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Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB Regência: DÁRIO MOURA VICENTE Introdução ..................................................................................................................................... 3 Fontes do Direito das Obrigações ............................................................................................... 3 Sistematização Legal em 2 títulos ............................................................................................... 5 Direito Comparado das Obrigações ............................................................................................ 5 Princípios Gerais dos Direitos Obrigações................................................................................... 6 Conceito de Obrigação ................................................................................................................. 10 Distingue-se de outras situações ............................................................................................. 10 O Direito de Crédito ................................................................................................................. 10 Características e Elementos das Obrigações ........................................................................... 11 Requisitos sobre o devido na prestação .................................................................................. 13 Modalidades ............................................................................................................................ 14 Fontes das Obrigações ............................................................................................................. 18 CONTRATOS ................................................................................................................................. 20 Noção, fontes normativas e fundamentos da sua eficácia ...................................................... 20 Modalidades dos Contratos: .................................................................................................... 21 Culpa na formação dos contratos (culpa in contrahendo) ...................................................... 23 Contratos de Adesão ............................................................................................................... 25 Contratos Preliminares ............................................................................................................ 28 CONTRATO-PROMESSA ........................................................................................................ 28 PACTO DE PREFERÊNCIA....................................................................................................... 32 Pacto de Opção .................................................................................................................... 34 Contratos a Favor de Terceiro ................................................................................................. 34 1. Contratos a Favor de Terceiro stricto sensu ..................................................................... 34 2. Contrato em Favor de Pessoa a Nomear .......................................................................... 36 3. Contrato com Eficácia de Proteção de Terceiros .............................................................. 36 RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................................................................. 37 1. Facto Voluntário .................................................................................................................. 38 2. Ilicitude do facto .................................................................................................................. 39 3. Culpa .................................................................................................................................... 40 4. Dano .................................................................................................................................... 42 5. Nexo de Causalidade ........................................................................................................... 43 Responsabilidade Civil Objetiva/pelo Risco ............................................................................... 44 Responsabilidade do Comitente – art. 500º ........................................................................ 44 Responsabilidade do Estado e outras pessoas coletivas públicas – art. 501º ...................... 45 Responsabilidade por Danos causados por Animais – art. 502º .......................................... 45 Responsabilidade por Acidentes causados por Veículos – art. 503º ................................... 45 Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 2 Responsabilidade por danos na condução de instalação de energia ou gás– art. 509º ...... 47 Responsabilidade do Produtor ............................................................................................ 47 Responsabilidade pelo Sacrifício/Factos Lícitos ........................................................................ 48 Obrigação de Indemnizar ......................................................................................................... 48 Concurso de Matéria Contratual e Extracontratual .................................................................. 50 Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 3 Introdução Direito das Obrigações assumiu-se como um eco jurídico do sistema de ordenação, produção e distribuição dos bens na sociedade económica de mercado Obrigações – ramo1 do direito civil2 de acordo com a divisão germânica. ➢ Prende-se com os atos jurídicos voluntários, constituição de empresas, compensação dos danos, gestão de negócios e etc. o Muito relacionado com o tráfego de bens numa economia de mercado ➢ Há sistemas jurídicos sem “Obrigações” – EUA e Reino Unido – não agregam numa disciplina só uma “teoria geral das obrigações” (isso só acontece na família romano- germânica) ➢ Conceito unificador é a OBRIGAÇÃO3 – art. 397º – vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com a outra à realização de uma prestação o Permitiu que se desenvolvesse jusculturalmente um conjunto de situações com a mesma estrutura que são disciplinadas pelas mesmas regras – racionalização do Direito o Estrutura típica em que alguém está adstrito a algo no interesse de outrem ▪ ≠ Direitos Reais: aí alguém tem domínio de um bem; é estruturalmente diferente ▪ ≠ Direito da Família e Sucessões: aí agrupam-se situações em função de um critério institucional e não estrutural ▪ Geram-se sobreposições e normalmente prevalece o critério institucional ➢ Doutrina alemã desenvolveu o conceito e tornou-o mais amplo: a relação obrigacional é complexa e não tem só obrigações stricto sensu – em que alguém tem o direito de crédito e outro o dever de prestar algo; há uma série de deveres jurídicos acessórios que têm de acompanhar e integrar a relação (ex: boa fé) Fontes do Direito das Obrigações 1. Fontes Internas – mais importantes em número e relevância • Código Civil – fonte legal – livro segundo do art. 397º a 1250º; em que parte do regime está no livro primeiro (artigos do negócio jurídico) que o completa • + Legislação avulsa – fonte legal – no final do CC o Revela-se uma tendência para codificação e uma tendência para a descodificação – devido às diretrizes europeias que faz surgir documentos extravagantes que complementam o direito codificado ▪ Dário: descodificação não é positiva pois retira a unidade – o legislador tem que ter o cuidado de incorporar no CC as matérias reguladas fora 1 Lima Pinheiro: Ramo do Direito é um subsistema normativo formado por normas, princípios e nexos intrassistemáticos sendo delimitado e ordenado. 