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MEDIAÇÃO EDUCATIVA EMESPAÇOS NÃO FORMAIS 5 PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL Nesta etapa final compreenderemos, de modo mais efetivo, como ocorrem as propostas e as práticas pedagógicas interdisciplinares em espaços de educação não formal. A concepção interdisciplinar, que sustenta a ação pedagógica, traz em si uma intencionalidade: propiciar o exercício investigativo, reflexivo e comunicativo do ato pedagógico, isto é, do ato de ser professor. APRESENTAÇÃO Organização Vania Konell Reitor da UNIASSELVI Prof. Hermínio Kloch Pró-Reitora do EAD Prof.ª Francieli Stano Torres Edição Gráfica e Revisão UNIASSELVI Autora Brigitte Grossmann Cairus CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL .05 TÓPICO 1 ESPAÇOS E PRÁTICAS CULTURAIS E SOCIAIS 1 INTRODUÇÃO Nesta etapa final compreenderemos, de modo mais efetivo, como ocorrem as propostas e as práticas pedagógicas interdisciplinares em espaços de educação não formal. A concepção interdisciplinar, que sustenta a ação pedagógica, traz em si uma intencionalidade: propiciar o exercício investigativo, reflexivo e comunicativo do ato pedagógico, isto é, do ato de ser professor. Durante um colóquio internacional sobre Interdiscipl inaridade e Ensino promovido pela Unesco, definiu-se, que “[…] dado que o conceito de interdisciplinaridade se situa no plano epistemológico, pode-se considerar que se refere à cooperação entre as diversas disciplinas, que contribuem para uma realização comum e que mediante associações, contribuem para surgir e progredir novos conhecimentos” (UNESCO, 1986, p. 5). CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL A interdisciplinaridade é então, uma fonte constante de dúvidas, de busca, do estar disponível, da crença no homem. Segundo Fazenda (1991), representa uma atitude de abertura frente ao problema de conhecimento. Assim, as propostas pedagógicas interdisciplinares são em sua natureza inovadoras, provocadoras e apaixonantes, pois derrubam valores e certezas pré-concebidos dando fruto a novos jeitos de ensinar e aprender. A construção de uma prática interdisciplinar pressupõe a percepção da diferença, a admissão da falta, do limite, da incompletude e a realização do propósito comum. Como estudamos na Etapa 1 deste livro de estudos, os espaços não formais são aqueles situados fora dos limites geográficos da escola, tais como uma praça, uma avenida, uma quadra comercial e/ou residencial, centros comerciais, uma indústria, centros de pesquisa, reservas naturais, museus, centros de ciências, feiras, parques, entre outros ambientes urbanos, rurais e naturais. Os espaços não formais de educação variam enormemente em suas características e funções sociais, podendo, inclusive, não serem destinados primariamente à educação. Entretanto os espaços não formais utilizados em atividades de educação formal possuem, dentre os seus objetivos, alguma finalidade associada à educação não formal. Entre os espaços não formais que atuam com a educação não formal, mas que podem também ser empregados para o desenvolvimento de atividades de educação formal, destacamos os museus, os parques recreativos urbanos, os jardins botânicos e zoológicos, as unidades de conservação, as feira e exposições, entre outros. Neste primeiro tópico iremos focar na natureza das práticas de criação, de percepções, de identidades, subjetividades e de reflexão crítica que ocorrem, de modo interdisciplinar, em espaços de educação não formal. Para Falk (2003), as pessoas se constituem de múltiplas histórias, produzem diferentes sentidos de uma mesma memória em diferentes momentos, a motivação e a identidade do aprendiz potencializam a aprendizagem, e o que se aprende hoje depende, enormemente, do que se aprendeu ontem e de como isso será interpretado em ocasiões futuras. Assim, os processos de aprendizagem não se constituem a partir da articulação direta de múltiplos fatores, entre eles o emocional, o cognitivo, o social e o ambiente físico, mas como momentos de produção subjetiva do sistema subjetivo do aprendiz. Neste sistema, integram-se configurações subjetivas organizadas na trajetória de vida da pessoa e sentidos subjetivos produzidos no momento atual. A constituição subjetiva do aprendiz é um elemento essencial para a compreensão dos processos de aprendizagem, na medida em que ela define o sentido que esses processos têm para esse sujeito na condição singular em que este se encontra inserido no seu momento, ao mesmo tempo, histórico e concreto. Conforme González Rey (2008, p. 34), as emoções que o sujeito vai desenvolver no processo de aprendizagem estão associadas não apenas com o que ele vivencia como resultado das experiências implicadas no aprender, mas emoções que têm sua origem em sentidos subjetivos muito diferentes que CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL trazem ao momento atual do aprender momentos de subjetivação produzidos em outros espaços e momentos da vida. Daí a importância de considerar o sujeito que aprende na complexidade de sua organização subjetiva. 2 ESPAÇOS E PRÁTICAS DE CRIAÇÃO 2.1 A APRENDIZAGEM CRIATIVA O interesse pela criatividade e seu desenvolvimento tem aumentado em nossa sociedade atual, caracterizada entre outros aspectos, pelo rápido avanço das tecnologias digitais, pela centralidade da arte e do design em nossas vidas e pela crescente necessidade de formação de indivíduos capazes de gerar informação e conhecimento. Não obstante, diferentes enfoques teóricos e epistemológicos sobre as concepções de conhecimento e de sujeito acarretam diferentes abordagens a respeito da criatividade. Se abordagens que partem da concepção de um sujeito universal tenderam a conceber a criatividade como um dom, um potencial inato, cujo indivíduo possui ou não, a concepção de um sujeito biologicamente determinado tendeu a considerar a criatividade como um fenômeno intrapsíquico, individual, resultante de um insight único, isolado de um contexto social e cultural. Tais visões ainda que superadas pela ciência, estão presentes na subjetividade social e nos espaços e práticas educativas em geral. Com base na perspectiva teórica da aprendizagem como processo da subjetividade humana, iremos conhecer agora um pouco a respeito da linha teórica que desenvolve estudos sobre a aprendizagem criativa, conforme elaborada por Mitjáns Martínez (1997). A aprendizagem criativa se refere a um tipo complexo de aprendizagem, diferenciada, por exemplo de tipos mais simples como a aprendizagem mecânica, reprodutiva ou compreensiva. Para Mitjáns Martínez, ela se caracteriza pela personalização da informação, pela autonomia do aprendiz frente ao dado e geração de ideias novas, transcendendo o que está posto. Sob a perspectiva histórico-cultural da subjetividade, assume-se que a aprendizagem criativa, longe de ser entendida como potencialidade inata do aprendiz, configura-se como uma expressão do sistema subjetivo do aprendiz e se constitui em sua história de vida e nos contextos socioculturais e relacionais em que este aprendiz se desenvolve. Reconhece-se que esse tipo de aprendizagem é pouco encontrado e/ou estimulado nos diversos contextos educacionais, em especial no contexto escolar. Não obstante, Mitjáns Martínez (2002) defende que, por consistir uma aprendizagem qualitativamente diferenciada tendo em vista a produção criativa e a mobilização subjetiva que a caracteriza, a aprendizagem criativa deveria ser priorizada por no mínimo duas razões: (1) a estabilidade do aprendido e as possibilidades de sua “transferência”para novos contextos; (2) o seu potencial como unidade de desenvolvimento da condição de sujeito no processo de aprender ou em alguma atividade que o aprendiz desenvolva CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL (MARTÍNEZ, 2012b). Em se tratando da aprendizagem criativa em contextos não formais, podemos nos perguntar: qual o papel de espaços sociais na aprendizagem? Como se expressa a aprendizagem criativa no contexto não formal? Como o aprendizado criativo no contexto não formal, é “retomado” em outros contextos? Estudos na área de aprendizagem em espaços não formais como museus destacam, como aspectos que caracterizam a aprendizagem nesse contexto, o voluntarismo, a automotivação, a livre-escolha, a ludicidade e o apelo à emocionalidade (SCHAUBLE; LEIDNHARDT; MARTIN, 1997). 