Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TÉTANO Ocorre a formação de feridas compostas por três elementos fundamentais: 1. Conceito Doença infecciosa aguda não contagiosa, causada pela reação à neurotoxina produzida pelo Clostridium tetani, um bacilo gram-positivo anaeróbio e formador de esporos. Essa bactéria é encontrada no solo, na terra, na poeira, nos vegetais e nas fezes de animais. Quando a bactéria está em ambientes pobres em oxigênio, ela deixa sua forma de esporo e passa a ser vegetante, multiplicando-se e produzindo a neurotoxina causadora do caso clínico do tétano. 2. Epidemiologia A doença acomete mais homens adultos, possui letalidade aumentada, de 19 a 22%, de forma que a letalidade está relacionada a alguns aspectos: • Extremos de idade • Forma clínica – neonatal ou acidental • Politraumatizados • Abortos provocados • Focos profundos ou desconhecidos • Queimados O tétano neonatal teve seu número de casos diminuídos pela vacinação que foi iniciada. Em relação aos pacientes politraumatizados, com abortos provocados, focos profundos ou desconhecidos e queimados são suscetíveis a forma mais severa da doença, e os penúltimos, como a limpeza cirúrgica não pode ser realizada, não vão ter retirados alguns agentes etiológicos de diversas patologias nos tecidos. 3. Patogênese O período de incubação da doença compreende o tempo entre o ferimento e o surgimento dos primeiros sintomas, variando entre 5 e 15 dias, de maneira que se esse período for menor que 7 dias no paciente, pior o prognóstico. Período de progressão é o tempo entre o primeiro sintoma ou sinal do surgimento de contratura ou de espasmo generalizado, de forma que quanto menor esse tempo, pior o prognóstico, especialmente se for inferior a 48 horas. • Presença de corpo estranho • Esporo do C. tetani • Tecido desvitalizado Como a ferida formada é um local de baixo suprimento de oxigênio, o ambiente é favorável para que o esporo assuma a forma vegetante e inicie sua multiplicação e produção de toxinas – tetanospasmina. Alguns indivíduos já são vacinados, mas outros não, de forma que nos últimos a doença ocorre de forma mais grave. A toxina é levada ao sistema nervoso central por meio dos nervos, onde vai se ligar aos inibidores de interneurônios na medula e nos gânglios dos pares cranianos motores. Como a toxina realiza inibição nos interneurônios inibitórios, há promoção de uma hiperexcitação, causando espasmos e contraturas. 4. Manifestações clínicas Como ocorre a hiperatividade neuronal dos pares cranianos motores, os sinais e sintomas estão relacionados à essa hiperfunção. • Hipertonia muscular – manifestação álgica • Hiperexcitabilidade nervosa • Hiperreflexia • Espasmos musculares • Trismo • Disfagia • Fechamento da glote É importante ressaltar que não há alteração do nível de consciência do paciente. Em casos de febre, deve-se investigar a existência de uma infecção secundária (disfagia → broncoaspiração → pneumonia), em caso de não existir, indica mal prognóstico, como na disautonomia – desequilíbrio das funções simpáticas e parassimpáticas do sistema nervoso autônomo – que é acompanhado de outros sinais sugestivos, como a HAS, sudorese e taquicardia. 5. Complicações • Insuficiência respiratória aguda – não expansão da caixa torácica por espasmo generalizado • Fratura de vértebras ou costelas – força da contratura muscular • Deformidade torácica – força da contratura muscular • Infecção do trato urinário / pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) / infecção de corrente sanguínea associada ao cateter – pacientes que são hospitalizados e necessitam de ventilação mecânica, sondas e cateteres para se manter estável 6. Vacinação • Crianças • Gestantes • Idosos • Acidentados sem comprovação de vacinação prévia Profilaxia tétano e raiva Doenças Infecciosas e Parasitárias – aula 10 Nicole Sarmento Queiroga Figura 1. Análise microscópica do C. tetani. 