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Dor 1 💥 Dor Class Fisiologia SNC Created Reviewed A percepção de dor é subjetiva e influenciada por uma gama de fatores. Estímulos idênticos podem induzir diferentes respostas. A dor não é uma expressão direta de um evento sensorial. Receptores Para a Dor e Sua Estimulação Nociceptores Uma das categorias de receptores sensoriais são os nociceptores, que tem a capacidade de detectar estímulos físicos ou químicos que indicam a presença de dano tecidual ou que poderiam o causar. Esses receptores são classificados como terminações nervosas livres, ou seja, em que as pontas de cada uma das fibras não são mielinizadas. Esses receptores são encontrados em altas quantidades principalmente na pele, onde as fibras emergem de redes nervosas subepiteliais e ramificam-se entre as células da epiderme. Também são encontrados em alguns tecidos internos como periósteo, superfícies articulares, paredes de vasos e a foice e tentório da abóboda craniana. Estão presentes muito mais esparsamente em outros tecidos profundos. Os nociceptores são capazes de sinalizar dois tipos de dor: a rápida (também chamada de primeira dor), que ocorre dentro de 0,1 segundos depois do estímulo e está relacionada a cortes, punções e queimaduras agudas, e a dor lenta (segunda dor), que ocorre após um segundo ou mais depois do estímulo e está relacionada a processos de destruição tecidual como inflamação. A dor lenta pode ser sentida em tecidos profundos do corpo, diferente da rápida. Sep 6, 2020 140 AM Dor 2 Cada tipo de estímulo doloroso é transmitido por um tipo de fibra nervosa : o estímulo da dor rápida é transmitida por fibras do tipo Aδ enquanto a dor lenta é transmitida por fibras do tipo C. Uma característica especial dos nociceptores em relação aos outros receptores sensoriais é que eles se adaptam muito pouco ou não se adaptam, ou seja, mesmo com um estímulo continuo os receptores continuam enviando impulsos com a mesma frequência. Inclusive, em algumas situações a excitação das fibras dolorosas fica progressivamente maior quanto mais duradouro for o estímulo, principalmente se esse estímulo for de dor lenta, esse aumento de sensibilidade se chama hiperalgesia. Pelo mesmo princípio também se observa que estímulos que normalmente seriam inócuos tornam-se dolorosos, esse fenômeno é chamado de alodinia. Fonte: Ângelo Machado FIGURA 10.1 Dor 3 Tipos de Estímulo Os nociceptores são excitados por três diferentes tipos de estímulo: mecânicos, térmicos e químicos. Dependendo dos estímulos reconhecidos os receptores podem ser classificados como polimodais, que reconhecem dois ou mais tipos de estímulo, ou unimodais, que reconhecem apenas um. Os receptores polimodais representam a grande maioria dos nociceptores. Estímulos Térmicos O reconhecimento da temperatura pelos nociceptores é realizado por um grupo de canais iônicos de membrana chamados canais TRP (transient receptor potential). Cada um dos canais é responsável por identificar uma faixa de temperatura específica, além disso, alguns desses canais também podem se ligar a substâncias específicas, que simulam a sensação de uma temperatura. Esses canais estão presentes tanto em fibras C quanto Aδ. Os canais TRPV1 são ativados quando entram em contato com uma temperatura acima de 43°, que representa o limiar da dor em humanos. Esses canais também tem a capacidade de se ligar à capsaicina, o que explica a sensação de queimação causada pelas pimentas. Os canais TRPV2 são ativados em temperaturas ainda mais elevadas, acima de 52°. Os canais TRPA1 e TRPM8 identificam temperaturas abaixo de 15° e 25°, respectivamente e são responsáveis pela sensação de frio doloroso que é transmitida abaixo de 15° (as fibras C que respondem ao frio estão localizadas na região da lâmina I do corno dorsal da medula espinhal). Os canais TRPA1 também são abertos em contato com compostos presentes no wasabi e mostarda. Enquanto o mentol, presente na menta, pode ativar os canais TRPM8. Estímulos Mecânicos Quando ocorre um estímulo mecânico exacerbado