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0 1 SUMÁRIO 1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO UTILITARISMO .................................. 2 1.1 O cálculo utilitarista .............................................................................. 3 2 EXISTENCIALISMO ................................................................................... 4 3 Origem ........................................................................................................ 5 3.1 Temáticas ............................................................................................. 6 4 Fé e existencialismo ................................................................................... 7 4.1 Liberdade ............................................................................................. 8 5 O Indivíduo versus a Sociedade ............................................................... 10 6 HEGEL ...................................................................................................... 12 6.1 Frases ................................................................................................ 13 7 PENSAMENTO DE HEGEL ...................................................................... 14 7.1 KARL MARX ....................................................................................... 16 8 PRIMEIROS TRABALHOS ....................................................................... 18 9 BILIOGRAFIA ........................................................................................... 19 10 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................ 20 11 O ENSINO DE FILOSOFIA E A CRIAÇÃO DE CONCEITOS ............... 20 12 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................ 33 13 Eu, o outro e tantos outros: educação, alteridade e filosofia da diferença . ............................................................................................................... 33 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 48 2 1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO UTILITARISMO Fonte: www.cursinhoparamedicina.com.br Cinco princípios fundamentais são comuns a todas as versões do utilitarismo: Princípio do bem-estar (the greatest happiness principle em inglês) – O ―bem‖ é definido como sendo o bem-estar. Diz-se que o objetivo pesquisado em toda ação moral se constitui pelo bem-estar (físico, moral, intelectual). Consequencialismo – As consequências de uma ação são a única base permanente para julgar a moralidade desta ação. O utilitarismo não se interessa desta forma pelos agentes morais, mas pelas ações – as qualidades morais do agente não interferem no ―cálculo‖ da moralidade de uma ação, sendo então indiferente se o agente é generoso, interessado ou sádico, pois são as consequências do ato que são morais. Há uma dissociação entre a causa (o agente) e as consequências do ato. Assim, para o utilitarismo, dentro de circunstâncias diferentes um mesmo ato pode ser moral ou imoral, dependendo se suas consequências são boas ou más. Princípio da agregação – O que é levado em conta no cálculo é o saldo líquido (de bem-estar, numa ocorrência) de todos os indivíduos afetados pela ação, independentemente da distribuição deste saldo. O que conta é a quantidade global de bem-estar produzida, qualquer que seja a repartição desta quantidade. Sendo assim, é considerado válido sacrificar uma minoria, cujo bem-estar será diminuído, a fim de aumentar o bem-estar geral. Esta possibilidade de sacrifício se baseia na ideia de GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce 3 compensação: a desgraça de uns é compensada pelo bem-estar dos outros. Se o saldo de compensação for positivo, a ação é julgada moralmente boa. O aspecto dito sacrificial é um dos mais criticados pelos adversários do utilitarismo. Princípio de otimização - O utilitarismo exige a maximização do bem-estar geral, o que não se apresenta como algo facultativo, mas sim como um dever. Imparcialidade e universalismo - Os prazeres e sofrimentos são considerados da mesma importância, quaisquer que sejam os indivíduos afetados. O bem-estar de cada um tem o mesmo peso dentro do cálculo do bem-estar geral. Este princípio é compatível com a possibilidade de sacrifício. A princípio, todos têm o mesmo peso, e não se privilegia ou se prejudica ninguém – a felicidade de um rei ou de um cidadão comum são levadas em conta da mesma maneira. O aspecto universalista consiste numa atribuição de valores do bem-estar que é independente das culturas ou das particularidades regionais. Como o universalismo de Kant, o utilitarismo pretende definir uma moral que valha universalmente. Fonte: www.mensagenscomamor.com 1.1 O cálculo utilitarista Um dos traços importantes do utilitarismo é seu racionalismo. A moralidade de um ato é calculada, ela não é determinada a partir de princípios diante de um valor intrínseco. Este cálculo leva em conta as consequências do ato sobre o bem-estar do GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce 4 maior número de pessoas. Ele supõe então a possibilidade de se calcular as consequências de um ato, e avaliar seu impacto sobre o bem-estar dos indivíduos. Para alguns utilitaristas, como o filósofo Peter Singer, o cálculo utilitarista de prazer e dor deve incluir todos os seres dotados de sensibilidade, sendo legítimo assim incluir os animais no cálculo da moralidade de um ato. Singer se refere ao cálculo utilitarista que seja exclusivo para o ser humano, como uma forma de "especismo", ou seja, preconceito de espécie. 2 EXISTENCIALISMO O existencialismo é uma corrente filosófica e literária que destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade do ser humano. O existencialismo considera cada homem como um ser único que é mestre dos seus atos e do seu destino. O existencialismo afirma a prioridade da existência sobre a essência, segundo a célebre definição do filósofo francês Jean-Paul Sartre: "A existência precede e governa a essência." Essa definição funda a liberdade e a responsabilidade do homem, visto que este existe sem que seu ser seja pré-definido. Durante a existência, à medida que se experimentam novas vivências redefine-se o próprio pensamento (a sede intelectual, tida como a alma para os clássicos), adquirindo-se novos conhecimentos a respeito da própria essência do que é o homem. Esta característica do ser é fruto da liberdade de eleição. Sartre, após ter feito estudos sobre fenomenologia na Alemanha, criou o termo utilizando a palavra francesa "existence" como tradução da expressão alemã "Da sein", termo empregado por Heidegger em Ser e tempo. Após a Segunda Guerra Mundial, uma corrente literária existencialista contou com Albert Camus e Boris Vian, além do próprio Sartre. É importante notar que Albert Camus, filósofo além de literato, ia contra o existencialismo, sendo este somente característica de sua obra literária. Vian definia-se pata físico. GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce 5 3 ORIGEM O existencialismo foi inspirado nas obras de Arthur Schopenhauer, Søren Kierkegaard, Fiódor Dostoiévski e nos filósofos alemães Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl e Martin Heidegger, e foi particularmente popularizado em meados do século XX pelas obras do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre e de sua companheira, a escritora e filósofa Simone de Beauvoir. Os mais importantes princípios do movimento são expostos no livro de Sartre "L'Existentialisme est un humanisme" ("O existencialismo é um humanismo"). O termo existencialismo foi adotado apesar de haver o termo: existência filosófica, usado inicialmente por KarlJaspers, da mesma tradição. Fonte: pt.slideshare.net História do Existencialismo O existencialismo é um movimento filosófico e literário distinto pertencente aos séculos XIX e XX, mas os seus elementos podem ser encontrados no pensamento (e vida) de Sócrates, Aurélio Agostinho e no trabalho de muitos filósofos e escritores pré- modernos. Culturalmente, podemos identificar pelo menos duas linhas de pensamento existencialista: Alemã-Dinamarquesa e Anglo-Francesa. As culturas judaica e russa também contribuíram para esta filosofia. Após ter experienciado vários distúrbios civis, GNV Realce GNV Realce GNV Realce 6 guerras locais e duas guerras mundiais, algumas pessoas na Europa foram forçadas a concluir que a vida é inerentemente miserável e irracional. Heidegger e Kierkegaard foram os pioneiros neste debate sobre a crise da existência humana. Hoje, o existencialismo não morreu de fato, pelo contrário, continua a produzir, quer na filosofia, quer na literatura, no cinema, ou até na ideologia de vida. 3.1 Temáticas Os temas existencialistas são férteis no terreno da criação literária, nomeadamente na literatura francesa, e continuam a exibir vitalidade no mundo filosófico e literário contemporâneo. As principais temáticas abordadas sugerem o contexto da sua aparição (final da Segunda Guerra Mundial), refletindo o absurdo do mundo e da barbárie injustificada, das situações e das relações quotidianas ("L'enfer, c'est les autres", ["O inferno são os outros"], Jean-Paul Sartre). Paralelamente, surgem temáticas como o silêncio e a solidão, corolários óbvios de vidas largadas ao abandono, depois da "morte de Deus" (Friedrich Nietzsche). A existência humana, em toda a sua natureza, é questionada: quem somos? O que fazemos? Para onde vamos? Quem nos move? É esta consciência aguda de abandono e de solidão (voluntária ou não), de impotência e de injustificabilidade das ações, que se manifesta nas principais obras desta corrente em que o filosófico e o literário se conjugam. Relação com a religião Apesar de muitos, senão a maioria, dos existencialistas terem sido ateístas, os autores Soren Kierkegaard, Karl Jaspers e Gabriel Marcel propuseram uma versão mais teológica do existencialismo. O ex- marxista Nikolai Berdyaev desenvolveu uma filosofia do Cristianismo existencialista na sua terra natal, Rússia, e mais tarde na França, na véspera da Segunda Guerra Mundial. GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce 7 4 FÉ E EXISTENCIALISMO Fonte: oseminario.webnode.com.br O existencialismo não é uma simples escola de pensamento, livre de qualquer e toda forma de fé. Ajuda a entender que muitos dos existencialistas eram, de fato, religiosos. Pascal e Kierkegaard eram cristãos dedicados. Pascal era católico, Kierkegaard, um protestante radical marcado pelo ríspido antagonismo com a igreja luterana. Dostoiévski era greco-ortodoxo, a ponto de ser fanático. Kafka era judeu. Sartre realmente não acreditava em força divina. Sartre não foi criado sem religião, mas a Segunda Guerra Mundial e o constante sofrimento no mundo levaram-no para longe da fé, de acordo com várias biografias, incluindo a de sua companheira, Simone de Beauvoir. Curiosamente, Sartre passou seus últimos anos de vida explorando assuntos de fé com um judeu ortodoxo. Apenas podemos imaginar suas conversas, já que Sartre não as registrou. Para os existencialistas cristãos, a fé defende o indivíduo e guia suas decisões com um conjunto rigoroso de regras em algumas vertentes cristãs e para outras como o espiritismo, as decisões são guiadas pelo pensamento, pela alma. Para os ateus, a "ironia" é a de que não importa o quanto você faça para melhorar a si ou aos outros, GNV Realce GNV Realce GNV Realce 8 você sempre vai se deteriorar e morrer. Muitos existencialistas acreditam que a grande vitória do indivíduo é perceber o absurdo da vida e aceitá-la. Resumindo, você vive uma vida miserável, pela qual você pode ou não ser recompensado por uma força maior. Se essa força existe, por que os homens sofrem? Se não existe, por que não cometer suicídio e encurtar seu sofrimento? Essas questões apenas insinuam a complexidade do pensamento existencialista. É um conceito da corrente filosófica existencialista. A frase foi primeiramente formulada por Jean-Paul Sartre, e é um dos princípios fundamentais do existencialismo. O indivíduo, no princípio, somente tem a existência comprovada. Com o passar do tempo ele incorpora a essência em seu ser. Não existe uma essência pré- determinada. Com esta frase, os existencialistas rejeitam a ideia de que há no ser humano uma alma imutável, desde os primórdios da existência até a morte. Esta essência será adquirida através da sua existência. O indivíduo por si só define a sua realidade. Em 1946, no "Club Maintenant" em Paris, Jean Paul Sartre pronuncia uma conferência, que se tornou um opúsculo com o nome de "O Existencialismo é um Humanismo". Nele, ele explica a frase, desta forma: "... se Deus não existe, há pelo menos um ser, no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significa então que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente é nada. Só depois será, e será tal como a si próprio se fizer.” 4.1 Liberdade Com essa afirmação vemos o peso da responsabilidade por sermos totalmente livres. E, frente a essa liberdade de eleição, o ser humano se angustia, pois a liberdade implica fazer escolhas, as quais só o próprio indivíduo pode fazer. Muitos de nós ficamos paralisados e, dessa forma, nos abstemos de fazer as escolhas necessárias. GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce 9 Porém, a "não ação", o "nada fazer", por si só, já é uma escolha; a escolha de não agir. A escolha de adiar a existência, evitando os riscos, a fim de não errar e gerar culpa, é uma tônica na sociedade contemporânea. Arriscar-se, procurar a autenticidade, é uma tarefa árdua, uma jornada pessoal que o ser deve empreender em busca de si mesmo. Os existencialistas perguntaram-se se havia um Criador. Se sim, qual é a relação entre a espécie humana e esse criador? As leis da natureza já foram pré- definidas e os homens têm que se adaptar a elas? Esses homens estiveram tão dedicados aos seus estudos que se tornaram antissociais, enquanto se preocupavam com a humanidade. Kierkegaard, Nietzsche e Heidegger são alguns dos filósofos que mais influenciaram o existencialismo. Os dois primeiros se preocupavam com a mesma questão: o que limita a ação de um indivíduo? Kierkegaard chegou à possibilidade de que o cristianismo e a fé em geral são irracionais, argumentando que provar a existência de uma única e suprema entidade é uma atividade inútil. Nietzsche, frequentemente caracterizado como ateu, foi, sobretudo um crítico da religião organizada e das doutrinas de seu tempo. Ele acreditou que a religião organizada, especialmente a Igreja Católica e Protestante, era contra qualquer poder de ganho ou autoconfiança sem consentimento. Nietzsche usou o termo rebanho para descrever a população que, de boa vontade, segue a Igreja. Ele argumentou que provar a existência de um criador não era possível nem importante. Na verdade, Nietzsche valorizava e exaltava a vida como única entidade que merecia louvor. Prova disso é o eterno retorno em que ele afirmava que o homem deveria viver a vida como se tivesse que vivê-la nova e eternamente. A implicação disso é uma extrema valorização da vida,imaginemos cada segundo, cada minuto vivido igual e eternamente? E quanto à Igreja, Nietzsche a condenava, pois ela é um traço das influências que negavam o valor da vida na sociedade contemporânea; ele era sim ateu, e para ele, dentre os mais inteligentes, o pior era o padre, pois conseguia incutir nos pensamentos do rebanho, fundamentos falsos, exteriores e metafísicos demais, que só contribuíam para o afastamento da vida. GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce 10 5 O INDIVÍDUO VERSUS A SOCIEDADE O existencialismo representa a vida como uma série de lutas. O indivíduo é forçado a tomar decisões e frequentemente as escolhas são ruins. Nas obras de alguns pensadores, parece que a liberdade e a escolha pessoal são as sementes da miséria. A maldição do livre arbítrio foi de particular interesse dos existencialistas teológicos e cristãos. As regras sociais são o resultado da tentativa dos homens de planejar um projeto funcional. Ou seja, quanto mais estruturada a sociedade, mais funcional ela deveria ser. Os existencialistas explicam por que algumas pessoas se sentem atraídas à passividade moral baseando-se no desafio de tomar decisões. Seguir ordens é fácil; requer pouco esforço emocional e intelectual fazer o que lhe mandam. Se a ordem não é lógica, não é o soldado que deve questionar. Deste modo, as guerras podem ser explicadas, genocídios em massa podem ser entendidos. As pessoas estavam apenas fazendo o que lhes fora mandado fazer. Importantes Filósofos para o Existencialismo Martin Heidegger Jean-Paul Sartre Søren Kierkegaard Edmund Husserl Friedrich Nietzsche Arthur Schopenhauer Martin Buber Há duas linhas existencialistas famosas, quer de impulsionadores, quer de existencialistas propriamente ditos. A primeira, de Kierkegaard, Schopenhauer, Nietzsche e Heidegger é agrupada intelectualmente. Esses homens são os pais do existencialismo e dedicaram-se a estudar a condição humana. A segunda, de Sartre, Camus e Beauvoir, era uma linha GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce 11 marcada pelo compromisso político. Enquanto outras pessoas entraram e saíram, esses sete indivíduos definiram o existencialismo. Fonte: www.escritas.org O filosofar heideggeriano é uma constante interrogação, na procura de revelar e levar à luz da compreensão o próprio objeto que decide sobre a estrutura dessa interrogação, e que orienta as cadências do seu movimento: a questão sobre o Ser. A meta de Heidegger é penetrar na filosofia, demorar nela, submeter seu comportamento às suas leis. O caminho seguido por ele deve ser, portanto, de tal modo e com tal direção, que aquilo de que a Filosofia trata atinja nossa responsabilidade, vise a nós homens, nos toque e, justamente, nos transforme. O pensamento de Heidegger é um retorno ao fundamento da metafísica num movimento problematizador, uma meditação sobre a Filosofia no sentido daquilo que permanece fundamentalmente velado. A Filosofia sobre a qual ele nos convida a meditar é a grande característica da inquietação humana em geral, a questão sobre o Ser, ou seja, o que significa ―estar no mundo ou ―ser no mundo. GNV Realce GNV Realce GNV Realce GNV Realce 12 6 HEGEL Fonte: www.benitopepe.com.br Filósofo e ideólogo alemão nascido em Stuttgart, Wurttemberg, um dos mais influentes da filosofia alemã e considerado o último dos grandes criadores de sistemas filosóficos dos tempos modernos, o pensamento Hegeliano, cuja obra serviu de base para a maior parte das tendências filosóficas e ideológicas posteriores, como o marxismo, o existencialismo e a fenomenologia. Filho de um funcionário público entrou para a Universidade de Tubingen (1788), onde se dedicou ao estudo de teologia e de literatura e filosofia gregas e fez amizade com o poeta Friedrich Holderlin e o filósofo Friedrich Schelling este, junto com Hegel, se tornaria uma das maiores figuras do idealismo alemão no início do século XIX. Após o curso, deu aulas como professor