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1 Opinião Pública e Comportamento Político Aula 3 Prof. Wellington Nunes 2 Conversa inicial Seguindo a perspectiva que considera os processos comunicacionais como sendo permeáveis a fatores de ordem diversa, nesta rota (que finaliza a discussão sobre opinião pública) abordamos o papel desempenhado pela sociedade civil não organizada ou não institucionalizada. Essa abordagem complementa a discussão sobre opinião pública presente na ciência política, com uma perspectiva presente na literatura sobre processos populares de comunicação ou folkcommunication (Cervi, 2012, p. 68). Contextualizando Inicialmente, apresenta-se o debate tradicional, baseado em processos de comunicação institucionalizados; em seguida, mostra-se os avanços das Teorias do Agendamento, Framing e Priming; na sequência, introduz-se a perspectiva (complementar) da comunicação popular, com o papel dos líderes de opinião, a caracterização dos fluxos de opinião em sociedade complexas e a folkcomunicação propriamente dita. Tema 1 – Processos de Comunicação Institucionalizados A perspectiva preponderante no debate clássico acerca dos processos de comunicação institucionalizados pode ser sintetizada a partir do ponto de vista de John Zaller. Para esse autor, assim como para os adeptos dessa perspectiva, nos debates públicos difundidos pela mídia mistura-se informação e opinião que, por sua vez, moldam a opinião de uma massa revestida, aparentemente, por uma certa racionalidade. Esse tipo de abordagem, conforme visto anteriormente, tem um caráter elitista justamente por entender que uma elite política, por meio da utilização dos meios de comunicação, consegue determinar a opinião do cidadão comum. A opinião pública, 3 portanto, seria manipulada pelo conteúdo emitido pela elite política, via meios de comunicação. Estes, no que lhes diz respeito, são vistos como um referencial viável para captar as opiniões individuais predominantes em determinada comunidade, uma vez que as referidas opiniões consistiriam em meros reflexos do conteúdo veiculado pela mídia (Zaller, 1992 apud Cervi, 2012, p. 70). Essa utilização dos meios de comunicação como indicadores agregados das opiniões individuais predominantes advém de um procedimento metodológico inadequado: considerar opinião pública (indicador agregado) como soma de opiniões individuais para medir o efeito médio das informações difundidas no espaço público pela mídia. Essa desagregação da opinião pública para captar o efeito de determinada mensagem não pode ser realizada porque existem diversos fatores conformando as informações e opiniões dos indivíduos – sobretudo em sociedades complexas nas quais a heterogeneidade dos grupos sociais é maior (Cervi, 2012, p. 71). É fato que a volatização das opiniões, outrora mais duradouras, ocorre ao mesmo tempo em que aumenta a influência dos meios de comunicação de massa. Assim, constrangimentos mais duradouros – advindos de relações de pertencimento a grupos, como família, igreja e classe social – passam a sofrer modificações constantes a partir de individualização e atomização do processo de recepção de informações, sob influência das mídias de massa (ibidem). Por outro lado, os indivíduos apresentam níveis de interesse variáveis acerca das informações e opiniões que são difundidas nos meios de comunicação. O que, por sua vez, tem impacto nos níveis de influência da mídia sobre as opiniões do público. Um indivíduo, por exemplo, pode (deliberadamente) escolher não gastar tempo pesquisando informações a respeito de determinada questão política e recorrer a outras pessoas (grupos primários ou secundários) para formar sua opinião. Esse tipo de comportamento, por exemplo, diminui as chances de uma influência direta da mídia sobre a opinião pública (Cervi, 2012, p. 71-72). 4 Tema 2 – Evolução para as Teorias do Agendamento, Framing e Priming Já vimos nas rotas anteriores que as primeiras teorias da comunicação tinham em comum a temática da relação entre mídia e poder, além de uma crença na onipotência dos meios de comunicação1. Também já vimos que, ainda na primeira metade do século XX, pesquisas empíricas começaram a relativizar o poder exercido pela mídia em processos de comunicação. Dessa forma, modelos de controle passam a ser substituídos pelos de persuasão. Nesse sentido, o modelo funcionalista de comunicação, baseado na obra de Talcott Parsons, foi um dos primeiros em que o público representa papel ativo nos processos de escolha entre os conteúdos veiculados pela mídia – em que pese a manutenção do mesmo esquema behaviorista de estímulo e resposta (Cervi, 2012, p. 76-77). Nesse sentido, a Teoria da Agenda Setting representa um desdobramento importante. Os adeptos dessa abordagem passam a considerar não mais os efeitos de curto prazo da comunicação midiática, mas aqueles de médio e longo prazos. Olhando para as “estruturas de fundo”, esses autores perceberam que, além das capacidades de inserir