2 Direito Civil = direito privado comum; regula as relações entreas pessoas ou das pessoas com outras entidades, mas estas sem poder de autoridade 3 Conceito milenar com origem no Direito Romano, surgindo nas Institutiones de Justiniano como: vínculo jurídico pela força do qual estamos obrigados a pagar algo a outrem de acordo com as leis da cidade • Romanos eram mais restritos; CC é mais amplo e rigoroso Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 4 dele 4(Alemanha em 2002, França em 2016) – codificação é um valor em si mesmo e deve ser preservado, pois facilita o acesso ao Direito e assegura coerência nos regimes jurídicos • Jurisprudência – sendo que a nossa jurisprudência é problemática por ser díspar o AUJ (Acordão de Uniformização de Jurisprudência): STJ pretende definir uma jurisprudência uniforme o Jurisprudência constante que se consolida e se torna fonte • Princípios Jurídicos – não estão nas normas, mas inferem-se delas e tornam-se muito importantes no entendimento das normas legais e no preenchimento de lacunas5. Para resolver um caso não se subsume uma norma apenas. 2. Fontes Internacionais • Convenções internacionais – que o Estado Português ratifica – ex: contratos, responsabilidade civil, convenção de Montreal (1999) sobre transportes, compra e venda de mercadorias (ONU, 1980) 3. Fontes Europeias • Diretivas – ato jurídico da UE que não é diretamente aplicável e tem de ser adaptado e integrado na ordem jurídica interna portuguesa por Lei ou Decreto-Lei; fazem surgir as leis avulsas o Tribunal aplica a fonte mais próxima (interna) mas a diretiva tem papel importante na interpretação da transposição o Não há visão de conjunto europeia e muitas vezes há contradições ▪ Ideia de CC, ou de código de contratos, europeu teve aval do parlamento europeu, fizeram-se trabalhos preparatórios (entre 1985 e 2003), em 2005 surgiu um projeto análogo para a responsabilidade civil e em 2008 surgiu o “quadro comum de referência” – mas o projeto fracassou ➢ Dário: parece inviável um CC europeu pois há países (de common law) sem o conceito de obrigação; subsistem grandes diferenças entre os países; não seria muito útil pois até agora não foi Há europeização das fontes, manifestada pela transposição de diretivas, mas fundamentalmente as fontes continuam a ser de fonte interna. 4 Nosso código do consumo não está codificado sendo um exemplo negativo desta descodificação 5 Art. 9º + 10º (em que o espírito do sistema são os princípios); princípios como a boa fé, autonomia privada e etc. Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 5 Sistematização Legal em 2 títulos 1. Obrigações em Geral (8 capítulos) • Legislador decidiu fazer biografia normativa da obrigação: do nascimento, até que se extingue e com as vicissitudes pelo meio – matérias fundamentais das obrigações em geral o Obedece à lógica da TGDC em que 1º estão as normas comuns à matéria das obrigações em geral e depois tudo o que é específico/especial ▪ Parte-se do geral para o particular sendo que ao ver um caso tem que se fazer ao contrário e vir da norma especial até à geral ▪ Assegura-se uma maior uniformidade 2. Contratos em Especial (Direito dos Contratos) Direito Comparado das Obrigações Não há regime europeu uniforme para as obrigações apesar das tentativas. ➢ O Direito das Obrigações contende com realidades mais vastas a nível económico, político e etc. que se altera de país para país. As perspetivas são muito diferentes acerca de como as partes devem agir. Distinguem-se 2 grandes conceções: • Família Romano-Germânica – generalidade da Europa continental; fonte principal é a lei o Visão de solidariedade e justiça nas relações interpessoais • Famílias de Common Law – realidade anglo-americana; fonte principal é o precedente em tribunal o Visão utilitarista e liberal da liberdade e da não existência de limitações A comparação jurídica vai evidenciar uma enorme diferença em figuras-chave do Direito dos Obrigações. 1. Contrato Romano-Germânica: a) É necessário acordo de vontades, troca de consentimentos (mútuo consentimento) tendo um objeto (à luz do art. 280º) – é todo o negócio bilateral: muito vasto e com matérias de várias naturezas b) Não gera apenas obrigações, há também deveres jurídicos acessórios de conduta – o conteúdo obrigacional é mais vasto c) Exige-se uma certa equivalência das prestações para que o contrato vincule – nível de justiça comutativa, ex: proibição do negócio usurário, alteração de circunstâncias Common Law: a) Realidade com alcance mais restrito e de visão utilitarista – não basta só o acordo de vontades, tem que haver a consideração (contrapartida negociada da prestação a que uma pessoa se vincula): não há contratos gratuitos b) Não aceitam a boa fé como princípio geral das Obrigações pelo que não há deveres acessórios; sujeição apenas à obrigação e ao estipulado c) Os contratos são “sacro-santos” e nada pode fazer rever os contratos originais (influência do liberalismo) Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 6 2. Responsabilidade Civil França: muito ampla – qualquer dano causado por falta deve ser indemnizado (1804). Uma aplicação sem limitações seria catastrófica, ex: concorrência, desvio de clientela causa falta, mas não pode gerar responsabilidade civil Common Law: princípio da tipicidade – só os “torts” ilícitos é que dão origem a responsabilidade civil; estão elencados nos precedentes dos tribunais. Hipóteses restritas da jurisprudência. Alemanha: não tem uma cláusula geral mas também não tem tipicidade – há 3 cláusulas com os bens jurídicos indemnizáveis ao serem afetados por atos danosos. Portugal: art. 483º - cláusula geral mas que indica os caracteres da ilicitude para que seja indemnizável. “direito de outrem” – direitos absolutos de tutela erga omnes “normas de proteção de interesses” – normas de concorrência desleal + casos de exercício