particular, viveu depois em Berna, na Suíça. Fixou-se em Frankfurt (1796), onde Holderlin lhe conseguira um lugar de preceptor e, depois (1801), tornou-se livre-docente na Universidade de Jena, passando a estudar o idealismo de Johann Gottlieb Fichte e de Schelling, o que originou sua publicação Differenz des Fichte’schen und Schelling’schen Systems der Philosophie (1801) e foi nomeado professor-visitante (1805). Na Universidade deu início ao desenvolvimento dos conceitos que viria a aprofundar na Fenomenologia do GNV Realce GNV Realce 13 espírito (1808) e sistematizar na Ciência da lógica (1812), duas monumentais obras do pensamento ocidental. Com a ocupação da cidade e o fechamento da universidade pelas tropas de Napoleão, Hegel foi para Bamberg trabalhar como editor. Mais tarde passou a ocupar a cátedra de filosofia da Universidade de Heildelberg. Fascinado pelas obras de Spinoza e Kant, Hegel é considerado por muitos o maior representante do idealismo alemão do século XIX, e teve impacto profundo no materialismo histórico de Karl Marx e em toda filosofia do século XX. Em Berlim publicou seu mais importante trabalho de filosofia política, Elementos da filosofia do direito (1821), marcando profundamente o pensamento político europeu durante todo o século XIX e XX. Assumiu a direção de um jornal, o Bamberger Zeitung, mas depois de um ano foi forçado a partir por causas das guerras napoleônicas, voltando à filosofia, como reitor do Aegidiengymnasium, em Nuremberg. Casou-se (1811) com Marie von Tucher e começou a trabalhar em sua obra Science of Logic (1812-1816). Com ela teve dois filhos, sendo que o mais velho tornou-se um excelente historiador. O sucesso desse trabalho deu-lhe um contrato como professor pela Universidade de Heidelberg (1816-1818) que deixou para substituir Fichte na Universidade de Berlim (1818), onde lecionou pelo resto da vida, tornando seus cursos uma referência em todas as partes da Europa. Também escreveu sobre psicologia, direito, história, artes e religião e, depois de sua morte, vítima de uma epidemia de cólera, foram publicadas várias coletâneas de aulas sobre religião, estética e história da filosofia, e morreu em Berlim. 6.1 Frases O homem não é mais do que a série dos seus atos. A necessidade, a natureza e a história não são mais do que instrumentos da revelação do Espírito. A necessidade geral da arte é a necessidade racional que leva o homem a tomar consciência do mundo interior e exterior e a lazer um objeto no qual se reconheça a si próprio. GNV Realce GNV Realce 14 Nada existe de grandioso sem paixão. Grandeza, entidade variável, mas que, apesar da sua variação, continua sempre a ser a mesma. Nada de grande se realizou no mundo sem paixão. 7 PENSAMENTO DE HEGEL Fonte: ficus.pntic.mec.es A filosofia de Hegel é a tentativa de considerar todo o universo como um todo sistemático. O sistema é baseado na fé. Na religião cristã, Deus foi revelado como verdade e como espírito. Como espírito, o homem pode receber esta revelação. Na religião a verdade está oculta na imagem; mas na filosofia o véu se rasga, de modo que o homem pode conhecer o infinito e ver todas as coisas em Deus. GNV Realce GNV Realce 15 O sistema de Hegel é assim um monismo espiritual, ou seja, um monismo no qual a diferenciação é essencial. Somente através da experiência pode a identidade do pensamento e o objeto do pensamento serem alcançados, uma identidade na qual o pensar alcança a inteligibilidade progressiva que é seu objetivo. Assim, a verdade é conhecida somente porque o erro foi experimentado e a verdade triunfou; e Deus é infinito apenas porque ele assumiu os limitações de finitude etriunfou sobre elas. Similarmente, a queda do homem era necessária se ele devia atingir a bondade moral. O espírito, incluindo o Espírito infinito, conhece a si mesmo como espírito somente por contraste com a natureza. O sistema de Hegel é monista pelo fato de ter um tema único: o que faz o universo inteligível é vê-lo como o eterno processo cíclico pelo qual o Espírito Absoluto vem a conhecer a si próprio como espírito (1) através de seu próprio pensamento; (2) através da natureza; e (3) através dos espíritos finitos e suas auto-expressões na história e sua auto- descoberta, na arte, na religião, e na filosofia, como Um com o próprio Espírito Absoluto. O compêndio do sistema de Hegel, a “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”, é dividida em três partes: Lógica, Natureza e Espírito. O método de exposição é dialético. Acontece com frequência que em uma discussão, duas pessoas que a princípio apresentam pontos de vista diametralmente opostos depois concordam em rejeitar suas visões parciais próprias, e aceitar uma visão nova e mais ampla que faz justiça à substância de cada uma das precedentes. Hegel acreditava que o pensamento sempre procede deste modo: começa por lançar uma tese positiva que é negada imediatamente pela sua antítese; então um pensamento seguinte produz a síntese. Mas esta síntese, por sua vez, gera outra antítese, e o mesmo processo continua uma vez mais. O processo, no entanto, é circular: ao final, o pensamento alcança uma síntese que é igual ao ponto de partida, exceto pelo fato de que tudo que estava implícito ali foi agora tornado explícito, tudo que estava oculto no ponto inicial foi revelado. Assim o pensamento propriamente, como processo, tem a negatividade como um de seus momentos constituintes, e o finito é, como a auto- manifestação de Deus, parte e parcela do infinito mesmo. O sistema de Hegel dá conta desse processo dialético em três fases. GNV Realce GNV Realce GNV Realce 16 O sistema começa dando conta do pensamento de Deus “antes da criação da natureza e do espírito finito”, isto é, com as categorias ou formas puras de pensamento, que são a estrutura de toda vida física e intelectual. Todo o tempo, Hegel está lidando com essencialidades puras, com o espírito pensando sua própria essência; e estas são ligadas juntas em um processo dialético que avança do abstrato para o concreto. Se um homem tenta pensar a noção de um ser puro (a mais abstrata categoria de todas), ele encontra que ela é apenas o vazio, isto é, nada. No entanto, o nada “é”. A noção de ser puro e a noção de nada são opostas; e no entanto cada uma, quando alguém tenta pensá-la, passa imediatamente para a outra. Mas o caminho para sair dessa contradição é de imediato rejeitar ambas as noções separadamente e afirmá- las juntas, isto é, afirmar a noção do vir a ser, uma vez que o que ambas vem a ser é e não é ao mesmo tempo. O processo dialético avança através de categoria de crescente complexidade e culmina com a ideia absoluta, ou com o espírito como objetivo para si mesmo. 7.1 KARL MARX Fonte: www.salon.com 17 Economista, filósofo e socialista alemão, Karl Marx nasceu em Trier em 5 de Maio de 1818 e morreu em Londres a 14 de Março de 1883. Estudou na universidade de Berlim, principalmente a filosofia hegeliana, e formou-se em Iena, em 1841, com a tese Sobre as diferenças da filosofia da natureza de Demócrito e de Epicuro. Em 1842 assumiu a chefia da redação do Jornal Renano em Colônia, onde seus artigos radical- democratas irritaram as autoridades. Em 1843, mudou-se para Paris, editando em 1844 o primeiro volume dos Anais Germânico-Franceses, órgão principal dos hegelianos da esquerda. Entretanto, rompeu logo com os líderes deste movimento, Bruno Bauer e Ruge. Em 1844, conheceu em Paris Friedrich Engels, começo de uma amizade íntima durante a vida toda. Foi, no ano seguinte, expulso da França, radicando-se em Bruxelas e participando de organizações clandestinas de operários e exilados. Ao mesmo tempo em que na França estourou a revolução, em 24 de fevereiro de 1848, Marx e Engels publicaram o folheto O Manifesto Comunista, primeiro esboço da teoria revolucionária que, mais tarde, seria chamada marxista. Voltou para Paris, mas assumiu logo a chefia do Novo Jornal Renano em colônia, primeiro jornal diário francamente socialista. Depois da derrota de todos os movimentos revolucionários na Europa e o fechamento do jornal, cujos redatores foram denunciados e processados, Marx foi para Paris e daí expulso, para Londres, onde fixou residência. Em Londres, dedicou- se a vastos estudos econômicos e históricos, sendo frequentador assíduo da sala de leituras do British Museum. Escrevia artigos para jornais norte-americanos, sobre política exterior, mas sua situação material esteve sempre muito precária. Foi generosamente ajudado por Engels, que vivia em Manchester em boas condições financeiras. Em 1864, Marx foi co-fundador da Associação Internacional dos Operários, depois chamada I Internacional, desempenhando dominante papel de direção. Em 1867 publicou o primeiro volume da sua obra principal, O Capital. Dentro da I Internacional encontrou Marx a oposição tenaz dos anarquistas, liderados por Bakunin, e em 1872, no Congresso de Haia, a associação foi praticamente dissolvida. Em compensação, Marx podia patrocinar a fundação, em 1875, do Partido Social- Democrático alemão, que foi, porém, logo depois, proibido. Não viveu bastante para 18 assistir às vitórias eleitorais deste partido e de outros agrupamentos socialistas da Europa. 