7. Fatores de risco • Aborto provocado • Focos dentários • Acidentes com fogos de artificio • Lesão por Tunga penetrans – bicho de pé • Mordedura de cão • Acidente ofídico • Úlceras crônicas, principalmente não cuidadas 8. Profilaxia • Neonatal Cuidado adequado com o coto umbilical, de forma que não se deve reproduzir costumes antigos de passar estrume e outros objetos, porque pode conter o esporo. Além disso, é importante que os cuidados higiênicos no parto tenham sido realizados. A vacinação é uma ação importante, principalmente a materna, porque os anticorpos da mãe irão passar para o bebê após o nascimento e são eles que irão garantir a imunidade até o período de vacinação do recém- nascido. Vacinação da gestante Sem histórico vacinal 2 doses dT e 1 dose DTpa. Intervalo de 30-60 dias entre doses Esquema vacinal incompleto (registrado) 1 dose registrada: 1dT e 1dTpa 2 doses registradas: 1 dTpa Três doses ou mais registradas 1 dTpa a cada gestação A vacina dT é a que abrange imunização para difteria e tétano, a dTpa, abrange, além das duas doenças anteriores, a imunização contra o componente pertussis acelular – coqueluche. É importante atentar que a dT pode ser feita em qualquer semana gestacional, mas a dTpa deve ser realizada apenas após a 20ª semana gestacional. • Acidental Em neonatos, a vacinação do tétano por ser feita por meio de um tríplice ou associada a demais vacinas que devem ser administradas aos neonatos. Profilaxia tétano na população geral Lactentes DPT ou DPT + HIB + HepB (2º, 4º, 6º meses de vida) 1º reforço: 15 meses 2º reforço: 4-6 anos de idade Reforço: cada 10 anos com dT ou TT Escolares e adultos Sem vacinação: 3 doses de dT ou TT, com intervalo de 2 meses entre as doses Reforço: a cada 10 anos com dT ou TT Todos os pacientes que chegam com suspeita de adquirir tétano devem ser classificados de acordo com a lesão para determinar o risco. • Baixo risco Lesão superficial, limpa, sem corpo estranho ou tecido desvitalizado. Deve ser feito o cuidado com a ferida, além da vacinação (3 doses para não vacinados e reforço para os vacinados se a última dose tiver mais de 10 anos de aplicação). • Risco alto Presença de tecido desvitalizado e corpo estranho, sujos com terra, puntiforme e contuso (vidro, lata, espinho), mordeduras, fraturas expostas, politraumatizados, arma de fogo ou branca, queimadura. Deve ser feito o cuidado com a ferida e a abordagem do paciente conforme à vacinação depende do seu histórico. Se o paciente não tiver histórico vacinal, deve ser realizada a administração de imunoglobulina IGHAT 250UI IM ou soro antitetânico SAT 5.000UI IM, a fim de administrar anticorpos para proteger o paciente. A escolha entre a imunoglobulina e o soro vai ser feita com base no histórico de alergia do paciente, de forma que se houve administração de outros soros – como o de cavalo – e teve reação, é priorizada a imunoglobulina, mas se não houve reação, o soro é a melhor opção até por custo. O paciente também deve ser vacinado em outra região que não foram aplicados os anticorpos. Se o paciente fez a vacinação e está dentro do tempo de anos, deve ser feito o reforço vacinal se o período da última dose for superior a 5 anos para pacientes imunossuprimidos, idosos ou com desnutrição grave, podendo ser uma opção a aplicação de soro ou de imunoglobulina. Além disso, deve ser feito o cuidado com o curativo. Se o paciente fez a vacinação, mas a dose de reforço foi feita há mais de 10 anos deve ser feito o reforço vacinal e administração de IGHTA ou SAT para grupos de maior risco, como