abusivo do direito (art. 334º) 3. Responsabilidade Pré-Contratual Portugal: art. 227º Common Law: não aceitam a boa fé; a Câmara dos Lordes julgou o caso Walford vs. Miles em que diz que não responsabilidade pré-contratual Princípios Gerais dos Direitos Obrigações Princípios – proposições jurídicas com elevado grau de indeterminação que, exprimindo diretamente um fim ou valor da ordem jurídica, constitui diretriz de solução 1. Autonomia Privada Instituto Jurídico6 que é uma faculdade dos particulares, dentro dos limites da lei e limitado pelos outros princípios. • Espaço de liberdade reconhecido a cada pessoa para agir como entende – "Permissão genérica de atuação jurígena". Possibilidade de alguém estabelecer os efeitos jurídicos que se irão repercutir na sua esfera jurídica. o Permite encontros de vontade o Manifestações ao nível da decisão – “fazemos a nossa própria lei” • Num sentido estrito, a autonomia privada é a área na qual as pessoas podem desenvolver as atividades jurídicas que entenderem. Na ocorrência de factos voluntários – originários da vontade7. É limitada pela lei, ordem pública, moral e bons costumes. o Liberdade de Celebração: permite fazer determinados atos – liberdade de dizer sim ou não a atos jurídicos. o Liberdade de Estipulação: permite estabelecer os efeitos desse acordo – que cláusulas é que fazem o contrato ser realizado com o conteúdo que queremos. 6 Instrumento técnico-jurídico que sintetiza um conjunto de normas de caráter juscultural e compreensivo, fornecendo quadros gerais para orientação geral 7 Contemplação do princípio constitucional do art. 26º/1 do livre desenvolvimento da personalidade (que projeta a dignidade da pessoa humana) Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 7 o Decide-se dentro do Direito o que se pode ou não fazer e o regime jurídico que passa a vigorar – sem tipicidadeem que se pode acrescentar cláusulas o Art.º 405 – Autonomia privada subjacente a este artigo de liberdade contratual. • Tem como limite a autonomia privada das outras pessoas – é restringida também pela proteção da parte mais fraca Com a liberdade vem a responsabilidade (a estipulação estabelece um regime que temos de cumprir) – só se pode imputar responsabilidade a quem é verdadeiramente livre. 2. Equivalência das Prestações e Proporcionalidade CC assenta na ideia que numa relação contratual deverá haver equilíbrio nas prestações das partes – tem-se também em conta a alteração de circunstâncias que pode por em perigo esse equilíbrio das partes. Há exigência de proporcionalidade nas sanções contratuais que uma parte pode exigir à outra – a cláusula penal em que o art. 812º atende à equidade; nas CCG é o art. 19º 3. Proteção da parte mais fraca na relação jurídica Ideia de justiça distributiva. Ordem jurídica dá maior tutela à parte que seja mais fraca – ex: situações de arrendamento, mediação financeira, trabalho e etc. Limita a autonomia privada num “favor debitoris” em que se favorece o devedor – ex: devedor pode pagar a prestação no seu domicílio (sem custos deslocação); art. 684º em que o credor não pode tomar como sua a coisa hipotecada (proíbe pacto comissório) 4. Boa fé No vínculo obrigacional há regras de comportamento que, adequadamente respeitada, proporcionarão a satisfação do direito de crédito mediante prestação do devedor, sem que resultem danos para as partes. Abrange toda a vida da obrigação e postula uma conduta leal, honesta e atenta à outra parte – donde decorrem deveres acessórios de conduta. Conceito indeterminado mas que sustenta as decisões e as normas – cerne de vários regimes jurídicos em que a resolução das questões é com um sentido de ética e de regras de atuação. • Objetiva: Apela a uma regra exterior e que as pessoas devem observar – modos de atuação (conforme os valores dominantes da ordem jurídica). Quando diz como se tem que comportar. Tem várias projeções (responsabilidade pré-contratual, art. 227º; integração de negócios, art. 239º; abuso do direito, art. 334º; alteração de circunstâncias, art. 437º; complexidade das obrigações, art. 762º/2) Tutela da Confiança: confiança das pessoas nas relações que se estabelecem interpessoalmente. Não equivale a crença! Devem ser definidos os pressupostos para se tutelar o princípio da confiança ➢ Tem que ser criada a relação – a outra pessoa tem que agir em boa fé subjetiva no sentido ético. ➢ Tem de ser justificada – elementos objetivos capazes de provocarem uma crença plausível: elementos razoáveis, suscetíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal através de um ato de outrem ou facto. Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 8 ➢ Investimento na confiança – desenvolvimento de uma atuação (escolha de opções) baseada nessa confiança e agindo em conformidade. ➢ Imputação da confiança – existência de um autor em quem confiar. Não pode haver frustração da confiança Primazia da Materialidade Subjacente: as atuações jurídicas são atinentes à substância e não à aparência. Tutela-se o valor da essência – o que verdadeiramente está por trás. São avaliados materialmente de acordo com as efetivas consequências que acarretam. Ex: A pede a B que se faça passar por ele para comprar uma casa, na aparência B é que comprou mas na realidade foi A • Subjetiva: estado do sujeito – como se devia comportar. Direito valoriza o estado de conhecimento, ignorância ou consciência de determinados factos. o Sentido Psicológico: está de boa-fé quem pura e simplesmente desconhecesse ou estivesse convencido de certo facto ou estado de coisas, por muito óbvio que fosse. O que está na nossa cabeça – se sabe ou não. É irrelevante a necessidade de saber ou não. o Sentido Ético: está de boa-fé quem se encontra num estado de desconhecimento não culposo, ou seja, está de má-fé quem desconhece aquilo que deveria conhecer. Postula os deveres de cuidado e indagação – exige o mínimo de diligência à pessoa que esta convencida (porque não investigou, o que é exigido). O dever de saber é relevante. Ex: A queria construir casa em zona protegida, mas não sabe que é uma zona protegida, mas também não quis saber – agiu de má-fé. 5. Retribuição por enriquecimento sem causa Art. 473º/1 – enriquece à custa alheia e sem causa é inadmissível e gera obrigação (de restituir o empobrecimento) • Pode-se sempre questionar se o enriquecimento é injustificado, dado que estamos numa economia de mercado 6. Indemnização dos danos por atos ilícitos culposos Encarado com cautela pois na vida em sociedade é inevitável causarmos danos a outrem e se não houver dolo, por via da regra, não é indemnizável. • Transferência do dano do lesado para outrem opera-se mediante constituição de obrigação de indemnização, através da qual se deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo (art. 562º) - ocorre imputação de danos quando a lei considera existir, não