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1 GOTA (material retirado da apostila do curso “Bioquímica e Doenças”, oferecido pelo Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual, IB/Unicamp) A gota é uma doença relacionada à degradação dos nucleotídeos de purina, como mostra a Figura 1. Gota é um termo representativo de um grupo heterogêneo de enfermidades genéticas e adquiridas, manifestadas por hiperuricemia e característica artrite inflamatória aguda, que tende a ser recorrente. É uma das formas de artrites mais comuns, causada pelo acúmulo e depósito de cristais de ácido úrico, sob a forma de monoidrato de urato monossódico, principalmente nas juntas. Com o passar do tempo, estes depósitos vão aumentando, chegando a formar caroços sob a pele, encontrados geralmente próximos aos calcanhares, cotovelos e dedos, chamados de tofos. Este acúmulo, se deve a uma produção elevada de ácido úrico ou a uma disfunção renal que impossibilita que o composto seja eliminado rapidamente. 2 Figura 1. Degradação de nucleotídeos de purina a ácido úrico, e o reaproveitamento de bases de purina. 1, 5'- nucleotidase; 2, AMP desaminase; 3, adenosina desaminase; 4, purina nucleosídeo fosforilase; 5, guanina desaminase; 6, xantina oxidase; 7, adenina fosforribosiltransferase; 8, hipoxantina- guanina fosforribosiltransferase Níveis aumentados de ácido úrico no sangue e na urina são característicos desta doença. Contudo, níveis elevados de excreção de ácido úrico também podem ocorrer em vários grupos de indivíduos normais, por exemplo, os que apresentam uma grande superfície corporal, os com determinada ancestralidade e pessoas em condições de alta tensão (estresse). A Tabela 1 mostra uma classificação para hiperuricemia e gota. O ácido úrico é uma molécula originária da degradação de purinas, conforme a Figura 1. O urato de sódio encontra-se dissolvido no sangue e passa através dos rins, sendo eliminado pela urina. Sua solubilidade é fortemente influenciada pelo pH e pela temperatura. Com um pH de 7,4 e temperatura de 37oC, a solubilidade do urato em um líquido com composição sódica semelhante à do plasma, é de 6,4 a 6,8 mg/dL. Outro 0,4 mg/dL está ligado à proteína, principalmente a uma α1-α2globulina. Desta forma 7,0 mg/dL podem ser considerados como o limite da solubilidade do urato no plasma. Contudo, a solubilidade é consideravelmente menor nas articulações periféricas, onde a temperatura pode chegar a 29 °C. Concentrações de urato plasmático acima de 7 mg/dL à temperatura de 37 °C definem a hiperuricemia. A Tabela 2 mostra a solubilidade do íon urato na presença de 140 mM de Na+ em função da temperatura. Tabela 1 - Classificação da hiperuricemia e gota. 3 Tipo Distúrbios no metabolismo do ácido úrico Primária Idiopática (> 99% da gota primária) Excreção urinária normal (80-90% gota primária). Excreção urinária aumentada (10-20% da gota primária). Associada a defeitos enzimáticos ou metabólicos específicos (<1% da gota primária). Aumento da atividade da PRPP-sintetase. Deficiência parcial de "hipoxantina-guanina fosforribosiltransferase. Produção excessiva e/ou diminuição da depuração renal. Produção excessiva ± diminuição da depuração renal. Produção excessiva: aumento da síntese de PRPP. Produção excessiva: aumento da concentração de PRPP. Secundária Associada ao aumento da biossíntese de novo da purina Deficiência "completa" de hipoxantina-guanina fosforribosiltransferase. Deficiência de glicose 6-fosfatase. Associada ao aumento da renovação do ácido nucléico. Associada à diminuição da depuração renal do ácido úrico Produção excessiva: síndrome de Lesch- Nyhan. Produção excessiva e diminuição da depuração renal: doença do armazenamento do glicogênio. Produção excessiva, ex., hemólise crônica; policitemia; metaplasia mielóide. Redução da área renal funcionante: inibição da secreção e/ou aumento da reabsorção por medicações, toxinas ou produtos metabólicos endógenos. Tabela 2. Solubilidade do íon urato como função da temperatura, em presença de 140 mM de Na+. Temperatura (oC) Concentração máxima de equilíbrio do urato em presença de 140 mM de Na+ 37 6,8 35 6,0 30 4,5 25 3,3 20 2,5 15 1,8 10 1,2 A gota parece estar relacionada com as seguintes causas: 1) nível de ácido úrico acima do normal; 2) grande ingestão de alimentos contendo purinas; 3) anormalidades em enzimas do metabolismo de purinas; 4) obesidade; 5) disfunção renal; 6)alcoolismo; 7) Uso de algumas drogas empregadas no tratamento de hipertensão. A crise de gota se desenvolve