8 PRIMEIROS TRABALHOS Entre os primeiros trabalhos de Marx, foi antigamente considerado como o mais importante o artigo Sobre a crítica da Filosofia do direito de Hegel, em 1844, primeiro esboço da interpretação materialista da dialética hegeliana. Só em 1932 foram descobertos e editados em Moscou os Manuscritos Econômico-Filosóficos, redigidos em 1844 e deixa-os inacabados. É o esboço de um socialismo humanista, que se preocupa principalmente com a alienação do homem; sobre a compatibilidade ou não deste humanismo com o marxismo posterior, a discussão não está encerrada. Em 1888 publicou Engels as Teses sobre Feuerbach, redigidas por Marx em 1845, rejeitando o materialismo teórico e reivindicando uma filosofia que, em vez de só interpretar o mundo, também o modificaria. Marx e Engels escreveram juntos em 1845 A Sagrada Família, contra o hegeliano Bruno Bauer e seus irmãos. Também foi obra comum A Ideologia alemã (1845-46), que por motivo de censura não pôde ser publicada (edição completa só em 1932); é a exposição da filosofia marxista. Marx sozinho escreveu A Miséria da Filosofia (1847), a polêmica veemente contra o anarquista francês Proudhon. A última obra comum de Marx e Engels foi em 1847 O Manifesto Comunista, breve resumo do materialismo histórico e apelo à revolução. O 18 Brumário de Luís Bonaparte foi publicado em 1852 em jornais e em 1869 como livro. É a primeira interpretação de um acontecimento histórico no caso o golpe de Estado de Napoleão III, pela teoria do materialismo histórico. Entre os escritos seguintes de Marx Sobre a crítica da economia política em 1859 é, embora breve, também uma crítica da civilização moderna, escrito de transição entre o manuscrito de 1844 e as obras posteriores. A significação dessa posição só foi esclarecida pela publicação (em Moscou, 1939-41, e em Berlim, 1953) de mais uma obra inédita: Esboço de crítica da economia política, escritos em Londres entre 1851 e 1858 e depois deixados sem acabamento final. 19 Em 1867 publicou Marx o primeiro volume de sua obra mais importante: O Capital. É um livro principalmente econômico, resultado dos estudos no British Museum, tratando da teoria do valor, da mais-valia, da acumulação do capital etc. Marx reuniudocumentação imensa para continuar esse volume, mas não chegou a publicá-lo. Os volumes II e III de O Capital foram editados por Engels, em 1885 e em 1894. Outros textos foram publicados por Karl Kautsky como volume IV (1904-10). 9 BILIOGRAFIA ARANHA, M. L ; MARTINS, M.H.P. Filosofando: introdução a filosofia. São Paulo: moderna, 1993. BUARQUE, Cristovam. A desordem do progresso. São Paulo: paz e terra, 1993. CHAUÍ, Marilena. Convite á Filosofia. São Paulo: Ática, 1999. CIVITA, Victor. A história da filosofia. Coleção de pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2000. PRADO JUNIOR, C. O que é Filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1983. REALE, M. Introdução a Filosofia. São Paulo: Saraiva, 1988. SANCHEZ VASQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. 20 10 LEITURA COMPLEMENTAR Autores: Simone Gallina Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/%0D/ccedes/v24n64/22836.pdf Acesso: 6 de junho de 2016 11 O ENSINO DE FILOSOFIA E A CRIAÇÃO DE CONCEITOS SIMONE GALLINA Mestra em educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutoranda na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: sigalli@terra.com.br RESUMO: Ao pensar as linhas e os traçados do ensino em filosofia, tem-se que levar em conta que esta atividade pedagógica deve se constituir numa atividade filosófica e, ainda dependendo da concepção de atividade filosófica, que devemos modificar significativamente a própria concepção do que consiste o ensino e a aprendizagem em filosofia. Neste sentido, torna-se importante esclarecer em que consiste a atividade filosófica para se mapear os territórios do ensino em filosofia. Tarefa esta que nos propomos a partir da contribuição do filósofo francês Gilles Deleuze, o qual, em seus inúmeros escritos, afirma que a atividade do filósofo implica uma dimensão de criação: criação de conceitos. Palavras-chave: Filosofia. História. Ensino. Leitura. Conceito. THE TEACHING OF PHILOSOPHY AND THE CREATION OF CONCEPTS ABSTRACT: When thinking the lines and tracings in philosophy teaching, it should take into consideration that this pedagogical activity should be constituted in a philosophical activity and, still depending on the conception of the philosophical activity, we will change significantly the proper conception of what consists the teaching and the learning of philosophy. In this sense, it is important to clarify what consists the philosophical activity to outline the territories of teaching of philosophy. We propose this task considering the contribution of the French philosopher Gilles Deleuze who, in his innumerable writings, affirms that the activity of the philosopher implies a dimension of creation: creation of concepts. Key words: Philosophy. History. Teaching. Reading. Concept. Ensino de filosofia e a história da filosofia 21 A ausência de clareza acerca do ensino de filosofia resulta da atribuição de uma certa primazia do que convencionamos chamar de temas próprios da atividade filosófica. Ao que parece, não são somente os conteúdos empregados no ensino de filosofia que a constituem como atividade filosófica, mas, antes, o que a torna uma tal atividade propriamente filosófica. Convém observar que ao dizermos isso não estamos querendo negar a pertinência da didática, mas tão-somente que ela depende, em última instância, da delimitação daquilo que consiste propriamente no ensino de filosofia como atividade filosófica. Na década de 1980 ocorreram intensos debates sobre o ensino de filosofia, os quais são importantes na medida em que nos mostram não somente o que pensam os filósofos brasileiros sobre a filosofia e o seu ensino, mas também a sua influência às futuras gerações de professores de filosofia. Um bom exemplo pode ser encontrado no livro intitulado O ensino da filosofia no 2°grau, organizado em 1986 por Henrique Nielsen Neto. Nele podemos observar que, para alguns filósofos, o ensino de filosofia deve ser orientado tanto pelo estudo da história da filosofia quanto pela discussão dos temas filosóficos concernentes ao cotidiano. Propõe-se também que a disciplina seja pensada mediante atividades de exposição temática e discussão sobre tais temas, perfazendo o percurso que vai desde a filosofia antiga até as questões da filosofia contemporânea. Nesse mesmo livro também encontramos argumentos em defesa de temas específicos a serem ensinados. Certamente essa abordagem do ensino de filosofia, como estritamente vinculado à escolha dos conteúdos, está mais preocupada com as concepções individuais dos professores da disciplina no ensino médio, estabelecendo assim uma espécie de programa mínimo para o ensino de filosofia. Objetivo que também fica manifesto nos manuais didáticos, nos quais frequentemente lemos que o ensino de filosofia requer uma visita ao mundo da filosofia e aos conteúdos que nele se encontram. Por um lado, a amplitude e abrangência do que pode servir de tema para o ensino de filosofia, conforme se pode perceber nas propostas acima mencionadas, mostram que não se pode determinar a priori o que irá servir como conteúdo para o ensino de filosofia. Por outro, a determinação dos temas não assegura que a atividade desenvolvida pelo professor de filosofia seja uma atividade propriamente filosófica. 22 Mesmo que as propostas temáticas representem a tradição filosófica e mesmo que a escolha dos temas seja oriunda de uma decisão pautada por critérios filosóficos, ainda assim, apoiar o ensino de filosofia na história da filosofia, como fonte de problemas e de soluções, pode resultar numa atividade que perde de vista uma condição inerente à atividade do filósofo: a criação conceitual, o nascimento do novo: A maior parte do tempo, quando me colocam uma questão, mesmo que ela me interesse, percebo que não tenho estritamente nada a dizer. As questões são fabricadas, como outra coisa qualquer. Se não deixam que você fabrique suas questões, com elementos vindos de toda parte, de qualquer lugar, se as colocam a você, não tem muito o que dizer. A arte de construir um problema é muito importante: inventa-se um problema, uma posição de problema, antes de se encontrar a solução. (Deleuze & Parnet, 1998, p. 9) Contudo, há um aspecto importante no debate da década de 1980: o resgate do cotidiano para o ensino de filosofia. Porém, esse resgate acontece somente à medida que é tomado como um acontecimento. O que a história capta do acontecimento é a sua efetuação em estados de coisas, mas o acontecimento em seu devir escapa à história. A história não é a experimentação, ela é apenas o conjunto das condições quase negativas que possibilitam a experimentação de algo que escapa à história. Sem a história, a experimentação permaneceria indeterminada, incondicionada, mas a experimentação não é histórica. (...) O devir não é história; a história designa somente o conjunto das condições, por mais recentes que sejam, das quais se desvia a fim de “devir”, isto é, para criar algo novo. (Deleuze, 1992, p. 210-211) O ensino de filosofia não pode prescindir do acontecimento, de onde emergem os devires que orientam a elaboração de problemas. Os problemas filosóficos não se encontram nos textos dos filósofos e sequer podem ser comunicados pelos professores de filosofia; eles estão submetidos aos devires, às orientações e às direções que não pertencem à história da filosofia, mas do acontecimento. Mesmo que os problemas estejam orientados para o passado ou para o futuro, eles estão submetidos às multiplicidades, aos devires que emergem como forças que operam em silêncio. Os problemas emergem dos acontecimentos e das