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Anemia: Causas e Investigação

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Aula 1: Anemia Ferropriva, de Doença crônica e Megaloblástica
1. Introdução
O local de fabricação das células hematológicas, atualmente na vida adulta, é na medula óssea. O nome dado a esse processo é a hematopoiese medular. 
Todas as células adultas da hematologia derivam de uma célula-tronco, que é um progenitor comum. Logo no princípio da sua diferenciação, a célula-tronco vai ter que decidir se vai continuar a se diferenciar em linhagem linfoide (dando origem aos linfócitos B e T) ou em linhagem mieloide (dando oriem às hemácias, plaquetas, granulócitos – neutrófilos, basófilos, eosinófilos). Outros leucócitos são os monócitos, que quando saem da corrente sanguínea e chegam aos tecidos serão chamados de macrófagos. A linhagem mieloide também dá origem às hemácias e plaquetas, como falado anteriormente. 
O processo que de fabricação das hemácias é a eritropoiese e para que seja bem feita, são necessários alguns componentes como eritropoietina (fabricado pelo rim, é o estímulo), ferro (hemoglobina), ácido fólico / vitamina B12 (síntese de DNA – sem eles a multiplicação dos precursores da hemácia ficam dificultados). Quanto mais eritropoietina na medula óssea, maior o incentivo da célula-tronco em se transformar em hemácias. A grande função dessas células é realizar o transporte de oxigênio, através da ligação deste com hemoglobina – um dos elementos mais importantes para a produção desse componente é o ferro. 
A medula óssea não joga a hemácia pronta para a corrente sanguínea, na verdade ela joga o seu precursor mais imediato que é o reticulócito, que em 2-3 dias se transforma em hemácia. Ao longo da eritropoiese, o precursor da hemácia vai perdendo o seu núcleo, sendo isso uma vantagem para carregar mais oxigênio. A hemácia possui uma meia-vida de 120 dias e quando está “velha”, ela deve ser destruída para serem colocadas hemácias mais jovens – a morte fisiológica das hemácias é chamada de hemocaterese, enquanto a morte prematura de hemácias é chamada de hemólise (patológica). 
1.1 Como investigar uma anemia inicialmente?
a) 1º passo: observar a contagem de reticulócito 
Se o paciente tem uma anemia e uma quantidade grande de reticulócitos, significa que a medula óssea tem aqueles componentes necessários para a produção de hemácias. Se a contagem não está satisfatória, a medula óssea não está conseguindo responder ao quadro anêmico e isso significa que está faltando os componentes essenciais. 
· Anemia hiperproliferativa: aquela em que a medula consegue responder a anemia = reticulocitose > 2%
· Anemia hemolítica (mais importante)
· Sangramento agudo
· Anemia hipoproliferativa: a medula não consegue responder = sem reticulocitose ≤ 2%
· Doença renal crônica (redução da eritropoietina)
· Anemias carenciais (ferropriva, B12, folato) 
· Anemia de doença crônica
· Anemia sideroblástica 
b) 2º passo: morfologia da hemácia = VCM (tamanho) e HCM (cor)
· VCM: microcítica / normocítica / macrocítica 
· HCM: hipocrômica / normocrômica / hipercrômica 
A hemácia é um “saco” cheio de hemoglobina. Se há dificuldade de produção de hemoglobina, a hemácia acaba ficando com menos hemoglobina e acaba ficando mais pálida e mais vazia/mais murcha.
A hemoglobina é formada por grupamento heme + cadeias de globina. O grupamento heme é formado pelo ferro + protoporfirina e as cadeias de globina podem ser feitas por combinações, sendo a mais frequente 2 cadeias alfas + 2 cadeias betas. Se não houver ferro, não há grupamento heme e assim não há hemoglobina, se não há hemoglobina, não conseguimos preencher a hemácia. 
