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TÉCNICAS EM PESQUISA E CONSTRUÇÃO DE TEXTOS CIENTÍFICOS Núcleo Comum Núcleo de Pós-Graduação 2 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Sumário MÓDULO 1 - Introdução à Metodologia Científica 1.1 Conhecimento: o desejo do universo 1.2 Os tipos de Conhecimento 1.2.1 Conhecimento Popular/Empírico 1.2.2 Conhecimento Religioso/Teológico 1.2.3 Conhecimento Filosófico 1.2.4 Conhecimento Científico 1.2.5 Conhecimento Estético/Artístico 1.2.6 Conhecimento Técnico. 1.3 O Conhecimento Científico e sua correlação com o conhecimento popular 1.4 Considerações finais MÓDULO 2 - Metodologias de pesquisa científica 2.1 Conceito de Método 2.2 Principais Métodos 2.2.1 Método Indutivo 2.2.2 Método Dedutivo 2.2.3 Método Hipotético-Dedutivo 2.2.4 Método Dialético 2.2.5 Métodos específicos das Ciências Sociais Módulo 3 - A organização dos Estudos na Universidade 3.1 A Universidade e seus instrumentos de trabalho 3.2 A documentação como método de estudo pessoal 3.2.1 A documentação temática: o encontro com o pano de fundo 3.2.2 A documentação bibliográfica: o encontro com o arquivo 3.2.3 A documentação geral: o encontro com a história 3.3 Diretrizes para leitura, estudo, análise e interpretação de textos 3.3.1 Análise textual 3.3.2 Análise temática 3.3.3 Análise interpretativa 3.3.4 Problematização 3.3.5 Síntese Pessoal 3.4 Considerações finais 3 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o MÓDULO 4 - A Pesquisa Científica 4.1 Indicações relevantes sobre a produção do texto 4.1.1Elaboração de monografia: recomendações 4.1.2 Elaboração de artigos científicos: recomendações 4.1.3 Tipos e exemplos de citação 4.1.4 Recomendações essenciais para evitar o plágio 4.2.3 Quadro-síntese: formas de citação dos autores no texto de pesquisa 4.2.4 Notas de rodapé MÓDULO 5 – Redação e apresentação do trabalho científico 6.1 Monografia 6.1.2 Elementos pré-textuais a. Capa b. Lombada c. Folha de rosto d. Ficha catalográfica e. Errata f. Dedicatória g. Agradecimentos h. Epígrafe i. Resumo em língua estrangeira k. Lista de ilustrações l. Lista de tabelas m. Sumário 6.1.3 Elementos textuais a. Introdução b. Revisão da Literatura c. Metodologia d. Resultados e. Conclusão 6.1.4 Elementos pós-textuais a. Referências b. Glossário c. Apêndices d. Anexos 6.2 Artigo Científico 6.2.1 A linguagem do artigo científico 4 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o 6.2.2 Estrutura: a. Introdução b. Resumo c. Resumo em língua estrangeira d. Palavras-chave e. Desenvolvimento f. Conclusão g. Referências Bibliográficas MÓDULO 6 - Estrutura do artigo científico 6.1 Linguagem do artigo 6.1.1 Introdução 6.1.2 Resumo 6.1.2 Resumo em língua estrangeira 6.1.3 Palavras-chave 6.2 ARTIGO: corpo 6.2.1 Introdução 6.2.3 Desenvolvimento 6.2.4 Considerações Finais 5 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o MÓDULO 1 – Introdução à Metodologia Científica Patrícia Helena Ferreira Disciplina: Técnicas em Pesquisa e Construção de Textos Científicos. Módulo 1 – Introdução à Metodologia Científica - Faculdade Campos Elíseos (FCE) – São Paulo – 2016. Guia de Estudos – Módulo 1 – Introdução à Metodologia Científica. 1. Conhecimento 2. Ciência 3. Metodologia Orgs.: Adriana Alves Farias e Cláudia Regina Esteves Faculdade Campos Elíseos 6 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Conversa Inicial Caro(a) aluno(a), Bem-vindo à disciplina Técnicas em Pesquisa e Construção de Textos Científicos. No primeiro módulo, Introdução à Metodologia Científica, discutiremos sobre o significado de conhecimento e suas diversas vertentes. Para tanto, no primeiro momento estudaremos as compreensões sobre o termo conhecimento e a necessidade de sistematização de uma disciplina que estuda as relações do homem com o conhecimento: a epistemologia. Na segunda parte do módulo destacaremos os principais tipos de conhecimento, a saber: conhecimento popular/empírico, conhecimento religioso/teológico, conhecimento filosófico; conhecimento científico, conhecimento estético/artístico e conhecimento técnico. Por fim, faremos uma breve correlação entre conhecimento empírico e conhecimento científico e terminaremos com algumas considerações sobre o “uso” da ciência. Agora com a descrição de toda a trajetória, podemos iniciar a nossa jornada de estudos. Ótimo aprendizado! 7 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o 1.1 Conhecimento: o desejo do universo Vivemos em um mundo onde “conhecimento” parece ser uma das palavras mais utilizadas e valorizadas atualmente. No excerto acima, o físico Stephen Hawkingi assevera que, desde o início do que se pode chamar de espécie humana, os homens têm o desejo de conhecer a ordem do mundo e também sobre si mesmos. Podemos então ir mais além e fazermo-nos mais algumas perguntas: - O que significa conhecer? - A capacidade de conhecer é inerente à espécie humana? - O que nos diferencia dos diversos seres vivos que habitam nosso planeta? - Como conhecemos? - De que forma o conhecimento faz parte de nossas vidas? Desde a aurora da civilização as pessoas não se dão por satisfeitas com a noção de que os eventos são desconectados e inexplicáveis. Sempre ansiamos por compreender a ordem subjacente do mundo. Hoje, ainda almejamos saber por que estamos aqui e de onde viemos. O desejo profundo da humanidade pelo conhecimento é justificativo suficiente para nossa busca contínua. Stephen Hawking 8 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Para aprofundarmos um pouco mais essa discussão, necessitamos buscar mais elementos que possam contribuir sobre o entendimento que temos atualmente sobre a própria ideia de conhecimento. A palavra “conhecimento” tem sua origem no latim. Ela provém do vocábulo COGNOSCERE, traduzido como “conhecer” ou “saber”. Este termo latino é composto por: COM - “junto” + GNOSCERE - “obter conhecimento” Conhecer implica uma relação entre aquele que será o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido. Segundo Aranha e Martins (2002, p. 21), “a apropriação intelectual do objeto supõe que haja regularidade nos acontecimentos do mundo; caso contrário, a consciência cognoscível nunca poderia superar o caos”. Todos os dias “conhecemos”, isto é, entramos em contato/relação com os acontecimentos e coisas. Dessa forma, nos apropriamos desse conhecimento em prol de novos conhecimentos, mesmo quando não temos consciência de tal fato. Por exemplo, ao conhecermos uma nova “palavra” mobilizaremos nossas funções cognitivas para que essa seja aplicada em diversas situações da nossa vida cotidiana, desde as mais pessoais até as que estão relacionadas à atuação na sociedade, como profissionalmente ou em um contexto acadêmico. Podemos concluir então que conhecer é construir significados sobre algo que nos é apresentado. De forma geral, entende-se que o conhecimento pode tanto designar o ato de conhecer, como abordado acima (relaçãoentre sujeito cognoscente e objeto), quanto referir-se ao produto, a sistematização, o conhecimento acumulado pelo homem historicamente. O conhecimento, nesta última acepção, deixa de ser uma questão do ponto de vista individual para ser tratado como um patrimônio da humanidade. Em nossa disciplina abordaremos mais a concepção de conhecimento a partir da segunda compreensão, ou seja, conhecimento como construção histórica. 9 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Embora tratemos do conhecimento como tal conjunto de saberes acumulados, não podemos deixar de considerar que a apreensão que fazemos mundo não é sempre tematizada, sendo inicialmente pré-reflexiva, mais no nível da intuição e da experiência (ARANHA; MARTINS, 2002). Pelo esforço constante do questionamento podemos sair desse grau de apreensão do mundo para nos aproximarmos de um pensamento cada vez mais complexo, que questiona as suas próprias bases. Desta forma, conforme as autoras supracitadas, podemos sintetizar que nossa relação de apreensão com o real (conhecimento) pode se dar de duas formas: • Pela intuição – forma de conhecimento imediato, feito sem intermediários. A intuição é uma visão súbita, o ponto de partida do conhecimento e está ligada à questão da inventividade. Pode ser classificada em: • Intuição sensível – ligada ao conhecimento imediato dos órgãos do sentido. Por exemplo, as sensações de frio e de calor. • Intuição inventiva – é da ordem do súbito. Está ligada aos sábios, cientistas e artistas, além de também transitar na vida cotidiana. • Intuição intelectual – representa o esforço para captar a essência do objeto. Como exemplo temos o cogito, de Descartes. • Pelo Conhecimento Discursivo – O conhecimento discursivo se dá por meio de conceitos, operando por etapas. Nesse modo de apreensão do real a razão (faculdade de julgar) necessita fazer abstrações (a abstração é o processo de pensamento em que as ideias são distanciadas dos objetos, usando a estratégia de simplificação). Podemos exemplificar: quando abstraímos a ideia de “casa”, conseguimos isolar e simplificá-la a tal ponto que a representação intelectual da casa independe dos diversos tipos de habitação. Aranha e Martins (2002), por fim, discorrem que que tanto a intuição quanto o conhecimento discursivo são importantes, pois, o conhecimento necessita transitar entre essas duas formas de apreensão do real, entre o vivido e o teorizado, entre o concreto e o abstrato. 