na região do nociceptor ou em algum tecido nas redondezas esse estímulo torna-se doloroso. Em geral, as fibras podem ser consideradas de limiar alto ou baixo para a estimulação mecânica, sendo que algumas são completamente insensíveis Dor 4 (silenciosas). Essas fibras silenciosas podem, porém, ser excitadas por estímulos mecânicos quando ocorre o fenômeno da alodinia. Os canais de membrana específicos que reconhecem os estímulos mecânicos ainda não estão muito bem descritos mas incluem os canais KCNK de potássio, canais Piezo2 e possivelmente os canais do tipo ASIC (acid-sensing ion channel) por homologia estrutural. Estímulos Químicos Os estímulos químicos estão intimamente relacionados com lesão tecidual e as substâncias liberadas durante o processo inflamatório, e , consequentemente, estão ligados à transmissão da dor lenta carregada pelas fibras do tipo C. Os tecidos lesionados liberam uma série de substâncias (designada sopa inflamatória) que podem atuar como mediadores químicos na sensibilização periférica, mediada por proteínas quínases A e C (PKA e PKC. Entre as principais substâncias envolvidas no processo inflamatório capazes de serem reconhecidas pelos nociceptores está a bradicinina. Os mastócitos e basófilos degranulam bradicinogênio em sítios de inflamação, a inflamação ativa proteínas proteolíticas, como a calicreína (do sistema calicreína-cinina) que cliva o bradicinogênio em sua forma ativa, bradicinina. A bradicinina se une a receptores acoplados à proteína G B1 e B2 para ativar a fosfolipase C, que hidrolisa o fosfatidinilinositol bifosfato PIP2 na membrana produzindo 1,4,5-trifosfato de inositol IP3 e libera o Ca2 dos depósitos intercelulares. A atividade dos canais TRP é regulada pela PKC, recém ativada. Com isso, os canais TRPV1 são sensibilizados, o que leva à sua abertura e consequentemente, ao influxo de Ca2. Citocinas e fatores de crescimento liberados durante a inflamação também podem excitar nociceptores. O Fator de crescimento nervoso NGF liga-se ao receptor TRKA, de forma a induzir a sensibilização de TRPV1 por meio da PKC. Sua importância também está relacionada à sua ação no corpo neuronal dos neurônios primários, onde ele atua aumentando a produção de substância P, CGRP e BDNF, bem como de receptores ASICs, TRPV1 e Nav1.8, que ao migrarem para a membrana terminal ou axonal, irão aumentar a sensibilização periférica. Já as citocinas, principalmente representadas pelo fator de necrose tumoral TNF e interleucinas 1β e 6, Dor 5 tem como alvo principal a ativação de PKA e PKC. Essas proteínas quínases levam à fosforilação de TRPV1, reduzindo seu limiar de ativação e consequentemente tornando-o mais responsivo a estímulos. Outras substâncias do processo inflamatório que induzem diretamente o estímulo da dor dão os prótons, que ativam ASICs e canais TRPV1, ATP, que ativa P2RX2 e P2RX3 (canais permeáveis a cátions) e P2RY2 (receptor associado à proteína G, serotonina e histamina. O lipídeo anandamida (agonista canabinoide endógeno) também ativa os canais TRPV1 e desencadeia dor associada à inflamação Algumas substâncias diretamente relacionadas com a lesão celular também afetam os nociceptores ao atacar diretamente os receptores e torna-los mais permeáveis a íons. Esse processo ocorre com o aumento da concentração de enzimas proteolíticas e íons de potássio por exemplo. Durante a isquemia tecidual, além das substâncias liberadas por lesão celular, também ocorre liberação de ácido lático decorrente do metabolismo anaeróbio. O ácido lático também é capaz de estimular nociceptores. Existem ainda algumas substâncias que, apesar de não excitarem diretamente as terminações nervosas, são capazes de diminuir o limiar da dor, sensibilizando os receptores. Substâncias como prostaglandinas e a substância P possuem esse mecanismo de ação. Prostaglandina 2 é um importante mediador da dor inflamatória,que pode se ligar a 4 diferentes subtipos de receptores localizados nos neurônios sensitivos: EP1, EP3a, EP3b e EP4. A ativação dos receptores EP2 e EP4 é responsável