Na anemia de doença crônica o paciente tem ferro no corpo, mas não consegue oferecer ferro à medula e assim as consequências são uma privação de ferro, sendo semelhante a uma anemia ferropriva. Existe outra situação em que a pessoa não consegue produzir protoporfirina, que é chamada de anemia sideroblástica – há ferro, mas falta esse componente e caímos naquela situação de não conseguir preencher a hemácia. Há também um defeito na quantidade de cadeias de globina, que são as talassemias. 
Conclusão: anemia microcítica e hipocrômica = ferropriva, doença crônica, sideroblástica, talassemia. 
1.2 Hemograma
· Série vermelha: hemácias (4-6 milhões/mm3), hemoglobina (12-17 g/dL), hematócrito (35-50%) – são 3 formas diferentes de se avaliar a massa da série vermelha e 3 formas de identificar um quadro de anemia 
· Reticulócitos: 0,5-2%: hipo ou hiperproliferativa
· VCM 80-100 fL: micro ou macrocítica
· HCM 28-32 pg: hipo ou hipercrômica
· CHCM 32-35 g/dL: mesma interpretação do HCM
· RDW 10-14%: variação de tamanho entre as hemácias = índice de anisocitose 
· Série branca: leucócitos 5.000 – 11.000 / mm3
· Plaquetas: 150.000 – 400.000 / ,mm3
2. Anemias hipoproliferativas 
2.1 Anemia Ferropriva
É a anemia mais comum do mundo, sendo uma anemia carencial.
a) Quadro clínico
Pode ser separado em síndrome anêmica e carência nutricional. 
· Síndrome anêmica: palidez, astenia, cefaleia, angina 
· Carência nutricional
· Qualquer carência: glossite, queilite angular 
· Carência de ferro: perversão do apetite (terra e gelo), coiloníquia (unha em colher), disfagia (Plummer-Vinson – surgimento de uma membrana no esôfago que atrapalha a deglutição)
b) Ciclo do ferro
· Quando nosso corpo precisa, absorvemos ferro no delgado proximal
· Ao ser absorvido, se liga à transferrina que vai levar o ferro até a medula óssea 
· O ferro que sobra no nosso corpo é estocado e esse estoque é chamado de ferritina
· Quando a hemácia está velha, ela passa pelo processo de hemocaterese e o ferro que estava presente nela volta a se ligar na transferrina = “o ferro, depois que entra no corpo, não sai mais...”
Então, dito isso, em pacientes adultos mais velhos com anemia ferropriva não podemos deixar de pensar na possibilidade de sangramento crônico pelo TGI. 
c) Laboratório
1- Cinética do ferro
· (1) 1ª alteração antes da anemia se desenvolver: redução da ferritina < 30 (N: 30-100 ng/mL) 
· (2) O fígado, como forma de compensar a redução da ferritina, aumenta a produção da transferrina e junto com ela, o TIBC > 360 (250-360 mcg/dL) também aumenta = capacidade total de ligação de ferro (dosar a transferrina é difícil e caro, mas na prática médica interpreta-se a transferrina a partir do TIBC por eles variarem em conjunto)
· (3) Redução do ferro sérico < 30 (N: 60-150 mcg/dL), redução da saturação de transferrina < 10% (N: 20-40%) – há muita transferrina e pouco ferro
Até esse momento, estávamos tirando o ferro do estoque e colocando na corrente sanguínea para manter os níveis séricos normais. No entanto, chega um momento em que os estoques estão muito baixos e dessa forma não se consegue mais manter os níveis. Enquanto se mantém os níveis de ferro normais, mantemos a oferta para a medula e não há anemia. Porém, ao se esgotarem os estoques de ferro não é mais possível manter a mesma oferta para a medula, não se conseguindo manter a produção de hemácias e com isso surge a anemia. 
2- Hemograma
· (4) ANEMIA
· Micro / hipo é a clássica
· Normo / normo: no início da anemia ferropriva, ela pode ser normo normo – a medula óssea inicialmente prioriza a qualidade das hemácias, produzindo um número menor. 