10 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Epistemologia: a teoria do conhecimento Chamamos de epistemologia ou gnosiologia o ramo da filosofia que se ocupa do conhecimento humano, especialmente nas relações que se estabelecem entre o sujeito e o objeto do conhecimento, pelo que também é designada de “teoria do conhecimento”. Em sentido mais restrito, a epistemologia refere-se às condições sob as quais se pode produzir o conhecimento científico e dos modos para alcançá-lo, avaliando a consistência lógica de teorias. Nesse caso, identifica-se com a filosofia da ciência. A epistemologia surge como disciplina autônoma na Idade Moderna, quando os filósofos começam a se preocupar sistematicamente com as questões de origem, essência e certeza do conhecimento humano e até hoje continua a estudar os fundamentos e as implicações ético-políticas do mesmo. Sintese A palavra conhecimento provém do vocábulo COGNOSCERE, traduzido como “conhecer” ou “saber”. O termo conhecimento possui várias acepções, podendo ser destacadas: - ato de conhecer - relação entre o sujeito cognoscente e objeto); - o conjunto de saberes acumulados pelo homem historicamente. A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento. Também é conhecida como teoria do conhecimento e relaciona- se com a metafísica, a lógica e a filosofia da ciência 11 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o 1.2 Os tipos de conhecimento Embora a disciplina de metodologia científica esteja preocupada com o conhecimento científico, não podemos deixar de considerar que este não é o único existente. Ao longo de toda sua existência o homem vem acumulando conhecimentos desde o seu nascimento, conhecimentos vitais e necessários para a sua sobrevivência. Podemos distinguir, a partir dos principais livros e compêndios sobre metodologia científica, quatro tipos principais de conhecimento: o conhecimento popular ou senso comum, o conhecimento teológico/religioso, o conhecimento filosófico e o conhecimento científico. Acrescentaríamos a esta lista o conhecimento técnico e o conhecimento estético/artístico. Cada um deles presenta características próprias e específicas, mas não podemos referenciar uma ordem de importância entre eles. Não existe um conhecimento que seja melhor do que outro; cada um deles, dentro de seu escopo, possui o mesmo objetivo: responder às nossas dúvidas atuais e criar novas dúvidas. Apesar do conhecimento científico ser o mais sistematizado, podemos afirmar que a ciência não é o único caminho que leva à verdade. A seguir, analisaremos cada um deles. 1.2.1 Conhecimento Popular/Empírico Leia o texto a seguir com atenção. O excerto abaixo demonstra que a dona de casa que necessita fazer compras para a família realizou várias operações mentais para saber adequar a quantia de dinheiro que possuía com o preço das mercadorias, os gostos de cada membro e até os benefícios de cada alimento. 12 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Nesse trecho temos um exemplo concreto de conhecimentos que são ativados/mobilizados no dia-a-dia por todos nós, sem que muitas vezes o percebamos. Embora saibamos que a Sra. “X”, como escolhemos denominá-la, recorreu a saberes advindos dos mais variados campos, que tipo de conhecimento ela mais mobilizou em suas escolhas? O conhecimento popular, empírico ou do senso comum, é aquele que se se adquire no trato direto com as coisas e os seres humanos. As informações são assimiladas pela tradição e por meio de experiências causais e Ela é uma dona de casa. Pega o dinheiro e vai à feira. Não se formou em coisa alguma. Uma pessoa comum, como milhares de outras. Vamos pensar como ela funciona, lá na feira, de barraca em barraca. Seu senso comum trabalha com problemas econômicos: como adequar os recursos que dispõe, em dinheiro, às necessidades de sua família, em comida. E para isso ela tem de processar uma série de informações. Os alimentos oferecidos são classificados em indispensáveis, desejáveis e supérfluos. Os preços são comparados. A estação dos produtos é verificada: produtos fora de estação são mais caros. Seu senso econômico, por sua vez, está acoplado às outras ciências. Ciências humanas, por exemplo. Ela sabe que os alimentos não são apenas alimentos. Sem nunca ter lido Veblen ou Lévi-Strauss, ela sabe do valor simbólico dos alimentos. Uma refeição é uma dádiva da dona de casa, um presente. Com a refeição ela diz algo. Oferecer chouriço para um marido de religião adventista, ou feijoada para uma sogra que tem úlceras, é romper claramente com uma política de coexistência pacífica. A escolha dos alimentos, aqui, não está regulada apenas por fatores econômicos, mas por fatores simbólicos, sociais e políticos. Além disso, a economia e a política devem dar lugar ao estético: o gostoso, o cheiroso, o bonito. E para o dietético. Assim, ela ajunta o bom para comprar, o bom para dar, com o bom para ver, cheirar e comer, com o bom para viver. ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas regras.19. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015. 13 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o assistemáticas. Tem como objetivo primeiro a resolução dos problemas cotidianos. Nossas crenças, tradições e saberes populares são exemplos nítidos dessa forma de conhecer. Segundo Trujillo (1974, Apud MARCONI; LAKATOS, 2004), o conhecimento popular possui as seguintes características: • É valorativo – fundamenta-se numa seleção com base em estados de ânimo e sensações. Os valores do sujeito contribuem para a construção do objeto de conhecimento; • É reflexivo – faz análise de um determinado objeto, mas a mesma está limitada à familiaridade com o elemento, não podendo ser reduzido a uma formulação geral; • É assistemático – casual, baseia-se na organização particular própria do sujeito e não na sistematização de ideias. • É verificável – confirmado dentro da sua especificidade, que é a vida cotidiana. • É falível e inexato – pelas suas características de assistematicidade e informalidade. Tal tipo de conhecimento não permite a formulação de hipóteses. 1.2.2 Conhecimento Religioso/Teológico O conhecimento religioso é aquele adquirido a partir da aceitação de axiomas1 da fé teológica, é fruto da revelação da divindade, por meio de indivíduos inspirados que apresentam respostas aos mistérios que permeiam a mente humana. O conhecimento teológico ou religioso preocupa-se com verdades absolutas, verdades correlacionadas à fé. O sagrado é explicado por si só. Há, nesse tipo de conhecimento, uma tentativa mítica ou mágica de explicação do mundo. 1 14 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Embora considerado como religioso, não está ligado diretamente a uma fé específica, mas sim a uma relação com o sagrado e com explicações ritualísticas e mágicas do mundo. Vejamos o exemplo abaixo: Morená: a praia sagrada O largo e comprido rio Xingu não tem nascente própria. O encontro de três rios, dois largos, Kuluene e Ronuru, e um estreito, Batovi, é que forma o grande rio. Nessa confluência, esses três rios formam também uma praia extensa e muito bonita que os índios chamam de Morená. Essa praia é muito importante na vida de muitas aldeias da região. Foi ali que o criador Mavutsinin criou os índios. No cerimonial do Kuarup, os índios fazem uma verdadeira representação do ato de criação. - Pai, como é que a gente apareceu no mundo? – perguntou Acanai. - Mavutsinin criou todos nós – respondeu o pai, Cuiparé. - Quem é esse? Não é aquele que na festa do Kuarup canta a noite inteira e de madrugada chora? – indagou o menino. - Os nossos Aramoên contavam que Mavutsinin cortou alguns toros de madeira e transformou, lá no Morená, todos em gente. (...) - Quando o dia estava clareando Mavutsinin começou a cantar e chorar. Daí o sol apareceu e, com o seu calor, os toros tomaram vida. Foi assim que Mavutsinin criou todo o pessoal – explicou Cuiaparé. In: VILLAS BOAS, Cláudio e Orlando. Histórias do Xingu. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2013. 