estratégia de adaptação que pode ser direcionada para as fontes de estressores externas visando resolver ou amenizar o impacto das adversidades que podem incluir estratégias como negociar ou pedir ajuda de outras pessoas, já as estratégias focadas no problema direcionado para as fontes estressoras internas, ou seja, intrínsecas ao próprio sujeito envolvem reestruturações cognitivas por parte do sujeito (DIAS; PAIS-RIBEIRO, 2019). As estratégias de enfrentamento podem gerar resultados positivos ou negativos no cotidiano e na vida das pessoas, as estratégias focadas no problema têm o objetivo de enfrentar a situação de forma a resolvê-la e são comumente utilizadas quando o problema é percebido como passível de ser alterado e geralmente estão associados a uma menor carga de estresse, e podem ser oportunidades para desenvolver as habilidades de solução de conflitos, a organização pessoal e de gestão do tempo, o desenvolvimento da autoestima e o fortalecimento da resiliência (ALCHIERI, 2004; WILHELM, 2012; FERREIRA; MEDONÇA, 2012; SERVINO; RABELO; CAMPOS, 2013; SOUZA; SILVA; COSTA, 23 2018; SOUZA; MILIONI; DORNELLES, 2018, HIRSCHLE et al, 2019; DIAS; PAIS-RIBEIRO, 2019). A estratégia resolução de problemas é uma estratégia focada no problema considerada eficaz já que visa modificar a situação estressora alterando o estressor. As estratégias de enfrentamento focadas no problema são divididas em dois fatores: a resolução de problemas e o confronto, a resolução de problemas envolve a reflexão e elaboração de um plano de ação para a resolução do problema, já o confronto envolve atitudes ativas e agressivas e\ou impulsivas em relação ao objeto estressor, o uso dessa estratégia pode gerar resultados negativos. Em um estudo feito com gestores universitários com o objetivo de identificar as estratégias de enfrentamento de estresse utilizadas por essas pessoas identificou entre seus resultados que esses gestores utilizavam estratégias de resolução de problemas como analisar e refletir sobre as situações, buscar diferentes soluções, estabelecer prioridades, resolver o mais rápido possível as situações e enfrentar os desafios (WILHELM, 2012). 4.5 Estratégias de enfrentamento de estresse focadas na emoção As estratégias de enfrentamento focadas na emoção são estratégias que visam amenizar ou reduzir as emoções causadas pelo estresse ignorando o problema, como por exemplo, fumar ou assistir televisão. Profissionais menos experientes tendem a apresentar um maior nível de estresse e utilizar um maior número de estratégias de enfrentamento como o confronto, a fuga-esquiva e o afastamento, que são estratégias emocionais não focadas no problema (ALCHIERI, 2004; WILHELM, 2012; FERREIRA; MEDONÇA, 2012; SERVINO; RABELO; CAMPOS, 2013; SOUZA; SILVA; COSTA, 2018; HIRSCHLE et al, 2019). Essas estratégias também são conhecidas como estratégias de regulação emocional, ou seja, a pessoa ao utilizar dessa estratégia procurar diminuir o impacto causado pelas adversidades alterando o estado emocional utilizando de recursos como, por exemplo, o uso do cigarro, tranquilizantes e/ou praticando atividade física, ou até mesmo procurando ajuda através da busca de apoio emocional. Trata-se de um processo de defesa do organismo frente aos infortúnios e altas tensões emocionais que podem ter como consequência o distanciamento a fuga e\ou esquiva do sujeito do ambiente e circunstâncias que avalie como estressantes (SOUZA; MILIONI; DORNELLES, 2018, DIAS; PAIS- RIBEIRO, 2019). 24 As estratégias de enfrentamento focadas na emoção proporcionam um alívio momentâneo para os eventos estressores onde o indivíduo responde ao problema de forma emocional como, por exemplo, ao gritar, chorar, ou comer, ao usar essas estratégias a pessoa buscar diminuir o efeito dos eventos estressores fugindo ou se esquivando do problema evitando pensar, falar ou discutir a respeito para evitar as emoções que a situação possa causar. O uso de estratégias focadas na emoção pode ocasionar a repressão dos sentimentos, o que pode desencadear em maiscansaço, fadiga e aumento do estresse. (BERTAMONI; EBERT; DORNELLES, 2013; SOUZA; SILVA; COSTA, 2018). O apoio ou suporte social é uma estratégia de enfrentamento focada na emoção que ajuda a prevenir e promover a saúde das pessoas, onde o trabalhador busca a ajuda de outras pessoas para a resolução dos conflitos através do diálogo diminuindo a tensão provocada pelo estresse. O apoio social pode ser definido como a busca por auxilio de outras pessoas em situações de estresse, a provisão de materiais e informações necessárias que atuam como um potencializador ou amortecedor dos riscos psicossociais no trabalho. É um fator de proteção de estresse que favorece para um melhor ambiente de trabalho e um menor sofrimento profissional. O apoio social demonstra a qualidade das relações dos profissionais no ambiente de trabalho, os profissionais que avaliam o ambiente de trabalho como péssimo têm mais chances de desenvolverem altos níveis de estresse no trabalho (WILHELM, 2012; BERTAMONI; EBERT; DORNELLES, 2013; BIROLIM; MESAS; GONZÁLE; SANTOS; HADDAD; ANDRADE, 2017; SOUZA; SILVA; COSTA, 2018; ZANATTA; LUCCA; SOBRAL; STEPHAN; BANDINI, 2019). As estratégias de enfrentamento focadas na emoção têm o objetivo de aliviar, regular ou diminuir o estado emocional provocado pelo evento estressor, podem envolver ações paliativas como negação e esquiva, essas estratégias envolvem o uso do suporte social, autocontrole, aceitação de responsabilidade, reavaliação positiva e afastamento. O autocontrole se refere a estratégias de regulação emocional como procurar manter-se calmo frente aos eventos estressores. A aceitação da responsabilidade se refere a aceitação da adversidade tida pelo sujeito como imutável, conformando-se com a situação, onde o individuo deixa o tempo passar como estratégia de enfrentamento. Na reavaliação positiva o sujeito reavalia o evento estressor com o objetivo de encontrar aspectos positivos ao fato como forma de amenizar ou tentar aprender algo com o evento. O afastamento envolve a negação do estressor onde o individuo tenta esquecer o que está acontecendo (WILHELM, 2012). 