· (5) Aumento do RDW: anisocitose 
· (6) aumento da contagem plaquetária (trombocitose): as hemácias e as plaquetas apresentam uma célula progenitora em comum e nesse momento de estímulo à produção de hemácias (eritropoietina), essa célula pode ser estimulada a produzir mais plaquetas
d) Tratamento
1- Investigar a causa e trata-la
· Crianças: prematuridade, desmame, ancilostomíase (sangramento intestinal crônico)
· Adultos: gravidez, hipermenorreia, má-absorção (doença celíaca), perda crônica de sangue pelo TGI
2- Repor ferro
· Sulfato ferro: 20% é Fe elementar
· Dose: 120-200 mg/dia de Fe elementar – crianças 3-5 mg/kg/dia de Fe elementar
· Resposta: aumento dos reticulócitos – pico 7-10 dias 
· Normaliza: em cerca de 2 meses, dependendo da gravidade do caso anêmico 
· Duração: a ferritina é o último componente a serecuperar na anemia ferropriva, então vamos esperar a ferritina normalizar = 6 meses (reposição às cegas) ou acompanhando periodicamente a ferritina (> 15-50 ng/ml) através de exames laboratoriais
2.2 Anemia de doença crônica
É uma anemia que acontece nos pacientes que apresentam doenças arrastadas, mas aquelas com componentes inflamatórios – infecção, inflamação (doenças reumatológicas por exemplo), neoplasia.
O fígado desse paciente, nesse ambiente de inflamação e sob influencia de citocinas inflamatórias, libera uma substância chamada hepcidina que induz algumas alterações que vão justificar o quadro hematológico da anemia de doença crônica. Ela atrapalha o organismo a usar o ferro estocado, ou seja, a ferritina (ferro “preso”), além de também reduzir a circulação e a produção da transferrina.
a) Laboratório
1- Cinética de ferro
· Ferro sérico: reduzido
· Saturação de transferrina: pode estar reduzida ou normal (só se o ferro sérico cair na mesma proporção que a transferrina)
· Ferritina: aumentada – o ferro está “preso” e não pode ser usado porque a hepcidina está impedindo
· TIBC: reduzido
Na ferropriva a ferritina está diminuída e o TIBC está aumentado.
2- Hemograma
· VCM e HCM: no início a anemia é normo/normo (mais comum) e depois se torna micro/hipo (para ela ficar desse jeito, a doença deve ser grave com intenso processo inflamatório)
b) Tratamento
· Tratar a doença de base
2.3 Megaloblástica
Surge pela carência de ácido fólico OU vitamina B12 = anemia carencial. Sem a vitamina B12, não é possível realizar a ativação do ácido fólico (ingerimos ele inativo) e com isso há redução da capacidade da síntese de material genético. Essa reação também converte homocisteína em metionina e na deficiência desses componentes, acumulamos homocisteína no nosso organismo. 
O corpo inteiro do paciente acaba reduzindo o ritmo de multiplicação celular, sendo o trato hematológico o que mais sofre com isso por ser o maior fabricante de novas células – principalmente hemácias. Por isso, frequentemente o paciente pode se apresentar pancitopênico. 
· Anemia (possível pancitopenia): MACROCÍTICA – o precursor da hemácia, no sentido de se multiplicar, multiplica seu núcleo e aumenta o seu citoplasma, aumentando o seu tamanho. Como há deficiência de material genético, ele não é capaz de se dividir e fica na medula óssea em tamanho aumentado, o que ativa os macrófagos da medula óssea e resultam no seu ataque, destruindo-o. Então, há redução no número de hemácias (estão sendo destruídas) e as que sobram tem seu tamanho aumentando, surgindo a anemia. 
· Neutrófilos hipersegmentados: ≥ 5 segmentos de núcleo = PATOGNOMÔNICO – o precursor do neutrófilo ensaia uma divisão de núcleo que NÃO VAI acontecer, então o neutrófilo adulto fica com vários segmentos nucleares
· Destrói precursor: lembra hemólise (LDH e BI aumentados) 
a) Metabolismo do ácido fólico e da vitamina B12
1- Ácido fólico
Ele é absorvido no mesmo local do ferro, no delgado proximal e é proveniente principalmente de alimentos de origem vegetal. 