15 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Tal como em outras narrativas religiosas, a narrativa indígena acerca da criação do mundo, segundo o ritual do Kuarup, tem como objetivo oferecer uma verdade acerca da ordem terrena, a partir de lógicas que não podem ser explicadas sistematicamente, somente podem ser aceitas e interiorizadas. O fiel não está à procura da evidência lógica dos fatos, mas sim da causa primeira, ou seja, a revelação divina. Sintetizando, podemos dizer que o conhecimento teológico possui as seguintes características (TRUJILLO, 1974, Apud MARCONI; LAKATOS, 2004): • É valorativo – suas doutrinas são inspiradas em proposições sagradas; • É inspiracional – sua verdade provém da revelação da palavra; • É Infalível e exato – indiscutível e preciso. Não há do quê duvidar; • É sistemático – apresenta uma explicação causal e organizada do mundo; • Não é verificável – Sendo obra do criador divino, suas evidências não podem ser verificáveis. Tais evidências provêm de uma relação com o sobrenatural; 1.2.3 Conhecimento Filosófico A Filosofia e Ciência podiam ser consideradas como um só corpo de conhecimento até o final do século XIX, quando houve uma cisão mais definitiva entre as duas devido ao Positivismo2. Ambas têm como objetivo a busca da verdade. Ambas buscam uma sistematização do conhecimento. Mas o que diferencia a Filosofia da Ciência e dos demais tipos de conhecimento? Vejamos como Bertrand Russel, conhecido filósofo do século XX, discorre a respeito de algumas das proposições da Filosofia 16 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o O conhecimento filosófico, segundo Marconi e Lakatos (2004), caracteriza-se pelo esforço da razão em questionar os problemas humanos, recorrendo à razão. O objeto de análise da filosofia são as ideias, as relações conceituais, a existência enfim. Dessa forma, não há como reduzir tais questionamentos à verificação e à comprovação por meio da experiência. Para Aranha e Martins (2002), enquanto que a ciência tende a especificidade, a filosofia considera seu objeto de estudo do ponto de vista da totalidade. Sua visão é de conjunto, tentando superar a fragmentação do real. Ainda, a filosofia não elabora juízos de realidade, como a ciência, mas juízos de valor, procurando dar sentido à experiência. Por fim, continuam as autoras, por meio da reflexão filosófica que o homem sai da dimensão puramente prática e toma o distanciamento necessário para a avaliação dos fundamentos dos atos humanos. Sintetizando, de acordo com Trujillo (1974, Apud MARCONI; LAKATOS, 2004), o conhecimento filosófico pode ser considerado como: • Valorativo – suas hipóteses não podem ser submetidas à observação. • Não verificável – os resultados dessas hipóteses não podem ser confirmados, nem refutados; Em si, a filosofia não pretende resolver as nossas dificuldades nem salvar as nossas almas. Como dizem os gregos, é uma espécie de aventura turística que se empreende por gosto. Portanto, em princípio, não há nenhuma questão de dogma, nem de ritos, nem de entidades sagradas de qualquer tipo, ainda que os filósofos, individualmente, possam ser obstinadamente dogmáticos. RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental: a aventura dos pré-socráticos à Wittgenstein. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. 17 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o • Racional – pois está configurado a partir de um conjunto de enunciados logicamente correlacionados; • Sistemático – pois visa a uma compreensão coerente da realidade, com objetivo de apreendê-la; • Infalível e exato – seus postulados não são submetidos à observação. Por fim, adentraremos na discussão do conhecimento científico, o qual, para fins da elaboração de trabalhos de conclusão de curso e monografias, é o que se apresenta como referência por apresentar características que objetivam a sistematização, a racionalização e a generalização do saber. Na primeira metade do século XX, Einstein descreveu a trama do espaço e do tempo coma teoria da relatividade, enquanto Bohr e seus jovens amigos capturaram em equações a estranha natureza quântica da matéria. Na segunda metade do século XX, os físicos trabalharam a partir desses fundamentos, aplicando as duas novas teorias aos mais variadosdomínios da natureza: do macrocosmo da estrutura do universo ao microcosmo das partículas elementares. ...... A ciência, antes de ser um conjunto de experimentos, medições, matemáticas e deduções rigorosas, constitui-se principalmente de visões. O pensamento científico se nutre da capacidade de “ver” as coisas de modo diferente de como elas eram vistas antes. ROVELLI, Carlo. Sete breves lições de física. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. 18 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Conhecimento Científico Há diversas tentativas de definição de Ciência. Etimologicamente, o vocábulo procede do latim SCIENTIA, “conhecimento”, de SCIRE, “conhecer, saber”, que provavelmente no seu início significava “distinguir, separar coisas” e também de uma raiz Indoeuropeia SKEI, “cortar, separar”. Nos dicionários, dentre outros significados mais gerais, o vocábulo ciência costuma ser designado por um “conjunto organizado de conhecimentos relacionados a uma determinada área do saber, obtidos por meio da observação e método experimental para formulr leis gerais e que expliquem os fenômenos ou fatos estudados” (BECHARA, 2011, p. 414). Para Marconi e Lakatos (2004), a ciência está relacionada a uma sistematização dos conhecimentos, por meio de um conjunto de proposições logicamente relacionadas sobre um fenômeno que se quer estudar. Essas proposições são passíveis de verificação. Pode-se dizer também que existem critérios comuns que compõem a ciência: a confiabilidade do seu corpo de conhecimentos, sua organização e seu método. Embora saibamos que o conceito de ciência ultrapassou a área das chamadas ciências físicas e biológica, incorporando nesse entendimento também as ciências humanas, ainda há grande divergência acerca dos pressupostos apontados acima, principalmente no que diz respeito à área das humanidades. O que não se pode discordar é que o conhecimento científico traz consigo, desde o seu nascimento, nas raízes da modernidade, um novo modo de apreender as coisas, não de maneira ocasional, mas a partir da correlação causa-efeito, buscando a organização de leis explicativas a partir desta correlação. Segundo Ander-Egg (1978, Apud MARCONI; LAKATOS, 2004), a ciência é um tipo de conhecimento racional, certo ou provável, obtido metodicamente, sistemático e verificável, que está relacionado a objetos da mesma natureza. 19 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Complementando, Trujillo (1974, Apud MARCONI; LAKATOS, 2004), sisntetiza as principais características do conhecimento científico: • É contingente – suas proposições são submetidas à verificação por meio da experimentação; • É sistemático – é uma saber logicamente ordenado, formado por um sistema de ideias; • É verificável – suas hipóteses são testadas e comprovadas; • É falível – em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final; • É aproximadamente exato – pois está sempre em reformulação. Síntese Após tomarmos contato com os principais tipos de conhecimento apontados por diversos autores, façamos um quadro comparativo das principais características dos principais tipos de conhecimento: CONHECIMENTO POPULAR/EMPÍRICO CONHECIMENTO CIENTÍFICO CONHECIMENTO FILOSÓFICO CONHECIMENTO TEOLÓGICO Valorativo Reflexivo Assistemático Verificável Falível Inexato Real (factual) Contingente Sistemático Verificável Falível Aproximadamente exato Valorativo Racional Sistemático Não verificável Infalível Exato Valorativo Inspiracional Sistemático Não verificável Infalível Exato * MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2004. 20 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o 1.2.5 Conhecimento Estético/Artístico René Magritte – Les Deux Mystères, 1966. - O que esse quadro de René Magritte representa? - Por que podemos caracterizá-lo como uma obra de arte? - Quais sensações essa obra causa nos que entram em contato com a mesma? - Que relações podemos estabelecer entre tal obra e nossas formas de conhecer o mundo? Para Martins, Picosque e Guerra (1998), a relação que o homem estabelece com a realidade é mediada por diferentes linguagens e sistemas simbólicos. O mundo tem o significado que construímos para ele. A arte é uma forma privilegiada de conhecimento porque prescinde das certezas da ciência. Segundo Aranha e Martins (2002), assim como a ciência e o mito são um tipo de organização da experiência humana, a arte é um caso de entendimento intuitivo do mundo, uma forma de expressão. O conhecimento estético/artístico não tem como objetivo recriar a natureza ou descrevê-la, mas criar símbolos que são as obras de arte, objetos sensíveis, individuais que expressam a vitalidade da relação do homem com o mundo. A arte tem por uma de suas funções o alargamento da experiência humana com a sensível. Em suas diversas manifestações, na pintura, desenho, música, dança, teatro e outras formas de expressão, o conhecimento artístico é uma das formas privilegiadas de contato do homem com o mundo, daí sua entrada na classificação dos tipos de conhecimentos aqui apresentada. 