por aumento de liberação de transmissores pelos neurônios sensoriais aferentes, tais receptores são acoplados a proteínas Gαs e AMPc-dependente proteína quinase A. Portanto, a ação de muitos analgésicos não esteroides anti-inflamatórios é voltada para a diminuição de sua produção, efeito obtido ao se interferir na ação das enzimas COX, que metabolizam o ácido araquidônico (produzido a partir do aumento de cálcio intracelular) em prostaglandinas. ATP, acetilcolina e serotonina também são liberados das células endoteliais danificadas e das plaquetas e agem indiretamente na sensibilização dos nociceptores por desencadearem liberação de agentes químicos (prostaglandinas e bradicininas) Dor 6 Fonte: Basic Neurochemistry FIGURA 541 Como ocorre a transdução da dor? O rompimento de uma célula (membrana plasmática) faz extravasar K para o ambiente extracelular, despolarizando a via da dor. O rompimento da MP também ativa enzimas que produzem prostaglandinas (lipídeos) produzidos a partir da membrana da célula. As prostaglandias também são vasodilatadoras e aumentam o edema atraindo mastócitos. Os mastócitos sob influência da substância P e prostaglandinas fazem a degranulação, liberando histamina, que aumenta o edema Os estímulos dolorosos atuam de forma sinérgica amplificando o sinal da dor Isso gera um potencial de ação nociceptivo O sinal nociceptivo também pode voltar para a área lesada, voltando para estimular os mastócitos e vasos sanguíneos (vasodilatação) → amplificação A via sensorial primária é tanto aferente SNC quanto eferente (volta para a área lesada) Neurotransmissores Dor 7 O glutamato é estocado em vesículas pequenas e os peptídeos em vesículas grandes nos terminais centrais dos neurônios sensoriais nociceptivos. Os locais distintos permitem que esses neurotransmissores sejam liberados em condições diferentes. Glutamato O glutamato é o principal neurotransmissor dos os neurônios sensoriais primários, independentemente da modalidade sensorial. Neuropeptídeos Os neuropeptídeos são liberados como cotransmissores por muitos nociceptores com axônios amielínicos, como as fibras C. Esses peptídeos incluem a substância P, o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina, a somatostatina e a galanina. A substância P (da família dos peptídeos neurocinina) é liberada dos terminais centrais dos neurônios aferentes nociceptivos em resposta à lesão tecidual ou após estimulação intensa dos nervos periféricos. Sua interação com os receptores neurocinina nos neurônios do corno dorsal provoca potenciais pós-sinápticos excitatórios lentos que prolongam a despolarização induzida pelo glutamato. Como os neuropeptídeos não são recaptados de maneira eficientes, eles difundem-se a uma distância maior que o glutamato. Com isso, possuem uma maior influência excitatória em neurônios do corno dorsal. Isto pode contribuir para o caráter difuso de muitas condições dolorosas. Os níveis de expressão de neuropeptídeos também podem estar aumentados em algumas condições patológicas, contribuiindo para o aumento da excitabilidade dos neurônios no corno dorsal que acompanha alguns estados de dor crônica. 💡 Um método de tratamento para pacientes com síndrome da dor crônica está sendo investigado pela interação dos neuropeptídeos com seus receptores. A infusão de substância P associada à uma neurotoxina no corno dorsal de animais, produz uma destruição seletiva de neurônios que expressam receptores neurocinina. Animais tratados com essa infusão acabam não desenvolvendo sensibilização central. Dor 8 Dor 9 Codificação do sinal nociceptivo, hiperalgesia primária A bradicinina, prostaglandida, histamina se espalham para regiões adjacentes onde não houve lesão e vão estimular neurônios ao lado da área lesada Inflamação do tecido resultado de lesão periférica (rubor e edema). O fator de crescimento neural NGF, nerve growth factor) também está ativo nos estados inflamatórios dolorosos. Inclusive, sua síntese está aumentada em muitos tecidos periféricos inflamados. Moléculas que neutralizam o NGF são agentes