· Causas de deficiência
· Má nutrição: alcoolismo
· Aumento da necessidade: gestação, hemólise crônica 
· Redução da absorção: doença celíaca, fenitoína 
· Redução da regeneração: o ácido fólico é reutilizado no nosso corpo – metotrexato faz carência de ácido fólico
2- Metabolismo da vitamina B12 = cobalamina
É proveniente de alimentos de origem animal. Ao ingerir esses alimentos, a B12 vem unida a uma proteína da própria dieta e quando esse complexo chega ao estômago, a acidez gástrica libera a B12 da proteína alimentar. Nesse momento, a B12 se liga ao ligante R vindo da saliva (não se ligou antes porque precisava da acidez para liberar a B12 da proteína alimentar). 
No estômago, também produzido pela célula parietal, temos o fator intrínseco. Ao chegar ao duodeno, há enzimas pancreáticas que separam a B12 do ligante R e por fim se ligará ao fator intrínseco. Após essa ligação, esse complexo atravessa o intestino delgado e ao atingir o íleo distal há absorção do mesmo – o enterócito do íleo não reconhece a vitamina B12, apenas o fator intrínseco e então ele absorve o fator intrínseco e a B12 vem junto.
b) Causas de deficiência
MEDCURSO: Hematologia 22/04/2020
· 
· Vegetariano estrito
· Anemia perniciosa: causa MAIS COMUM de carência de B12 – é uma doença autoimune contra a célula parietal e o fator intrínseco
· Gastrectomia: pacientes bariátricos = dificuldade na fabricação de fator intrínseco
· Pancreatite crônica
· Doença ileal: Chron, tuberculose ileal, linfoma do íleo
· Diphyllobothrium latum: tênia do peixe – compete com nosso organismo pela vitamina B12
c) Quadro clínico
· Síndrome anêmica
· Carência nutricional
· Glossite + queilite + diarreia (por redução da renovação celular do TGI)
Mas é carência de B12 ou folato?
· Vitamina B12: síndrome neurológica = qualquer manifestação neurológica – a B12 participa da degradação do ácido metilmalônico e se ela está deficiente, resulta em seu acúmulo que irá exercer uma toxicidade neuronal (QUALQUER neurônio)
d) Laboratório
· Anemia macrocítica
· Neutrófilos hipersegmentados
· Pancitopenia leve: redução de plaquetas e leucócitos
· Aumento do LDH e BI: lembra hemólise – repercussões idênticas à hemólise
Mas é carência de B12 ou folato?
· Aumento da homocisteína: as duas causam
· Aumento do ácido metilmalônico = VITAMINA B12
e) Tratamento
· Deficiência de B12: de preferência parenteral (IM)
· Deficiência de ácido fólico: 1-5 mg/dia VO
Cuidados
· Hipocalemia: acompanhar a calemia do paciente principalmente na primeira semana – aumenta-se de forma exorbitante a fabricação de células, levando à retirada de potássio do sangue para das células
· Reposição de ácido fólico pode mascarar deficiência de B12: o excesso de ácido fólico pode ser ativado mesmo na ausência da vitamina B12, o que resolve a anemia, mas não melhora o quadro neurológico – é MUITO importante diferenciarmos as deficiências
2.4 Anemia sideroblástica
É causada pela deficiência de protoporfirina. Esse paciente não consegue mais fabricar protoporfirina, ficando sem grupamento heme resultando em anemia. 
· Hereditária ou adquirida (álcool, carência de vitamina B6, chumbo)
a) Laboratório
· Anemia microcítica hipocrômica: nas causas hereditárias 
· Cinética do ferro = paciente abarrotado de ferro = aumento de ferro sérico, aumento de ferritina, aumento da saturação de transferrina risco de hemocromatose 
· Acúmulo de ferro na linhagem eritrocitára: aspirado de medula óssea (mielograma) = sideroblastos em anel / exame de sangue periférico (hematoscopia) = corpúsculo de Pappenheimer

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