apenas um dano injusto para o lesado, mas também uma razão de justiça que justifica que esse dano seja transferido para outrem (imputação do dano). o Imputação de danos por culpa: baseia-se numa conduta ilícita e censurável do agente (função reparatória e sancionatória); o Imputação de danos pelo risco: conceção de uma justiça distributiva; o Imputação de danos pelo sacrifício: lei permite que, por valor superior, se sacrifique um bem ou um direito, havendo depois uma compensação. Art. 483º - cláusula geral mas que indica os caracteres da ilicitude para que seja indemnizável. • Nem todo o dano é indemnizável (não vigora o que se extrai do “memirem laedere”), só quando a lei o manda (“causum sentit dominus”) Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 9 7. Princípio da Responsabilidade Patrimonial O credor, em caso de não cumprimento, pode executar o património do devedor para obter a satisfação dos seus créditos. • Art. 817º põe à disposição do credor a autoridade do Estado para que o devedor cumpra o crédito sendo essa ação de cumprimento se a prestação for possível. • Se não for possível em virtude de facto imputável ao devedor, só se pode exigir indemnização (art. 798º, 808º e 801º) - sujeição à execução dos bens do devedor (art, 601º), só dos bens do devedor (art. 817º, exceção no 818º que remete para a fiança, art. 627º) e estando os credores em pé de igualdade (não hierarquização dos direitos de crédito - art. 604º) Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 10 Conceito de Obrigação Essencialmente há um direito de uma das partes a que a outra lhe preste algo – é sempre em relação ➢ Alguém pode exigir e alguém tem que prestar ➢ Há direito de crédito e outro tem dever de débito ➢ Direitos de crédito são direitos a uma prestação OBRIGAÇÃO – art. 397º – vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com a outra à realização de uma prestação8 ➢ Doutrina alemã desenvolveu o conceito e tornou-o mais amplo: a relação obrigacional é complexa e não tem só obrigações stricto sensu – em que alguém tem o direito de crédito e outro o dever de prestar algo; há uma série de deveres jurídicos acessórios que têm de acompanhar e integrar a relação (ex: boa fé) Distingue-se de outras situações ≠ Dever Jurídico: necessidade de alguém adotar certa conduta imposta pela lei. Nas obrigações há deveres jurídicos de prestar, mas há mais deveres jurídicos na nossa ordem jurídica – como o respeito pelos direitos absolutos. ➢ O dever de prestar é jurídico, mas específico perante uma ou mais pessoas determinadas (ou determináveis) e não perante a generalidade das pessoas (é direito relativo e não absoluto) ≠ Ónus: “dever” que proporciona vantagens, mas cujo cumprimento não pode ser exigido (situação jurídica que quando o “dever” é violado não é ilícito)➢ Situações absolutas – não estão numa relação jurídica. ➢ Para se ter uma vantagem tem que se sujeitar a uma desvantagem ➢ Ónus jurídicos – não há um dever (se houvesse, como nas obrigações, ao não ser cumprido agir-se-ia ilicitamente e poderia haver sanções) mas ao se desincumbir de cumprir, não há sanções, mas não há vantagens – assenta numa permissão. Ex: ónus da prova, não é um dever provarem-se os factos, mas ao fazê-lo ganha-se o caso. o Menezes Cordeiro: é um regime particular que se distingue dos deveres e das obrigações e é reservado para o direito processual ≠ Estado de Sujeição: alguém pode ver a sua esfera jurídica alterada unilateralmente por outra pessoa (sujeito ao direito potestativo de outrem – Lado passivo dos direitos potestativos). ➢ Não tem dever jurídico e não tem que fazer em prol da outra, apenas tem que se sujeitar aos efeitos imediatos do direito potestativo alheio O Direito de Crédito Engloba: ➢ A prestação (conduta do devedor) ➢ O património (bens do devedor 8 David Festas: Prestação é comportamento devido pelo devedor Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 11 Debate e querela entre as teorias personalistas (crédito como direito sobre a pessoa do devedor; crédito como direito à prestação do devedor) vs. teorias realistas (crédito como direito sobre os bens do devedor; crédito como relação de patrimónios; crédito como direito à transmissão dos bens do devedor; crédito como expetativa da prestação, acrescida dum direito real de garantia sobre o património do devedor) vs. teorias mistas vs. teorias da complexidade do vínculo obrigacional ➢ Menezes Leitão: obrigação não é direito incidente sobre os bens do devedor, é antes um vínculo pessoal entre dois sujeitos, através do qual um deles pode exigir que o outro adote determinado comportamento em seu benefício. Há o direito subjetivo à prestação (pois o devedor estava vinculado ao seu cumprimento) - o Estado só intervém pelo património do devedor para satisfazer o direito de crédito. Distinguem-se dos: • Direitos Reais – sobre coisas, absolutos (oponibilidade erga omnes - o direito real persegue a coisa onde quer que ela se encontre e pode sempre ser exercido), imediatos, plenamente hierarquizáveis, inerentes a uma coisa, dotados de sequela e hierarquizáveis entre si, na medida que a constituição de um direito implica a perda de legitimidade para posteriormente constituir outro. Características e Elementos das Obrigações9 Obrigações caracterizam-se pela: 1. Patrimonialidade - suscetibilidade da obrigação ser avaliável em dinheiro, tendo conteúdo económico. • Art. 398º/2 afasta a necessidade de ter caráter pecuniário – devendo apenas corresponder a um interesse do credor, digno de proteção legal (quando se referem a situações jurídicas - e não quando dizem respeito a outras ordens normativas - religião, moral, cortesia - a juridicidade é excluída). • Existe uma patrimonialidade tendencial - geralmente têm natureza patrimonial e por isso a obrigação corresponde a um passivo no património do devedor e o crédito corresponde a um ativo no património do credor. 