2.2 O MUSEU COMO ESPAÇO NÃO FORMAL DE PERCEPÇÕES E DE APRENDIZAGEM CRIATIVA Museus são instituições hoje percebidas como espaços de permanente diálogo para significação e ressignificação do patrimônio cultural de grupos sociais. Comumente considerados instituições de educação não formal, a aprendizagem em museus, de maneira diferenciada à aprendizagem escolar, caracteriza-se por fatores como: a relação com o objeto museal e o ambiente físico, o voluntarismo; a ludicidade, a multissensorialidade e o apelo à emocionalidade; a autonomia de escolha do aprendente sobre o que aprender e em que ritmo, a não sequencialidade, entre outros. Com relação à educação em museus destaca-se a maior liberdade de seleção e organização de conteúdos, que podem ser tratados de forma interdisciplinar e contextualizada à realidade do aprendiz; a ausência de processos avaliativos, e o desejo, em decorrência dos preceitos da educação patrimonial, por uma educação que permita aos sujeitos envolvidos transcenderem os dados e informações expostas de forma a adquirirem uma postura crítica e criativa sobre as temáticas museais. (ALMEIDA, 1997). Segundo os autores (SCHAUBLE; LEINHARDT; MARTIN, 1997, p. 4), a teoria sociocultural fundamenta-se em significados, não só comportamento. Museus são espaços de signos, artefatos culturalmente significativos, ferramentas e atividades. Aprender envolve a criação de significados e é difícil pensar em instituições que mais valorizam tal concepção de aprendizagem do que museus. O Modelo Contextual, desenvolvido por Falk e Dierking (1992), intenta elencar fatores que moldam, de forma específica, a aprendizagem em museus. O modelo parte da compreensão da aprendizagem como um processo altamente situado, resultante de um diálogo contínuo e aberto entre o indivíduo e seu ambiente físico e social. De forma a entender as características específicas da aprendizagem em museus, Falk aponta a liberdade de escolha como um grande diferencial. Em sua conhecida análise, propõe museus como instituições de Free-Choice Learning (aprendizagem por livre escolha), onde o interesse e a intenção de aprendizagem tem origem no indivíduo, CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL caracterizando-se, dentro da linha construtivista, pela motivação intrínseca. Falk e Storksdieck (2005) refinaram o modelo, identificando fatores que afetam a aprendizagem em três domínios contextuais. Segundo os autores, se algum desses fatores é negligenciado, a construção da aprendizagem se torna mais difícil. Os domínios e seus fatores são: (1) O Contexto Pessoal: representa a soma total da história pessoal e genética que o indivíduo traz para uma situação de aprendizagem. A partir da perspectiva do contexto pessoal, a aprendizagem seria influenciada por: motivações e expectativas; conhecimento prévio e experiências de vida; interesses prévios e crenças; e possibilidade de escolha e controle. (2) O Contexto Social: premissa de que, como instituições situadas em um contexto sociocultural, a aprendizagem nesses espaços seria influenciada por: mediações socioculturais em grupos sociais; mediações orientadas por outros. (3) O Contexto Físico: premissa de que a aprendizagem acontece em um contexto físico e, portanto, está sempre em diálogo com ele. Nessa perspectiva, a aprendizagem é influenciada por componentes do ambiente tais como: organizadores avançados; orientadores para o espaço físico; arquitetura e ambiente geral; design da exposição e etiquetas informacionais; e eventos de reforço e experiências fora do museu. Falk reconhece o grande avanço da compreensão da aprendizagem em museus da última década, a partir das pesquisas de abordagem sociocultural, mas denuncia ainda a incapacidade das pesquisas em compreenderem, de forma mais sistêmica e em profundidade, todos os diversos fatores elencados de forma conjunta. Para Falk, as pesquisas tendem, ainda, a concentrar atenções às interações sociais e comportamentos ocorridos durante a visita, perdendo- se de vista a compreensão mais profunda de quem são os indivíduos que participam da ação educativa e de como eles são impactados por essa ação para além dela, em outros contextos de suas vidas. Segundo o autor, há que se considerar, por exemplo, que as pessoas se constituem de múltiplas histórias; que produzem diferentes sentidos de uma mesma memória em diferentes momentos; que a motivação e a identidade do aprendiz potencializam a aprendizagem, e que o que se aprende hoje depende, enormemente, do que se aprendeu ontem e de como isso será interpretado em ocasiões futuras. As ideias do autor são, no Brasil, referendadas por Bizerra e Marandino (2009), que também concordam que processos de aprendizagem não se constituem a partir da articulação direta de múltiplos fatores, entre eles o emocional, o cognitivo, o social e o ambiente físico, mas como momentos de produção subjetiva do sistema subjetivo do aprendiz. Neste sistema, integram-se configurações subjetivas organizadas na trajetória de vida da pessoa e sentidos subjetivos produzidos no momento atual. Conforme elucida González Rey (2008, p. 34): CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL as emoções que o sujeito vai desenvolver no processo de aprendizagem estão associadas não apenas com o que ele vivencia como resultado das experiências implicadas no aprender, mas emoções que têm sua origem em sentidos subjetivos muito diferentes que trazem ao momento atual do aprender momentos de subjetivação, produzidos em outros espaços e momentos da vida. Daí a importância de considerar o sujeito que aprende na complexidade de sua organização subjetiva [...]. Compreendemos assim que a aprendizagem em museus parte da condição singular do aprendiz e da forma com que este subjetiva sua experiência no contexto da visita. 3 MUSEUS E PRÁTICAS DE IDENTIDADES Diversas pesquisas, em especial na área de públicos de museus, já apontaram para a capacidade da experiência museal em influenciar a identidade e o sentido de “self” do visitante (FALK, 2004). Lynda Kelly, diretora do Australian Museum Audience Research Center, na área de identidade de aprendizagem em museus define a aprendizagem como “um processo dinâmico, dependente ao indivíduo e seu meio dentro de um contexto social, que foca alguma mudança”. Para a autora (KELLY, 2002, p. 12), a aprendizagem em museus é sobre: mudar-se como pessoa: o que consiste não só no quanto uma visita inspira e estimula a vontade das pessoas em aprender mais, mas também no quanto ela permite que essas pessoas transformem suas formas de se ver, a si próprias e ao seu mundo, como indivíduos e como parte de uma comunidade. Kelly prossegue essa análise e ocupa-se com uma pesquisa que parte das seguintes questões: o que pensam os visitantes sobre o que é aprendizagem? Como os visitantes veem a si mesmos como aprendizes em um contexto de uma visita ao museu?Se estão cientes, ou não, de como gostam de aprender, de como podem aprender de diferentes formas, das formas pelas quais não gostam de aprender e de como poderiam adaptar suas preferências de aprendizagem. A partir do entendimento de que a identidade é parte integral da experiência de aprendizagem, Kelly sugere o chamado “Modelo 6P”. Neste modelo, a identidade de aprendizagem, isto é a forma pela qual o indivíduo percebe a si mesmo enquanto aprendiz, é compreendida como o elemento central que conecta outros cinco elementos da experiência de aprendizagem no museu: objetivo, processo, pessoas, lugar e produto. Em sua pesquisa, por meio de entrevistas e questionários, a autora conclui que a experiência da visita a uma exposição pode atingir a identidade de três formas: • Influenciando a identidade de aprendizagem de visitantes na medida em que eles aprendem em suas experiências museais e se desenvolvem mais confiantes em suas aprendizagens; CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL • Integrando-se à identidade do visitante; • Entrando em conflito com a identidade do aprendiz e reforçando na mente do visitante as formas em que ele não aprende. Para a pesquisa sobre a aprendizagem em museus, o tema de identidade de aprendizagem apresenta-se bastante relevante, pois coloca em discussão a qualidade da influência da experiência educativa no museu na identidade de aprendizagem do visitante. Ou, conforme Kelly coloca, na sua capacidade de transformar as formas do visitante ver a si próprio e desenvolver-se mais confiante para novas aprendizagens. Sob a perspectiva teórica da subjetividade, compreendemos que a identidade de aprendizagem se constitui nas produções subjetivas da pessoa frente a uma situação concreta de aprender. É na forma como o indivíduo subjetiva a experiência vivenciada que aparece a sua necessidade de se reconhecer a si mesmo, de delimitar seu espaço, de encontrar congruência consigo mesmo frente à determinada situação. A partir do enfoque da Teoria da Aprendizagem Social, Kelly define identidade como sendo a expressão de como uma pessoa percebe a si própria em relação ao seu mundo e a seu papel nele. Para a pesquisadora, a identidade é uma categoria fluida, moldada pelo contexto social e que se modifica a partir de fatores diversos tais como a idade, o gênero, contextos cultural e socioeconômico e a experiência de vida. Conforme González Rey (2005) coloca, a identidade deixa de ser um sistema de estruturas estáveis e ordenadas, independente dos espaços e tempos em que se manifesta a atividade do sujeito, ou um sistema resultante da interação direta entre aspectos do indivíduo em interação com aspectos do contexto social no qual está inserido, para se constituir como expressões de sentido subjetivo que podem aparecer de formas diversas e em contextos diferentes, dependendo do jogo das produções simbólico-emocionais comprometidas na situação. Sob essa perspectiva, assumimos ainda que experiências de aprendizagem podem impactar de diferentes maneiras nossa identidade de aprendizagem, na medida em que impactam de diferentes formas nosso sistema subjetivo. 4 ESPAÇOS E PRÁTICAS DE SUBJETIVIDADES Com o intuito de compreender as possibilidades de a utilização do aprendizado criativo emergir em diferentes contextos, para além do contexto original, não formal, faz-se necessário o entendimento dos conceitos de impacto, a mudança e o desenvolvimento da subjetividade. CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL 4.1 SUJEITO E SUBJETIVIDADE A categoria sujeito refere-se, para González Rey (2005), como um momento de produção subjetiva em que o indivíduo tem consciência da processualidade de sua própria produção subjetiva e em que, em vista dessa consciência, mobiliza recursos que indiretamente influenciam essa produção. Dessa forma, para o autor, “reconhecer um sujeito ativo é reconhecer sua capacidade de construção consciente como momento de seus processos atuais de subjetivação, o que não significa que estes se ajustem a um exercício da razão [...]” (REY, 2005, p. 26) Para González Rey, a consciência na subjetividade, não é sinônimo de razão, é sinônimo de “representação, intencionalidade e reflexividade enquanto processos comprometidos com a ação do sujeito” (REY, 2005, p. 226). Essa capacidade de influenciar processos subjetivos inconscientes atribui ao sujeito sua capacidade de engendrar caminhos alternativos de produção subjetiva em momentos em que necessita. A condição de sujeito associa-se, assim, à capacidade de gerar novas opções de processos subjetivos, de gerar rupturas com a subjetividade estabelecida, nas dimensões individual e social e, por fim, de gerar novas possibilidades de ação criativa. É precisamente essa capacidade geradora do sujeito um dos importantes elementos dos processos de mudança e desenvolvimento da subjetividade, tanto individual quanto social. Segundo o autor (REY, 2007a, p. 174): uma característica essencial da subjetividade é sua capacidade para subverter a ordem institucional que caracteriza a organização hegemônica de qualquer ordem social. Tem sido precisamente essa tensão e contradição permanente um dos elementos principais da constante mudança da sociedade. Negar a subjetividade é, assim, equivalente a desconsiderar a força da produção humana mais genuína, e nos submeter ao domínio do instrumental. Assumir a subjetividade como uma nova representação ontológica da psique humana, compreendendo esta como sistema complexo engendrado pela inter-relação dinâmica e processual das categorias apresentadas, acarreta um novo olhar sobre processos de impacto e desenvolvimento da subjetividade. Processos relevantes para a compreensão do potencial valor das experiências de aprendizagem sob essa perspectiva teórica. Para González Rey (2007), o desenvolvimento da subjetividade implica em mudanças qualitativamente diferenciadas nas configurações subjetivas da pessoa, originadas a partir da implicação do indivíduo em um determinado momento de sua atuação. Tais mudanças engendram novas configurações subjetivas que, como novos repertórios psicológicos, serão produzidas em outros momentos e espaços de sua vida. Uma criança que tome aulas de música poderá, assim, desenvolver configurações de sentidos subjetivos relacionadas à sensibilidade artística, à autoria, ao respeito ao método e à técnica, que perpassariam o momento da aula em si, para serem produzidos em outros CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL momentos de sua vida. O mesmo poderia ocorrer para uma criança que aprenda judô ou qualquer outra prática esportiva e que mobilize produções subjetivas relacionadas a essa atividade em outros contextos de sua vida. Produções subjetivas relacionadas, como por exemplo, ao respeito mútuo, à competição, à consciência corporal, entre outros. Outro exemplo muito significativo e bastante citado por González Rey (2007) é a aprendizagem da leitura e da escrita como unidade subjetiva de desenvolvimento. Frequentemente tomada como o desenvolvimento de uma habilidade, esta aprendizagem, em muitas crianças, pode relacionar-se a construções emocionais de autoestima e autoconfiança, assim como promover a socialização e a criatividade, de forma a transcender habilidades cognitivas ou motrizes e influir em seu desenvolvimento integral. O desenvolvimento da subjetividade associa-se, assim, às formas próprias de organização e de processualidade do sistema subjetivo; à tensão entre as configurações da personalidade e as configurações e sentidos subjetivos que permanentemente emergem no curso da ação. Um movimento em que novas configurações subjetivas se organizam como recursos subjetivos para o indivíduo,em contextos diversos de sua vida. Considera-se, assim, uma concepção de desenvolvimento da psique humana que deixa de ser compreendida como um processo de aquisições próprias de etapas universais, para tornar-se um processo integral do sistema psíquico, que compromete configurações de sentido subjetivo, que implicam o crescimento da pessoa em variadas esferas de sua vida. CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL TÓPICO 2 PROCESSOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM EM ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL 1 INTRODUÇÃO Será que existem barreiras concretas entre o ensino e o aprendizado formal e não formal? E o papel do professor e do aluno, mudou ou não nas últimas décadas? E quais seriam as novas dinâmicas do ensino e do aprendizado em espaços de educação não formal? Neste tópico abordaremos estas questões que ocorrem no limiar dos espaços formais e não formais e analisaremos as novas agências de docentes e alunos dentro de novas dinâmicas educacionais, que se dão na contemporaneidade global, intercultural e cibernética. 