experimentações. Os agenciamentos da leitura Uma outra consequência da ausência de clareza acerca do ensino de filosofia resulta de algumasincompreensões geradas a partir de uma suposta necessidade de 23 métodos, de procedimentos próprios à atividade filosófica e, consequentemente, da sua necessidade para o ensino de filosofia. Sem dúvida as técnicas e os procedimentos são importantes para a filosofia, mas isso não significa que o método seja o meio pelo qual se aprende filosofia. O trabalho de Sonia Maria Ribeiro de Souza trouxe significativas contribuições para o ensino de filosofia, a sua abordagem histórico-didática é importante na medida em que permite um diálogo sobre a relação entre método e ensino. Segundo a autora, a utilização do método visa à obtenção de um fim determinado, isto é, ele tem “a finalidade de produzir nos alunos mudanças de atitudes expressas nos objetivos educacionais” (Souza, 1992, p. 100). O recurso a esta concepção genérica de método se dá em função da dificuldade da apropriação de um método filosófico para o ensino de filosofia. O método seria uma espécie de “característica essencial da filosofia”, contudo não há um único método, antes sim métodos, os quais seriam “peculiares a cada filósofo, são na verdade, únicos e irrepetíveis e, neste sentido, há tantos métodos filosóficos quanto os filósofos que existiram e que existem na face da Terra” (idem, ibid.). Além dessa gama de métodos, o que causa um certo embaraço quanto à escolha daquele que seria o mais apropriado, o problema com eles é que são “irrepetíveis”, isto é, a sua singularidade implica a impossibilidade de serem separados de seus próprios autores. A conclusão sobre um método genuinamente filosófico é que os métodos da filosofia “não se configuram como os mais adequados para o ensino da filosofia” (idem, ibid.). Mesmo assim, existem alguns métodos comuns a outras áreas do saber que podem ser utilizados no ensino de filosofia. Entre eles figura o “método expositivo”, o “método interrogativo”, o “método de exposição dialogada”, o “método de leitura e análise de textos”, o “método de análise linguística” e o “estudo dirigido” (idem, ibid.). A utilização desses métodos depende do professor, contudo cada um deles obedece a uma lógica própria, o que não impede que o professor estabeleça inovações no sentido do aprimoramento deles. Os dois métodos destacados como mais pertinentes são o método de exposição dialogada e o método de leitura e análise de textos. O primeiro é, “do ponto de vista de muitos educadores, o mais adequado para o processo de ensino- aprendizagem da referida disciplina” (idem, ibid., p. 105), ao passo que o segundo, 24 por sua vez, é importante porque as suas metas “condensam a finalidade central da disciplina no 2° grau: ensinar o aluno a filosofar” (idem, ibid., p. 108). Como se pode observar, dos dois o preferido pela autora é o concernente à leitura, visto que ele cumpriria uma finalidade própria ao ensino de filosofia, ou seja, ensinar a filosofar. As “metas pedagógicas”, apresentadas como finalidades do método de leitura e análise de textos, próprias ao ensino de filosofia de acordo com Souza são as seguintes: “compreensão global do pensamento de um autor, bem como de uma escola ou corrente filosófica de um determinado período do qual o filósofo é um representante; o acesso à filosofia por meio desse pensamento e, por último, a aquisição de uma técnica intelectual e de análise filosófica” (ibid., p. 108). Ocorre que, a despeito da ênfase dada pela autora, parece pouco crível que uma tal compreensão da leitura de fato ensine a filosofar. Afora as expressões que denotam uma relação com a filosofia, a caracterização dessas metas pode servir para a leitura em qualquer outra disciplina. Ao finalizar a explicitação do referido método, a autora afirma que este “implica um esforço de compreensão da linguagem dos filósofos, isto é, uma abordagem dos termos, dos enunciados, dos encadeamentos discursivos e das várias expressões usadas pelos autores lidos, por meio das quais o filósofo procura comunicar o produto de sua reflexão filosófica” (idem, ibid., p. 112). Será que o esforço para compreender termos, enunciados, encadeamentos, expressões nos conduzem à criação conceitual? Ou talvez nos sejam extremamente úteis para assimilar e reter um “produto” pronto e acabado? Pode-se concordar com a autora que os textos dos filósofos exercem influência e são determinantes para as atividades filosóficas. Também parece acertado dizer que a relação com tais textos é uma relação de leitura. Contudo, a afirmação de que os textos dos filósofos comunicam o produto da sua reflexão, o qual poderá ser compreendido com a aplicação do método de análise, parece não levar em conta a diferença entre uma leitura filosófica e uma leitura histórica desses textos. Mas o que seria propriamente uma leitura apenas histórica dos textos dos filósofos e por que ela pode pôr em risco o ensino de filosofia? Uma leitura histórica nada mais é que uma atualização de lembranças. Pascal Chabot diz que uma lembrança atualizada perde o virtual “porque ela é uma diferença 25 selecionada” (1998, p. 43), ou seja, ao serem atualizadas, as intensidades acabam “coaguladas em estados de coisas definidos” (ibid., p. 43), transformam-se em formas estáveis. Ao contrário, “uma arte imanente de interpretação” (ibid., p. 40) mantém o movimento que caracteriza as densidades como multiplicidades virtuais, como singularidades. A leitura filosófica, na qualidade dessa arte imanente, dissolve o que é coagulado na representação, conservando as forças e as intensidades passadas que dão consistência e coerência à diversidade de atualizações produzidas pelo virtual. Apoiar a leitura no método de análise inviabiliza o caráter filosófico da própria leitura. Se o problema for reduzido a uma instância proposicional, a verdade desse problema consistiria somente em que ele possui uma solução. Ao contrário disso, poderíamos pensar que, se há um sentido na interpretação, este está no problema e não no emaranhado de proposições que tecem e tramam o texto. Um tal sentido estaria longe de qualquer posição que prime pela resolução e também daquelas que veem no método um bom guia para a busca de sentido para o texto. Pensar um problema, mesmo a partir de um texto, é antes de tudo engendrar descontinuidades, gerar soluções, evitando com isso a velha ilusão de que um problema sempre visa a uma determinada solução. Também é preciso atentar para a existência de uma diferença de natureza entre proposições e problemas. Problemas não podem ser decalcados das proposições, sob pena de se perder a própria aprendizagem da multiplicidade de relações. A boa maneira para se ler hoje, porém, é a de conseguir tratar um livro como se escuta um disco, como se vê um filme ou um programa de televisão, como se recebe uma canção: qualquer tratamento do livro que reclamasse para ele um respeito especial, uma atenção de outro tipo, vem de outra época e condena definitivamente o livro. Não há questão alguma de dificuldade nem de compreensão: os conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens, são intensidades que lhes convêm ou não, que passam ou não passam. (...) Gostaria de dizer que é um estilo (...). É um agenciamento, um agenciamento de enunciação. Conseguir gaguejar em sua própria língua, é isso um estilo. É difícil porque é preciso que haja necessidade de tal gagueira. Ser gago não em sua fala, e sim ser gago da própria linguagem. Ser como um estrangeiro em sua própria língua. Traçar uma linha de fuga. (Deleuze & Parnet, 1998, p. 11-12) Talvez seja justamente essa maneira de ler os livros, como uma espécie de língua estrangeira, que tenha atraído a atenção de Deleuze para a obra de Proust. A 26 maneira como Proust se refere à leitura de um livro, a partir do qual os contrassensos criam uma língua no interior da língua, obrigam o leitor a usar o livro e a saberlidar com as linhas de fuga que lhe são inerentes. Porém, esse agenciamento da leitura nos coloca um problema com relação ao ensino da filosofia na medida em que o pensamos como uma atividade de leitura regrada por um método. Da proposta anterior sobre a leitura, segundo o que foi afirmado nas metas e nos resultados, pode- se inferir que nos textos dos filósofos se encontram verdades, cujo acesso depende do esforço de compreensão e da utilização correta do método. Mesmo que a autora não tenha afirmado e sequer feito menção a esta questão, a possibilidade de uma tal inferência nos remeteria a um outro problema implicado na utilização do método de leitura, ou seja, que a atividade filosófica consiste em descobrir verdades escondidas nos textos. Sobre esta questão a referência de Deleuze a Proust é muito relevante: A crítica de Proust toca no essencial: as verdades permanecem arbitrárias e abstratas enquanto se fundam na boa vontade de pensar. Apenas o convencional é explícito. Razão pela qual a filosofia, como a amizade, ignora as zonas obscuras em que são elaboradas as forças efetivas que agem sobre o pensamento, as determinações que nos forçam a pensar. Não basta uma boa vontade nem um método bem elaborado para ensinar a pensar, como não basta um amigo para nos aproximarmos do verdadeiro. Os espíritos só se comunicam no convencional; o espírito só engendra o possível. Às verdades da filosofia faltam a necessidade e a marca da necessidade. De fato, a verdade não se dá, se trai; não se comunica, se interpreta; não é voluntária, é involuntária. (Deleuze, 2003, p. 89) Por