analgésicos efetivos nos modelos animais de dor persistente A expressão de fator neurotrófico derivado do encéfalo BDNF, brain derived neurotrophic factor) também está elevada nos neurônios nociceptivos sob condições de dor inflamatória e neuropática. O BDNF é transportado para os terminais centrais dos aferentes primários no corno dorsal e então liberado. Fármacos que inibem sua expressão podem ser utilizados como analgésicos Dor 10 A sensibilidade aumentada é mediada por lesão persistente, as fibras C disparam potenciais repetidamente e a resposta do corno dorsal aumenta de forma progressiva. Esse aumento tem sido chamado de potenciação da dor (wind up) e acredita-se que envolve receptores para glutamato do tipo N-metil-D aspartato NMDA A exposição repetida ao estímulo nocivo resulta em mudanças a longo prazo na resposta neuronal. Esse fenômeno é chamado de sensibilização central e constituem em uma ''memória'' dos sinais de entrada da fibra C. Essa via também envolve o recrutamento de vias de segundos mensageiros e ativação de proteínas-quinase que têm sido implicadas no armazenamento da memória em outras regiões do sistema nervoso central. A sensibilização central ocorre quando os neurotransmissores atuam de forma sinérgica gerndo uma amplificação no corno dorsal da medula, por meio da seguinte cascata: ativação da fosfolipase C induz a mobilização de Ca+ do retículo endoplasmático, o aumento do cálcio intracelular dos neurônios pós-sinápticos faz com que o estímulo dure mais tempo. A remoção de Mg+ que bloqueava o canal iônico NMDA também contribui com o aumento de Ca+ intracelular. Essa concentração de Ca+ leva à ativação de diversas proteínas quinases PKA, PKC, SRC, CAMK2 e MAP, que têm como um de seus alvos os receptores glutamatérgicos. Há ainda a fosforilação das subunidades do receptor NMDA e adição de mais receptores AMPA à membrana pós- sináptica, aumentando a excitabilidade da membrana pós sináptica. Quando o estímulo é continuado pode haver a fosforilação da CREB (cAMP responsive element binding protein) -induzida pelas MAP quinases-, que por fim, configurará a transcrição genética de forma a manter os neurônios do corno dorsal em um estado sensibilizado, através de genes como c-fos, TRKB e COX2. Essas condições acarretam a alteração na excitabilidade dos neurônios, podendo diminuir o limiar da dor e levar à dor espontânea. Um fenômeno conhecido desse tipo de dor é a dor do membro-fantasma, uma sensação de dor persistente que aparece após a amputação de um membro. Dor 11 Formação das prostaglandinas Originadas de fosfolípideos de membrana → que ativam fosfolipases que as transformam em ácido aracdônico O ácido aracdônico → enzima ciclo-oxigenase → transforma o ac. aracdônico em prostaglandinas PGE, tromboxanas) 💡 Importância médica: reduzir a transdução de dor - muito utilizada a inibição da ciclo-oxigenase COX - ex. ácido acetilsalicílico e outros AINEs Vias aferentes Existem cinco vias ascendentes principais (trato espinotalâmico, espinorreticular, espinomesencéfalico, cervicotalâmico e espino- hipotalâmico) que contribuem para o processamento central nociceptivo Dor 12 Penetram pelo ramo dorsal da medula e fazem sinapse com neurônios de projeção As fibras Aβ também fazem sinapse com neurônios de projeção Dor rápida e dor lenta: tipos de fibras de primeira ordem Fibras Aδ Fracamente mielinizadas Fazem sinpase na lâmina I, II e lâmina V Aδ são sensíveis a estímulos mecânicos ou térmicos (acima de 43ºC Aδ: produz dor rápida → início e finalização rápida Libera glutamato como neurotransmissor (excitatório que utiliza o Cálcio para despolarizar a membrana) Fibras C AmielinizadasFazem sinapse na lâmina I e II (frio) C são polimodais → sensíveis a estímulos térmicos, mecânicos, químicos C produz dor prolongada → início mais lento e dor aumenta progressivamente Libera glutamato como neurotransmissor (excitatório que utiliza o Cálcio para despolarizar a membrana) As fibras C também contêm substância P (peptídeo) armazenada em vesículas no terminal sináptico A substância P prolonga