21 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o 1.2.6 Conhecimento Técnico O termo grego tecné corresponde ao nosso saber fazer, o know how. Este tipo de conhecimento requer a intervenção da razão, a qual que estabelece regras de procedimentos para a execução de diferentes atividades ou tarefas. A técnica é o conhecimento do “como” fazer algo e dos meios que podem ser utilizados para a realização de tarefas. Utiliza-se o conhecimento técnico como aplicação de formas e métodos para resolução de problemas, tendo como objetivo o domínio do mundo e da natureza. Por fim, trata-se de um saber que auxilia o homem na sua relação com o mundo, pelo modo como orienta, sistematiza e procedimentaliza os saberes. Frequentemente, o conhecimento técnico está na base da profissionalização. Agora que tomamos contato com os diferentes tipos de conhecimento e concluímos que a coexistência entre os mesmos não se dá de uma forma hierarquizada, embora o pareça, faremos uma breve análise de uma relação por muitas vezes debatida, principalmente no meio educativo: a do conhecimento popular versus conhecimento científico. 1.3 O Conhecimento Científico e sua correlação com o conhecimento popular A admiração é filha da ignorância, porque ninguém se admira senão das coisas que ignora, principalmente se são grandes; e mãe da ciência, porque admirados os homens das coisas que ignoram, inquirem e investigam as causas delas até as alcançarem, e isto é o que se chama ciência. Padre Antônio Vieira 22 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Nos últimos tempos, o conhecimento científico e a ciência começaram a ocupar um patamar na vida da sociedade que nos leva, muitas vezes, à compreensão de que só este tipo de relação com o mundo e com o saber é tido como válido. As imagens sobre a ciência e os cientistas os transformaram em objetos quase divinos e por vezes sacralizados. Alves (2015, p. 10) adverte-nos sobre esse perigo: “o cientista virou um mito. E todo o mito é perigoso, porque induz o comportamento e inibe o pensamento. Esse é um dos resultados engraçados (e trágicos) da ciência”. O propósito dessa seção é, de certa forma, dar a importância devidaao conhecimento científico, mas, ao mesmo tempo dessacralizá-lo. Desde a Antiguidade o homem, em sua relação com o mundo, constrói uma série de conhecimentos que permitem sua sobrevivência e adaptação aos diferentes meios em que vive. Desde um simples processo de plantio e colheita de hortaliças, legumes e tubérculos até um sofisticado procedimento de confecção de alimentos industrializados e sintetizados. Os dois processos convivem até hoje e não são excludentes entre si. Conforme Marconi e Lakatos (2004) o que difere o conhecimento popular do científico não é nem a veracidade, nem a natureza do objeto conhecido. A diferença reside na forma, modo ou método e os instrumentos de conhecer. Isso faz com que cheguemos à seguinte conclusão: • A ciência não é a única forma de conhecimento; • Pode-se analisar um mesmo fenômeno ou objeto sob o ponto de vista do homem “comum” ou da ciência. Tanto o senso comum quanto a ciência buscam a coerência e a objetividade, buscam a ordem. Para Alves (2015), a ciência não é uma forma de conhecimento diferente do senso comum. Fazendo uma analogia com os órgãos do corpo humano, o autor argumenta que a ciência é uma hipertrofia e especialização de um desses órgãos, de uma forma mais sistemática. Ambos (senso comum e ciência) partem de um problema e vão, a partir de sua 23 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o observação e análise, tentar resolvê-lo. O que difere é a forma, o controle e a sistematização dos modos de resolução. O conhecimento popular ou do senso comum talvez seja a primeira forma de conhecimento a ter surgido sobre a face da Terra. Tal forma de conhecimento da realidade é extremamente importante. Sem ele não poderíamos resolver os problemas mais simples do nosso dia-a-dia, pois nos defrontamos diretamente e a todo momento com fenômenos os quais exigem respostas rápidas. Não há, entretanto, nesse tipo de relação com o mundo uma preocupação com o método, com a organização e sistematização do conhecimento, nem com uma formulação teórica generalizante do que ali se apreendeu. Já a ciência se distingue por ser um tipo de conhecimento que se caracteriza como racional, analítico, sistemático, cumulativo, explicativo, preditivo e generalizante. Essa configuração o diferencia do conhecimento popular/empírico e dos demais estudados no presente módulo, mas não lhe assegura o status de “sagrado”, até porque, como já visto anteriormente, ele é falível e está em constante renovação. Um último ponto necessita aqui ser destacado. O “poder” da ciência deve ser objeto de constante vigília do pensamento, pois a mesma pode estar a serviço do homem ou contra o mesmo. Não há, embora muitos o digam, a neutralidade da ciência. Ela está sempre imersa no debate ético e político das sociedades. Todos nós, com lugar especial dado aos cientistas e aos governos, temos responsabilidade pelos rumos que são dados a partir das inúmeras descobertas que nos assolam diuturnamente. Temos que constantemente nos perguntar: o que estamos fazendo de nós e dos outros, como já diria Michel Foucault, importante pensador do século XX. 24 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o 1.4 Considerações finais Chegamos ao fim do Módulo 1, “Introdução à metodologia científica”. Neste segmento iniciamos nossa conversa com questões que perpassarão sua vida enquanto estudante de pós-graduação, das quais destacamos a definição do que é conhecimento, os diferentes tipos de conhecimento e a correlação entre conhecimento popular ou empírico e o conhecimento científico. Esperamos que esse início sirva como plataforma para os módulos posteriores, os quais afunilarão as questões abordadas aqui e desembocarão em orientações para escrita dos trabalhos acadêmicos. Não se esqueçam de aprofundarem seus estudos consultando as referências bibliográficas e a indicação de leitura suplementar. Por fim, lançaremos modos de conversa com todos alunos a partir do nosso fórum e também por meio de algumas questões sobre o tema abordado neste módulo. Até o próximo encontro!! NOTAS EXPLICATIVAS Stephen William Hawking é um físico teórico e cosmólogo britânico e um dos mais consagrados cientistas da atualidade. Atualmente, é diretor de pesquisa do Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica (DAMTP) e fundador do Centro de Cosmologia Teórica (CTC) da Universidade de Cambridge. Publicou diversos livros, dentre eles “Uma breve história do tempo”, best seller internacional que sintetiza suas pesquisas no campo da cosmologia. 1 Proposição que se admite como verdadeira e que serve de fundamento a uma teoria; postulado; princípio ou afirmação sancionada pela experiência e tida pela generalidade das pessoas como clara e evidente. 1 O positivismo é uma corrente filosófica que surgiu na França no começo do século XIX, tendo como principais defensores Augusto Comte e John Stuart Mill. O positivismo defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro e que somente podemos afirmar que uma teoria é válida se for passível de comprovação por meio de métodos científicos válidos. Fonte: http://www.suapesquisa.com/o_que_e/positivismo.htm 25 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o MÓDULO 2 - Metodologias de pesquisa científica Cláudia Ribeiro Calixto Técnicas em Pesquisa e Construção de Textos Científicos. Módulo 2 – Métodos Científicos – Faculdade Campos Elíseos (FCE) – São Paulo – 2016. Guia de Estudos – Módulo 2 – Métodos Científicos. 1. Metodologia 2. Métodos Científicos 3. Orgs.: Adriana Alves Farias e Cláudia Regina Esteves Faculdade Campos Elíseos 26 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Retomando a conversa Caro (a) aluno (a), No primeiro módulo, percorremos as bases epistemológicas do conhecimento – origem, estrutura, métodos e processos de validação do conhecimento. No trajeto, destacamos os diferentes tipos de conhecimentos (popular, teológico, filosófico, científico, estético, técnico). Retomamos nossa jornada de estudos nesse segundo módulo, tematizando uma questão de relevância no trajeto de uma pesquisa: a metodologia de investigação. Aportaremos no tema métodos científicos e nos ateremos ao modo como, sob o paradigma científico, o homem produziu, e vem produzindo, uma forma específica de acesso ao conhecimento, e que prevê procedimentos próprios de acesso à realidade e estabelecimento de conhecimentos – científicos. Disporemos os principais métodos constantes de literatura acadêmica, suas características e o contexto histórico de sua produção. Retomemos, então, nossa jornada de estudos! 