temas específicos na agenda de debates, os meios de comunicação conseguem construir esquemas de percepção e pensamento (Cervi, 2012, p. 78-79). Estes últimos são muito importantes se entendermos a sociedade como um terreno de disputas em vários campos cujo objetivo fundamental é impor uma visão de mundo, isto é, determinada ideia de representatividade social (Bourdieu, 1989). Dessa forma, a opinião pública pode ser vista como resultado do embate entre diversos atores (políticos, elites, meios de comunicação etc.) que, utilizando-se tanto de recursos estruturais quanto institucionais, buscam “impor uma visão de mundo específica”. Nesse processo, há mais dois conceitos importantes: framing (enquadramento) 1 Teoria da Agulha Hipodérmica e Teoria Crítica (Escola de Frankfurt), por exemplo. 5 e priming. O primeiro deles, seguindo a ideia de agendamento, refere-se ao tipo de enquadramento dado pela mídia ao inserir determinado tema na agenda de debates. Priming, por sua vez, diz respeito à utilização de esquemas cognitivos preexistentes para processar o conteúdo das informações recebidas, por parte dos indivíduos. Portanto, a utilização conjunta dos três conceitos mencionados (agendamento, enquadramento e priming) possibilita uma “análise mais completa do mecanismo de recepção e processamento de informações públicas pelo cidadão comum” (Cervi, 2012, p. 81-82). Tema 3 – O Papel dos Líderes de Opinião Já vimos o suficiente para compreender que o processo de formação da opinião pública não ocorre por influência direta, seja por parte dos meios de comunicação, seja por parte de quaisquer tipos de elite. Dentro dessa visão mais nuançada dos processos comunicacionais, o papel exercido pelo líder de opinião torna-se imprescindível. Isso porque, da perspectiva aqui adotada, a opinião pública é “resultado de um processo de interação entre indivíduos”, em que as visões coletivas não podem ser confundidas com as opiniões individuais dos integrantes do grupo. Nesse sentido, a opinião pública é, simultaneamente, parte integrante e um dos efeitos coletivos do processo de comunicação. Este último, por sua vez, é, em boa medida, organizado pelo líder de opinião (Cervi, 2012, p. 82-83). A figura do processo de comunicação já aparece nos estudos pioneiros sobre os meios de comunicação de massa. Neles, no entanto, o líder de opinião é, quase sempre, um indivíduo ocupante de uma posição com alta visibilidade (âncoras de telejornal e políticos, por exemplo) ou representante de entidades formais de representação de interesses: essa é a caracterização do líder de opinião vertical. Há, por outro lado, outro tipo de líder de opinião, dessa vez, caracterizado em estudos mais recentes da área da folkcomunicação, chamado líder de opinião horizontal.Este, diferente do anterior, tem com uma das suas principais características a não diferenciação formal com seus potenciais liderados; outra diferença importante é que 6 esse tipo de líder não ocupa espaço privilegiado nos meios de comunicação de massa (ibidem, p. 83-84). Essas diferenças, no entanto, não proporcionam desvantagens ao líder de opinião horizontal, já que seu potencial de influência deriva de outros meios. Assim, mesmo não tendo autoridade formal constituída, esse tipo de líder consegue exercer sua influência e capacidade de persuasão a partir do seu carisma e da sua credibilidade. Além disso, diferentemente do líder vertical, está sempre disponível e acessível a seus pares. Da mesma forma, ainda que não possa contar com as vantagens dos mecanismos de difusão de massa, dispõe de grande sensibilidade para assuntos de interesses público e está sempre pronto a manifestar-se publicamente a respeito. Dessa forma, o líder de opinião horizontal reinterpreta os conteúdos veiculados pela mídia que são do interesse dos seus seguidores, recodificando suas mensagens e facilitando sua compreensão (ibidem, p. 84-85). Tema 4 – Fluxos de Comunicação em Sociedades Complexas O papel desempenhado pelo líder de opinião horizontal ou folk, visto no Tema 3, é fundamental para compreensão dos fluxos de comunicação em sociedades complexas. Isso porque, nesse tipo de sociedade, os indivíduos não pertencem a um, mas a vários grupos sociais. Além disso, em todos os grupos sociais existem pessoas mais sensíveis e ativas no que se refere aos interesses do grupo. São esses indivíduos que absorvem e interpretam os conteúdos midiáticos, retransmitindo a mensagem decodificada aos seus seguidores. Logo, os fluxos de comunicação em sociedade complexas ocorrem em pelo menos dois níveis de diferenciação de público: dos meios de comunicação de massa para os folkcomunicadores e destes para o público mais amplo (Cervi, 2012, p. 86). Essa perspectiva já aparece no clássico The people’s choice (Lazarsfeld et al., 1944). Nesse trabalho, os autores já argumentam que o processo de comunicação não ocorre diretamente entre mídia e público, mas se dá em pelo menos dois níveis. Nesse processo, os líderes de