2 AS INTERFACES DE ENSINO FORMAL E NÃO FORMAL Como vimos antes na Etapa 1 deste livro de estudos, a educação formal tem objetivos claros e específicos e é representada principalmente pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz educacional centralizada como o currículo, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dos ministérios da educação. A educação não formal é mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática. Os programas de educação não formal não precisam necessariamente seguir um sistema sequencial e hierárquico de “progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder certificados de aprendizagem. Toda educação é, de certa forma, educação formal, no sentido de ser intencional, mas o cenário pode ser diferente: o espaço da escola é marcado pela formalidade, pela regularidade, pela sequencialidade. O espaço da cidade (apenas para definir um cenário da educação não formal) é marcado pela descontinuidade, pela eventualidade, pela informalidade. A educação não formal pode ser também uma atividade educacional organizada e sistemática, mas levada a efeito fora do sistema formal. Daí também alguns a chamarem impropriamente de “educação informal”. São múltiplos os espaços da educação não formal. Além das próprias escolas (onde pode ser oferecida educação não formal) temos as organizações não governamentais (também definidas em oposição ao governamental), as igrejas, os sindicatos, os partidos, a mídia, as associações de bairros etc. Na educação não formal, a categoria espaço CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL é tão importante como a categoria tempo. O tempo da aprendizagem na educação não formal é flexível, respeitando as diferenças e as capacidades de cada um, de cada uma. Uma das características da educação não formal é sua flexibilidade tanto em relação ao tempo quanto em relação à criação e recriação dos seus múltiplos espaços. Trata-se de um conceito amplo, muito associado ao conceito de cultura. Daí ela estar ligada fortemente a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos e à participação em atividades grupais, sejam esses adultos ou crianças. Segundo Maria da Glória Gohn (1999, p. 98-99), a educação não formal designa um processo de formação para a cidadania, de capacitação para o trabalho, de organização comunitária e de aprendizagem dos conteúdos escolares em ambientes diferenciados. Por isso ela também é muitas vezes associada à educação popular e à educação comunitária. A educação não formal estendeu-se de forma impressionante nas últimas décadas em todo o mundo como “educação ao longo de toda a vida” (conceito difundido pela UNESCO), englobando toda sorte de aprendizagens para a vida, para a arte de bem viver e conviver. Não se trata, portanto, aqui, de opor a educação formal à educação não formal. Trata-se de conhecer melhor suas potencialidades e harmonizá-las em benefício de todos. Gostaria, a seguir, de me referir a um exemplo concreto de um espaço cada vez mais utilizado para na educação tanto formal quanto não formal. Trata-se do ciberespaço da formação propiciado pelo avanço das novas tecnologias. As novas tecnologias da informação criaram novos espaços do conhecimento. Agora, além da escola, também a empresa, o espaço domiciliar e o espaço social tornaram-se educativos. Cada dia mais pessoas estudam em casa, podendo, de lá, acessar o ciberespaço da formação e da aprendizagem a distância, buscar fora das escolas a informação disponível nas redes de computadores interligados, serviços que respondem às suas demandas pessoais de conhecimento. Por outro lado, a sociedade civil (ONGs, associações, sindicatos, igrejas...) está se fortalecendo, não apenas como espaço de trabalho, mas também como espaço de difusão e de reconstrução de conhecimentos. Como previa Herbert Marshall McLuhan (1969), na década de 60, o planeta tornou-se a nossa sala de aula e o nosso endereço. O ciberespaço rompeu com a ideia de tempo próprio para a aprendizagem. O espaço da aprendizagem é aqui, em qualquer lugar; o tempo de aprender é hoje e sempre. Hoje vale tudo para aprender. Isso vai além da “reciclagem” e da atualização de conhecimentos e muito mais além da “assimilação” de conhecimentos. A sociedade do conhecimento é uma sociedade de múltiplas oportunidades de aprendizagem. As consequências para a escola, para o professor e para a educação em geral são enormes. É essencial saber comunicar-se, saber CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL pesquisar, ter raciocínio lógico, saber organizar o seu próprio trabalho, ter disciplina para o trabalho, ser independente e autônomo, saber articular o conhecimento com a prática, ser aprendiz autônomo e a distância. Nesse contexto, o professor é muito mais um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito de sua própria formação. O aluno precisa construir e reconstruir conhecimento a partir do que faz. Para isso o professor também precisa ser curioso, buscar sentido para o que faz e apontar novos sentidos para o que fazer dos seus alunos. Ele deixará de ser um lecionador para ser um organizador do conhecimento e da aprendizagem. O professor se tornou um aprendiz permanente, um construtor de sentidos, um cooperador, e, sobretudo, um organizador da aprendizagem. É aquele que “cuida” da aprendizagem. O “cuidado” é uma categoria essencial na tarefa de educador. Não se trata do cuidado no sentido assistencial, mas do cuidado no sentido da atenção e da responsabilidade ético-política do educador. De nada adiantará ensinar, se os alunos não conseguirem organizar o seu trabalho, serem sujeitos ativos da aprendizagem, autodisciplinados, motivados. E não é suficiente oportunizar o acesso e a permanência na escola para todos: o direito à educação implica o direito de aprender. Hoje as teorias do conhecimento estão centradas na aprendizagem. Mas só aprendemos quando nos envolvemos profundamente naquilo que aprendemos, quando o que estamos aprendendo tem sentido para as nossas vidas. Conhecer e aprender são processos “autopoiéticos” (MATURANA; VARELA, 1995), ou seja, auto-organizativos. Só conhecemos realmente o que construímos autonomamente. Frente à disseminação e à generalização da informação, é necessário que a escola e o professor, a professora, façam uma seleção crítica da informação, pois há muito lixo e propaganda enganosa sendo veiculados através da mídia e da internet. Não podemos estabelecer fronteiras muito rígidas hoje entre o formal e o não formal. Ao mesmo tempo, quando falamos de educação formal ou não formal não se tratade dar crédito a uma ou a outra, mas sim de correlacioná- las para que possam interferir juntas em um processo de formação intelectual, consciente e crítico do ser humano. Ou seja, não se trata, portanto, de opor a educação formal à educação não formal, é conhecer melhor as potencialidades de ambas e relacioná-las a favor de todos e, principalmente, das crianças e adolescentes. Na escola e na sociedade, interagem diversos modelos culturais. O currículo consagra a intencionalidade necessária na relação intercultural pré-existente nas práticas sociais e interpessoais. Uma escola é um conjunto de relações interpessoais, sociais e humanas onde se interage com a natureza e o meio ambiente. Os currículos monoculturais do passado, voltados para si mesmos, etnocêntricos, desprezavam o “não formal” como “extraescolar”, ao passo que os currículos interculturais de hoje reconhecem a informalidade como uma característica fundamental da CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL educação do futuro. O currículo intercultural engloba todas as ações e relações da escola; engloba o conhecimento científico, os saberes da humanidade, os saberes das comunidades, a experiência imediata das pessoas, instituintes da escola; inclui a formação permanente de todos os segmentos que compõem a escola, a conscientização, o conhecimento humano e a sensibilidade humana, considera a educação como um processo sempre dinâmico, interativo, complexo e criativo. 