um lado, dizer que existem verdades nos textos filosóficos parece ser um bom pressuposto para requerer um método que permita encontrá-las, por outro, isso se torna tão problemático quanto afirmar que existem textos verdadeiros e, consequentemente, outros que seriam falsos. Neste sentido, não há por que reivindicar a pertinência de um método para se alcançar a verdade. Isso somente tem sentido para aqueles que, a partir de uma imagem do pensamento como cogitatio natura universalis, pensam que a filosofia tende naturalmente para o verdadeiro. A filosofia não requer uma boa vontade do pensador e uma natureza reta do pensamento, sequer decisão e método, porque não é a verdade e sim o interesse que serve de inspiração para a filosofia e para o fazer filosófico. Os territórios da atividade filosófica 27 Deleuze critica a concepção da história da filosofia como imagem do transcendente, como se a história da filosofia pudesse ser comparada com um retrato. Para ele, esta concepção opera por decalques, por estagnação do fluxo das intensidades, concebendo a filosofia como uma busca de verdades, apoiando-se numa imagem do pensamento cujos pressupostos são morais. A ideia de uma cogitatio natura universalis confere ao pensamento uma natureza boa e, consequentemente, o pensador é dotado de uma boa vontade que lhe permite alcançar o verdadeiro (Cf. Deleuze, 1988, p. 215-235). Deleuze atribui esta imagem do pensamento ao modelo da recognição. Um modelo que orienta a análise do que significa o pensar, e que tem na teoria da representação seu apogeu, mais precisamente numa teoria para a qual a identidade do objeto está fundada na unidade do sujeito pensante e na relação de concordância das suas faculdades, dos seus modos. O problema com esta imagem do pensamento é que ela perde de vista a diferença e a repetição em si mesmas, fazendo com que o objeto, o que é signo para a alma, deixe de ser ou de suscitar um problema. O objeto acaba sendo o Mesmo, tal como um retrato, e a filosofia, a arte de retratar. Contudo, na atividade filosófica “não se trata de ‘fazer parecido’, isto é, de repetir o que o filósofo disse, mas de produzir a semelhança, desnudando ao mesmo tempo o plano de imanência que ele instaurou e os novos conceitos que criou” (Deleuze & Guattari, 1992, p. 74). A verdade dos escritos e mesmo do próprio pensamento está pressuposta na possibilidade da criação de conceitos filosóficos, ela é somente o que o pensamento cria, pois o pensamento é criação. Ora, se “a filosofia supõe enunciados diretos e significações explícitas saídos de um espírito que quer a verdade”, então “erramos quando acreditamos na verdade: só há interpretações” (Deleuze, 2003, p. 86). Com isso, Deleuze afasta-se daqueles que, como os filósofos modernos, pressupõem uma imagem do pensamento. Talvez esta seja a razão para que Deleuze insista na desconfiança filosófica apregoada por Nietzsche, o qual aconselhava os filósofos a desconfiarem dos conceitos que por eles mesmos não tivessem sido criados. Neste sentido se pode compreender o quanto é imprescindível à atividade do filósofo uma relação com a tradição filosófica de desconfiança, pois é a partir do território do dado que será 28 possível atualizar conceitos. Ou seja, fabricá-los e não somente “fazê-los reluzir” (Cf. Deleuze & Guattari, 1992, p. 14). Mas isso nos põe em contato com uma das principais características atribuídas à atividade do filósofo, qual seja, a condição de que no conceito criado esteja implícita a singularidade daquele que o criou. Pois ao dizer que “pensar e ser são uma só e mesma coisa” (idem, ibid., p. 54), afirma-se que o conceito é sempre acompanhado de um estilo, de uma assinatura própria daquele que pensa e cria um determinado conceito. A atividade de criação do filósofo é um agenciamento que garante um registro único, singular, perante a tradição filosófica. A capacidade para constituir ou inventar problemas, cuja solução depende da multiplicidade de relações, das singularidades e, sobretudo, depende da determinação das condições do próprio problema, é a capacidade que torna possível o surgimento do filósofo. Ao problematizar, o filósofo institui um plano de imanência, no qual a atividade filosófica criadora deixará de ser o tipo de atividade que historicamente a ela tem sido atribuído, ou seja, que a atividade própria do filósofo é a contemplação, reflexão, discussão ou comunicação. Tais denominações podem ser invocadas pela ciência ou pela arte, mas jamais pela filosofia, mesmo que esta mantenha uma condição de “vizinhança” com aquelas. Poderíamos perguntar: Por que a filosofia é a única que produz conceitos? Por não poder criar o Uno, “a filosofia faz surgir acontecimentos com seus conceitos”, ao passo que “a arte ergue monumentos com suas sensações, a ciência constrói estados de coisas com suas funções” (idem, ibid., p. 255). Os conceitos são cifras sem preexistência e é isso que faz deles acontecimentos singulares. Acontecimentos cifrados, garantia de uma temporalidade ao conceito que não se refere nem ao passado, nem ao presente e muito menos ao futuro. Uma temporalidade que diz da ordem do “adormecido”, em que o imprescindível para o conceito é poder fazer parte de uma nova cena: “O acontecimento é talvez a figura contemporânea do álteron, do que não pode ser integrado, nem identificado, nem compreendido, nem previsto. Outras palavras que podem nomear também, ainda que de outro modo, o acontecimento são, por exemplo, interrupção, novidade, catástrofe, surpresa, começo, nascimento, milagre, revolução, criação, liberdade” (Larrosa, 2001, p. 282). Contudo, será que podemos com esta noção de filosofia, como atividade criadora de 29 conceitos, afirmar que a tradição filosófica se constitui numa fonte de acontecimentos importantes para o ensino da filosofia? A condição atribuída ao conceito de ser um começo, um nascimento, uma criação, uma novidade, traz consigo a necessidade de concebê-lo como pertencendo ao domínio do porvir. Esta condição implica de antemão que qualquer contribuição da tradição filosófica está intimamente relacionada com uma atividade cuja principal característica seja a intensa criação. Uma atividade que permite surgir, apartir do mesmo, a heterogeneidade, a diferença. É possível darmos uma definição sobre a filosofia? Ou, podemos chegar a um consenso sobre o que é a filosofia? Sim, mas desde que a verdade implicada nessa definição não seja mais entendida no sentido da adequação ou correspondência, tal como ocorre com a concepção do conhecimento em termos de representação. Mas, ao mudarmos o referencial pelo qual se orienta a verdade, deixamos de pensar a definição como indicador de essências ou de propriedades de coisas, como se dá no conhecimento, passamos a pensá-la como comportando uma dimensão produtiva. Neste sentido, podemos dizer que “a filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos” (Deleuze & Guattari, 1992, p. 13). Com isso, a própria definição do conceito sofre uma mudança, pois, se “a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos”, implica que os “conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos” (idem, ibid., p. 13). O conceito é algo criado e, como tal, implica uma habilidade que só ao filósofo pertence, uma atividade à qual consiste propriamente o nome de filosofia. Nunca se sabe de antemão como alguém vai aprender – que amores tornam alguém bom em Latim, por meio de que encontros se é filósofo, em que dicionários se aprende a pensar (...). Não há método para encontrar tesouros nem para aprender, mas um violento adestramento, uma cultura ou uma paideia que percorre inteiramente todo o indivíduo (um albino em que nasce o ato de sentir na sensibilidade, um afásico em que nasce a fala na linguagem, um acéfalo em que nasce pensar no pensamento). (Deleuze, 1988, p. 270) A atividade filosófica ocupa-se com as condições que permitem a formulação de problemas, e nisso consiste a aprendizagem em filosofia. Mesmo que os problemas estejam na base da produção conceitual, esta não é uma decorrência direta do método, como se o método permitisse uma passagem direta do não-saber ao saber. 