a duração da despolarização da membrana pós- sináptica (maior intensidade) Tipos de receptores para dor: nociceptores Classes de dor Dor nociceptiva: mediada pela ativação dos nociceptores na pele ou nos tecidos moles em resposta à lesão tecidual, geralmente após uma inflamação. Distensões e entorses também produzem dor nociceptiva moderada e doenças inflamatórias articulares progresssivas ou tumores produzem dor mais intensa. Dor 13 Dor neuropática: injúria direta dos nervos no sistema nervoso periférico ou central, pode ser acompanhada de sensação de queimação ou choque. Inclui as síndromes da distrofia simpático- reflexa (síndrome de dor regional complexa), e a neuralgia pós-herpética (herpes zóster), uma dor grave ex-perimentada pelos pacientes após surtos de herpes. Outra tipo dor neuropática é a dor do membro-fantasma, que pode ocorrer após uma amputação de um membro. A dor neuropática também pode ocorrer sem a necessidade de um estímulo, fenômeno conhecico como anestesia dolorosa, que pode ser desencadeada após tentativas de bloquear a dor crônica após uma transecção terapêutica das fibras aferentes dorsais (rizotomia seletiva). Fibras do tipo C → receptores silenciosos (diferente das polimodais) Acionados pela consequência inflamatória da lesão inicial Prostaglandina 2 Nessa etapa, a prostaglandina 2 atua nos interneurônios inibitórios do corno dorsal ligando-se ao receptor EP2. Através da fosforilação da subunidade α3 do receptor de glicina mediada pela PKA, diminuindo a transmissão glicinérgica. Trato espinotalâmico anterolateral É a via mais predominante da medula espinal, inclui axônios de neurônios específicos (termossensíveis e os de amplo espectro dinâmico das lâminas I e V a VII do corno dorsal. Os axônios entram pelo corno dorsal, fazem sinapse com neurônios de segunda ordem decussam a linha média da medula espinhal e ascendem pela substância branca anterolateral até o núcleo ventral posterolateral do tálamo Esse trato tem um papel crucial na percepção de dor, apenas sua estimulação elétrica é capaz de provocar sensações dolorosas A lesão desse trato (cordotomia anterolateral) pode resultar em hipoalgesia contralateral Dor 14 Trato espinorreticular Axônios dos neurônios de projeção das lâminas VII e VIII que ascendem pela substância branca na região anterolateral até a formação reticular no bulbo e ponte Esse trato contém axônios que decussam e que não decussam na linha média Trato espinomesencefálico Axônios das lâminas I e V Se projeta para a formação reticular mesencefálica, substância cinzental periaquedutal e núcleo parabraquial (neurônios desse núcleo se projetam para a amígdala, componente do sistema límbico) Esse trato tem relação com o caráter afetivo (emocional) da dor Trato cervicotalâmico Axônios das lâminas III e IV Originam-se dos segmentos cervicais superiores contendo os neurônios do núcleo cervical lateral A maioria decussa na linha média e ascende pelo lemnisco medial do tronco encefálico até os nucléos mesencefálicos e posteromedial do tálamo Alguns axônios das lâminas III e IV emitem seus axônios diretamente para a coluna dorsal e terminam no bulbo nos núcleos grácil e cuneiforme Trato espino-hipotalâmico Axônios das lâminas I, V e VIII Axônios se projetam para os núcleos hipotalâmicos Essa via pode desencadear alterações viscerais, como o aumento da frequência cardíaca e repiratória, modificação dos movimentos peristálticos, midríase etc. O hipotálamo é um centro de controle que faz conexões com a hipófise que podem mediar endocrinamente a liberação de cortisol pelas suprarrenais em situações de estresse (como nas condições dolorosas) Trato trigemiotalâmico (craniano) Dor 15 A sensibilidade dolorosa da face é mediada pelo V par de nervo craniano, o nervo trigêmio. As fibras do NC V fazem sinapse com os neurônios sensoriais secundários no núcleo espinhal do trigêmeo no tronco encefálico. Os axônios desses neurônios decussam e ascendem ao tálamo pelo lemnisco trigeminal Dor 16 Vias descendentes (modulatórias) Fibras nervosas de núcleos superiores