2.1 ANÁLISE CRITICA DAS INTERFACES DE ENSINO FORMAL E NÃO FORMAL (MUSEU-ESCOLA) Köptke (2002) aponta que a relação museu-educação formal se constituiu historicamente, de forma complexa; diferentes tipos dessa relação coexistem (coabitação, colaboração, complementaridade), a depender das características da instituição e dos interesses políticos em jogo. Defende que esta deva ser entendida como uma parceria construída de forma contextualizada, pelos atores sociais, dentro da dinâmica social sob o qual se desenvolve. A complexidade dessa relação se reflete nos estudos da área. Enquanto uma série de estudos procura reforçar a complementariedade na relação museu- escola (KÖPTCKE, 2002), outros apresentam uma série de desafios desta parceria. Entre esses desafios, aponta-se a crítica à excessiva “escolarização” das exposições museais e à avaliação da aprendizagem museal por meio da ótica escolar, tradicionalmente privilegiadora de fatores cognitivos (FALK; DIERCKING, 1992); a denúncia da “pouca” aprendizagem devido, entre outros fatores, à excessiva ludicidade das exposições, e, por fim, a crítica à falta de preparo dos professores e de clareza dos papéis do professor e do monitor durante as visitas. No que se refere à tendência da avaliação da aprendizagem em museus por meio da ótica escolar, os estudos de Falk e Dierking (1992) sugerem que há evidências indiretas de aprendizagem em museus, porém poucos demonstraram efetivamente o aprendizado de fatos e conceitos durante as visitas. Segundo os autores, uma manifestação desta confusão é a equivocada noção de que o aprendizado é primariamente a aquisição de novas ideias, fatos ou informações ao invés de ser considerado como uma consolidação lenta e gradual de ideias e informações pré-existentes (FALK; DIERCKING, 1992). Para esses autores, fatores afetivos e psicomotores influenciam a qualidade da aprendizagem em museus que, no entanto, é predominantemente avaliada apenas pelos ganhos cognitivos. Com efeito, de maneira análoga a esse entendimento, outros autores reconhecem também a importância dos fatores afetivos na motivação, na concentração e na construção do conhecimento a partir da exposição. Concluem, de forma geral, que a experiência vivenciada em um museu não deve ser considerada por sua eficácia em transmitir grandes quantidades de informação, mas sim pelo seu potencial em gerar interesse e entusiasmo. CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL Part indo do enfoque do estudo sobre comunicação exposit iva , Marandino (2003) sugere que o papel da mediação humana no museu deve ser dimensionado. Para ela, não se pode igualar os museus às escolas e os mediadores aos professores. A autora, mesmo reconhecendo o grande valor da mediação humana para a aprendizagem em museus, sugere que a comunicação expositiva deve atentar para não depender da mediação humana para sua compreensão. Para a autora, “encontrar a linguagem educativa e comunicativa que respeite as especificidades dos museus [...] é um dos grandes desafios” (MARANDINO, 2003, p. 119). Costa et al. (2007) defendem que, por possuírem maior liberdade na seleção e organização de conteúdos e metodologias de ensino, museus ampliam as possibilidades para o desenvolvimento de um trabalho educativo interdisciplinar, historicizado e contextualizado. Justificam, assim, a parceria museu-escola na tentativa de subverter, como um dos meios da educação não formal, a lógica homogeneizante, reprodutivista e reificadora do conhecimento, dominante no sistema escolar, que está sujeito ao Sistema Nacional de Ensino. Almeida (1997) aponta ainda diferenças entre a educação museal e a educação escolar na medida em que museus, como instituições ligadas à educação patrimonial, devem buscar, como forma essencial para o desenvolvimento da condição de cidadão, a permanente leitura crítica e criativa dos visitantes sobre as temáticas museais. Nessa direção, segundo a autora, a educação de museus deve ir além da escola. Em suma, a relação museu escola não ocorre sem desafios e as inter-relações entre a aprendizagem museal e a aprendizagem escolar, apesar de amplamente reconhecidas, não são ainda compreendidas em sua devida profundidade (ANDERSON; LUCAS; GINNS, 2003). Em nosso entendimento, a compreensão das inter- relações entre a aprendizagem nos contextos formal e não formal, envolve a compreensão de como as aprendizagens são retomadas em diferentes contextos e momentos. Isso nos conduz a indagações tais como: o que nos leva a retomar um aprendizado? Como diferentes tipos de aprendizagem, entre eles a aprendizagem memorística, reprodutiva, compreensiva e/ou criativa favorecem a utilização do aprendizado em diferentes contextos? A aprendizagem criativa, por se constituir a partir de uma produção subjetiva qualitativamente diferenciada, caracterizada pela forte implicação do aprendiz com seu processo de aprender e com o aprendizado em si, tem o potencial para favorecer a retomada do aprendizado criativo em diferentes contextos para além do contexto original de aprendizagem. Acreditamos ser essa uma via potencial para a compreensão das inter-relações entre as aprendizagens em diferentes contextos e, no caso aqui colocado, entre contextos formais e não formais. CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL TÓPICO 3 PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL NA ATUALIDADE 1 INTRODUÇÃO As políticas públicas e sociais têm oferecido como alternativa para as crianças e adolescentes em situação de risco social, uma prática educativa que vem sendo executada por instituições, organizações não governamentais e movimentos sociais, que é a educação não formal, que tem sua atuação em contraturno com a escola e oferecem atividades diferenciadas da educação formal. São atividades alternativas que possuem propostas educativas, variáveis de acordo com a instituição, organização ou movimento social, no geral estas atividades são voltadas para a questão artística, lúdica e cultural. A educação não formal visa contribuir para o desenvolvimento de crianças, adolescentes e adultos, e ainda tem como um de seus objetivos erradicar o trabalho infantil. Esse modelo de educação é recente na história do Brasil e vem se construindo. É um serviço quese entende por auxiliar no direito à educação e que contribui para inclusão do sujeito no âmbito educacional. Este modelo alternativo de educação não se dá apenas em instituições fechadas, apesar de na maioria dos casos se caracterizarem desta forma, mas também através de movimentos sociais e ainda organizações não-governamentais que atuam com a questão da infância e adolescência, o que desmistifica a questão apenas institucional da educação não formal. A infância e a adolescência, para ser considerada, respeitada e legitimada, necessitou de intervenções políticas que até hoje ainda buscam apoios em movimentos sociais e organizações não governamentais. Estas interferem para que se cumpra o que determina as políticas e também para que se criem políticas voltadas para a infância, como o caso das políticas sociais que contribuem na legalidade da educação não formal. 