25 Um estudo feito com o objetivo de correlacionar perfis de personalidades as estratégias de enfrentamento, afirmou que quanto maior forem as habilidades sociais de uma pessoa, menor o uso de estratégias focadas na emoção, entretanto, pessoas com baixa autoestima, pessoas que tem tendência a ter uma percepção negativa acerca das situações e pessoas vulneráveis e instáveis emocionalmente ou seja, pessoas que tem dificuldades nos relacionamentos interpessoais tendem a serem mais propensas a utilizarem esse tipo de estratégia (BERTAMONI; EBERT; DORNELLES, 2013). Essas estratégias também podem ser chamadas de estratégias de enfrentamento de curto prazo porque visam à redução dos sintomas desencadeados pelo estresse como através de meios como programas de lazer, cuidar da alimentação entre outras coisas, e estratégias de longo prazo que almejam combater as causas do estresse, como identificar o que causa o estresse, analisar se essa causa pode ser eliminada e tomar medidas pra isso, como por exemplo, aprender estratégias para lidar com o que não pode ser mudado, controlar pensamentos negativos, ansiedade e perfeccionismo e outros fatores intrínsecos ao indivíduo que influenciam no estresse. Também podem ser divididas em estratégias de âmbito individual (centradas nas demandas da pessoa que visam à aprendizagem de estratégias de enfrentamento das condições ou dos agentes estressantes) e organizacional (intervenções focadas na organização, procurando modificar os aspectos relacionados à estrutura política e estratégias organizacionais e de gestão) - (LIPP, 2010; ZANELLI, 2010). 26 5 METODOLOGIA Foi realizada uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória de forma a compreender quais as percepções de profissionais de saúde de uma Unidade Básica de Saúde, no extremo norte do país, sobre situações estressantes e quais as estratégias de enfrentamento de estresse utilizadas por esses profissionais no contexto de trabalho. Uma pesquisa com abordagem qualitativa visa “descrever pormenorizada ou relatar minuciosamente o que os diferentes autores ou especialistas escrevem sobre o assunto e, a partir daí, estabelecer uma série de correlações para, no final, darmos nosso ponto de vista conclusivo” (OLIVEIRA, 2004, p.117). 5.1 PARTICIPANTES Os critérios de inclusão para participar da pesquisa foram: a) ser brasileiro (a); b) maior de 18 anos; e, c) atuar como profissional de saúde, nesta UBS, no período mínimo de seis meses por considerar esse tempo satisfatório em relação a sua percepção sobre o trabalho desempenhado. Já os critérios de exclusão do estudo foram: a) ter outra nacionalidade; b) ser indígena; c) idade inferior a 18 anos; d) ter atuação inferior a seis meses nesta UBS. Participaram deste estudo os profissionais que tinham formação e atuavam nas seguintes áreas: profissionais da Medicina, da Enfermagem, da Odontologia, profissionais que tinham formação em Técnico em Saúde Bucal, e os que tinham formação em Técnico em Enfermagem. Ao total participaram do estudo dois médicos, dois enfermeiros, dois técnicos de enfermagem, dois Cirurgiões dentistas e dois Técnicos em saúde bucal, totalizando 10 profissionais. Entre esses participantes uma profissional era natural da Venezuela e outra era natural da Republica Dominicana cujos países se falam o Espanhol, entretanto, antes de sua chegada ao Brasil esses profissionais passaram por provas de aptidão em língua portuguesa e foram aprovadas, ou seja, esses participantes tinham domínio da língua portuguesa o que não impediu a coleta de dados com esses profissionais. 5.2 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS 27 A coleta de dados se deu através de um roteiro de entrevista semiestruturada (Apêndice 2) elaborado com a finalidade de coletar dados sobre as percepções de profissionais de saúde sobre as situações estressantes e as estratégias de enfrentamento utilizadas por esses profissionais no ambiente laboral. Assim, tendo como respaldo os objetivos do estudo, o roteiro de entrevista semiestruturada foi elaborado a partir das seguintes categorias de análise preestabelecidas: a) Dados de caracterização geral (sexo, idade, formação, entre outros); b) Situações de estresse vivenciadas por profissionais de saúde que trabalham em uma Unidade Básica de Saúde; c) Estratégias de enfrentamento de estresse utilizadas por profissionais de saúde que trabalham em uma Unidade Básica de Saúde; d) Repercussões do estresse no trabalho de profissionais de saúde e os impactos de estratégias de enfrentamento saudáveis e não saudáveis. 5.3 SITUAÇÃO E AMBIENTE O procedimento de coleta de dados foi realizado individualmente, na própria Unidade Básica de Saúde. O local escolhido para a realização das entrevistas atendia as seguintes características: sem fluxos de pessoas e sem ruídos que pudessem provocar interrupções e interferências, com iluminação satisfatória e um ambiente ventilado. Essas condições possibilitavam aos participantes um momento de tranquilidade e conforto para falar sobre o conteúdo a ser investigado. 5.4 DESCRIÇÃO DO LOCAL A Unidade Básica de Saúde em que foi realizada a coleta de dados fica localizada na zona Oeste da capital, e conta com duas equipes de Estratégia de saúde da Família (ESF) cada uma composta por um Médico, um Enfermeiro, um Técnico em Enfermagem e seis Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e duas Equipes de Saúde Bucal composta cada uma por um Cirurgião Dentista e um Técnico em Saúde Bucal. A unidade também comporta uma farmácia, uma sala de vacina, uma sala de triagem, uma sala de curativo, além de uma brinquedoteca, direção e recepção. Ao todo a unidade possui 39 28 funcionários, divididos entre profissionais desaúde, profissionais de limpeza, Auxiliares administrativos e outros colaboradores. 