do nosso SNC que modulam a atividade de neurônios mais inferiores (monoaminérgicas) Substância cinzenta periaquedutal → ativada em situações extremas (grande estresse) → projeta neurônios descendentes que fazem sinapse Dor 17 com o locus coeruleus (núcleo noradrenérgico com projeções prosencefálicas e descendentes para o corno posterior da medula espinal) Núcleos da Rafe (no bulbo) → sintetiza serotonina → projeção descendente para o corno posterior da medula espinal Os neurônios da substância cinzenta periaquedutal estimulam o locus coeruleus e os núcleos da Rafe A ativação do locus coeruleus aumentará a atividade noradrenérgica no corno posterior e a ativação dos núcleos da Rafe a atividade serotonérgica Quando o axônio entra no corno posterior para fazer sinapse com o neurônio de projeção há um interneurônio encefalinérgico (opioide endógeno) → este interneurônio é excitado pelas vias descendentes noradrenérgias e serotinérgicas O interneurônio encefalinérgico tem uma ação inibitória sobre a sinapse do neurônio nociceptivo + projeção A encefalina fecha canais de Ca+ ou aumenta o efluxo de K (hiperpolarização) As vias descendentes também podem atuar diretamente sobre o neurônio de projeção, inibindo-o Sistema opioide endógeno As substâncias que causam efeito de analgesia endógena são chamadas conjuntamente de endorfinas Neurônio de primeira ordem da dor é um neurônio cujo terminal sináptico tem como neurotransmissor o glutamato e pode ter também neuropeptídeos Normalmente, o receptor nociceptivo é ativado pelo estímulo nocivo, geram-se potenciais de ação que chegam no terminal sináptico (abrir canais de Cálcio na membrana pré-sináptica promove a liberação do conteúdo das vesículas) excitando a via de projeção. A encefalina ativada pelo sistema descendente (noradrenérgico/serotonérgico) atua em dois pontos (célula pré e pós- sináptica) Na célula pré-sinápica estabiliza os canais de Ca2, impedindo sua abertura e liberação dos neurotransmissores na fenda sináptica. Dessa Dor 18 forma, não há estímulo do potencial nocivo para os centros encefálicos Na célula pós-sináptica a encefalina atua nos canais de K, aumentando o efluxo de potássio, causando uma hiperpolarização, que reduz a transmissão do potencial de ação 💡 O efeito da encefalina é o mesmo da morfina Corticalização da dor O tálamo funciona como uma centro de retransmissão do SNC, mais especificamente o isocórtex, transmitindo e modulando diversos impulsos ao córtex. O isocórtex pode ser subdividido em seis camadas: camada molecular, camada granular externa, camada piramidal externa, camada granular interna, camada piramidal interna e camada de células fusiformes. As fibras que entram no córtex podem ser de projeção (relacionadas com a sensibilidade e com a motricidade) ou de associação (relacionadas com o processamento de informações mais complexas). As fibras de projeção aferentes podem ter origem talâmica ou extratalâmicas, mas o maior contingente é de origem talâmica, por meio das fibras do sistema ativador reticular ascendente SARA. As radiações talâmicas originadas nos núcleos específicos do tálamo terminam na camada granular interna, uma área muito desenvolvida nas áreas sensitivas do córtex. Sobre o córtex cerebral: O córtex cerebral não é homogêneo em toda a sua extensão, o que permite a individualização de várias áreas. Quando pensamos em relação a classificação citoarquiteturaldo córtex, percebemos que é divido em numerosas áreas, havendo vários mapas de divisão. A divisão mais aceita é a de Brodmann, que identificou 52 áreas designadas por números. Dor 19 As diversas áreas corticais podem ser classificadas em grupos maiores, de acordo com suas características comuns. Do ponto de vista funcional, as áreas corticais também não são homogêneas e conhecer as localidades funcionais no córtex é de grande importância, inclusive para a compreensão do processamento da dor. As áreas sensitivas do córtex estão distribuídas nos lobos parietal, temporal e occipital, elas dividem-se em áreas sensitivas primárias (de