27 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o A atividade de investigação no campo de qualquer saber que se intitule científico pressupõe o emprego de um caminho que permita ao pesquisador uma afirmação assertiva acerca de um fenômeno físico, biológico, matemático, químico ou social. Ao final de uma pesquisa afirma-se ou se nega uma resposta a um problema. Essa resposta, sempre provisória, comporá um corpus3 de conhecimento de determinada área de saber. Historicamente constituído, o método científico pressupõe um modo de aproximação e tratamento do objeto de pesquisa que se pretende interrogar. É o que veremos a seguir. 2.1 Conceito de Método Etimologicamente, a palavra método deriva do vocábulo méthodos do latimtardio (meta) e da palavra grega hodós (vida, caminho). Como conceitua Antônio Geraldo da Cunha (2010, p.424) a palavra refere-se à “ordem que se segue na investigação da verdade, no estudo de uma ciência ou para alcançar um fim determinado”. O método científico é, por sua vez, “um conjunto de procedimentos por intermédio dos quais (a) se propõe os problemas científicos e (b) colocam-se à prova as hipóteses científicas” (BUNGE apud LAKATOS e MARCONI, 2004, 33 Do latim cörpus (CUNHA, 2010, p.182), o termo remete à coletânea ou conjunto de documentos, de pesquisas científicas, acerca de determinado tema. Uma prática de pesquisa é um modo de pensar, sentir, desejar, amar, odiar, uma forma de interrogar, de suscitar acontecimentos, de exercitar a capacidade de resistência e de submissão ao controle (CORAZZA, 2002, p.124). 28 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o p.45). Assim, conforme asseveram Eva Maria Lakatos e Marina de Andrade Marconi (ibidem), o método constitui-se das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo, qual seja, o conhecimento considerado válido e verdadeiro. O método permite traçar um caminho a ser seguido e, por um emprego sistemático de procedimentos, possibilita a detecção de erros e orienta as decisões do pesquisador. Sob a égide desse paradigma epistemológico, o conhecimento científico, para ser validado como tal, deveria ser passado por dados procedimentos (LAKATOS e MARCONI, 2004): • a experimentação, a qual pressupõe a observação, o registro sistemático e experimentos acerca de dado problema de pesquisa; • a formulação de hipóteses, as quais procuraram estabelecer relações de causa e efeito implicados e determinantes no fenômeno estudado; • a repetição, ou seja, um experimento deve obter os mesmos resultados sob condições diferentes de ambiente e sob realização de outros cientistas; • a testagem das hipóteses, por meio da qual busca-se novos dados, elementos, variáveis e evidências que a confirmem; • a formulação de generalizações e leis, fundamentadas nas evidências constadas, generalizando suas explicações para os fenômenos da mesma natureza. A título de localização teórica, façamos um brevíssimo recuo histórico do método científico. Suas disposições originam-se em investigações acerca dos fenômenos físicos e da natureza efetivadas no alvorecer da Modernidade, no século XVII, com destaque às pesquisas e formulações de Galileu Galilei (1564-1642), cuja teoria heliocêntrica, dentre outras, veio a abalar as crenças, a alterar radicalmente percepção do homem sobre o mundo e sobre si mesmo, bem 29 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o como ensejou o desenvolvimento de procedimentos inaugurais de indagação e investigação dos fenômenos e estabelecimento de conhecimentos validados como verdadeiros. A partir desse período da história da humanidade, a ciência ganhou proeminência nas narrativas sobre o mundo e sobre o homem: surge o indivíduo moderno. A partir do século XIX, os métodos de investigação científica são reivindicados às ciências sociais, que almejam o estatuto de saber científico. Assentados em procedimentos originários das chamadas ciências “duras” (física, matemática, astronomia etc.) são migrados para o estudo em diferenciados campos de saber, como a educação e a psicologia, por exemplo. 2.2 Principais Métodos Convém destacarmos, a essa altura de nosso estudo, que a emergência de uma pesquisa provém de uma inquietação com alguma pergunta, com um problema a ser investigado e o trabalho de investigação está crivado de decisões importantes, dentre as quais: O que, por que e para que investigar? Que passos seguir? Em quais fontes pesquisar? Tais perguntas estão impregnadas de implicações ético-políticas e metodológicas, dentre as quais a escolha do método. Hora, pois, de o pesquisador, uma vez definido o objeto, a finalidade e a abordagem teórica que orientará o estudo, debruçar-se sobre o caminho que permitirá a melhor abordagem ao seu problema de pesquisa. Nesse momento, então, nos deparamos com uma questão crucial e importante, a saber: Qual o melhor método para o objeto que se pretende investigar? Todo método está inserido em dada tradição epistemológica, ou seja, ele pressupõe um conjunto de crenças e apostas acerca do conhecimento e das formas de conhecer. 30 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Seguiremos, agora, com uma disposição dos principais métodos de pesquisa científica constantes da literatura acadêmica e que historicamente foram inseridos como procedimentos de investigação dos fenômenos na empreitada do homem na busca pelo conhecimento. 2.2.1 Método Indutivo A melhor prova é a experiência. Francis Bacon No início do século XVII, período da chamada Revolução Científica, sob impacto das pesquisas e formulações acerca do mundo, então desenvolvidas, em especial as teorias de Galileu e Newton, Francis Bacon (1561-1626), cientista e filósofo britânico, estabeleceu um novo sistema de investigação, definindo o método indutivo para conduzir as experiências científicas (BUCKNGHAM, 2011). Lembremos que, até esse momento da história, a visão de mundo vigente na Europa Ocidental era teocêntrica e o conhecimento era efeito de uma revelação externa, a palavra de Deus, não passando pelo crivo das percepções ou da razão humanas. Para Bacon, a boa ciência, o bom conhecimento, deveria gerar uma produção. De orientação utilitária e pragmática, emerge uma percepção de que os frutos da prática científica deveriam produzir efeitos positivos para maioria das pessoas. Tem-se aqui o nascimento da metodologia científica moderna e da tradição da pesquisa científica voltada à intervenção na natureza. O método indutivo firmou-se como procedimento do Empirismo4, sendo que a fonte e a base do conhecimento dar-se-iam pela experiência empírica, ou 4 Trata-se de uma teoria do conhecimento segundo a qual a fonte do conhecimento provém da experiência empírica, ou seja, só é passível de conhecimento aquilo que for passível pela experiência e 31 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o seja, passariam necessariamente pela experiência sensível, em que os sentidos seriam fatores decisivos na apreensão do verdadeiro. Por essa lógica, um fato ou fenômeno só existe e é explicável se percebido pelos sentidos. Aqui, os dados apreendidos da experimentação, da observação, pelos sentidos, seriam sistematizados pela razão, a qual permitiria, então, chegar-se a uma lei geral e ao estabelecimento de relações de causa e efeito. Vejamos alguns exemplos (LAKATOS e MARCONI, 2004, p.53-54): O corvo 1 é negro. O corvo 2 é negro. O corvo 3 é negro. O corvo n é negro. Conclusão: (todo) corvo é negro. Cobre conduz energia. Zinco conduz energia. Cobalto conduz energia. Ora, Cobre, zinco e cobalto são metais. Logo (todo) metal conduz energia O homem Pedro é mortal. O homem José é mortal. O homem João é mortal. Conclusão: (todo) homem é mortal. Como podemos observar no exemplo supracitado, a indução parte de fatos, fenômenos particulares, dados singulares, os quais passam pelo tratamento do método científico, deles infere-se uma verdade geral ou universal. A parte analisada isoladamente não dá conta da explicação de um fenômeno ou categoria, o que não permitiria extrair-lhe, isoladamente, uma lei geral. É a análise de um conjunto de elementosou partes que se poderá chegar a uma generalização e extrair relações causais aos fenômenos analisados. pela sensação (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006).São alinhados a essa doutrina além de Francis Bacon, Locke e Hume. 32 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o No emprego desse método de pesquisa, uma premissa acertada conduzirá a um resultado válido: se uma premissa é verdadeira, a conclusão que se chegará será verdadeira. Na indução, o caminho de raciocínio e de definição do conhecimento vai, pois, do específico ao geral, do particular ao universal, dos indivíduos às espécies, das espécies ao gênero, dos fatos às leis. Ela se realiza em três etapas: • observação dos fenômenos, • estabelecimento da relação entre eles (hipótese) e • generalização dessa relação. Conforme destacam Lakatos e Marconi (2004), a utilização da indução como procedimento implica ao pesquisador, no momento de sua decisão metodológica, o levantamento de pelo menos duas perguntas fundamentais: Síntese O método indutivo vai da análise dos elementos e das partes para alcançar uma lei geral ou universal. Seu procedimento se apoia na experiência e os sentidos desempenham um papel essencial: um fenômeno ou objeto só são apreensíveis à medida que passam pela experiência sensorial. Trata-se da síntese como método. Qual a justificativa para as inferências indutivas? Qual a justificativa para a crença de que o futuro será como o passado? 