opinião representam “parte da esfera pública” que, estando 7 mais atentos aos acontecimentos, tentam influenciar outros indivíduos (Breton, 2002 apud Cervi, 2012, p. 86). Não por acaso a teoria desenvolvida por Lazarsfeld e seus seguidores ficou conhecida como Teoria Sociológica da Comunicação ou Teoria dos Efeitos Limitados (Wolf, 1999). Luiz Beltrão, por sua vez, utilizou-se dessa perspectiva para construir seu modelo. De acordo com o autor, a figura do líder de opinião horizontal permite que o processo de comunicação seja unidirecional apenas em um primeiro momento: quando os conteúdos são emitidos e atingem os primeiros receptores. Em um segundo momento, no entanto, eles são decodificados pelos folkcomunicadores que irão interpretá-los e retransmiti-los a um público mais amplo. Esse processo é continuamente reproduzido pela interação social dos indivíduos. O papel desse líder horizontal, portanto, inviabilizaria a manipulação da opinião pública a partir do controle exercido pelos meios de comunicação (Beltrão, 1973 apud Cervi, 2012, p. 86-87). As principais características desse líder de opinião horizontal estão resumidas nas páginas 88 e 89 do livro desta disciplina. O modelo de fluxos de comunicação, por sua vez, está representado na figura 3.1, na página 87. Tema 5 – Folkcomunicação Vimos nos temas anteriores que o líder de comunicação horizontal ou folkcomunicador, de acordo com Luiz Beltrão, atua como uma espécie de decodificador ou tradutor dos conteúdos emitidos pela mídia, sobretudo aqueles que despertam maior interesse do seu grupo social. Em contextos complexos, como os de sociedades midiáticas, essa figura adquire maior importância e capacidade para influenciar no debate público. Dessa perspectiva, portanto, o líder horizontal representa um elo entre a comunicação de massa e a popular, influenciando no processo de conformação da opinião pública (Cervi, 2012, p. 89). Dessa forma, é possível dizer que, no modelo de folkcomunicação, o líder horizontal representa dois papéis distintos. O primeiro deles, já mencionado, é o de 8 decodificador de conteúdos sociais, interpretando e retransmitindo as mensagens emitidas nos meios de comunicação. Essa função ganha relevância particular quando inserida em contextos de marginalização. De acordo com Beltrão, grupos rurais, os urbanos e os culturalmente marginalizados somente podem participar do debate público a partir da atuação desse comunicador popular (Beltrão, 1973 apud Cervi, 2012, p. 90). O segundo papel representado pelo líder horizontal é a “realimentação do sistema de comunicação de massa a partir do retorno que recebe das audiências”. Essa “comunicação de retorno” ocorre em dois momentos distintos. Primeiramente, entre o comunicador popular e sua audiência: esse processo é direto e constante. Em um segundo momento, ocorre entre o líder horizontal e os líderes verticais (ver Tema 3): nesse caso, a comunicação de retorno acontece de forma indireta e mais esporádica. Esses dois processos integram o sistema de comunicação a partir do qual forma- se a opinião pública em sociedades complexas. Nesse tipo de sociedades, portanto, além dos atores institucionalizados (meios de comunicação e líderes verticais), é preciso ter em conta também o ambiente não institucionalizado da comunicação popular e o papel central dos líderes de opinião horizontais, para se compreender os processos comunicacionais (Cervi, 2012, p. 90-91). O modelo de folkcomunicação está representado na figura 3.2, na página 90 do livro desta disciplina. Na prática O papel do líder de opinião horizontal e a comunicação popular ajudam a entender os limites da influência exercida pelos meios de comunicação. Nesse sentido, ainda que se aceite que os conteúdos emitidos pela mídia estejam longe de ser neutros, é preciso reconhecer que eles não são simplesmente absorvidos pelos receptores. A mensagem emitida é decodificada e reinterpretada, como vimos. Síntese 9 Os conteúdos abordados nesta aula ajudam a compreender a diversidade de fatores envolvidos em processos comunicacionais contemporâneos. Assim, embora vivamos em uma sociedade cada vez mais midiatizada, as Teorias do Agendamento, Enquadramento e Priming evidenciam a complexidade envolvida nos fluxos de comunicação. Assim, embora tenham capacidade para pautar e enquadrar discussões públicas, os conteúdos emitidos pelos meios de comunicação não são simplesmente absorvidos pelo cidadão comum. Este, além de se utilizar de seus próprios valores para assimilar os conteúdos recebidos, também pode recorrer aos líderes horizontais de opinião. Esse segundo nível de comunicação permite a recodificação e reinterpretação das mensagens. Referências BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: Fim de Século Edições, 1989. CERVI, E. Opinião pública e comportamento político. Curitiba: Editora InterSaberes, 2012. WOLF, M. Teorias da comunicação. Lisboa: Editora Presença, 1999.
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