5.5 PROCEDIMENTOS ÉTICOS DA PESQUISA O procedimento de coleta de dados deu-se somente após a posterior aprovação deste projeto de pesquisa no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Este projeto de pesquisa foi submetido na plataforma Brasil atendendo aos seguintes documentos: a) Resolução 466/2012; b) Resolução 510/2016 e c) Norma operacional 001/2013.A participação neste estudo foi voluntária e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice 1), explicitando seu consentimento em participar da pesquisa. A Carta de Anuência (Anexo 1) foi assinada pelo Secretário Municipal de Saúde responsável pelo Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA), o qual encaminhou a carta assinada para a Unidade Básica de Saúde onde este estudo foi realizado, autorizando dessa forma a coleta de dados no local. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Roraima sendo aprovada conforme o CAAE: 19223619.7.0000.5302 e Número do Parecer : 3.536.336. Entre os riscos mínimos previstos em participar deste estudo, incluíam-se a possibilidade de eventual desconforto psicológico pela manifestação de diferentes emoções, como por exemplo, a tristeza ou o incômodo gerado pela reflexão e/ou pela recordação que alguma pergunta pudesse desencadear. Nesse caso, medidas foram tomadas como o acolhimento, a escuta e a pessoa pode decidir parar ou não a entrevista. Para diminuir esses riscos a pesquisa foi realizada em um ambiente privativo e somente os pesquisadores tiveram acesso aos instrumentos de coleta de dados e seus conteúdos. Os benefícios do estudo estão relacionados em contribuir com a produção de conhecimento sobre a atuação de profissionais de saúde para identificar quais são as situações estressantes vivenciadas em um cotidiano de trabalho permeado por diversos desafios e exigências considerando a relevância destes profissionais para as pessoas, para as instituições de saúde e para a sociedade. Também, analisar o repertório de estratégias de enfrentamento de estresse utilizadas por estes profissionais no sentido de possibilitar a aprendizagem de estratégias saudáveis e adequadas com o objetivo de lidar e/ou amenizar o estresse. Para as organizações, torna-se relevante aos gestores 29 desenvolver ações de prevenção e intervenções nos ambientes laborais e refletir sobre as práticas organizacionais e seus efeitos sobre os colaboradores e suas atuações. 5.6 ANÁLISE DOS DADOS A análise de dados foi feita com abordagem qualitativa, com base na análise de conteúdo proposta por Bardin (2016), em três etapas de análise. A primeira, denominada pré-análise, é a fase da organização propriamente dita e consiste na sistematização das ideias iniciais, com o objetivo de escolher os dados que serão submetidos à análise e à construção de indicadores que irão fundamentar a interpretação final. A segunda etapa, denominada exploração do material, consistiu, essencialmente, no processo de codificação, permitindo que o material fosse inserido em unidades que podem ser descritas. Foi utilizado o processo denominado Análise Categorial, que é realizada por desmembramentos do texto em categorias, segundo critérios de análise. Por último, a etapa denominada tratamento dos resultados, e sua interpretação, teve por finalidade a codificação dos dados, em unidades denominadas categorias temáticas, que emergiam a partir da entrevista por categorias pré-estabelecidas e categorias estabelecidas a posteriori. Os dados foram organizados e analisados tendo como respaldo a revisão de literatura, a delimitação do método utilizado, e a inserção de trechos das falas dos participantes considerando as cinco categorias de análise preestabelecidas para este estudo, respectivamente: 1) Dados de caracterização geral (sexo, idade, formação, entre outros); 2) Situações de estresse vivenciadas por profissionais de saúde que trabalham em uma Unidade Básica de Saúde; 3) Estratégias de enfrentamento de estresse utilizadas por profissionais de saúde que trabalham em uma Unidade Básica de Saúde; e, 4) As repercussões do estresse no trabalho de profissionais de saúde e os impactos de estratégias de enfrentamento saudáveis e não saudáveis. 30 6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS 6.1 Dados de caracterização geral dos participantes A Tabela 1 apresenta a caracterização geral dos participantes Tabela 1 – Caracterização geral dos participantes Idade Gênero Estado civil Tem filhos? Área de Formação e Atuação Tempo que exerce essa função Possui outro Vinculo empregatício ? Horas de trabalho por semana 50 anos Masculino Casado 03 Cirurgião Dentista 27 anos Sim 60 horas 31 anos Feminino Casada 01 Cirurgiã Dentista 08 anos Não 40 horas 35 anos Feminino Casada 02 Medicina 06 anos Não 32 horas 38 anos Feminino Casada 02 Medicina 13 anos Não 40 horas 43 anos Feminino Casada 02 Enfermeira 21 anos Sim 70 horas 45 anos Feminino União Estável 05 Enfermeira 06 anos Sim 70 horas 47 anos Feminino Solteira 02 Técnica em Enfermagem 25 anos Sim 70 horas 45 anos Feminino Casada 04 Técnica em Enfermagem 06 anos Não 40 horas 33 anos Feminino Casada 02 Técnica em Saúde Bucal 09 anos Não 40 horas 51 anos Feminino Casada 03 Técnica em Saúde Bucal 08 anos Não 40 horas Fonte: Própria (2019). Conforme é possível observar na Tabela 1, participaram dez profissionais de saúde sendo duas profissionais médicas de 35 e 38 anos, dois Cirurgiões Dentistas entre eles um homem e uma mulher de 50 e 31 anos respectivamente, duas profissionais de Enfermagem de 45 e 43 anos, duas Técnicas em Enfermagem de 45 e 47 anos, e duas Técnicas de Saúde Bucal de 33 e 51 anos. A falta de reconhecimento e valorização profissional faz com que esses profissionais se disponham a trabalharem 31 em mais de um local em regime de plantão em Hospitais de pronto atendimento, o que pode diminuir o tempo livre para lazer ou para se dedicarem à família, aumentando dessa forma as oportunidades de adquirir estresse e desenvolver doenças. O tempo em que esses trabalhadores exercem essas funções também contribui para o desenvolvimento de estresse no trabalho, entretanto, os riscos de acidentes no trabalho são menores em profissionais mais experientes. Nota-se que a grande maioria dos profissionais são do sexo feminino o que condiz com o que a literatura que mostra que a maior parte dos profissionais de saúde, principalmente da área da Enfermagem é compostas por mulheres (PASTORE; ROSA; HOMEM, 2008; FERREIRA; LUCCA, 2015; PETERSEN; MARZIALE, 2017; BIROLIM; MESAS; GONZÁLE; SANTOS; HADDAD; ANDRADE, 2017; MANDARINI; ESTICCA, 2019; ZANATTA; LUCCA; SOBRAL; STEPHAN; BANDINI, 2019). 