33 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o 2.2.2 Método Dedutivo É necessário que ao menos uma vez na vida você duvide, tanto quanto possível, de todas as coisas. René Descartes O método dedutivo foi investido pelos pensadores alinhados ao Racionalismo5, dentre os quais seu mais proeminente representante: René Descartes (1596-1650). Em meio à Revolução Científica do século XVII, o filósofo francês deslocou o paradigma do entendimento humano sobre o homem e os objetos, fundando o pensamento moderno, o qual alicerça uma forma de compreender o mundo e a forma de conhecimento por meio da lógica racional. Descartes com sua obra Discurso sobre o método questiona a lógica da indução. Para o filósofo, os sentidos são falhos e podem nos induzir ao erro. Quem garante que o que vejo ou percebo são de fato reais ou são fruto de uma ilusão, de um sonho? – pergunta-se. Nessa linha de raciocínio, Descartes defende a dúvida como método. Uma vez que os sentidos podem induzir ao erro, é necessário pautar-se na razão. Para ele, a radicalidade da dúvida geraria a radicalidade da primeira certeza. Por meio da célebre frase: “Penso, logo existo” (DESCARTES, 2016, 5 Trata-se de uma escola de pensamento que apregoa a supremacia da razão sobre todas as faculdades humanas, bastando o juízo racional para a elaboração de preceitos considerados verdadeiros. A razão constitui o fundamento de todo o conhecimento possível (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006). São filiados a essa doutrina, além de Descartes, Espinoza, Leibniz e Kant. 34 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o p.24). defendeu que a razão é o único meio seguro e infalível de se chegar ao conhecimento verdadeiro. Podemos duvidar de tudo o que existe, mas ao duvidar estamos fazendo uso da razão. No próprio ato de duvidar temos o entendimento que estamos duvidando – e disso não podemos duvidar. Assim, para o filósofo, existem verdades universais que somente podem ser acessadas pelo uso eficiente da razão. Ele desenvolve uma teoria inatista do conhecimento, defendendo que os conhecimentos já existiriam dentro de cada um de nós, e pela razão, e apenas por meio dela, seria possível acessá-lo e produzir, a partir dele, outros conhecimentos. A dedução constitui o cerne do método cartesiano. Trata-se de uma forma de raciocínio por meio da qual se chega a conclusões a partir de uma suposição geral, de um princípio ou de uma proposição; parte-se de verdades estabelecidas para a análise dos fatos e fenômenos particulares, verificando sua adequação à teoria, usando-os para comprová-la. Opera, pois, uma lógica inversa ao indutivo: vai da lei geral para a particular, do todo para a parte, por meio de análise. Vejamos um exemplo (LAKATOS e MARCONI, 2004, p.63): Todo mamífero tem um coração. Ora, todos os cães são mamíferos. Logo, todos os cães têm um coração. Nos argumentos dedutivos pode-se perceber que as informações constantes da conclusão já estavam, ainda que implicitamente, nas premissas (SALMON apud LAKATOS e MARCONI, 2004, p.53-54). Para que a conclusão fosse falsa, bastaria que uma das duas premissas fosse falsa: se nem todos os cães fossem mamíferos, nem todos teriam um coração; se nem todos os mamíferos tivessem um coração, não necessariamente todos os cães teriam um coração. 35 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o O modelo cartesiano acabou por postar uma percepção dicotômica da realidade, separando corpo e alma, sujeito de objeto de conhecimento, instaurando no pensamento moderno a primazia da razão. Síntese O método dedutivo, na lógica inversa do indutivo, vai da lei geral ou universal às partes. Seu procedimento se apoia na razão refutando-se a importância das experiências sensoriais no acesso ao conhecimento. Trata-se de um método analítico. 2.2.3 Método Hipotético-Dedutivo Toda solução para um problema cria novos problemas não solucionados. Karl Popper Do século XVII ao XIX, operou-se com uma ideia de que competiria à ciência provar as verdades sobre o mundo, fosse pela vida da indução, fosse pela via da dedução. Uma boa teoria científica seria capaz de provar conclusivamente ser verdadeira. No século XX, Karl Raimund Pooper (1902- 36 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o 1994) posta uma nova questão ao fazer científico: “o que constitui uma teoria científica é que ela seja capaz de ser falsificada ou demonstrada como errônea pela experiência” (BUCKINGHAM, 2011). O filósofo austríaco defende a ideia de que toda intervenção experimental altera a realidade que havia antes, trazendo novas questões e alterando as condições ou realidade de um fenômeno. Caberia à ciência, e, portanto, ao pesquisador, “descobrir problemas novos, mais profundos e mais gerais e sujeitar suas respostas sempre a testes provisórios, sempre renovados e sempre mais rigorosos (POPPER apud LAKATOS; MARCONI, p. 73) Para Popper, o único método de fato científico seria o hipotético- dedutivo, pois permitiria, por meio de tentativas e erros, demonstrar seu grau de falibilidade e falseamento. Segundo o filósofo, o conhecimento científico opera por indução, ou seja, parte de observações particulares em direção a princípios gerais. Observemos um exemplo: Todo cisne que vejo é branco. Todos os cisnes são brancos. Diferentemente dos racionalistas, para o filósofo, esses princípios não poderiam ser comprovados, mas refutados, pela observação, por exemplo, de um cisne negro (BUCKINGHAM, 2011). Analisa, Popper, que toda pesquisa principia com um “problema para o qual se procura uma solução, por meio de tentativas (conjecturas, hipóteses, teorias) e eliminação de erros” (LAKATOS; MARCONI, 2004, p.73). O papel da metodologia de investigação, nesse sentido, seria de um instrumento de buscaaos problemas e detecção e eliminação de erros. Assim, toda teoria deve passar pelo crivo da falseabilidade de modo a cercear as conclusões de possíveis contradições ou lacunas que induzam ao erro nas conclusivas. Popper destaca a importância da escolha de problemas: “eu tenho tentado desenvolver a tese de que o método científico consiste na escolha de problemas interessantes e na crítica de nossas permanentes tentativas 37 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o experimentais e provisórias de solucioná-los” (POPPER apud LAKATOS; MARCONI, 2004, p.74). O método hipotético-dedutivo prevê as seguintes etapas: ✓ expectativas ou conhecimento prévio ✓ lacuna, contradição ou problema ✓ conjecturas, soluções ou hipóteses ✓ consequências falseáveis, enunciados deduzidos ✓ técnicas de falseabilidade ✓ testagem ✓ análise dos resultados ✓ avaliação das conjecturas, soluções ou hipóteses ✓ rejeição com retorno às hipóteses/ validação das hipóteses – nova teoria ✓ nova lacuna, contradição ou problema desdobrando-se novas pesquisas Síntese O método hipotético-dedutivo prevê um movimento de análise e síntese, que visa, por meio de um procedimento de tentativa e erro, passar o objeto de estudo e o próprio método ao teste de falseamento, como atitude crítica de investigação, refutando o caráter de objetividade geralmente atribuído aos métodos científicos. 