Buscar

Dietoterapia para doenças reumáticas- Gota

Prévia do material em texto

Dietoterapia para doenças reumáticas
Gota
A gota é uma das doenças mais antigas
registradas na história da medicina. Trata-se de
um distúrbio do metabolismo das purinas, em
que ocorre acúmulo de concentrações
anormalmente elevadas de ácido úrico no
sangue (hiperuricemia). Diferentemente do que
se observa na maioria das doenças reumáticas,
a gota afeta predominantemente os homens.
Todos os estudos mostraram de modo
consistente que a gota afeta homens de mais
idade (mais de 45 anos), com uma relação entre
homens e mulheres de 4:1. Essa relação passa
para 3:1 acima dos 65 anos de idade, refletindo
que a gota raramente afeta mulheres jovens,
porém que a sua frequência aumenta em
mulheres na pós-menopausa. A incidência e a
prevalência da gota aumentaram
acentuadamente nessas últimas décadas; nos
EUA, a gota é mais prevalente do que a AR
(Lawrence et al., 2008). A presença da síndrome
metabólica, que consiste em obesidade central,
hipertensão arterial, resistência à insulina e
dislipidemia, é observada em cerca de 60% dos
pacientes com gota. A gota está associada a
morbidade e mortalidade significativas
(sobretudo em decorrência de cardiopatia
coronariana), comprometimento funcional e
redução da qualidade de vida (Suresh e Das,
2012).
Fisiopatologia
A gota é uma doença de depósito de cristais, em
que os sintomas clínicos são causados pela
formação de cristais de urato monossódico
(MSU) nas articulações e tecidos moles; a
eliminação desses cristais “cura” a doença. O
ácido úrico é o produto final do metabolismo
das purinas nos seres humanos, porém é um
produto intermediário na maioria dos outros
mamíferos. É produzido sobretudo no fígado
pela ação da enzima xantina-oxidase, uma
enzima dependente de molibdênio. Na maioria
dos mamíferos, o ácido úrico é ainda degradado
pela enzima urato oxidase (uricase) a alantoína,
que é mais solúvel do que ácido úrico e,
portanto, mais facilmente excretada pelos rins.
Nos humanos e primatas superiores, o gene que
codifica a uricase não é funcional, e, em virtude
desse evento evolutivo, as concentrações de
ácido úrico são mais elevadas nos humanos do
que em muitos outros mamíferos. A
homeostasia do ácido úrico é determinada pelo
seu equilíbrio entre produção e excreção renal
(Bobulescu e Moe, 2012). A produção endógena
de ácido úrico a partir da degradação das
purinas responde por dois terços das reservas
corporais de urato, sendo o restante de origem
dietética. Como a maior parte do ácido úrico é
excretada pelos rins (cerca de 70%), ocorre
hiperuricemia em consequência de uma
eficiência reduzida da depuração renal de
urato. 
Duas proteínas foram bem caracterizadas na
depuração do urato: o transportador de urato 1
(URAT1) e o transportador de glicose e frutose
(GLUT9). O URAT1 localiza-se na membrana da
borda em escova do túbulo proximal e é
responsável sobretudo pela reabsorção renal de
ácido úrico, enquanto o GLUT9 está localizado
nas membranas apical e basolateral do túbulo
distal, onde atua como principal saída de urato
do corpo (Bobulescu e Moe, 2012). Na maioria
dos indivíduos com gota, a hiperuricemia
resulta de uma diminuição na depuração renal
de urato. Os cristais de MSU formam-se de
preferência na cartilagem e nos tecidos
fibrosos; entretanto, quando “se desprendem”
desses locais, transformam-se em partículas
altamente imunogênicas, que sofrem rápida
fagocitose por monócitos e macrófagos,
ativando o inflamassoma NALP3 e
desencadeando a liberação de IL-1 e de outras
citocinas, iniciando, assim, uma resposta
inflamatória que afeta a articulação. Os cristais
de MSU atuam como “final de perigo”, que pode
ser identificado por receptores de
reconhecimento de padrão na superfície celular
e no citoplasma, indicando a importância da
imunidade inata na gota (Rock et al., 2013). O
acúmulo persistente de cristais de MSU provoca
lesão articular por meio de efeitos mecânicos
(erosão por compressão), resultando em
sintomas crônicos de artrite (Fig. 39-5). Os
cristais de MSU podem se depositar nas
pequenas articulações e tecidos adjacentes,