2. Mediação ou colaboração devida - exige-se a colaboração do credor para que o devedor consiga realizar o seu crédito 3. Relatividade • A) prisma estrutural: caráter estruturalmente relativo e não absoluto, pois há o direito de exigir uma prestação a outrem - e só entre esses na relação jurídica; • B) prisma de eficácia: i. Cunha Gonçalves defendia a não eficácia externa das obrigações sendo que os direitos de crédito só podiam ser violados pelo devedor, não tendo terceiros responsabilidade pela sua frustração. ii. Menezes Cordeiro e Galvão Telles entendem o dever geral de respeito que todos têm de não lesar direitos alheios que abrangeria os direitos de crédito e tinha tutela delitual (art. 483º), iii. Menezes Leitão, Manuel de Andrade e Antunes Varela entendem posição intermédia em que não existe um dever geral de respeito dos direitos de 9 A autonomia deste tamo de direito não é uma característica pois é natural que surjam situações estruturalmente obrigacionais noutros ramos do Direito, mas que não perdem a sua natureza de obrigações por lá estarem inseridas Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 12 crédito mas admite alguma oponibilidade excecional dos créditos perante terceiros, através do princípio do abuso de direito (art. 334º), quando têm uma atuação lesiva do direito de crédito num exercício inadmissível de liberdade de ação e autonomia privada. Só o devedor deve ser responsabilizado mas isso não significa que em certos casos a obrigação possa ter eficácia externa e um terceiro ser responsabilizado. Os elementos da Obrigação são: 1. Sujeitos – pessoas entre as quais se constitui a obrigação; • Credor (quem beneficia) + Devedor (quem presta) -> que o podem ser mutuamente • Pessoas singulares ou plurais (dependente se tem 1 ou mais pessoas) • Cumprimento da obrigação só se estabelece entre pessoas determinadas ou determináveis – devido à relatividade das obrigações e não ao direito absoluto erga omnes • Eficácia das Obrigações – regra geral temos uma eficácia interna (característica da relatividade) em que o direito de A é perante B e em princípio A não pode pedir indemnização a C por este ter aliciado a B incumprir (os terceiros não podem ser chamados por uma lesão de um direito de crédito, devido à concorrência da economia de mercado) o Pode haver eficácia externa quando se ultrapassam limites da liberdade contratual (sendo um deles o abuso de direito do art. 334º) – se C queria lesar A, então podemos estar perante exercício abusivo da liberdade de C contratar B, pelo que é ilícito e o art. 483º pode atribuir responsabilidade civil extra- contratual o Pela via indireta há formas de responsabilizar o Pode também ser tutelado pela concorrência desleal no código da propriedade industrial 2. Objeto • Imediato – conteúdo da obrigação (direitos e deveres; crédito e débito) o Não se cinge apenas aos deveres de prestação e engloba os outros deveres da relação obrigacional mais complexa ➢ Dever de efetuar a prestação principal (elemento determinante que lhes atribui individualidade própria) + deveres secundário (com o fim de complementar a prestação principal, sujeitos a ação de cumprimento. Ex: entrega de documentos relativos à coisa, art. 882º/2) + deveres acessórios (através da boa fé, permite que a execução corresponda à plena satisfação de interesses)10 ➢ Também pode acarretar sujeições, poderes ou faculdades (art. 777º/1, 813º, 539º, 543º) e exceções (art. 303º, 428º, 754º) 10 A violação da prestação principal leva à resolução do contrato e a violação da prestação acessória pode levar a responsabilidade pelos danos causados (mas uma violação sistemática pode levar a perda de confiança pelo que se pode resolver o contrato). Incumprimento – art. 1817º - pede-se ao tribunal que obrigue a cumprir: título executivo que pode ser específico ou geral (por exemplo para o contrato- promessa) Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 13 o Art. 772º exige que na execução as partes ajam de acordo com a boa fé – só assim se cumpre o contrato – boa fé diz como a prestação deve ser efetuada. • Mediato – a prestação em si o Art. 398º: A prestação fixa-se pela autonomia privada 3. Facto Constitutivo – obrigações podem constituir-se de várias formas • Pactos Voluntários: Contrato e Negócio Jurídico Unilateral • Outros que não dependem da vontade: Gestão de Negócios; Enriquecimento sem Causa; Responsabilidade Civil 4. Garantia – para que haja obrigação civil tem que estar dotada de garantia • Geral: credor em caso de incumprimento pode atacar património dodevedor – garantia que existe por força da lei (ex: penhora) • Especiais: existe por vontade das partes o Pessoais: alguém assume cumprir a obrigação por outro e para tal afeta o seu património (ex: fiança) o Reais: há certos bens que são dados como garantia para que se o devedor não cumprir, o credor satisfaça a prestação (ex: hipoteca) Requisitos sobre o devido na prestação 1. Suscetível de Proteção Legal (art. 398º/2) – não se exige patrimonialidade (convertibilidade em dinheiro) na prestação mas exige-se que o interesse do credor seja digno de proteção legal. A prestação constitui o objeto da obrigação e as partes têm a faculdade de determinar o seu conteúdo dentro dos limites da lei - articulação dos art. 280º, 400º e 401º 2. Determinado ou Determinável (art. 400º) – lei admite que no momento ainda não se saiba exatamente e depois pode definir-se por uma das partes ou por terceiro; sem estipulação contratual compete ao tribunal (nº2) • Em caso de indeterminação aplica-se o art. 400º - sendo tal um ato jurídico simples. • Se não der, o NJ é nulo por ser indeterminável e o 400º não o pode suprir. 3. Possível (art. 401º) – se não for possível a prestação não é vinculativa, ex: tentar cobrar direitos de autor sobre um livro em domínio público • Para que uma impossibilidade conduza à nulidade do negócio jurídico é necessário que ela constitua uma impossibilidade originária (art. 401º/1) i. Art. 401º/2 admite casos em que a prestação é originariamente impossível mas o NJ é celebrado com a eventualidade de se tornar possível (ex: prestação de coisa futura, art. 399º em que devedor fica obrigado a diligências para entregar a coisa, art. 880º). ii. Impossibilidade deve ser absoluta e objetiva (art. 401º/3) e não subjetiva (pois obrigações podem ser realizadas por qualquer pessoa, art. 767º/1, devendo o devedor fazer-se substituir) • Se for superveniente o NJ não é nulo mas a prestação extingue-se pelo art. 790º 4. Lícito – conformidade à lei e ao Direito, não contrariando deveres jurídicos: normas de caráter injuntivo como limite à autonomia privada (art. 280º e 281º). É um vício que Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 14 atinge originariamente o contrato, sendo nulo (ou parcialmente válido dependendo do caso). 5. Não contrariedade à ordem pública e aos bons costumes Modalidades Em função do TIPO DE PRESTAÇÃO: 1. Prestações de Coisas – objeto é a entrega de uma coisa. Sendo possível distinguir entre a prestação do devedor e a coisa a prestar, o direito de crédito só incide sobre a prestação do devedor (não tem direito sobre a coisa, isso só nos Direitos Reais, mas o direito a uma prestação que consiste na entrega de uma coisa) • Divide-se em: de dare, praestare ou restituere • Prestação principal + Prestação secundária (complementa a prestação principal) Ex: contrato para criar um site (prestação principal), fornece ao empregado um computador (prestação secundária). 