idosos, imunocomprometidos e pacientes com desnutrição. Além disso, deve ser feito o cuidado com o curativo. CASO 1Paciente, 28 anos de idade, atendido em PA devido à acidente automobilístico com fratura exposta de perna direita. Sem histórico vacinal. Paciente com lesão de alto risco, cuidado com a ferida, administração do soro ou da imunoglobulina e primeira dose da vacina em outro grupo muscular. CASO 2 Paciente, 12 anos de idade, brincava no jardim de casa à noite, quando se desequilibrou e colidiu em um mandacaru. Tomou todas as vacinas na infância. Última dose de dT aos 4 anos de idade. Paciente com lesão de alto risco, por ser puntiforme profunda e possui tempo maior que 5 anos da última dose. Cuidado com a lesão e administração de outras doses de reforço. Figura 2. Lesão por bicho de pé. RAIVA 1. Conceito e etiologia Doença causada por um vírus da família Rhabdoviridae, do gênero Lyssavirus, e de filos I e II, de forma que a vacina para um dos filos não garante imunidade para o outro. No Brasil, o vírus circulante é o do filo I, cujo material genético é do tipo RNA e seu formato é de projétil de bala, com envelope de glicoproteína. 2. Transmissão Realizada por meio da mordedura ou arranhadura de animal raivoso ou no pródromo, por meio do contato com a saliva, feridas ou mucosa do animal. No ambiente urbano, os principais transmissores são cães e gatos, que eliminam o vírus 2-5 dias antes da doença e morrem 5 dias após, de modo que a observação do animal deve ser feita por um período de 10 dias. No ciclo silvestre, o morcego hematófago Desmodus rotundus e os não hematófagos são os animais que transmitem o vírus. O morcego, ao se alimentar de animais silvestres, rurais e até domésticos, transmitem e recebem o vírus. A mordida do morcego é elíptica, indolor – substância anestésica e anticoagulante na saliva do morcego, 0,5cm no maior eixo, com sangramento ativo e ocorre em áreas expostas. 3. Epidemiologia Entre os anos de 1998 e 2000 foram identificados 83 casos de raiva humana no Brasil, em que 72% dos pacientes não receberam profilaxia e dos 19 que foram atendidos, alguns tiveram conduta profilática inadequada ou abandonaram o atendimento. A doença possui uma alta letalidade, sendo 100%, de modo que apenas 2 pacientes sobreviveram nos anos de 2004 e 2008. 4. Patogenia Após a mordedura, ocorre a replicação viral no músculo – momento de maior eficiência da vacina – e liberação no espaço extracelular, atingindo as placas mioneural e neurotendinal e, por meio da migração pelos axônios dos nervos periféricos, atinge os gânglios das raízes dorsais entre 60 e 72 horas. Ocorre invasão do SNC através das conexões sinápticas, com isso dissemina-se para tecidos glandulares, miocárdio, músculos e retina. O período de incubação é, em média, de 45 dias, com mínimo de 8 dias. 5. Manifestações clínicas • Raiva canina – morte em 1 a 11 dias ✓ Arredio – isolamento ✓ Taciturno – poucos latidos ✓ Caminha sem cessar ✓ Não atende a solicitações ✓ Excitabilidade ✓ Anorexia ✓ Auto-flagelação ✓ Perda de seletividade alimentar ✓ Sialorreia ✓ Paralisia motora ✓ Mudança de timbre do latido ✓ Aerofobia ✓ Hidrofobia • Raiva humana ✓ Parestesias ✓ Ansiedade, hiperatividade ✓ Alteração dos sentidos – táctil, auditiva, olfativa, térmica, visual ✓ Respostas intempestivas ✓ Miofasciculações faciais ✓ Fácies de pânico ✓ Olhar brilhante ✓ Aerofobia/hidrofobia – espasmo da glote ✓ Convulsão ✓ Paralisia flácida ✓ Arritmia respiratória/cardíaca e morte 6. Diagnóstico • PCR – detecção e identificação do RNA do vírus • Soro ou líquido cefalorraquidiano – detecção de anticorpos • Prova biológica – inoculação viral 7. Profilaxia A ferida deve ser lavada com água e sabão, com uso de clorexidina ou álcool iodado, não