2 PRÁTICAS NA ESCOLA PÚBLICA: A ESCOLA ABERTA A escola, geralmente definida como um espaço de educação formal, também é uma proposta de lugar para a atuação para essa nova concepção não formal de educação. A escola aberta, por exemplo, é uma proposta do governo federal que tem por objetivo possibilitar a comunidade ao redor da escola que possa utilizá-la fora do horário escolar com atividades lúdicas, culturais e esportivas, como um espaço de educação não formal. CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL A ação da educação não formal foi se concretizando com a atuação de práticas educativas alternativas que não eram a princípio consideradas como educação, pois não seguiam as normas formais da escola, contudo em sua ação estava construindo uma relação forte de ensino e aprendizado condizente com a escola ou ainda mais educativa que tal espaço. A transformação da sociedade em suas relações de família, trabalho e educação foram possibilitando a reformulação do contexto educacional, principalmente no que diz respeito à educação das crianças e adolescentes que se fez necessário novas opções de educação já que a família e o contexto formal, ou seja, escolar já não garantiam este processo sozinhas. Contudo a educação não formal, apesar de ser uma alternativa enriquecedora na formação do sujeito não deve tomar para si a responsabilidade da educação nem mesmo se considerar a ‘salvação’ da escola no processo de ensino, pois assim estaria desvalorizando um espaço tão importante e necessário como a escola. O que é necessário e importante caracterizar é que independente do espaço educacional a relação de formação se dê, e possibilite a formação de um sujeito crítico e transformador de seu contexto, o espaço escolar, por exemplo, pode ser um espaço também de educação não formal, pois o conceito de educação sustentado pela Convenção dos Direitos da Infância ultrapassa os limites do ensino escolar formal e engloba as experiências de vida, e os processos de aprendizagem não formais. FIGURA 1 – A ESCOLA ABERTA FONTE: Disponível em: <https://sites.google.com/site/estatisticaedu/escola-aberta>. Acesso em: 7 ago. 2017. Neste sentido é que se busca a utilização dos espaços da educação para a educação, levando em consideração ainda que a escola, por exemplo, sendo um espaço de e para a educação e ainda sendo um espaço público deve ser de acesso a todos tanto para suas atribuições formais quanto para as não- CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL formais ou ainda informais. O espaço da escola não deve se restringir apenas às práticas educativas formais, pois isso leva a comunidade a se afastar da mesma e não se apropriar deste espaço tão rico e público o que possivelmente causa o abandono escolar por parte da família e consequentemente por parte da criança e do adolescente. A escola aberta é uma possibilidade, uma alternativa de se atrair as pessoas para a escola, favorecendo no processo de valorização do espaço e no processo de desenvolvimento pessoal e dos sujeitos que ali estiverem. É um espaço alternativo na comunidade para se utilizar aos finais de semana ou ainda em horários extraescolares. Esta alternativa denominada escola aberta é um programa do ministério da educação juntamente com a Unesco e tem por objetivo contribuir para a melhoria da qualidade da educação e possibilitar a inclusão por meio da ampliação das relações entre escola e comunidade. Este espaço aberto à comunidade não tem como perspectiva uma ação voluntária no sentido de assumir um papel, ou ainda uma ação que substitua as responsabilidades do governo. Esta ação tem ainda o objetivo de efetivar a participação da comunidade e em prioridade a participação da comunidade escolar, principalmente as crianças e adolescentes, para a reivindicação de seus direitos. 3 EDUCAÇÃO NÃO FORMAL NAS CIDADES A cidade é um espaço não formal de educação que proporciona diferentes aprendizagens quando os habitantes se relacionam com a sua estrutura. Trata-se de uma criação humana composta pelo plural de praças, ruas, avenidas e, também, por características singulares, como esquinas, becos e cantos. Portanto, a cidade é um núcleo vivo (FREITAG, 2002). Nesse sentido, não pode ser entendida apenas como um lugar de passagem, mas de interação, de comunicação e de encontro de seus habitantes, e destes com o meio. Tal premissa é válida não só para adultos, mas também para crianças, que a partir de ações cotidianas podem experimentar, explorar e aprender no e com o meio urbano. A experiência da infância urbana contemporânea se aproxima cada vez mais ao estilo de vida dos adultos que vivem a cidade de maneira fragmentada. Enquanto a cidade concentra recursos e atividades em espaços específicos, adultos têm sua mobilidade associada ao uso de automóveis (SENNET, 2008). Essa compartimentação da cidade nos leva a crer que, ao invés de pertencer a todos, cidades têm segregado as crianças a espaços especializados e privados. CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL O confinamento das crianças em espaços especializados e privados está ligado à preocupação dos adultos em assegurar proteção às crianças. Entretanto, a falta de contato com espaços públicos e não especializados pode vir a afastar as crianças da convivência com outros grupos geracionais e propiciar uma visão limitada da cidade. Espaços vazios, calçadas, ruas, esquinas e cantos podem ser ao mesmo tempo convenientes e interessantes. Tonucci (1996) afirma que espaços públicos e não especializados proporcionam uma variedade de experiências e permitem que crianças tomem suas próprias decisões, uma vez que não sofrem a predeterminação de como devem ou não ser utilizados. Exemplifica Castro (2004) que, para algumas crianças do Rio de Janeiro, a rua é lugar de convergência da pluralidade e da diferença, da descoberta e da convivência, da aprendizagem e do deslocamento. Ainda, Müller (2007) destaca que, em certas situações, a rua é indicada pela criança como uma extensão da casa, um lugar de encontro para brincar e conversar. Desse modo, a afirmativa de que crianças de zonas urbanas vivenciam menos os espaços públicos não é universal, mas pode variar de cidade para cidade, de bairro para bairro, a depender dos grupos sociais que ali habitam. Na década de 90 do século XX foi constituído o Movimento de Cidades Educadoras, mais precisamente em 1990, Barcelona foi à primeira cidade educadora. Atualmente, muitas cidades adotaram a Carta das Cidades Educadoras (Declaração de Barcelona, 1990 e Declaração de Génova, 2004) e, em 1994 formalizou-se como Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE). As cidades aderentes consideram que a cidade para além da sua dimensão educativa tem também uma dimensão educadora o que implica um trabalho concertado entre todos os agenteseducadores da cidade assim como promover um intercâmbio entre cidades. Segundo o AICE, a “Cidade Educadora” é uma cidade que demonstra alternativas de práticas educativas que podem garantir a participação em sua integralidade, ou seja, a participação da comunidade em todas as ações da cidade, nas questões de educação, política, cultura e econômica. Contribuem para uma formação integral: A cidade educadora entende o meio urbano como um espaço multidimensional de convivência e de relações baseadas no respeito, no tratamento positivo da diferença, na informação e na participação. Entende a vida urbana também, como uma luta solidária para combater o sofrimento e a desigualdade e para conseguir uma maior coesão social que só será possível em uma sociedade democrática. Também entende a educação como processo de crescimento e transformação que permite as pessoas obterem mais formação e informação, que sejam mais livres e solidárias, mais capazes de ter uma vida plena (Associación Internacional de Ciudades Educadoras – 2001). CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL FIGURA 2 - A CIDADE EDUCADORA FONTE: Disponível em: <http://educacaointegral.org.br/glossario/cidade- educadora/>. Acesso em: 7 ago. 2017. Esta possibilidade de cidade educadora vem se desenvolvendo ao longo do tempo como uma prática educativa e envolve as escolas para esta ação, contudo é uma maneira de se pensar a educação além da rotina formalizada deste espaço e que assim possa atingir o ‘além muro’ da escola, atingir a comunidade em geral, a cidade. Segundo a Associación Internacional de Ciudades Educadoras, este movimento conta com a participação de 245 cidades, de 28 países, que se comprometem a cumprir os princípios da Carta das Cidades Educadoras. A rede brasileira é formada pelas cidades de Alvorada, Belo Horizonte, Campo Novo do Parecis, Caxias do Sul, Cuiabá, Pilar e Porto Alegre, sendo que esta última é responsável pelo Comitê de Coordenação provisório da AICE no Brasil. Esse comitê atua em três campos: informação, intercâmbio e formação. A Carta das Cidades Educadoras, escrita em Barcelona, trata dos conceitos a serem respeitados pela cidade que pretende tornar-se educadora, e permitem que a cidade se torne um lugar de ações e práticas educativas que possibilite a formação integral do sujeito enquanto ser humano consciente e crítico. Nesta carta lê-se que: a cidade será educadora quando reconheça, exercite e desenvolva, além de suas funções tradicionais (econômica, social, política e de prestação de serviços), uma função educadora, quando assume a intencionalidade e responsabilidade e cujo objetivo seja a formação, promoção e desenvolvimento de todos os seus habitantes, começando pelas crianças e jovens (Carta de Cidades Educadoras – Barcelona 1990). 