30 Ou seja, mesmo que a produção conceitual seja um momento da aprendizagem, isso ocorre somente porque ela resulta de uma intensa atividade na qual o método não tem nenhuma significativa importância. Pois a aprendizagem dá-se na constituição dos problemas e estes se passam sempre pelo e no inconsciente. Que toda filosofia dependa de uma intuição, que seus conceitos não cessam de desenvolver até o limite das diferenças de intensidade, esta grandiosa perspectiva leibniziana ou bergsoniana está fundada se consideramos a intuição como o desenvolvimento dos movimentos infinitos do pensamento, que percorrem sem cessar um plano de imanência. Não se concluirá daí que os conceitos se deduzam do plano: para tanto é necessária uma construção especial, distinta daquela do plano, e é por isso que os conceitos devem ser criados, do mesmo modo que o plano deve ser erigido. (...) Se a filosofia começa com a criação de conceitos, o plano de imanência deve ser considerado como pré-filosófico. Ele está pressuposto, não da maneira pela qual um conceito pode remeter a outros, mas pela qual os conceitos remetem eles mesmos a uma compreensão não conceitual. (Deleuze & Guatarri, 1992, p. 56-57) Ao definirmos a filosofia como uma atividade, estamos excluindo dessa definição outras noções que habitualmente são identificadas como próprias da filosofia. A filosofia não pode mais ser pensada como uma reflexão, uma comunicação ou ainda uma contemplação, formas pelas quais ela sempre foi considerada, mas como uma operação de criação de conceitos. O conceito não pode ser confundido com uma proposição, porque ele não tem um valor de verdade, não se refere a estados de coisas, como é o caso das proposições da ciência. Como criação singular, o conceito reporta-se a um acontecimento, ele próprio é um acontecimento. Ora, considerar o conceito um acontecimento implica também considerar que o filosofar deve se ater às circunstâncias implicadas na criação conceitual, aos casos, onde, quando, como etc. Pois são estes elementos circunstanciais que caracterizam o conceito como singularidade, como algo datado, mas também como algo que muda, conforme são operadas as relações que o definem. Se o conceito está implicado num conjunto de relações em constante devir, então a própria história da filosofia também precisa ser pensada como um devir filosófico. Como devir, a história da filosofia não pode ser considerada mediante uma noção de temporalidade que se restringe à relação presente-passado, antes sim à 31 relação atual-virtual. Desta concepção da história da filosofia como virtual pode surgir uma nova concepção de leitura: a leitura da história da filosofia passa a ser uma atualização de intensidades virtuais. Talvez desse modo estaremos evitando transformar a filosofia e o seu ensino numa atividade de doxografia, contentando-se apenas com proposições ou simples opiniões: É sempre a mesma melancolia que se eleva das Questões disputadas e dos Quodlibets da Idade Média, em que se aprende o que cada doutor pensou, sem saber por que ele o pensou (o Acontecimento), e que se encontra em muitas histórias da filosofia onde se passam em revista as soluções, sem jamais saber qual é o problema (a substância em Aristóteles, em Descartes, em Leibniz...), já que o problema é somente decalcado das proposições que lhe servem de resposta. (Deleuze & Guattari, 1992, p. 105) Da mesma forma que, em filosofia, a aprendizagem não tem sua origem na atividade orientada pela objetividade metodológica, também não pode ser vista como uma atividade cujo fim remete a uma simples aquisição de saberes. Pois, se tem sentido falar de aprendizagem em filosofia, esta deve ser reportada à constituição de problemas na qual estão envolvidos agenciamentos de desejos. Pois aquele que se envolve com a filosofia é como um nômade, cuja criação conceitual se parece com a atividade daquele cuja experiência se dá num território onde os relevos constantemente se modificam. Recebido em maio de 2004 e aprovado em junho de 2004 Referências bibliográficas BOAVIDA, J. Filosofia – do ser e do ensinar: proposta para uma nova abordagem. Coimbra: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1991. CHABOT, P. Au seuil du virtuel. In: VERSTRAETEN, P.; STENGERS, I. (Coord.). Gilles Deleuze. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1998. p. 31-44. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. 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Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo. 33 12 LEITURA COMPLEMENTAR Autores: Sílvio Gallo Disponível em: http://www.grupodec.net.br/wp- content/uploads/2015/10/GalloEuOutroOutros.pdf Acesso: 6 de junho de 2016 13 EU, O OUTRO E TANTOS OUTROS: EDUCAÇÃO, ALTERIDADE E FILOSOFIA DA DIFERENÇA Sílvio Gallo1 Eu sou trezentos... Mário de Andrade (7-VI-1929) Eu sou trezentos, sou trezentos-e- cinqüenta, As sensações renascem de si mesmas sem repouso, Ôh espelhos, ôh!Pireneus! ôh caiçaras! Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro! Abraço no meu leito as melhores palavras, E os suspiros que dou são violinos alheios; Eu piso a terra como quem descobre a furto Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos! Eu sou trezentos, sou trezentos-e- cinqüenta, Mas um dia afinal eu toparei comigo... Tenhamos paciência, andorinhas curtas, Só o esquecimento é que condensa, E então minha alma servirá de abrigo. 1 Professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Pesquisador do CNPq. Coordenador do DiS – Grupo de Estudos e Pesquisas Diferenças e Subjetividades em Educação – FE-Unicamp. 34 A educação é, necessariamente, um empreendimento coletivo. Para educar – e para ser educado – é necessário que haja ao menos duas singularidades em contato. Educação é encontro de singularidades. Se quisermos falar espinosanamente, há os bons encontros, que aumentam minha potência de pensar e agir – o que o filósofo chama de alegria – e há os maus encontros, que diminuem minha potência de pensar e agir – o que ele chama de tristeza. A educação pode promover encontros alegres e encontros tristes, mas sempre encontros. Por esta razão, o tema do outro é um dos grandes problemas a serem pensados pela educação. A questão é saber se, quando falamos em alteridade na educação, estamos, de fato, falando no outro e na possibilidade de encontros, ou se estamos falando do mesmo, e sempre da redução ao mesmo, portanto sem qualquer possibilidade de encontro. Minha pretensão é a de explorar aqui, ao menos de maneira inicial, duas perspectivas filosóficas distintas em relação à alteridade, à percepção do outro: • O outro tomado como representação, que redunda que o outro nada mais é do que o mesmo; • O outro tomado enquanto tal, por si mesmo – o que significa pensar o outro como diferença. E, a partir dessas perspectivas distintas, propor questões sobre como tematizamos o outro no campo da educação. A filosofia moderna foi marcada pela célebre verdade indubitável de René Descartes: eu penso, eu sou, que deriva para eu sou uma coisa que pensa.2 Quem – ou o que – é o outro, no sistema cartesiano? Ora, o outro é um produto de meu pensamento, assim como todas as outras coisas das quais posso ter certeza racional. Isto significa dizer que penso, tematizo, concebo o outro sempre na interioridade de meu ser, na interioridade de meu pensamento. O outro é um conceito, um efeito do pensamento. O outro de que falo é uma representação; isto é, não 2 Conferir, do autor, as Meditações concernentes à Primeira Filosofia e o Discurso do Método. 2 Em tradução livre, sem qualquer pretensão literária: “GARCIN: – O bronze... (Ele o acaricia.) E assim, eis o momento. O bronze está aqui, eu o contemplo e compreendo que estou no inferno. Eu vos digo que tudo foi previsto. Eles previram que eu me deteria diante desta lareira, pressionando minha mão sobre este bronze, com todos estes olhares sobre mim. Todos estes olhares que me devoram... (Ele se vira bruscamente.) Ah! Vocês são apenas dois? Eu os imaginava 35 tematizo o outro enquanto outro, alteridade absoluta, mas o tematizo como um efeito de meu próprio pensamento. Em outras palavras, no âmbito de uma filosofia da representação, como é a filosofia cartesiana e toda a filosofia hegemônica, desde suas origens até nossos dias, o outro não passa de algo que eu mesmo crio, no pensamento. O outro sou eu mesmo. No século XX, a tematização do outro ganhou destaque na filosofia, em especial na perspectiva da fenomenologia existencial. Deter-me-ei em apenas um autor: justamente aquele que afirmou que “o inferno são os outros”, Jean-Paul Sartre.2 Para Sartre, eu sempre sou para o outro. Se, para o cartesianismo, que inaugurou na modernidade uma “filosofia da consciência”, a chave estava na interioridade, para a fenomenologia a chave está na exterioridade. Explico: Descartes estabeleceu sua “cadeia de verdades” como exercício de pensamento dedutivo. Exercendo o mecanismo da dúvida sobre tudo o que há e que se conhece, descobriu na interioridade da consciência a certeza da existência, pelo exercício do pensamento. E tudo o mais foi deduzido desta “verdade originária”. Na fenomenologia, por outro lado, a consciência se percebe no ato de perceber o outro – um objeto, uma coisa, outra consciência. O primeiro movimento é para fora: a percepção do mundo; nesta percepção, a consciência se percebe percebendo e, só então, volta-se para a interioridade, em busca de seu ser. Mas, para a fenomenologia – e para Sartre, em especial – não há interioridade da consciência: ela consiste justamente neste ato de sair de si para perceber o outro. A consciência – que Sartre, hegelianamente, chamada de Para-Si, enquanto o corpo, os objetos físicos são o Em-Si –, portanto, é essencialmente a relação com o outro. As coisas se invertem. Se, no cartesianismo, o outro era uma função do eu, da consciência – um conceito, como afirmei antes – na fenomenologia de Sartre o eu é uma função do outro. A consciência descobre-se a si mesma olhando o outro; descobre-se presa do outro, descobre-se objetivada pelo outro. Que resta, então, de mim e de minha liberdade, se o outro me captura, se é o outro quem, mais do que eu, sabe quem sou? É neste sentido que Sartre afirma que o outro sempre leva vantagem sobre o eu: ...o outro me olha e, como tal, detém o segredo de meu ser e sabe o que sou; assim, o sentido profundo de meu ser acha-se fora de mim, aprisionado em uma 36 ausência; o outro leva vantagem sobre mim /.../ Sou experiência do outro: eis o fato originário. (SARTRE, 1999, p. 453). Assim, na filosofia sartriana o outro tem um destaque imensamente maior que na filosofia cartesiana, uma vez que é apenas através do outro que uma consciência – um eu – pode vir a ser. Mas isto está longe de significar uma positivação do outro; como já vimos, o outro é o inferno. E o é justamente porque a relação com o outro é sempre conflituosa. Acompanhemos