6.2 Situações estressantes vivenciadas por profissionais de saúde atuantes em uma Unidade Básica de Saúde A Tabela 2 apresenta as situações estressantes vivenciadas no cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde Tabela 2 - Situações estressantes vivenciadas por profissionais de saúde Cirurgião Dentista, 50 anos. Falta de materiais e instrumentos de trabalho; pacientes acima do previsto para atendimento; Cirurgiã Dentista, 31 anos. Estresse de pacientes quando não conseguem marcar atendimento; Médica, 35 anos. Pouco tempo para atendimento e muitas demandas; Médica, 38 anos. Pouco tempo para atendimento e muitas demandas; Enfermeira, 43 anos. Lidar com a população adoecida; falta de vagas para atendimento na Unidade; Enfermeira, 45 anos. Fluxo intenso de usuários; poucos profissionais de saúde; contato diário com situações de doença do paciente; Técnica em enfermagem, 45 anos. Faltas de vagas para atendimentona Unidade; 32 Técnica em enfermagem, 47 anos. Dificuldades de lidar com o usuário do serviço; faltas de vagas na Unidade; Técnica em saúde bucal, 33 anos. Faltas de vagas para atendimento na Unidade; Técnica em saúde bucal, 51 anos. Faltas de vagas para atendimento na Unidade; Fonte: Própria (2019) Inicialmente foram feitas perguntas aos participantes a fim de se entender quais as situações estressantes que eles vivenciavam no cotidiano de trabalho, entre as respostas mais frequentes constam as altas demandas de atendimento associadas ao déficit de profissionais na unidade, a escassez de materiais para procedimentos cirúrgicos odontológicos e de curativos e medicações e a dificuldade de resolução dos problemas dos pacientes. As situações estressantes encontradas no ambiente de trabalho repercutem em todo o ambiente, mas percebe-se que as maiores queixas vêm dos profissionais de Enfermagem e Medicina, já que esses profissionais na maioria das vezes atendem os pacientes sozinhos, sem o apoio dos colegas, como é o caso dos Cirurgiões dentistas que tem sempre um auxiliar na sala de atendimento, e esses profissionais também não são os responsáveis por selecionar os pacientes que serão atendidos, ou seja, fazer a triagem dos pacientes, agendar retornos e etc., dessa forma, atendem a demanda de forma espontânea. Essa falta de controle sobre o próprio trabalho é um elemento de estresse no trabalho desses profissionais. As profissionais de Medicina declararam que as situações mais estressantes de seu trabalho giram em torno da falta de tempo necessário para se dedicar a cada paciente e realizar um atendimento adequado devido à alta demanda de pacientes que tem pra se atender. “Então... quando eu escolhi essa profissão eu não sabia que eu teria muitas situações estressantes porque na medicina é assim, mas aqui principalmente não é tant o a situação do paciente, é mais é o tempo porque tem muita demanda, tem muito paciente e agente ainda tem contratempo” (Médica, 38 anos) As altas demandas de pacientes implicam em atender mais pacientes em menos tempo, o que reduz a qualidade do serviço prestado por esses profissionais que pode ser notado nas dificuldades de 33 se dar um diagnóstico preciso ao paciente que faz com que o paciente tenha que retornar à unidade várias vezes apresentando os mesmos sintomas. A mesma profissional médica ainda comentou que por questões de humanidade faz um esforço para atender o maior número de pacientes possível, ultrapassando o número de pacientes esperados por turno e que considera isso estressante, sendo que o tempo para se dedicar a cada pessoa diminui e as consultas têm que ser feitas de forma mais rápida. Comentou também que essa situação a priva de fazer um “rapport” com o paciente, ou seja, conhecer a pessoa, dessa forma os atendimentos são feitos de forma objetiva, ou seja com foco na doença não no paciente em si. A outra profissional médica enfatizou que por falta de profissionais e pela superlotação a Unidade Básica de Saúde tem perdido seu principal objetivo que é promoção e prevenção de saúde da família, e a profissional tem se deparado com casos emergenciais no local de trabalho que deveriam ser resolvidos em um hospital. “E agora está pior saíram 26 médicos e não repuserem ninguém e a gente tem que segurar. Então assim, você perde o foco do que é Atenção Básica, está virando um Pronto Atendimento em lugar de ser um lugar de medicina comunitária que você tem que criar um vínculo com o paciente e fazer o acompanhamento como tem que ser feito, e o tempo ele é limitado pra você fazer o seu trabalho” (Médica, 35 anos) A função da Unidade Básica de Saúde é a de atuar em promoção e proteção da Saúde da Família e evitar que as pessoas adoeçam ou que sofram complicações decorrentes de doenças crônicas, e para isso os profissionais necessitam dedicar tempo aos pacientes tanto no consultório como fora dele para poder criar um vínculo com as famílias e para que possa compreender a realidade de cada uma, e com isso ter a oportunidade de montar um plano de ação para a saúde de cada pessoa e dessa forma facilitar as intervenções e a adesão do usuário ao tratamento, entretanto, a realidade vivenciada no local de trabalho é completamente diferente. O crescimento populacional somado à imigração venezuelana que o estado sofreu nos últimos anos não acompanhou o acréscimo do numero de profissionais, o programa mais médicos foi implantado com esse objetivo, mas por questões políticas e econômicas não obteve sucesso e não tem surtido o efeito esperado que era o de melhorar o fluxo de atendimento na Atenção Básica e locais com populações mais vulneráveis. 