2. Prestações de Factos – objeto é a realização de uma conduta (o seu interesse não corresponde a nenhuma realidade independente dessa prestação). Pode ser uma prestação de facto material ou de facto jurídico. • Divide-se em: de facere, non facere ou de pati • Pode ser de facto positivo (obrigação de fazer), de facto negativo (obrigação de não fazer) ou de suportação 3. Prestação Fungível – prestação que pode ser realizada por outrem que não o devedor, que se pode fazer substituir no cumprimento (art. 767º/1). • Regra geral que pode admitir execução específica (art. 827º, 828º, 829º, 830º) 4. Prestação Infungível – só o devedor pode realizar a prestação (art. 767º/2 - infungibilidade natural ou infungibilidade convencional). • Pode admitir sanção pecuniária compulsória mas pode acarretar a extinção (art. 791º) 5. Prestação Instantânea – execução ocorre num único momento. • Podem ser fracionadas (fixação prévia mas dividida em frações. Decurso do tempo não interessa. Ex: pagar em prestações) 6. Prestação Duradoura – execução prolonga-se no tempo (realização global depende do decurso de um período temporal). • Periódicas/Repetidas: verifica-se obrigações distintas em função do decurso do tempo. Ex: pagar a renda, é em função do tempo da locação que se paga • Continuadas: onde a boa fé tem um papel mais importante. Ex: por inquilino pagar a renda, o que arrenda tem de garantir por mais um mês o usufruto. 7. Prestação de Resultados – devedor vincula-se a obter determinado resultado, respondendo por incumprimento se tal não fosse alcançado. Ex: encomenda que não chega a tempo 8. Prestação de Meios – devedor apenas estaria obrigado a atuar com diligência para obter um resultado. Ex: médico a tratar doente • Crítica de Gomes da Silva e Menezes Leitão: não há espaço no nosso direito para esta distinção Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 15 9. Prestação Determinada –completamente determinada no momento da constituição. 10. Prestação Indeterminada – determináveis, o que ocorre no momento do cumprimento. (Art. 400º) Em relação aos SUJEITOS 1. Sujeito Indeterminado – art. 511º - credor pode não ficar logo determinado, mas o devedor deve sê-lo. 2. Obrigações Plurais – pluralidade das partes na relação obrigacional. • Vinculação de várias pessoas para com outra (pluralidade passiva) • Vinculação de uma pessoa para com outras (pluralidade ativa) • Vinculação de várias pessoas para com outras (pluralidade mista) 3. Obrigações Conjuntas (ou parciárias) – cada um dos devedores só está vinculado a prestar ao credor ou credores a sua parte na prestação e cada credor só pode exigir a cada devedor essa mesma parte. • Regra geral – prestação é realizada por partes e cada devedor presta a parte a que se vinculou. 4. Obrigações Solidárias – art. 512º e ss. – caracterizadas pela identidade da prestação em relação a todos os sujeitos da obrigação, a extensão integral do dever de prestar ou direito à prestação em relação respetivamente a todos os devedores ou credores, e o efeito extintivo comum da obrigação caso se verifique a realização do cumprimento por um ou a apenas um deles. • Art. 513º - solidariedade só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes • Solidariedade Passiva: qualquer um dos devedores está obrigado perante o credor a realizar a prestação integral o Relações Externas – maior eficácia do direito do credor, que se pode exercer integralmente contra qualquer um dos devedores (art. 512º/1 e 519º/1), não podendo estes invocar a divisão (art. 518º). Credor pode optar por demandar conjuntamente os devedores renunciando à solidariedade (art. 517º). Admite-se que o credor renuncie à solidariedade perante um devedor, conservando o direito à prestação por inteiro sobre os restantes (art. 527º) o Relações Internas – não é extensível; o devedor que satisfazer a prestação acima da parte que lhe competir adquire um direito de regresso11 sobre os outros devedores, pela parte que a estes compete (art. 524º) • Solidariedade Ativa: qualquer um dos credores pode exigir do devedor a realização da prestação integral o Relações Externas – um dos credores pode exigir a realização integral da prestação ao devedor (art. 512º/1). Devedor pode escolher a que 11 Meios de defesa: compensação e direito de regresso. Podem ser meios de defesa comum (qualquer condevedor pode invocar – ex: obrigação nula) ou meios de devesa pessoal (apenas 1 pode invocar de forma interna e externa podendo até prejudicar outros). A prescrição só vale face ao credor e não afeta os condevedores. Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 16 credor satisfaz a prestação (art. 528º/1) que se não aceita incorre em mora (art. 813º). Realização exonera o devedor (art. 532º) o Relações Internas – o credor cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competiana relação tem a obrigação de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum (art. 533º) - direito de regresso ativo dos outros credores sobre o credor que recebeu a prestação. Lei presume igualdade das partes (art. 516º) mas pode não o ser. • Solidariedade Mista: qualquer um dos credores pode exigir a qualquer um dos devedores a prestação devida por todos os devedores e credores. 5. Obrigações Plurais Indivisíveis Conjuntas – art. 535º – prestação tem que ser exigida de todos os devedores simultaneamente. Se se extinguir obrigação a um dos devedores, a parte desse devedor onerado será redistribuída pelos restantes devedores (art. 536º) 6. Outras obrigações plurais - obrigações correais (pluralidade mas crédito uno), disjuntas (pluralidade mas apenas um escolhido como sujeito na relação) e em mão comum (pluralidade por ser património de mão comum sendo um vínculo coletivo Em relação ao OBJETO 1. Obrigações Naturais – art. 402º e ss. – característica da não exigência judicial da prestação12, resumindo a tutela jurídica à possibilidade do credor conservar a prestação espontaneamente realizada (soluti retentio). Exclui-se a repetição do indevido (são exceção ao art. 476º) • Situações de obrigações proscritas (art. 304º/2) • Jogo e aposta (art. 1245º) • Pagamento ao filho de uma compensação por obter bens para os pais (art. 1895º/2) i. Guilherme Moreira: defende como relações de facto ii. Galvão Telles + Antunes Varela: constitui um dever oriundo de outras ordens normativas, cujo cumprimento a lei atribuiria efeitos jurídicos iii. Manuel de Andrade + Almeida e Costa + Vaz Serra + Menezes Cordeiro: obrigações jurídicas imperfeitas, sendo o regime diferente dos outros porque não permite a execução iv. Menezes Leitão: não constitui verdadeira obrigação jurídica na medida que não há vínculo jurídico. É a lei que recusa o credor natural a tutela jurídica desse direito ao negar-lhe a faculdade de exigir judicialmente o cumprimento. Não existe um direito primário à prestação, como direito de crédito. O cumprimento da obrigação natural é juridicamente não devido. A lei limita-se a reconhecer causa jurídica à prestação realizada espontaneamente, tutelando a aquisição pelo credor. 