realizando sutura ou desbridamento, mas aproximar as bordas se houver laceração. Em seguida, deve ser avaliada a condição do paciente para receber a vacina, a imunoglobulina ou o soro. A vacina é de cultivo celular, com menos efeitos adversos e maior efetividade, devendo ser administrada IM no M. Deltoide do adulto, a imunoglobulina humana hiperimune antirrábica (20UI/Kg/IM) é indicada para pacientes de alto risco, sendo produto de origem humana. O soro heterólogo (40UI/Kg/IM, com dose máxima de 3.000UI) também fornece os anticorpos, mas a origem é equina, sendo seu uso priorizado em caso de ausência de reações anafiláticas quando em contato com outros soros equinos e afins. Figura 3. Tabela do Guia de Vigilância em Saúde para manejo do paciente com tétano. Figura 4. Ciclo epidemiológico de transmissão da raiva. Deve ser realizada a classificação de alguns quesitos que levaram à lesão, bem como analisar o paciente: • Local da lesão • Profundidade, extensão e número • Origem do animal – domicílio, selva • Estado aparente de saúde do animal – alteração comportamental • Atitude durante o evento – animal sentiu-se atacado, agressão sem suspeita Em caso de mordidas por rato de esgoto, rato de telhado, porquinho-da-índia, coelho e hamster não é necessário realizar vacinação, porque esses animais não transmitem o vírus para o homem. • Gravidade do acidente ✓ Acidente leve Ferimentos superficiais, pouco extensos, únicos em tronco e membros (exceto em mão, região plantar, cotovelos, tornozelo, oco poplíteo) ou se lambedura de pele com lesão superficial. ✓ Acidente grave Ferimentos na cabeça, pescoço, mão, região plantar, cotovelos, tornozelo, oco poplíteo, profundos, múltiplos, extensos, ou lambedura de mucosas, de lesão grave ou ferimento profundo por unha de gato. Deve ser priorizado a lavagem da ferida com água e sabão, e vacinação, de acordo com a OMS, com 4 doses da vacina antirrábica nos dias 0, 3, 7, e 14 pela via IM ou nos dias 0, 3, 7 e 28 pela via ID (excetuando-se pacientes imunodeprimidos ou em uso de cloroquina para malária), de modo que se a lesão for feita por animais domésticos, eles devem ser observados e a vacinação pode ou não ser suspensa dependendo das manifestações apresentadas pelo animal, bem como pode apresentar necessidade de administração de soro ou de imunoglobulina em casos de acidentes graves, principalmente, se o animal que originou a lesão for silvestre. É importante entender que os animais silvestres, ainda que sejam criados em ambiente doméstico, não são classificados como domiciliares. O SAR – soro antirrábico – deve ser administrado uma única vez e o mais rápido possível, de modo que a infiltração seja feita ao redor da lesão e, quando não for possível, infiltrar toda a dose na região mais próxima, caso sobre algo, a administração deve ser feita via IM, podendo ser na região glútea, mas sempre em região diferente da aplicação da vacina. Se existirem múltiplas lesões, o soro pode ser diluído em SF a 0,9% para contemplar todas as regiões com feridas. O soro não deve ser administrado via EV!! Nos casos em que a necessidade de administração do SAR é feita tardiamente ou não há soro disponível, deve ser feita a aplicação da dose em, no máximo, até 7 dias após aplicação da primeira dose da vacina, ou seja, antes da aplicação da 3ª dose, não sendo necessário após esse prazo. Figura 5. Tabela do Guia de Vigilância em Saúde para manejo do paciente com raiva. CASO 3 Paciente, 10 anos de idade, foi mordido por preguiça em mão durante passeio ecológico. Qual conduta deve ser tomada? Paciente com lesão de acidente grave, por ser feita por um animal silvestre e na região da mão. Deve ser feita a vacinação das 4 doses, com administração do SAR.
Compartilhar