6.3 Situações de risco psicossociais no ambiente de trabalho 34 Os riscos psicossociais no local de trabalho podem ser divididos entre riscos físicos e fisiológicos como lesões musculoesqueléticas como Lesões por esforços repetitivos e DOR. Riscos comportamentais que incluem comportamentos negativos como abuso de álcool e outras drogas, agressividade e violência. Riscos psicológicos e emocionais como estresse, ansiedade, irritabilidade, fadiga, problemas familiares e burnout. E riscos cognitivos como dificuldade de concentração, dificuldades de tomar decisões e aprender novas coisas (PINHO; MOTA; SANTOS, 2015) Entre os resultados constatados na fala dos participantes constam os riscos físicos como a possibilidade de adquirir infecções através do contato com pacientes com Tuberculose e HIV e a possibilidade de acidentes de trabalho no manuseio de objetos perfurocortantes e agulhas. Os profissionais de enfermagem (Técnicos ou auxiliares e enfermeiros) são os que estão mais expostos a esse tipo de risco devido serem a classe de profissionais de saúde com o maior contato direto com pacientes (RODRIGUES; MAGALHÃES; LIMA, 2015; SOARES; SCHOEN; BENELLI; ARAÚJO; NEVES, 2019; ZANATTA; LUCCA; SOBRAL; STEPHAN; BANDINI,2019). Nesse caso é fundamental que a gestão propicie os equipamentos de proteção individual (EPIS) e os materiais de trabalho necessários aos funcionários de forma que eles tenham como proteger suas integridades físicas evitando qualquer tipo de contato com agentes transmissores de doenças e assim assegurar que o trabalho possa ser devidamente feito. A profissional Médica de 35 anos, afirmou que o ambiente de trabalho à expõe a situações de risco físicos e psicológicos como uma possível agressão de pacientes que ficam nervosos por aguardar o atendimento ou até mesmo pacientes psiquiátricos em estado de surto. A trabalhadora afirmou já ter trocado de local de trabalho porque sua vida estava em perigo no ambiente em que trabalhava anteriormente onde tinha sofrido uma tentativa de agressão por parte de pacientes. “Assim, devido a alta demanda e você ter pacientes que são psiquiátricos ou pacientes que estão muito estressados e por ficar aguardando lá fora eles ficam tão estressados que a qualquer momento eles podem chegar a agredir a gente. [...] Eu já tive que trocar de unidade por que minha vida estava em risco” (Médica, 35 anos). As enfermeiras de 43 e 45 anos também afirmaram que suas profissões também as expõem constantemente ao risco de sofrer agressões de pacientes e familiares de pacientes “Nós nos deparamos com situações de usuários que chega com nível de estresse muito elevado que acaba precisando, a gente chamar a guarda né? porque nós corremos risco de ser agredidos por conta do usuário que tá muito nervoso, muito estressado que quer uma resolutividade do que ele tá sentindo ali naquele momento e a gente não consegue dar essa 35 contrapartida aí pra ele e ele não absorve da melhor forma aí acaba deixando a gente assim em situação de risco”( Enfermeira, 45 anos). A profissional Médica de 35 anos também declarou que por ser Venezuelana já sofreu preconceito e discriminação no local detrabalho por parte de alguns pacientes que alegavam não querer ser atendidos pela profissional por esta ser estrangeira. “Eu sou Venezuelana, então assim, devido ao grau de Xenofobia que está tendo agora, por essa crise imigratória já tenho pacientes que às vezes só de escutar o sotaque diferente o trato é diferente, falta de respeito, xingamentos [...] ah você só quer atender Venezuelano porque são venezuelanos, ah você não presta porque você é venezuelana, eu já cheguei a ter gente que não queria consultar comigo por simplesmente escutar minha voz” (Médica, 35 anos). Entretanto, a profissional também enfatizou que aos poucos foi tomando o seu lugar e conquistando seu espaço como profissional e que depois que as pessoas conheciam seu trabalho, constatavam que ela era uma profissional competente e mudavam suas perspectivas sobre ela. A entrada de médicos estrangeiros no país através do programa Mais Médicos gerou muitas repercussões negativas oriundas principalmente da classe médica brasileira que se sentiram ameaçados de perder espaço para os colegas de outra nacionalidade. Humildade, tolerância e aceitação do que é diferente são termos que não fazem sentido na nossa sociedade, há na nossa atual sociedade um apelo ao individualismo e isolamento social e emocional (ZANELLI; CANAN, 2019). O preconceito contra negros, estrangeiros e populações menos favorecidas sempre foi muito pertinente no nosso país. A discriminação sofrida pela profissional evidencia que ainda temos muito que evoluir e que as barreiras do pré-conceito só são quebradas a partir das oportunidades de conhecimento do outro. 