38 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o 2.2.4 Método Dialético As ideias dominantes de cada época sempre foram as ideias de sua classe dominante. Karl Marx A dialética moderna tem em Hegel, Marx e Engels seus nomes mais proeminentes e entende a realidade não como um estado de coisas, mas como um processo contínuo de mudança. Essa perspectiva contrapõe a ideia instaurada pelo pensamento cartesiano de separação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Aqui, é o sistema no seu conjunto que importa, mais do que o individual (RUSSEL, 2015). É atribuído a Karl Marx (1818-1883) o termo materialismo histórico o qual prevê a dialética como método. Como afirma Pedro Demo (2005, p.12), “a dialética considera a realidade intrinsecamente contraditória porque sua dinâmica é tipicamente contrária”. Mais do que desvendar o mundo e seu funcionamento, o materialismo dialético propõe uma transformação da realidade: “Os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de diversas maneiras; a verdadeira tarefa é transformá-lo” (MARX apud RUSSEL, 2015, p.353). A perspectiva dialética considera que todos os aspectos da realidade, seja da natureza ou da sociedade, prendem-se por laços necessários e recíprocos (ibidem), não podendo ser, portanto, analisados e investigados 39 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o como se determinado evento, fenômeno estivesse apartado do contexto e do ambiente circundante, isoladamente. Vejamos um exemplo (POLITZER et alii apud LAKATOS; MARCONI, 2004): Uma simples mola de metal não pode ser considerada à parte do universo que a rodeia: ela foi produzida pelo homem com material extraído da natureza. Ainda que em repouso, a mola não está independente do ambiente: sobre ela atuam o calor, a oxidação, a gravidade etc. Tais condições podem alterar tanto a posição quanto a natureza da mola (ferrugem). Imaginemos que um pedaço de chumbo seja suspenso na mola: sobre ela será exercida uma força, distendendo-a até seu ponto de resistência. Assim, o peso age sobre a mola que age sobre o peso. Mola e peso formam um todo em que há interação e conexão recíproca. A dialética, como procedimento de investigação científica, propõe como etapas: Análise objetiva e crítica da realidade, para aprofundar o seu conhecimento com vistas à transformação. Reflexão a respeito da relação sujeito e objeto, confrotando as variáveis e sua contradições para chegar a uma síntese, uma vez que nada está isolado, tudo é movimento e mudança, tudo depende de tudo. Assim, constituem seus passos: Elaboração da tese – afirmação inicial Elaboração da antítese – oposição à tese Elaboração da síntese – do conflito resultante da análise da tese e da antítese surge a síntese que, por sua vez, transforma-se em tese pra um 40 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o novo ciclo, com interposição de nova antítese, resultando em nova síntese e assim por diante. Síntese O método dialético considera que a realidade deve ser analisada como um todo de partes interdependentes e interpenetráveis. Traz como etapas a elaboração da tese, da antítese e síntese. 2.2.5 Métodos Específicos das Ciências Sociais São muitas as possibilidades metodológicas e vários são os tipos de pesquisas investidos no campo das ciências sociais. Considerando os métodos mais veiculados na literatura pedagógica, tomaremos por base aqui a compilação feita por Lakatos e Marconi (2004), o que nos possibilitará vislumbrar e inspirar algumas dessas possibilidades a partir do que se tem investido metodologicamente: Método histórico – esse método se ramifica em algumas abordagens, dentre as quais destacaremos duas de maior relevância. a. abordagem histórica clássica – Parte da noção de que as atuais formas organização social, as instituições, os fenômenos sociais do presente, encontram origem no passado. Tal investigação busca o estabelecimento de relações causais ao longo de um período histórico de modo a justificar e explicar a ocorrência do objeto investigado. 41 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o b. abordagem genealógica. Refuta a ideia de origem, para pensar os fenômenos do presente como produções contingenciais. Essa perspectiva investiga as condições de possibilidade em que, em determinada contingência histórica, certo fenômeno, certa forma de pensar, certa prática ou organização social se instituiu. Tal proposta almeja evidenciar o caráter arbitrário, não natural das produções sociais humanas, desnaturalizando sua ocorrência. Método comparativo – considera-se aqui que o estudo das semelhanças e diferenças entre diversos tipos de grupos, sociedades ou povos contribui para uma melhor compreensão do comportamento humano, desdobrando-se uma explicação dos fenômenos, pela dedução dos elementos constantes, abstratos, gerais. Método monográfico – consiste no estudo de determinados indivíduos, instituições, grupos, com objetivo de extrair generalizações. Método estatístico – consiste na redução de fenômenos sociológicos, políticos, econômicos, educacionais etc. a termos quantitativos. Pelo manejo dos dados estatísticos estabelece-se e busca-se a comprovação de relações dos fenômenos entre si e a obtenção de generalizações sobre sua natureza, ocorrência ou significado. Método tipológico – esse procedimento metodológico foi o empregado pelo sociólogo Max Weber (1864-1920). Por meio da classificação e comparação de fenômenos, organizações etc. extrai-se uma tipologia qualitativa, criando-se tipos ou modelos ideais a partir dos aspectos do fenômeno considerados essenciais pela análise do pesquisador. Método funcionalista – trata-se mais de um método de interpretação. Toma-se o objeto de estudo a partir da função de suas unidades, considerando-se o fenômeno como parte de um sistema organizado de atividades. 42 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Método estruturalista – Inaugurado por Lévi-Strauss, parte deum fenômeno concreto para alcançar um nível abstrato, por meio da produção de um modelo que represente o objeto do estudo, retornando, ao final, ao concreto, tomando-se então como uma realidade estruturada e relacionada com a experiência do sujeito social. Para finalizar o módulo, cabe-nos citar uma importante reflexão de Gaston Bachelard (1884- 1962) acerca do método: A aplicação de um bom método de pesquisa é, no início, sempre fecunda. (...) Cada método é destinado a cair em desuso e a caducar. a metodologia científica é obrigada a seguir a ciência em sua evolução e seus progressos. Cristalizar a metodologia numa forma fixa equivale a comprometer o futuro e a paralisar o espírito de iniciativa (2004, p.65). Acompanhando essa reflexão do filósofo e poeta francês, destacamos que a metodologia constitui um caminho. O que definirá esse caminho é uma inquietação daquele que pesquisa, o objeto e a abordagem teórica que irá eleger. Aqui, advertências são cabíveis quanto aos cuidados e a responsabilidade daquele que pesquisa: é preciso ter em mente que, como mencionado no módulo 1, a ciência não é neutra – seus resultados produzem efeitos. 43 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Síntese Conforme anunciamos no início do módulo, a questão do método num processo investigativo é fundamental e sua escolha não deve ser aleatória. Um método se coloca a serviço de uma pergunta, de um objeto de investigação – nem todos os caminhos levam a Roma! Considerações Finais No módulo 2, “Métodos Científicos”, percorremos os principais métodos de pesquisa científica e destacamos suas características e caminhos, situando, ainda e brevemente, a contextualização histórica de seus surgimentos. Vimos que duas formas de raciocínio originaram dois métodos de investigação científica já no início da Modernidade: o indutivo (que vai do particular ao geral – síntese) e o dedutivo (que parte da lei geral para a parte – análise). Ambos preconizavam, ainda que por via inversa, o estabelecimento de leis gerais, de verdades universais. Vimos, ainda, o método hipotético-dedutivo e o dialético, e, ao final, alguns métodos específicos das ciências sociais, dentre os quais o método histórico, o tipológico, funcionalista e o estruturalista. Esperamos que esse breve percurso lhe tenha ajudado a identificar os pressupostos de uma metodologia científica e a vislumbrar possibilidades metodológicas em seu caminho de pesquisa. 44 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Advertimos que nenhum método está isento de críticas ou de ser posto à prova a qualquer momento, bem como o resultado de uma pesquisa qualquer. A pesquisa é uma aventura do pensamento e seus caminhos são traçados tendo em vista um problema que se mira enfrentar com as ferramentas metodológicas e teóricas e que possam colocar em xeque primados anteriormente estabelecidos ou lançar novas perguntas para o próprio objeto de pesquisa. Na sequência adentraremos a normatização e aspectos formais da escrita acadêmica – o jogo da pesquisa e suas regras. Por ora, dê prosseguimento a seus estudos no tema do módulo pela indicação de leitura suplementar e consulte a indicação bibliográfica. Não se esqueça de participar do fórum de debate e responder as questões ao final. Até o próximo!! 45 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Módulo 3 – A ORGANIZAÇÃO DOS ESTUDOS NA UNIVERSIDADE Patrícia Helena Ferreira Técnicas em Pesquisa e Construção de Textos Científicos. Módulo 3 – A organização dos estudos na Universidade - Faculdade Campos Elíseos (FCE) – São Paulo – 2016. Guia de Estudos – Módulo 3 – A organização dos estudos na Universidade. 1. Universidade 2. Documentação 3. Metodologia da Pesquisa Orgs.: Adriana Alves Farias e Cláudia Regina Esteves Faculdade Campos Elíseos 46 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Conversa Inicial Caro(a) aluno(a), Chegamos ao terceiro módulo da Disciplina Técnicas em Pesquisa e Construção de Textos Científicos. Neste módulo, “A organização dos estudos na Universidade”, discutiremos sobre o papel das universidades na formação do indivíduo, fazendo um breve recuo na história das universidades. Após essa breve introdução adentraremos na discussão dos principais instrumentos de estudo que o aluno deve se valer na sua passagem acadêmica. Destacaremos a importância da documentação como método de estudo pessoal, enfatizando a documentação temática, a documentação bibliográfica e a documentação geral. Por fim, conheceremos algumas diretrizes para leitura, análise e estudo de textos na universidade, a partir da contribuição de pesquisadores como Severino e Marconi e Lakatos, dando ênfase às análises textual, temática e interpretativa, para podermos chegar à problematização dos textos estudados. Desejamos ótimos encontros nesse percurso! 