projeção) – relacionadas com a sensação do estímulo recebido - e secundárias (de associação) – relacionadas à percepção de características específicas desse estímulo. Figura 26.1 do livro de neuroanatomia funcional 3ºEd., Angelo Machado) A área somestésica primária S1 está localizada no giro pós-central, que corresponde as áreas 3, 1 e 2 de Brodmann. A área 3 localiza-se no fundo do sulco central, enquanto as áreas 1 e 2 aparecem na superfície do giro pós-central. Na área somestésica primária, chegam radiações talâmicas que se originam nos núcleos ventral posterolateral e ventral posteromedial do tálamo e Dor 20 trazem impulsos nervosos relacionados a temperatura, dor, pressão, tato e propriocepção consciente da metade oposta do corpo. Quando se estimula eletricamente a área somestésica, o indivíduo tem manifestações sensitivas em partes determinadas do corpo, porém mal definidas, do tipo dormência ou formigamento. Por outro lado, se são estimulados receptores exteroceptivos, ou quando são ativados receptores proprioceptivos, pode-se tomar potenciais evocados nas partes correspondentes da área somestésica. Assim, pode- se concluir que exite correspondência entre partes do corpo e partes da área somestésica (somatotopia). Para representar essa somatotopia, Penfielde Rasmussen imaginaram um "homúnculo sensitivo" de cabeça para baixo no giro pós-central. 💡 Clínica: o mapa do "homúnculo sensitivo está relacionado com a "dor do membro fantasma". O fenômeno ocorre porque o mapa cerebral do membro perdido permanece inalterado. Dor 21 Figura 26.3 do livro de neuroanatomia funcional 3ºEd., Angelo Machado) 💡 Clínica: é importante salientar que, se ocorrer uma lesão nessas áreas somestésicas, as modalidades mais grosseiras de sensibilidade, tais como a sensibilidade dolorosa, permanecem praticamente inalteradas, pois elas se tornam conscientes em nível talâmico. Já a área somestésica secundária S2 está localizada no lobo parietal superior, logo atrás da área somestésica primária, e corresponde a área 5 e parte da área 7 de Brodmann – e, enquanto a área SI codifica topograficamente as informações nociceptivas de intensidades diferentes, a área SII está relacionada com a codificação temporal da informação dolorosa. 💡 Clínica: uma lesão no núcleo ventral póstero-lateral do Tálamo interrompe a via ao córtex, causando incapacidade de localizar estímulos dolorosos apesar de se sentir os aspectos afetivos (emocionais) da dor. Essa relação será explicada posteriormente.) Sobre a ínsula Outra área muito importante e que está relacionada com o processamento da dor é o córtex insular, que irá contribuir para a regulação da atividade autonômica durante os processos dolorosos. Ele pertence a área de associações terciárias, essas áreas são supramodais, ou seja, não se relacionam isoladamente com nenhuma modalidade sensorial. Recebem e integram informações sensoriais já elaboradas por todas as áreas secundárias e são responsáveis também pela elaboração das diversas estratégias comportamentais. A área do córtex insular foi por muito tempo considerada uma das “áreas cegas” do cérebro, mas atualmente está ocorrendo uma explosão de informações a respeito da insula. Hoje, já se sabe que o córtex insular Dor 22 posterior é isocórtex heterotípico granular, característico das áreas de projeções primárias, como as sensoriais viscerais. Já o córtex insular anterior é isocórtex homótipo, característicos das áreas de associação de percepção dos componentes subjetivos das emoções. A interação sensório-límbica é essencial para a resposta apropriada no contexto afetivo emocional da percepção da dor. O giro do cíngulo e a dor O giro do cíngulo, também conhecido como giro cingulado, é uma parte muito importante do cérebro, pois desempenha um papel essencial de conexão entre o sistema límbico e o neocórtex. Ele localiza-se próximo da superfície do corpo caloso e apresenta um formato arqueado. Há bastante tempo, sabe-se que a ablação do giro do cíngulo em carnívoros selvagens domestica o animal. No homem, a cingulectomia já foi empregada