12 Cumprimento é um dever ético e de justiça não sendo assistidas pela garantia geral e em juízo não se pode exigir a realização coativa – à partida sujeitas ao mesmo regime que as outras e se cumprir espontaneamente tem que atender à boa fé; o devedor depois de prestar não pode exigir que a prestação lhe seja devolvida Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 17 v. Dário Moura Vicente: o credor tem alguma tutela portanto pode dizer- se que em aceção muito ampla estamos perante obrigação, se bem que não no sentido do CC 2. Obrigações Genéricas – art. 539º e ss. – objeto da prestação apenas se encontra determinado quanto ao género • Tem que sofrer Concentração: processo de individualização do espécime dentro do género. Passagem de genérica a específica. Escolha do devedor (regra geral do art. 539º, exceções no art. 542º) dentro dos ditames da boa fé na integração do NJ - como indica o art. 400º ao falar da determinação • Indeterminação inical coloca o problema de saber em que momento se transfere a propriedade, que interessa para o regime do risco (art. 796º). Só se pode dar com o conhecimento de ambas as partes (art. 408º/2). Transferência da propriedade ocorre no momento da concentração da obrigação, não se exigindo que essa concentração seja conhecida de ambas as partes. Que é quando? i. Teoria da escolha – Thöl: ocorre quando o devedor procede à separação dentro do género das coisas que pretende usar para cumprir a obrigação. Risco correria depois para o credor. ii. Teoria do envio – Puntschart: simples separação não basta, o devedor tem que proceder ao envio para o credor das coisas com que pretende cumprir a obrigação. Risco era pelo credor a partir do momento do transporte. iii. Teoria da entrega – Jhering: só com o cumprimento da obrigação. Risco era do devedor antes da entrega. o Solução da lei no art. 540º (que consagra irrelevância da escolha ou envio, devedor continua a ter que entregar coisas do mesmo género pelo que ainda não se concentrou) com exceções no art. 541º (1ª - contrato modificativo da obrigação que se substitui uma genérica por uma específica; 2ª - ocorre por facto de natureza; 3ª - mora do credor não impede realização de nova escolha) o Quando a escolha é do credor ou de terceiros a lei adota no art. 542º a teoria da escolha 3. Obrigações Específicas – tanto o género como os espécimes da prestação estão determinados 4. Obrigações Alternativas – art. 543º e ss. – convenciona-se 2 prestações, ou entrega- se uma ou outra e escolhe-se pelo interesse ou pelo estipulado pelo contrato; uma é concretizável através de uma escolha (que geralmente pertence ao devedor). Não se consideram alternativas as obrigações condicionais (em que se realiza uma em caso de se verificar a condição e outra caso não se verifique) • Impossibilidade Casual – art. 545º - ocorre fenómeno de redução da obrigação alternativa à prestação que ainda seja possível. • Impossibilidade Imputável a uma das partes com escolha de terceiro i. Antunes Varela: terceiro escolha se indemnização ou a outra prestação; Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 18 ii. Menezes Cordeiro e Menezes Leitão: terceiro perde faculdade de realizar a escolha (só pode fazê-lo entre duas prestações possíveis e não entre prestação e indemnização) 5. Obrigações com faculdade alternativa – convenciona-se que se pode substituir a prestação através de outra prestação que não a convencionada; prestação determinada mas devedor tem a faculdade de substituir o objeto da prestação por outro 6. Obrigações Pecuniárias – têm por objeto dinheiro e visam proporcionar ao credor o valor dele • Obrigações de quantidade - têm por objeto quantidade de moeda com curso legal no país. i. Art. 550º - princípio do curso legal (só em espécies de moedas a que o Estado reconheça função liberatória genérica) ii. Princípio do nominalismo monetário13 (consideração é o valor nominal da moeda independentemente de qual seja o seu valor de troca no momento do cumprimento) • Obrigações em moeda específica - art. 552º com duas modalidades - obrigações em certa espécie monetária e obrigações em valor de certa espécie monetária • Obrigações em moeda estrangeira - Obrigações Valutárias Próprias (cumprimento só pode ser realizado em moeda estrangeira – proteção do credor), Obrigações Valutárias Impróprias (moeda estrangeira funciona apenas para através do câmbio saber a quantidade de moeda nacional devida), Obrigações Valutárias Mistas (faculdade alternativa de o devedor escolher) 7. Obrigações de Juro/ Obrigação de Capital – correspondem à remuneração da cedência ou do diferimento da entrega de coisas fungíveis (capital). Os juros podem ser remuneratórios, compensatórios, moratórios e indemnizatórios. • Lei prevê a possibilidade de pagar em juros e fixa taxa de juro legal, proibindo o que exceda muito de tal e os juros sobre juros (anastocismo) – art. 559º, art. 559º-A, art. 560º Fontes das Obrigações Menezes Leitão: as obrigações podem resultar de diversos fenómenos jurídicos. ➢ É fonte de obrigações o facto jurídico de onde emerge a relação obrigacional (situações muito heterogéneas) ➢ Art. 405º e ss. apresenta enumeração: contratos, negócios unilaterais, gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil 1) Fontes de obrigações que resultam da autonomia privada: contratos, negócios unilaterais - negócios jurídicos 13 Não há correção monetária nos pagamentos acordados (podia propiciar o aumentoda inflação) Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 19 2)Fontes de obrigações que não resultam da autonomia privada: obrigação de indemnização (responsabilidade delitual, obrigacional, pelo risco e por factos lícitos ou sacrifícios), gestão de negócios, enriquecimento sem causa - resultam da lei, que atribui a certos pressupostos o efeito jurídico da constituição de uma obrigação. Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 20 CONTRATOS Noção, fontes normativas e fundamentos da sua eficácia Contrato é modalidade essencial do negócio jurídico – definido no art. 405º: princípio orientador do negócio está definido na parte das obrigações, mas devia de estar na parte geral pois há contratos não obrigacionais (ex: Casamento). Negócios Unilaterais e Contratos Critério da quantidade de partes no negócio. Unilateral – negócio só tem uma parte (art. 457º) ex: testamento, confirmação Bilateral – se o negócio tem 2 partes – pode ser também Multilateral – Contrato O que é uma parte? Parte é diferente de pessoa (podem estar mais que uma pessoa do mesmo lado do negócio) e diferente de declaração negocial (podem haver várias declarações negociais no mesmo sentido). ➔ Parte delimita-se pela ideia de titular de um interesse (de Jhering) – há tantas partes num negócio jurídico quantos interesses14 individualizáveis hajam; a cada interesse corresponde uma parte15 Noção de Contrato é muito importante para todos os ramos de direito. • Significado ideológico – manifestação