produzindo episódios recorrentes de extrema
dor e debilitação da articulação e inflamação
dos tecidos moles (gota aguda). Na gota
crônica, os locais clássicos incluem o hálux,
punhos e articulações dos dedos das mãos,
cotovelo (Fig. 39-6), tornozelo, joelho e hélice da
orelha.
Tratamento clínico
A colchicina é usada no tratamento da dor
associada a episódios agudos de gota (dentro de
12 a 24 horas), reduzindo a inflamação causada
pelos cristais de MSU; o fármaco não exerce
nenhum efeito nas concentrações séricas de
urato. Devido à sua toxicidade, a colchicina
pode ser utilizada com outros AINE e apenas
por um tempo limitado. Como os monócitos e
os macrófagos produzem IL-1 em resposta aos
cristais de MSU, o tratamento com
antagonistas da IL-1 (anacinra) ou com receptor
de IL-1 solúvel (rinolacepte) resulta em alívio
rápido e completo da dor (Suresh e Das, 2012).
Duas classes de fármacos têm sido utilizadas
para reduzir as concentrações séricas de urato:
os fármacos uricostáticos, que diminuem a
síntese de ácido úrico por meio da inibição da
xantina oxidase, e os fármacos uricosúricos,
que aumentam a excreção de ácido úrico ao
bloquear a sua reabsorção tubular renal. O
alopurinol (Zyloprim®) e febuxostate são
agentes uricostáticos; são os fármacos de
escolha para o tratamento da hiperuricemia em
longo prazo. Por outro lado, a sulfimpirazona, a
probenecida e a benzbromarona são agentes
uricosúricos que atuam por meio da inibição do
URAT1, aumentando, dessa maneira, a
excreção urinária de ácido úrico (Bobulescu e
Moe, 2012). A pegloticase, uma uricase
recombinante, diminui as concentrações
séricas de urato por meio da conversão do ácido
úrico em alantoína, que é excretada
rapidamente na urina. Ela é utilizada para a
rápida remoção dos tofos e, associada à
colchicina, em pacientes com episódios graves e
agudos de gota (Suresh e Das, 2012). 
Dietoterapia
Historicamente, a gota tem sido associada a um
estilo de vida rico, envolvendo consumo
excessivo de carne e de álcool. Há risco
aumentado de gota associado ao maior
consumo de carne vermelha (carne bovina, de
porco e cordeiro) e frutos do mar, mas não ao
consumo de proteína vegetal. As dietas ricas em
vegetais com elevado teor de purinas (feijão,
ervilha, lentilha) não aumentam o risco de gota.
Por outro lado, as dietas ricas em laticínios com
baixo teor de lipídeos e vitamina C suplementar
têm sido associadas à redução do risco de gota
(Bobulescu e Moe, 2012). O consumo de café,
mas não de chá verde, está associado a baixas
concentrações séricas e urato, sendo, portanto,
protetor para a gota. O consumo de álcool,
sobretudo cerveja (que é rica em purinas),
aumenta o risco de gota. O consumo de frutose,
principalmente na forma de refrigerantes
adoçados com xarope de milho rico em frutose,
está associado a maior risco de gota. Ainda não
está bem esclarecido se este é um efeito
particular da frutose derivada do milho ou se
ele se estende para a sacarose. Sabe-se que a
frutose produz elevação das concentrações
séricas de urato por um mecanismo
recentemente ligado a polimorfismos do
GLUT9 (Dalbeth et al., 2013). O consumo de
frutose de ocorrência natural, como em frutas
ou sucos, também pode aumentar o risco de
gota, como, por exemplo, o consumo de uma
maçã ou laranja por dia aumenta o risco em
cerca de 64% (Suresh e Das, 2012). É prudente
aconselhar os pacientes a consumir um plano
de refeições equilibrado, com consumo
limitado de alimentos de origem animal e
cerveja, evitando alimentos com alto teor de
purinas, consumo limitado de fontes de frutose
(refrigerantes e sucos adoçados, doces e
produtos de confeitaria) e tamanho controlado
das porções de alimento e redução da ingestão
de carboidratos não complexos para obter uma
perda de massa corporal e melhorar a
sensibilidade à insulina (Li e Micheletti, 2011). 
Os lácteos (leite ou queijo), ovos, proteína
vegetal, cerejas e café parecem ser protetores,
possivelmentedevido ao efeito das cinzas
alcalinas desses alimentos (Li e Micheletti,
2011). 
 
Referencia: MAHAN; Kathleen. RAYMOND;
Janice. Krause: alimentos, nutrição e
dietoterapia. 14º edição.

Continue navegando