muito rapidamente e normalmente durante a noite, quando a temperatura do corpo diminui, fazendo com que a solubilidade do urato seja diminuída e haja a precipitação dos cristais. Os cristais de urato de sódio iniciam uma série de reações que produzem a inflamação associada a artrite gotosa aguda. A primeira etapa é a ativação de uma protease, que numa série de reações pouco conhecidas causa infiltração de leucócitos e fagocitose dos cristais de urato. A 4 fagocitose causa a destruição dos lisossomos e, consequentemente, a liberação de enzimas hidrolíticas, que causam destruição do tecido e inflamação. Apenas 20% de todas as pessoas com hiperuricemia eventualmente desenvolvem gota. Os determinantes são a idade e o grau de hiperuricemia. Os ataques de gota são mais frequentes em homens acima dos 45 anos, indicando que a gota necessita de uma exposição à hiperuricemia por mais de 30 anos (Tabela 3). O número de mulheres, na menopausa, afetadas por gota, está aumentando. Contudo, existe uma dificuldade de diagnóstico da gota, pois estas mulheres também apresentam osteoartrite, que é uma doença causada pela quebra dos tecidos das juntas, desencadeando o mesmo sintoma da gota: dores nas juntas. A confusão também ocorre porque cristais de urato (o sal do ácido úrico) tendem a se depositar nas áreas onde a osteoartrite já causou danos nas juntas. Tabela 3. Frequência de artrite gotosa nos homens, em relação à concentração de urato sérico e à idade. Nível de urato sérico (mg/dL) Idade média: 49 anos (%) Idade média: 58 anos (%) 6,0-6,9 2 2 7,0-7,9 4 17 9,0-8,9 11 25 9,0-9,9 30 90 10+ 48 90 Uma curiosidade sobre a gota é que ela tem sido associada a pessoas ricas e talentosas. Por exemplo, entre os portadores notórios de gota, estão os Medici, Carlos IV, Benjamin Franklin, Martin Luther, Isaac Newton e Charles Darwin. Na visão tradicional, a gota esta associada com alimentos caros e vida de alto padrão. Contudo, dietas ricas em proteínas são consumidas num espectro tão amplo da população atual que parece ser um fator causal de menor importância no século vinte do que pode ter sido no passado. Todas as pessoas atacadas por gota concordam que a primeira providência a ser tomada é buscar o alívio do sintoma. Um antiinflamatório normalmente resolve a situação momentânea. A colchicina, uma droga especial para gota, inibe o processo de fagocitose, diminuindo a inflamação, aliviando a dor do paciente. É um medicamento tão específico que pode ser usado no diagnóstico da gota. Alguns outros medicamentos são normalmente empregados na prevenção de uma crise de gota. Além da própria colchicina, probenecide, sulfinpirazona e alopurinol. Existem medicamentos que agem por diminuição da produção de ácido úrico, como o alopurinol (Figura 2). 5 Este medicamento é indicado para pessoas com disfunção renal ou pedras nos rins, causadas por ácido úrico. O Alopurinol é um inibidor da xantina oxidase, enzima importante na síntese do ácido úrico. Outros medicamentos ajudam na diminuição do ácido úrico, aumentando a quantidade do composto eliminadopela urina. Os mais empregados nesta função são o probenecide e a sulfinpirazona. Ácido úricoXantinaHipoxantina Alopurinol Oxipurinol Xantina oxidase INIBIÇĂO HN HC N C C N CH N O C H HN N C C N CH N O C C O HH H HN N C C N C N O C C O O HH HN N C C C N N O C H C O H H HN HC N C C C N N O C H H Figura 2 – medicamentos usados no tratamento da gota e seu mecanismo. Alguns pacientes, após o primeiro ataque de gota, têm a sorte de não desenvolverem mais a doença. Para os pacientes em que a doença passa a ser reincidente, recomenda-se ter estas drogas disponíveis para serem tomadas apenas durante as crises. Contudo, para pacientes que possuem crises frequentes, recomenda-se pequenas doses diárias destes medicamentos para prevenir os ataques. Algumas medidas podem ser preventivas aos ataques crônicos, como evitar a ingestão dos seguintes alimentos ricos em purinas: miúdos (como fígado, cérebro, rim, pâncreas, coração e língua); carnes vermelhas em geral; mariscos, moluscos e ovas de peixe; grãos como amendoim, lentilha e feijão. Evitar o consumo de bebidas alcoólicas (especialmente cerveja e vinho) em demasia e a perda de peso também colaboram prevenindo o aparecimento das crises. A hiperuricemia também pode ser desencadeada como efeito colateral de certos medicamentos, como os diuréticos, que normalmente atrapalham as atividades renais normais de remoção do ácido úrico.
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