47 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o 3.1 A Universidade e seus instrumentos de trabalho Para início de conversa.... A universidade existe para produzir conhecimento, gerar pensamento crítico, organizar e articular os saberes, formar cidadãos, profissionais e lideranças intelectuais. O desempenho dessas nobres e decisivas funções, porém, não é algo que se resolva no plano abstrato. Do mesmo modo que as demais instituições, a universidade está sempre historicamente determinada. Pode funcionar bem ou mal, cumprir com maior ou menor efetividade suas atribuições, ser mais ou menos admirada e respeitada. Ela não é perfeita nem inquestionável. Não está acima da sociedade nem desconectada dela. As próprias circunstâncias internas da instituição - seu corpo docente, sua estrutura administrativa, seus dirigentes, estatutos e tradições - incidem sobre sua imagem e seu desempenho. Em certa medida, cada época, cada sociedade e cada Estado têm a universidade que podem ter, por mais que a instituição universitária, por sua própria natureza, tenha luz própria e possa, justamente por isso, operar com alguma liberdade em relação às circunstâncias histórico-sociais que lhe estão na base. Não se trata de dependência ou limitação, mas de determinação. Marco Aurélio Nogueira 48 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o No Brasil do século XXI assistimos à expansão do ensino superior. Essa expansão, em dados numéricos, superou em muito qualquer outro índice já atingido anteriormente. Se tal expansão, em termos quantitativos, pode representar um aumento do nível de escolaridade da população, em termos qualitativos, traz em seu bojo a discussão da função da universidade e o papel do estudante do ensino superior. Nossa intenção, no presente módulo, não é fazermos uma discussão das atuais condições da universidade na sociedade atual, mas sim, ao nos depararmos com a especificidade de tal instituição, oferecermos alguns instrumentos importantes para o prosseguimento na vida acadêmica. Para tal, iniciaremos com uma rápida abordagem histórica do ensino Universitário. A palavra universidade origina-se do latim Universitas. Ela está relacionada à própria noção de universalidade, companhia, corporação, colégio, associação. Historicamente, o vocábulo advém do século XIV, porém a ideia de Universidadeaparece desde o século IV A.C., na Grécia, por meio da Academia de Platão, a qual buscava o conhecimento e a especulação desinteressada e indagadora (SILVA; DAVEL, 2005). Na Idade Média a universidade desenvolveu muitas de suas características que prevalecem até hoje: um nome e uma localização central, mestres com nível de autonomia, estudantes, sistema baseado em aulas, procedimentos avaliativos e até uma estrutura administrativa com suas faculdades. Não podemos nos esquecer, porém, que em tal momento esses espaços tinham natureza confessional e voltavam-se a atender as necessidades do feudalismo (BARROS; LEHFELD, 2000). Mais tarde, com o Renascimento científico e cultural, as universidades desviam do seu foco o ensino confessional e começam a ser guiadas pela pesquisa empírica. 49 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Com a implementação da pesquisa ou da investigação científica na França, Inglaterra, Alemanha, as universidades vão se reestruturando através de respostas substanciais às reformas solicitadas para o desenvolvimento, ora mais utilitário, através do paradigma epistemológico da racionalidade e do experimentalismo, ora voltado para o conhecimento das questões socioeconômicas da sociedade, como forma de superação de seus problemas (BARROS; LEHFELD, 2000, p. 8). No Brasil, as primeiras instituições de ensino superior foram criadas a partir da vinda da família real portuguesa e sua corte, no início do século XIX. A expansão das Universidades deu-se, porém, a partir da segunda metade do século XX, culminando com a publicação da Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968, a qual fixava normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média. Tal lei conferiu ao ensino superior no Brasil uma organicidade nunca vista anteriormente. A lei da reforma universitária, como tal dispositivo foi chamado, foi modificada quando da promulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A Lei Federal número 9.394, de 20 de dezembro de 1996, destaca, dentre as principais finalidades do ensino superior, as que seguem abaixo: I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, 50 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. VIII - atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão que aproximem os dois níveis escolares (BRASIL, 1996). Se nos voltarmos à ideia de ensino superior como um espaço de estudo, criação expansão do ensino científico, tal fórum deve estar alicerçado no exercício de pensamento crítico e endereçado à pesquisa como um todo. Para tal, exige do aluno mudança na sua postura de estudante, baseada principalmente numa “maior autonomia para efetivação da aprendizagem, maior independência em relação aos subsídios da estrutura do ensino e dos recursos institucionais” (SEVERINO, 2002, p.23). O aluno deverá, então, tomado de tal espírito, utilizar-se de diversos instrumentos de trabalho com o fim de organizar sua vida de estudos. Antes de adentrar às atividades práticas, de laboratório ou de campo, é necessário que o aluno obtenha embasamento teórico da área de estudo que escolheu para sua formação. Tal embasamento não poderá ser feito somente nas aulas presenciais, nem também com a simples leitura das apostilas da Educação à Distância – EAD. Segundo Antônio Joaquim Severino (2002) os instrumentos de trabalho na universidade são principalmente bibliográficos, podendo ser destacados: 51 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o • Obras de referência geral – textos básicos para estudo de sua área específica: um dicionário da área, um texto introdutório à área, algum texto de história da área, um tratado mais amplo, revistas especializadas • e até mesmo algumas monografias. Tais textos têm a função de iniciar o aluno no estudo de sua área, fornecer um vocabulário básico e os principais conceitos da área, além de complementar as aulas presenciais; • Textos especializados – à medida que o aluno adquire o conhecimento básico da sua área, buscará textos mais específicos, estudos monográficos e continuará buscando informações nas revistas especializadas. As revistas publicam as pesquisas recentes da área e tornam públicos os repertórios bibliográficos da sua ciência e das ciências afins; • Participação em simpósios, congressos, seminários – tais eventos são espaços de socialização das pesquisas da área e são fonte de material para publicação das revistas e periódicos especializados. O aluno pode inicialmente participar como ouvinte e posteriormente já iniciar a publicização de sua pesquisa. • Recursos tecnológicos gerados pela tecnologia educacional – as próprias revistas e periódicos estão, em sua grande maioria, disponibilizados em meio digital, o que facilita a consulta do aluno. Existem alguns sites que reúnem publicações importantes decorrentes das pesquisas acadêmicas, dentre os quais podemos citar: I. Scielo – Scientific Eletronic Library Online: Coleção de revistas e artigos científicos. Possui uma grande variedade de temas relacionados à filosofia, com artigos completos disponíveis para download. www.scielo.org/ II. Portal de Periódicos da CAPES: oferece acesso aos textos completos de artigos selecionados de mais de 21.500 revistas internacionais, nacionais e estrangeiras. www.periodicos.capes.gov.br/ 52 T é c n ic a s e m P e s q u is a e C o n s tr u ç ã o d e T e x to C ie n tí fi c o Síntese 3.2 A documentação como método de estudo pessoal O vocábulo universidade provém do latim universitas e, atualmente, podemos relacioná-lo a uma associação de docentes e alunos que objetiva fomentar o ensino, a pesquisa e a formação profissional. No ensino superior o aluno deve munir-se de vários instrumentos para se apropriar da metodologia de trabalho própria dessa etapa da educação, dentre eles: obras de referência geral, revistas especializadas, periódicos, participação em congressos e outros eventos e sites especializados da internet. Sou um visual. O que na memória trago, trago-o visualmente, se susceptível é de assim ser