4 EDUCAÇÃO NÃO FORMAL E CULTURA POPULAR A educação não formal pode ocorrer também no universo da cultura popular, onde um mestre exerce papel fundamental. Essas experiências são geralmente baseadas na tradição, na ancestralidade, no ritual, na memória coletiva, na solidariedade e num profundo respeito à sabedoria do mais velho, como principal responsável pela transmissão desses saberes às novas gerações, e podem auxiliar num processo de construção de formas alternativas CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL de se pensar a educação, sobretudo aquela voltada às camadas menos favorecidas da nossa sociedade. Estas são, em última instância, elas próprias as responsáveis por essas experiências ricas em conhecimentos e saberes que, normalmente, não são reconhecidos nem valorizados nos processos envolvendo a educação formal no Brasil. A cultura popular brasileira é riquíssima, pois abarca conhecimentos tradicionais de vários grupos étnicos que formam nosso tecido cultural, como os indígenas, africanos, europeus, asiáticos e romanies (ciganos). As formas tradicionais de transmissão dos saberes pertinentes a grupos sociais geralmente excluídos, considerados atrasados e rudimentares, foram, no passado, discriminados por alguns setores da intelectualidade acadêmica. Pela beleza em que se constroem as relações de pertencimento, o sentido de identidade, o respeito pela tradição e pelos antepassados, e pela simplicidade e alegria com que se celebra a vida, entendemos que a cultura popular nos tem muito a ensinar. O campo das ciências sociais muito tem discutido atualmente sobre a necessidade de se validar os saberes oriundos da tradição popular, da experiência e do cotidiano. Os saberes, qualquer que seja sua origem – popular ou acadêmico-científica –, devem ser valorizados sem hierarquizações, preconceitos ou discriminações. É preciso uma racionalidade mais ampliada, que possibilite validar esses saberes que, segundo Boaventura Souza Santos (2002), foram “produzidos para não existirem, violentados e ocultados por uma racionalidade estreita, perversa, e profundamente preconceituosa” (apud ABIB, 2006, p.97). Nesse sentido, entendemos ser fundamental o debate acerca da memória, da ancestralidade, da oralidade e da ritualidade, sobretudo quando se trata de grupos sociais que lutam para preservar sua cultura e suas tradições, e do papel que exercem os processos educacionais nesses contextos, onde as formas de transmissão dos saberes podem nos permitir uma profunda reflexão sobre as possibilidades de pensar novos caminhos para a educação formal em nosso país. Para melhor exemplificar uma dinâmica de educação não formal com a cultura popular, iremos apontar os processos educativos não-formais presentes na capoeira angola, no sentido de levantar alguns aspectos importantes desses processos. Estamos buscando, assim, inspiração nas formas tradicionais de ensinar-aprender utilizadas nesse universo, sobretudo a partir das influências marcantes da cultura afro-brasileira, que caracterizam decisivamente as manifestações da cultura popular, para refletirmos sobre os modelos de aprendizagem, baseados na transmissão oral da memória coletiva de um grupo social, função exercida pelos mais velhos que são os responsáveis por disponibilizar os saberes e as tradições daquele grupo social aos mais jovens. Através do reconhecimento sobre sua sabedoria e sua função social de guardiões das tradições, a comunidade atribui a eles o título de mestres. CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL O mestre tem profunda ligação com a própria palavra tradição, que vem do latim: traditio. O verbo é tradere e significa precipuamente entregar, designa o ato de passar algo para outra pessoa, ou de passar de uma geração a outra geração. O verbo tradere tem relação também com o conhecimento oral e escrito. Isso quer dizer que, através da tradição, algo é dito e o dito é entregue de geração a geração. FONTE: Disponível em: <http://www.bantus.asn.au/history.html>. Acesso em: 7 ago. 2017. FIGURA 3 - MESTRE JOÃO PEQUENO DE PASTINHA (À ESQUERDA) E MESTRE PINTOR O mestre é aquele que permite que os saberes transmitidos pelos antepassados vivam e sejam dignificados na memória coletiva. A capoeira angola nos traz exemplos belíssimos de como os saberes são transmitidos pacientemente pelo mestre, a exemplo do mestre João Pequeno de Pastinha, que na sua forma de ensinar revela um profundo sentimento de amor para com seus alunos – ou discípulos –, traduzido pelo respeito ao “tempo de aprender” de cada um, pela forma como toca corporalmente seus alunos para ensinar os movimentos, herança de uma pedagogia africana, baseada na proximidade entre o mestre e o aprendiz. As músicas e ladainhas presentes no universo da capoeira são também elementos importantíssimos no processo de transmissão dos saberes, pois é através delas que se cultuam os antepassados,seus feitos heroicos, seus exemplos de conduta, fatos históricos e lugares importantes para o imaginário dos capoeiras, o passado de dor e sofrimento dos tempos da escravidão, as estratégias e astúcias presentes nesse universo, assim como também as mensagens. 5 EDUCAÇÃO NÃO FORMAL E ARTES: O EXEMPLO DAS ONGS No Brasil, desde meados dos anos 1990, houve uma crescente tendência de se tomar a arte como instrumento pedagógico mais apropriado para a “transformação da vida” de crianças e adolescentes ditas “em situação de CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL risco”, ou seja, as que, por causa da origem social, são consideradas como potencialmente aptas a assumir comportamentos considerados “desviantes”, como criminalidade e prostituição. Tal tendência tem, nas iniciativas de educação não formal implementadas pelas ONGs, após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seus principais ícones. Dentre tantas iniciativas implementadas por ONGs brasileiras, a Escola de Dança e Integração Social para Crianças e Adolescentes – EDISCA, financiada pela UNESCO e pelo Instituto Ayrton Senna pode ser apontada como um bom exemplo ou modelo de experiência bem-sucedida de arte-educação no trato com o referido público. A EDISCA, em Fortaleza, atende a um público formado por crianças e adolescentes oriundos de famílias de baixa-renda. São filhos de pescadores, domésticas, vendedores ambulantes, desempregados, o que os coloca em condições socioeconômicas desfavoráveis para usufruto dos bens e serviços que a sociedade produz. Carências nutricionais, ausência do que, em sociedade, é classificado como “bons modos”, “boa higiene”, cuidados com a saúde, dentre outros, formam o leque de necessidades que, no entender da ONG, precisam ser trabalhadas para livrar essas pessoas do “risco” que a periferia oferece, oportunizando a construção de novas possibilidades de inserção social. FIGURA 4 - ESCOLA DE DANÇA E INTEGRAÇÃO SOCIAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES – EDISCA FONTE: Disponível em: <http://www.verdinha.com.br/entretenimento/30035/ edisca-abre-inscricoes-para-criancas-de-varios-bairros-de-fortaleza-saiba-como- participar/>. Acesso em: 7 ago. 2017. Assim, aulas de dança, palestras educativas, aquisição de novos hábitos alimentares, bem como de cuidados com a higiene e a saúde do corpo, dentre outras atividades, compõem a educação que esta escola propicia. Tal educação é apresentada pela ONG como