o raciocínio do filósofo a este respeito: muito mais numerosos. (Ele ri.) Bem, isto é o inferno. Eu jamais teria acreditado... Vocês se lembram: o enxofre, a fogueira, a grelha... Ah, que piada. Não há necessidade de grelha: o inferno são os Outros.” (Sartre, 1991, p. 93). Tudo o que vale para mim vale para o outro. Enquanto tento livrar-me do domínio do outro, o outro tenta livrar-se do meu; enquanto procuro subjugar o outro, o outro procura me subjugar. Não se trata aqui, de modo algum, de relações unilaterais com um objeto-Em-si, mas sim de relações recíprocas e moventes. As descrições que se seguem devem ser encaradas, portanto, pela perspectiva do conflito. O conflito é o sentido originário do ser-Para- outro. (SARTRE, 1999, p. 454). A relação com o outro é conflituosa porque implica em posse. Se a perspectiva inicial da relação é a captura pelo olhar do outro, a consciência sente-se capturada, presa, possuída por este olhar: Sou possuído pelo outro; o olhar do outro modela meu corpo em sua nudez, causa seu nascer, o esculpe, o produz como é, o vê como jamais o verei. O outro detém um segredo: o segredo do que sou. Faz-me ser e, por isso mesmo, possuime, e esta possessão nada mais é que a consciência de meu possuir. E eu, no reconhecimento de minha objetividade, tenho a experiência de que ele detém esta consciência. A título de consciência, o outro é para mim aquele que roubou meu ser e, ao mesmo tempo, aquele que faz com que “haja” um ser, que é o meu. (SARTRE, 1999, p. 454-455). Eis a essência da contraditória relação com o outro: ao mesmo tempo em que ele é aquele que me faz ser, ao capturar-me com o olhar, ele é aquele que rouba meu ser, ao transformar minhasubjetividade em objetividade. Sartre identifica dois níveis de atitudes possíveis para com o outro: primeiramente, o amor, a linguagem, o masoquismo. Em segunda instância, a indiferença, o desejo, o ódio, o sadismo. Não é objetivo deste artigo elucidar cada uma destas atitudes em relação ao outro; cumpre- me apenas afirmar que, para Sartre, todas elas são fracassadas, pois não dão conta 37 de resolver o conflito da relação do eu com o outro. Ao contrário, o que faz cada uma destas atitudes é reforçar a contradição e o conflito desta relação. A questão básica do conflito é que a “aceitação” do outro significa o apagamento de minha subjetividade. Na medida em que a consciência não encontra em sua interioridade – a subjetividade absoluta, em registro cartesiano – o fundamento de seu ser, sua identidade, ela vai encontrá-la projetada no reconhecimento pelo outro. É na captura que o outro faz da consciência que esta se descobre idêntica a si mesma; mas, a descoberta da identidade está, então, na objetificação. Um “eu” ó pode ser idêntico a si mesmo quando reconhecido, capturado por um “outro”. Só que, em tal captura, a subjetividade do eu torna-se objetividade para o outro. Se quisermos recolocar a questão em outros termos, trata-se de um conflito de liberdades. A consciência sabe-se livre, ser de abertura e de escolhas; no entanto, quando capturada pelo outro, torna-se presa da liberdade do outro. Instaura-se um conflito de liberdades, a do “eu” e a do “outro”, que são inconciliáveis. Este conflito gera a atitude de ódio para com o outro. E Sartre afirma que, quando odeio o outro, condenso neste ódio minha aversão a todos os outros que não eu: o desejo de suprimir o outro é o desejo de eliminar todos os outros, de forma que eu possa ser suprema e plenamente livre, sem nada nem ninguém que possa limitar meus desejos e minhas ações: ...o ódio é ira de todos os outros em um só outro. O que almejo alcançar simbolicamente ao perseguir a morte de um outro em particular é o princípio geral da existência do outro. O outro que odeio representa, na verdade, os outros. E meu projeto de suprimi-lo é projeto de suprimir o outro em geral, ou seja, de reconquistar minha liberdade não-substancial de Para- si. (SARTRE, 1999, p. 510). Para finalizar esta passagem pela fenomenologia sartriana, apenas um destaque para as atitudes de indiferença com o outro e de tolerância do outro. Sartre escreveu que “há homens que morrem sem sequer suspeitar – salvo em breves e aterradoras iluminações – do que é o Outro (Sartre, 1999, p. 475). Isto se deve ao fato de que uma das atitudes frente ao outro, tentando apagar os efeitos desta contraditória relação, é a de indiferença, que significa estar cego ao outro. Sigamos sua descrição: É esta atitude que denominaremos indiferença para com o outro. Trata-se, pois, de uma cegueira com relação aos outros /.../ Quase não lhes dou 38 atenção; ajo como se estivesse sozinho no mundo; toco de leve “pessoas” como toco de leve paredes; evito-as como evito obstáculos; sua liberdade- objeto não passa para mim de seu “coeficiente de adversidade”; sequer imagino que possam me olhar. Sem dúvida, têm algum conhecimento de mim, mas este conhecimento não me atinge: são puras modificações de seu ser que não passam deles para mim e estão contaminadas pelo que denominamos “subjetividade padecida” ou “subjetividade-objeto”, ou seja, traduzem o que eles são, não o que eu sou, e consistem no efeito de minha ação sobre eles. Essas “pessoas” são funções: o bilheteiro nada mais é que a função de coletar ingressos; o garçom nada mais é que a função de servir os fregueses /.../ Em tal estado de cegueira, ignoro concorrentemente a subjetividade absoluta do outro enquanto fundamento de meu ser-Em-si e de meu ser-Para-outro, em particular de meu “corpo Para-outro”. (SARTRE, 1999, p. 474). É possível, então, passar pelo mundo ignorando o outro, sendo indiferente a ele; mas isto é uma espécie de auto-engano, ou aquilo que o próprio Sartre denomina má-fé, pois, no fundo, sabemos que o outro está ali, que o outro nos olha, nos captura, nos objetifica. Tampouco esta atitude resolve o problema do conflito com o outro: ela o escamoteia, o esconde, mas como o outro permanece ali, o conflito também permanece, sem condições de ser resolvido. Por outro lado, um dos ícones de nossos dias, quando se fala, por exemplo, em multiculturalismo, é a atitude de tolerância. Para o convívio democrático, dizem seus defensores, é preciso compreender o outro, tolerar o outro em sua diferença. Para Sartre, isto não passa de uma outra tentativa – também esta frustrada – de resolver o problema que o eu tem com o outro. Uma atitude de tolerância não significa o respeito à liberdade do outro, mas justamente seu afrontamento, na medida em que escolho, por mim e por ele, viver em um mundo “tolerante”. Não se deve supor, porém, que uma moral da “permissividade” e da tolerância iria respeitar mais a liberdade do outro: uma vez que existo, estabeleço um limite de fato à liberdade do Outro, sou este limite, e cada um de meus projetos delineia este limite à volta do Outro: a caridade, a permissividade, a tolerância – ou toda atitude abstencionista – são projetos meus que me comprometem e comprometem o outro na sua aquiescência. Realizar a tolerância à volta do Outro é fazer com que este seja arremessado à força em um mundo tolerante. É privá-lo por princípio dessas livres possibilidades de resistência corajosa, de perseverança, de afirmação de si, que ele teria oportunidade de desenvolver em um mundo de intolerância. (SARTRE, 1999, p. 507-508). Concluindo, podemos afirmar que, embora o filósofo contemporâneo coloque o tema do outro num patamar muito distinto daquele posto por Descartes, no final das contas o outro permanece como representação e tende a ser apagado, eliminado ou, 39 ao menos, tratado com indiferença. É como um movimento pendular: da do outro como produto da subjetividade para a subjetividade como produto do outro. Mas, em ambos os casos, o outro é nada mais que um conceito, fruto da representação. Na filosofia moderna, o outro é uma ficção. Positiva ou negativa, dependendo do caso, mas sempre ficção. Como afirmei no início, a educação é sempre um empreendimento coletivo e, portanto, implica no outro. Não há educação sem o outro. Em sua Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire afirmou que “ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”; concordemos ou não com esta tese, é impossível escapar do fato de que o outro está sempre presente nos atos de educação. Seja um educando o outro, seja os homens educando-se entre si, seja, ainda, a experiência do autodidatismo, em que alguém educa-se por si mesmo, mas através da produção cultural feita por outros, o caráter coletivo dos processos educativos é recorrente. A educação, portanto, lida sempre com o outro. A questão é saber como se dá a relação com o outro nestes processos. O grande mito da modernidade educativa, inaugurado por Comenius, é o de que é possível ensinar tudo a todos, ou, dizendo de outro modo, ensinar qualquer coisa a qualquer um. Para o educador morávio, assim como para Descartes, é tudo uma questão de método. Se é possível um método para orientar-se no pensamento, é possível um método para orientar o pensamento do outro, um método para ensinar. E o método de ensinar tem relação direta com aquilo que cada um aprende. Só há aprendizado quando algo ou alguém ensina alguma coisa. O problema é que, como já foi apontado, no âmbito da filosofia moderna hegemônica o outro é uma representação. Quando falo do outro, não falo senão do eu, de como eu o represento. E resta que o outro nada mais é do que uma ficção, um produto de meu pensamento. Assim, o educador que planeja sua ação
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