no tratamento de psicóticos agressivos. Sabe-se, hoje, que esses efeitos se devem à destruição do córtex cingular anterior, pois apenas a parte anterior do giro do cíngulo relaciona-se com o processamento das emoções. Estudos recentes apontam que as dores emocionais, à nível biológico, podem ser comparadas as dores físicas. O que parece acontecer é que a mesma região do cérebro que é estimulada em situações emocionais de origem pessoal e/ou social, como a dor de um desgosto amoroso é a mesma estrutura que é responsável em situações de dores físicas. Outro fator que contribui para isso é a riqueza de receptores para opioides, como a morfina, presentes no giro do cíngulo anterior. Dor 23 💡 Clínica: por volta dos anos 50, passou a ser realizado um procedimento cirúrigo denominado Cingulectomia. Esta cirurgia consistia em remover uma parte do Giro do Cingulo Anterior Dorsal, ou desativar estas estruturas do restante cérebro. Como resultado, os pacientes referiam ao médico que ainda sentiam dor, sabiam localizar exatamente onde estava a dor; no entanto, eles afirmam que a dor não os incomodava tanto, não era mais angustiante. A mesma cirurgia foi testada em dores emocionais e casos de depressão, e o efeito foi realmente muito satisfatório. Relação entre memória e dor Memórias dolorosas geram aprendizado e atenção. Os neurônios nociceptores e os neurônios centrais que recebem suas projeções mostram notável plasticidade após a lesão. Essa plasticidade resulta na amplificação da sinalização da dor que agora, à luz dos Dor 24 conhecimentos evolutivos, é entendida como crucial para a recuperação e sobrevivência dos organismos após a lesão. Esses mesmos mecanismos de plasticidade, que possuem uma notável semelhança com os mecanismos moleculares envolvidos nos processos de aprendizagem e memória em outras regiões do cérebro, incluindo o hipocampo e o córtex cerebral, podem conduzir um processo de dor aguda à uma transição para um estado de dor crônica não adaptativa se não forem bem integrados ao processo de cura. A plasticidade nociceptiva fornece uma vantagem adaptativa aos organismos, por exemplo a hiperalgesia, ou amplificação da dor, que está relacionada com o extinto de proteger a área lesionada. Os mecanismos de memória e dor estão ligados, principalmente, ao conceito de que a plasticidade do corno dorsal espinhal compartilha semelhanças moleculares, neurofisiológicas e estruturais com a plasticidade em outras regiões do cérebro que estão envolvidas no aprendizado e na memória. Um conceito importante na literatura sobre a aprendizagem e a memória dolorosa é a ideia de reconsolidação, mecanismo de atualização de memória durante o qual um traço de momória pode se tornar instável e suscetível a intervenções comportamentais. Os experimentos mais clássicos envolvem condicionamento pelo medo. Nesses testes, um animal é treinado para temer um estímulo doloroso, por exemplo, camundongos que são treinados a temer um estímulo neutro por meio do emparelhamento com um choque nas patas. Há dois mecanismos potenciais principais para a memória da dor: primeiro, refere-se as mudanças na expressão gênica em nociceptores periféricosque alteram permanentemente o fenótipo e a função desses neurônios cruciais para a plasticidade da dor e, o segundo, refere-se as mudanças na força sináptica no corno dorsal orientados por mecanismos que desempenham um papel ativo na manutenção de um estado de dor crônica. Dor 25 💡 Clínica: pacientes com dor crônica geralmente apresentam hiperalgesia (percepção exagerada da dor) e alodinia (percepção da dor com estimulação inócua). Por exemplo, descobriu-se que os limiares de dor eram significativamente mais baixos em pacientes com dores crônicas nas costas e dores de cabeça episódicas, cada vez mais quanto mais a dor crônica se manifestava. Referências Bibliográficas BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: Desvendando o sistema nervoso. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. BRADY, S. T. et al. 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