complementar e é proporcionada pela escola formal e pela família. CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL A EDISCA é um exemplo paradigmático dos novos discursos e práticas, implementados em relação às crianças e adolescentes no período pós Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Sua atuação está inscrita, principalmente, nos parâmetros de atendimento que visam a um trabalho socioeducativo com pretensões emancipadoras, baseado nas noções de cidadania e desenvolvimento humano. A ONG, utiliza a arte como aporte pedagógico, perseguindo a seguinte missão: “Promover o desenvolvimento humano de crianças e adolescentes visando formar cidadãos sensíveis, criativos e éticos através de uma pedagogia transformadora com centralidade na arte” (EDISCA, 2015, s.p.). Esta escola surgiu em 1991, quando uma bailarina e coreógrafa de Fortaleza conseguiu um patrocínio da Secretaria de Cultura do Estado para sua companhia de dança. Em contrapartida, os bailarinos da Companhia ministrariam aulas de dança para crianças da periferia de Fortaleza. A equipe escolheu um bairro da cidade, onde selecionou um grupo de 50 crianças, para iniciar uma turma-piloto. A partir daí a ideia de ampliar o trabalho, através da criação de uma ONG, foi ganhando corpo. Para fazer parte do Projeto, as crianças, com idade entre 7 e 10 anos, passam por uma seleção, conhecida como audição. É uma espécie de aula de dança, em que são avaliados critérios referentes às habilidades e potencialidades que, no entendimento da ONG, são necessários ao bom desenvolvimento dessa modalidade artística: musicalidade, coordenação motora, flexibilidade e lateralidade. A área pedagógica compreende as atividades de “fortalecimento do ensino formal”, “informática educativa” e “preparação para o mundo do trabalho”. As ações de “fortalecimento do ensino formal” incluem aulas de reforço, disponíveis para os alunos que apresentem baixo desempenho nas disciplinas do currículo escolar, serviço de biblioteca e atividades esporádicas chamadas de “oportunidades educativas”: oficinas de contação de histórias, visitas a museus e exposições, gincanas culturais, dentre outras atividades. A ONG, pela trajetória e pelo que o nome sugere, nasceu da ideia de tomar a dança como um instrumento pedagógico para promoção da “integração social”. Assim, as aulas de dança foram a primeira atividade a ser oferecida; tudo o mais foi incluído tendo a dança como referência. A ONG ganhou notoriedade e reconhecimento a partir de 1995, ano da montagem e estreia do balé que passou a ser sua marca registrada: o Jangurussu. Inspirando-se na realidade das pessoas que, à época, viviam e trabalhavam no aterro sanitário de Fortaleza, com Jangurussu, a ONG criou um espetáculo-denúncia, que conseguiu transformar em arte o cotidiano permeado de miséria e injustiça social do lugar. CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL O espetáculo transformou-se em fenômeno de público e de crítica, e a ONG passou a receber convites para se apresentar, em diversos lugares do Brasil e do mundo, de modo que traz no currículo apresentações em várias capitais do País, na Itália, França, Áustria e Alemanha. 6 EDUCAÇÃO NÃO FORMAL, AS CIÊNCIAS E A SOCIEDADE O desafio do novo tempo exige, especialmente para aqueles que analisam e se dedicam às questões educacionais, a indicação de pistas e rumos capazes de preparar, em tempo cada vez mais curto, indivíduos de gerações e grupos étnicos, religiosos, culturais e sociais diferentes para viverem em contextos sociais plurais e que requerem conhecimentos e domínios de habilidades permanentemente atualizados e continuamente articulados em termos de teoria e prática. Neste contexto, ganha força a defesa da tese da alfabetização científica e tecnológica, que vem sendo discutida desde os anos 70 e que contém em sua formulação o debate sobre a relação entre ciência, tecnologia e sociedade. FIGURA 5 – CIÊNCIA E SOCIEDADE NA EDUCAÇÃO NÃO FORMAL FONTE: Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/07/ professor-descreve-passo-a-passo-para-montar-um-museu-escolar-com-a-ajuda- de-estudantes-4548634.html>. Acesso em: 7 ago. 2017. A tecnologia, que inicialmente deriva da ciência, somente passou a ser focalizada com maior destaque quando, neste século, provocou impactos fortes sobre a sociedade ao comprovar tanto seu poder de destruição (a bomba atômica na II Guerra) quanto sua capacidade de solucionar problemas (aparelhos e artefatos que permitem diagnósticos precisos de doenças), de aprofundar conhecimentos (artefatos que permitem deslocamentos, observações, medidas etc.) e de oferecer comodidades e diversões de toda ordem (aparelhos para comunicação a longa distância, filmes, vídeos etc.). CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL Para os defensores da especificidade do conhecimento tecnológico, este não pode ser reduzido à ciência aplicada, pois tem propósitos e exige processos diferentes de saberes e habilidades explicitamente voltadas para mudar o ambiente material. Na caracterização de sua especificidade, encontram-se os seguintes aspectos: 1) processo de design, que começa com a percepção de uma necessidade, continuacom a formulação de uma especificação, a geração de ideias, uma solução final e a conclusão que ocorre com uma avaliação das soluções; 2) necessidade prática, pois todo design tem de ser realizado seja por meio de protótipo, massa ou modelo tridimensional no computador; 3) cooperação de diferentes especialistas (designer, engenheiro, cientista de materiais etc.) que devem desenvolver múltiplas funções para dar materialidade ao produto (operar com materiais, tomar decisões, comunicar-se com clientes etc.); 4) envolvimento de valores de um ponto de vista particular, que engloba desde critérios para design (estéticos, ergométricos, econômicos etc.) até soluções de teor ético; 5) interesse social, pois há razão para crer que a tecnologia é moldada pela sociedade – pela escolha do consumidor, por exemplo – mas também molda a sociedade. Apresentamos aqui como exemplo uma possibilidade de interação entre o aprendizado da ciência e da tecnologia através da interação entre a escola e o museu. O museu de ciências possibilita uma continuidade e um aprofundamento prático e teórico da formação de saberes inicialmente oferecidos em sala de aula, com novos saberes a serem adquiridos através dos técnicos de museu em visitas guiadas e em atividades museais de pesquisa. Em outras palavras, o museu de ciências oferece recursos didáticos e paradidáticos e atividades que permeiam a prática escolar. Para Solomon (1993), o ensino de ciência e tecnologia em museus de ciências deve visar, sobretudo, ao desenvolvimento de atitudes para enfocar e solucionar, de modo significativo, os problemas da aplicação da ciência na sociedade, além de ensinar a compreender o modo como a ciência atua no contexto social. Por essa razão, o ensino em ciência e tecnologia deve se sustentar em sólidas bases morais e sociais. Ainda aponta como características específicas do estudo da ciência e tecnologia na educação a compreensão das ameaças ambientais para a qualidade de vida de todo o globo, a compreensão de que a ciência tem uma natureza falível, a discussão de opinião e valores sociais para produção de ações democráticas e a dimensão multicultural da ciência como um todo. O ensino de ciência e tecnologia em museus pode dar ao aluno a oportunidade de compreender e desenvolver conhecimentos de modo dinâmico ao partir do pressuposto de que as ideias científicas mudam com o tempo e que o uso delas é afetado pelos contextos culturais, morais, espirituais e sociais. CURSO LIVRE - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL REFERÊNCIAS ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Os velhos capoeiras ensinam pegando na mão. Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 68, p. 86-98, jan./abr. 2006. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 7 ago. 2017. 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