6.4 Estratégias de enfrentamento de estresse vivenciadas por profissionais de saúde que trabalham em uma Unidade Básica de Saúde A Tabela 3 apresenta os principais resultados obtidos nas entrevistas com os participantes a cerca das estratégias de enfrentamento de estresse utilizadas por esses profissionais. Tabela 3 - Estratégias de enfrentamento de estresse vivenciadas por profissionais de saúde Participante Estratégias utilizadas Cirurgião Dentista, 50 anos. A experiência profissional; manter uma boa relação com os outros profissionais para no caso de uma necessidade pedir ajuda; apoio social; 36 Cirurgiã Dentista, 31 anos. Dialogar com o paciente; procurar manter-se sã; atender ouvindo música; recorrer à terapia e meditação quando necessário; Médica, 35 anos. Procurar fazer o que é certo e seguir a ética profissional; relevar situações que não podem ser mudadas; esquecer as situações estressantes; Médica, 38 anos. Sair do trabalho e não pensar no trabalho; separar trabalho e família Enfermeira, 43 anos. Contar com o apoio dos colegas; Enfermeira, 45 anos. Conversar com o paciente; manter a calma; fazer caminhada; tentar esquece o problema; busca ajuda através da religião; Técnica em enfermagem, 45 anos. Manter-se calma frente ao usuário; dialogar com o paciente; Técnica em enfermagem, 47 anos. Sorrir; conversar com o paciente; buscar ajuda na religião; Técnica em saúde bucal, 33 anos. Dialogar com o participante; Técnica em saúde bucal, 51 anos. Exercícios de respiração; manter a calma; Fonte: Própria (2019) As estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelos profissionais foram as focadas na emoção, entre elas constam o apoio social, a reavaliação cognitiva como esquecer o problema que não pôde ser resolvido e não se importar com a opinião dos outros, fazer exercícios de respiração, ouvir música, o uso da religião, estratégias de regulação emocional e o autocontrole. O profissional Dentista de 50 anos exemplificou o uso do apoio social quando em meio a um procedimento cirúrgico sentiu uma dor na mão devido aos esforços repetitivos do trabalho, e pediu para que a outra dentista finalizasse o procedimento cirúrgico a qual o ajudou. “Eu já tive situação em que eu já tive uma cirurgia que ficou muito complicada aqui, né? como eu já tenho é... algumas lesões [lesões por Movimentos Repetitivos] decorrentes do serviço ,eu pedi ajuda de uma colega, minha a outra dentista, ela veio, me auxiliou na extração aqui, terminou pra mim, então acho que isso também é uma.. um recurso né?” 37 A Cirurgiã dentista de 31 anos afirmou recorrer à terapia e à meditação quando se sente estressada. “Eu já fiz terapia, quando eu acho que eu preciso eu vou atrás de ajuda. Eu faço meditação, eu sigo um monte de psicólogo de trabalho, enfim, eu tento me manter sã né? quando eu preciso, que eu acho que eu não dou conta só, eu procuro a terapia, eu procuro um recurso, eu atendo sempre ouvindo música também. Eu acho que relaxa tanto a mim quanto ao paciente” O apoio social é uma estratégia de enfrentamento de estresse focada na emoção considerada saudável é efetuada na busca do indivíduo por apoio de outras pessoas, sejam colegas de trabalho ou profissionais fora do ambiente laboral com o objetivo de amenizar o impacto causado pelo estresse que repercute positivamente no ambiente de trabalho, é uma das estratégias de enfrentamento mais utilizada em virtude de sua eficácia e benefícios ao indivíduo que proporciona bem-estar, alivio do estresse e o estreitamento dos laços sociais e afetivos no ambiente de trabalho e auxilia no desenvolvimento de resolução de problemas. A profissional Técnica em enfermagem de 45 anos afirmou que lida com os problemas de forma positiva, sempre sorrindo e conversando com o paciente “Enfrento de boa, sorrindo, converso, diálogo com o paciente, pronto, aí não tem estresse [...] eu levo de boa, logo comigo mesmo nunca chegou um assim estressado né falando alterado, eles nem mandam essa parte pra eu resolver”. A regulação emocional é um tipo de estratégia de enfrentamento de estresse focado na emoção que visa aumentar as emoções positivar e diminuir as emoções negativas. É uma estratégia de enfrentamento saudável e adaptativa. Uma das médicas afirmou que procura manter as pendências do trabalho sempre em dia para quando for para casa não precisar pensar sobre o trabalho, “Olha eu nunca tinha pensado nisso, mas eu acho que eu saio do meu trabalho e procuro não pensar mais no meu trabalho, eu procuro fazer tudo aqui e não levar nenhuma coisa para casa, aí eu volto a pensar no meu trabalho quando eu tenho consulta no outro dia” (Médica, 38 anos). Duas profissionais uma enfermeira de 45 anos e uma Técnica de enfermagem de 47 anos afirmaram usar a religião como recurso para enfrentar o estresse. Além do uso da religião a Técnica em enfermagem afirmou que relaxar e manter as contas sempre em dias e não se endividar também é uma forma de manter-se livre do estresse. 38 “Além de relaxar, botar a mente em Deus, pedir a Deus todos os dias, orar né? pedir a Deus que Senhor amanhã que corra tudo bem melhor do que hoje né [...] peço Senhor que dê tudo certo lá no meu trabalho que não me venha a ter estresse que os pacientes sempre gostem do meu trabalho né, ? e os colegas também e o gestor”. O impacto de estratégias de enfrentamento religioso tem sido associado positivamente em melhor qualidade de vida e saúde mental e física (CORRÊA; BATISTA; HOLANDA, 2016). Outra profissional Técnica em enfermagem afirmou que quando surgem situações estressantes no ambiente de trabalho como, por exemplo, um conflito com um paciente nervoso, procura manter a calma e apaziguar a situação com o paciente através do diálogo. “A gente geralmente tenta tirar por menos né? tentado apaziguar a situação, tentando conversar, explicar pro usuário que ele não vai ser atendido naquele momento , mas que ele pode vir em outro dia [...] a gente tenta conversar da melhor forma possível pra que ele entenda a situação” (Técnica em enfermagem, 45 anos ) Nota-se que as estratégias de enfrentamento de estresse como procurar manter a calma frente as demandas estressante e tentar esquecero problema é uma forma de enfrentamento não saudável porque são estratégias de enfrentamento paliativas, ou seja, tem impactos menores e menores duradouros no ambiente de trabalho além de não resolver o problema por completo que depois pode surgir novamente e ainda mais complexos, ou seja, tem pouco eficácia e efeito pouco duradouro. Essas estratégias acarretam em repressão e negação dos sentimentos e da realidade que podem desencadear em somatização de doenças e facilitar o desenvolvimento de problemas futuros tanto individuais como organizacionais. Como já revisto na literatura, as estratégias de enfrentamento de estresse focadas na emoção são mais utilizadas quando as situações estressantes são percebidas pelo indivíduo como imutável, seja por falta de recursos ou habilidades pessoais ou por falta de recursos do ambiente (BERTAMONI; EBERT; DORNELLES, 2013; ZANELLI, 2010; ESTEVES; LEÃO; ALVES, 2019). Nota-se nesse estudo que a utilização dessas estratégias nesses profissionais decorre da falta de recursos adequados do ambiente de trabalho, e também decorre da superlotação da unidade e defasagem do Sistema de Saúde. A 39 migração que o estado tem enfrentado nos últimos anos também contribuiu para o atrofiamento do serviço de saúde que não estava preparado para esse tipo de situação. 6.5 As repercussões do estresse no trabalho de profissionais de saúde e os impactos de estratégias de enfrentamento saudáveis e não saudáveis A Tabela 4 apresenta as repercussões do estresse no ambiente de trabalho dos profissionais a partir da perspectiva de cada participante. Tabela 4 - Repercussões do estresse no trabalho de profissionais de saúde Participante Estratégias utilizadas Cirurgião Dentista, 50 anos. A falta de materiais faz com que o profissional tenha que improvisar nos atendimentos e que o paciente tenha que retornar à Unidade com o mesmo problema; Cirurgiã Dentista, 31 anos. O estresse do profissional pode interferir no desempenho do trabalho; Médica, 35 anos. A falta de tempo para se realizar um atendimento de qualidade faz com que o paciente retorne à Unidade com os mesmos sintomas; Médica, 38 anos. A dificuldade de resolver as demandas dos usuários e o vai e volta do paciente do especialista à Unidade de Saúde causam constrangimentos à profissional; as altas demandas implicam em atender mais pacientes em menos tempo; Enfermeira, 43 anos. Ver a população em estado de sofrimento e a falta de recursos materiais na unidade deixa a profissional angustiada e preocupada com a vida dos pacientes; Enfermeira, 45 anos. Os desentendimentos com os usuários deixam a profissional desestabilizada e dificultam a execução do trabalho; as dificuldades de resolver os problemas de saúde da população causam mal-estar; Técnica em enfermagem, 45 anos. Ter que para o atendimento e explicar para o paciente que ele não irá ser atendido no dia quebra a rotina de trabalho da profissional e gera desconforto na profissional; Técnica em enfermagem, 47 anos. A Unidade carece de mais profissionais e a falta habitual de materiais para realizar procedimentos da sala de curativos dificulta o trabalho da profissional; 40 Técnica em saúde bucal, 33 Anos. As situações estressantes repercutem pouco no trabalho da profissional; Técnica em saúde bucal, 51 anos. Em estado de estresse a profissional tem dificuldade de raciocinar o que pode acarretar em um acidente de trabalho; Continuação da Tabela 4 Fonte: Própria (2019) A maioria dos profissionais afirmou que a situação estressante como o pouco tempo para os atendimentos e a falta de recursos materiais faz com que muitas demandas dos pacientes não sejam completamente resolvidas e o paciente acaba retornando à unidade com o mesmo problema novamente. A profissional Médica de 35 anos explicou que sempre é necessário fazer uma boa investigação da vida de cada paciente para se ter conhecimento do sujeito numa totalidade e tratar a raiz do problema da pessoa, porque se não o problema não é resolvido completamente e a pessoa sempre retorna com os mesmos sintomas e que devido à falta de tempo para os atendimentos são necessárias várias consultas para se chegar a um diagnóstico. “Por que assim, o paciente não é só uma doença, é todo o entorno que ele tem, por que é um ente psicossocial, então não é só o biológico também está o social o afetivo, o econômico, tudo isso você tem que saber como trabalhar” (Médica, 35 anos). A maioria dos profissionais afirmou que a Unidade não proporciona nenhum tipo de recurso para lidar com o estresse e alguns profissionais alegam ainda que a Unidade possui algumas carências em relação à recursos materiais. O profissional Dentista de 50 anos afirmou que a Unidade carece de alguns materiais para procedimentos cirúrgicos e que em algumas situações teve que improvisar o material, o que faz com que o procedimento não seja finalizado da forma como deveria e o paciente acaba tendo que retornar à Unidade para realizar um novo procedimento, segue a fala do participante: “Existem algumas necessidades que levam o profissional a ter que ou improvisar, ou não oferecer aquilo que seria o ideal para o paciente. Às vezes você quer fazer uma cirurgia, e você não tem condições de resolver o problema da pessoa né,? não é nem o caso de você encaminhar o paciente por limitação sua, técnica, mas é porque não tem o recurso material exatamente”. 41 Entre as repercussões do estresse no ambiente de trabalho, duas profissionais de saúde relataram sofrer com problemas de saúde adquiridos com os anos na carreira de trabalho na área da saúde. A Enfermeira de 45 anos afirmou ter desenvolvido Labirintite devido ao estresse no trabalho e que quando está em crise de labirintite não consegue trabalhar: “Mas eu já adquiri aí nesses vinte anos de serviço uma situação de doença né, eu tenho labirintite e tomo remédio quase todo dia e que não tem tratamento assim, cura né, então eu já adquiri isso do meu ambiente de trabalho”. A Médica de 35 anos diz que sofre com “neurites” que é uma inflamação dos nervos que gera dores no corpo, também decorrentes do estresse no trabalho: “Em minha saúde, eu fico doente, com neurites que é uma inflamação dos nervos, quando eu me estresso de mais eles se inflamam [...], isso aí eu acho que me estressa mais, não ter o tempo que eu preciso para dedicar a cada um dos pacientes”. Uma das profissionais de enfermagem de 45 anos afirmou que as situações estressantes presenciadas no contexto de trabalho acabam estressando a profissional e deixando-a psicologicamente abalada. Trabalhar em hospitais e ter que lidar constantemente com doenças e sofrimento de pacientes e em situações de ver a dor do outro e não poder agir devido à falta de recursos, são fatores que contribuem para o desenvolvimento de estresse em trabalhadores de saúde (CARAÚNA; KARINE; 2015; SILVA; MALAGRIS, 2019; TEIXEIRA; PREBIANCHI, 2019). Como evidenciado na fala da participante: “Eu fico muito estressada com isso, eu me importo muito e isso me deixa muito angustiada porque eu não consigo resolver, eu não consigo ajudar mais do que aquilo que eu já faço então isso me estressa” (Enfermeira, 45 anos). A mesma enfermeira explicou ainda que as situações estressantes por serem rotineiras geram um desgaste na profissional, uma “somatização” que se acumula ao longo dos anos e trazem resultados negativos à saúde da trabalhadora. Para Carrara, Magalhães e Lima (2015), a categoria de trabalhadores da enfermagem é a categoria que tem maior proximidade e contato direto com os pacientes, portanto, é uma das categorias que mais se expõe aos riscos psicossociais do ambiente de trabalho. Os fenômenos de estresse e de riscos psicossociais são comuns à todo ambiente de trabalho e fazem parte da vida laboral de todo profissional, entretanto, quando não são devidamente controladospodem resultar em danos físicos, psicológicos e sociais aos indivíduos ou sociedade (ZANELLI; CANAN, 2019). O prejuízo de saúde evidenciado na fala da participante médica de 35 anos e na fala da 42 Enfermeira de 45 anos exemplifica o resultado da contínua exposição dos profissionais aos eventos estressores do ambiente de trabalho. Como ações para amenizar o estresse no ambiente de trabalho os profissionais sugeriram reposição de material, palestras, capacitação profissional, atividades de interação com os funcionários, confraternizações, terapia em grupo e atividades laborais. Essas ações quando implementadas nas organizações podem surtir efeitos positivos no trabalho ao proporcionar oportunidades de interação entre os funcionários de forma a aumentar os vínculos afetivos entre os trabalhadores. Além de que um modo geral os colaboradores optam por locais de trabalho em que possam desenvolver seu papel e habilidades de forma segura e que tenham oportunidades de crescer e possibilitem manter o equilíbrio entre as atividades laborais e vida pessoal, caso contrário, o desejo de rotatividade aumenta em profissionais insatisfeitos com o trabalho. Propiciar formas de produzir sem prejudicar e ultrapassar a capacidade de cada profissional são intervenções que devem ser implementadas pelos gestores de forma a se buscar ambientes e organizações mais saudáveis (ZANELLI; CANAN, 2019). 43 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho cumpre com o seu objetivo de identificar e analisar as situações estressantes, as estratégias de enfrentamento de estresse e o impacto das estratégias de enfrentamento de estresse saudáveis e não saudáveis no cotidiano de trabalho de profissionais de saúde. As principais situações estressantes identificadas foram às altas demandas de atendimento, a falta de profissionais de saúde e a carência de recursos materiais. As situações estressantes e de risco mencionadas nesse trabalho como as altas demandas de atendimento e o déficit de profissional geram desgastes psicológico e emocional nos trabalhadores e insatisfação nos usuários que por não terem ciência dos problemas de gestão da Unidade e das dificuldades enfrentadas diariamente pelos profissionais acabam por descontar suas frustrações no trabalhador. Os profissionais de saúde utilizam de estratégias de enfrentamento focadas na emoção como a aceitação da responsabilidade e o afastamento procurando manter-se calmo frente às adversidades e esquecendo o problema, que são estratégias paliativas, ou seja, adequadas ao momento, mas não resolutivas que em longo prazo causam impactos negativos na saúde do profissional como somatizações e desgastes físicos e psicológicos. Entende-se que a utilização desse tipo de estratégia por esses profissionais justifica-se principalmente pela falta de recursos humanos e de materiais adequados para se efetuar um bom trabalho e quando as situações estressantes são percebidas como imutáveis pelo trabalhador por motivos pessoais ou organizacionais. Entretanto, alguns profissionais evidenciaram utilizar estratégias de enfrentamento focadas na emoção mais positivas como estratégias de regulação emocional, terapia, exercícios de respiração, meditação e prática de atividade física que são estratégias de enfrentamento mais saudáveis e tem um impacto positivo em curto e longo prazo na saúde desses profissionais. Nota-se que esses profissionais apresentam maior qualidade de vida de um modo geral e são mais satisfeitos com o trabalho. É essencial que a gestão proporcione as condições necessárias como os recursos materiais e humanos assim como um ambiente adequado e também momentos de socialização e interação entre os funcionários de forma a diminuir os níveis de estresse no local de trabalho. 44 REFERÊNCIAS ALCHIERI J. C; CRUZ R. M. Estresse: conceitos, métodos, medidas e possibilidades de intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. ANTONIAZZI A. S; DELL´ANGLIO D. D; BANDEIRA D. R. O conceito de coping: uma revisão teórica.Estudos de Psicologia. v.3, n.2, p. 273-294, 1998 ASSIS, M. R. de; CARAÚNA, H; KARINE, D. Análise do Estresse Ocupacional em Profissionais de Saúde. Conexões Psi. Rio de Janeiro. V.3, n.1, p. 62-71. 2015. BAPTISTA, M. N; SOARES, T. F. P; RAADB, A. J; SANTOS, L. M.Burnout, estresse, depressão e suporte laboral em professores universitários. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, v. 19, n.1, p. 564-570, 2019. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016. BRASIL. 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