da autonomia privada numa demonstração de liberdade • Significado económico – relevância enquanto instrumento essencial para funcionamento económico (contratação) Há uma convergência/encontro de vontades (art. 232º). ➔ Contrato é manifestação da vontade, mas esta não basta: é necessário uma vontade de vinculação e a manifestação da vontade (princípio do consensualismo não impõe forma, art. 219º) Precisam de uma causa: função económica-social da celebração do contrato (o porquê do NJ) ➔ Generalidade dos contratos exige-o, exceto os negócios abstratos em que a sua validade não depende da causa o Há fronteiras discutíveis sobre a exigência da causa, que tem de ser lícita Dário: Contrato = acordo de vontades no sentido de atribuição de efeitos jurídicos + vontade de vinculação + licitude O contrato está regulado no CC e noutras leis e regimes normativos, baseando-se em vários princípios: • Princípio da Liberdade Contratual – autonomia privada: art. 405º (balizado pelos art. 280º, 281º 14 Interesse – tenho interesse num bem quando tenho necessidades que esse bem está apto a satisfazer 15 Menezes Cordeiro: parte = efeitos do negócio ➢ Menezes Leitão discorda e o ênfase é no modo de formação - contrato assume-se como resultado de duas ou mais declarações negociais contrapostas, mas integralmente concordantes entre si, de onde resulta uma unitária estipulação de efeitos jurídicos. Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 21 • Princípio da boa fé – desde o princípio da tutela da confiança ao da materialidade subjacente, concretizam a boa fé16 • Princípio da equivalência das prestações • Princípio pacta sunt servanda • Princípio eficácia relativa dos contratos: art. 406º/2 – vem em torno da discussão da eficácia externa (exceção à regra da eficácia inter partes)17 • Princípio do consensualimo: art. 219º - geralmente há uma desnecessidade de qualquer forma especial para a celebração do contrato. Modalidades dos Contratos: Multiplicidade de Negócios Jurídicos (categoria magna que sintetiza a autonomia privada) com critérios diferentes e, por isso, sobreponíveis. Estas modalidades são as mais comuns, embora possam haver outras. ➢ São sobreponíveis (são vários os critérios que as distinguem) ➢ Algumas têm subclassificações ➢ Classificações têm consequências jurídicas ao nível do regime Bilateral ou Unilateral Sendo que também se chamam (Dário): Contratos Sinalagmáticos e Não-Sinalagmáticos Sinalagma liga as prestações e as contraprestações que, no mesmo negócio, são a causa jurídica e o fundamento um do outro – sem uma não se pode exigir a outra. o Sinalagmáticos – nexo de reciprocidade entre as obrigações dos contraentes: partes assumem obrigações recíprocas em que uma está na interdependência da outra. Situações de “só se… se” – simultaneamente credor e devedor. ▪ Com o contrato cria-se um nexo entre as prestações (sinalagma genético) que se mantém no sentido de que uma prestação não pode ser executada sem a outra (sinalagma funcional) o Não-Sinalagmáticos – posição/deveres das partes não são correspectivos: não dependem uma da outra e uma parte tem situação passiva e outra ativa. Ex: doação de uma casa, mas ao doar dou o encargo de lá ficar com a avozinha – apenas uma das partes assume uma obrigação e a contraparte não tem deveres, apenas o encargo Direito privado ou Direito público Obrigacionais, reais, familiares e sucessórios Origem na técnica de divisão do CC – relacionado com os efeitos que o negócio produz numa figura multiusos plástica e adaptável. Podem produzir mais que um destes efeitos: extinguem, modificam, transferem ou fazem surgir uma situação jurídica no âmbito de cada um Ex: penhor, hipoteca 16 Que acompanha toda a contratação 17 Várias posições da doutrina Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 22 Contratos reais quod constitutionem vs. reais quod efectum Quanto ao modo de formação. Obrigacionais e Reais Quanto aos efeitos - eficácia jurídica que pode ser constitutiva, transmissiva, modificativa ou extintiva. Geralmente, em coisa determinada, a propriedade transfere-se no momento do acordo de ambas as partes - exceção nas obrigações genéricas em que a propriedade só se transfere no momento da concentração da obrigação, art. 540º ➢ Transferência da propriedade é sempre por efeito do contrato - tornou-se comum para maior proteção a celebração de uma cláusula de reserva de propriedade (art. 409º) em que o alienante reserva para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte. Protege o vendedor dos credores do comprador e ainda pode resolver o contrato pelo art. 801º/1. O risco é dividido de acordo com o proveito que cada um tirava da situação jurídica de que era titular. Comutativos e Aleatórios Ambas as atribuições patrimoniais são certas vs. pelo menos uma das atribuições patrimoniais é incerta (quanto existência ou conteúdo) Onerosos e Gratuitos Atribuições patrimoniais para ambas as partes vs. atribuições patrimoniais para uma só parte Nominados e Inomidados Nominados – aqueles que a lei designa por um nomen iuris Inominados – a lei não designa e são sempre atípicos Típicos e Atípicos Critério de estar ou não regulado. Típicos – aqueles previstos na lei, com o regime regulado: Atípicos – não previstos na lei, mas que as partes podem estabelecer segundo a sua autonomia privada Cada vez vão surgindo mais contratos atípicos – há novos contratos que são úteis ao consumidor e a lei não os contempla; muitos surgem pelos usos Ex: leasing (alocação financeira); crédito documentário; concessionário financeiro; garantias bancárias autónomas Podem ser Mistos – têm características de vários contratos típicos da lei Que regras se lhes aplicam? • Teoria da Combinação/Conjugação – Hoeninger: aplicação combinado dos dois regimes, art. 1028º/1 • Teoria da Absorção – Lotmar: aplica-se um único regime contratual, o tipo predominante (que nem sempre existe), art. 1028º/3 • Teoria da Analogia – Screiber: não se aplica nenhum deles e reconhece-se a autonomia do contrato misto como atípico • Teoria da Integração: como está omisso na lei, integra-se por analogia e atendendo ao sistemaSebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 23 o Dário: há casos sem elemento preponderante, outros com e outros que não se pode reconduzir a um só União de Contratos Celebração conjunta de vários contratos, unidos entre si (possibilita a individualização face ao conjunto embora com um nexo que os une) • União externa - sem qualquer laço de dependência e apenas celebrados ao mesmo tempo. Ex: ir a café e pedir bolo, café e cigarros. • União interna - relação de dependência em que só se aceita um em função do outro. Ex: só compro este pc se venderem também impressora • União alternativa - partes pretendem um ou outro contrato ocorrendo ou não certa condição. Ex: arrendo casa em Lisboa e Porto mas só vigora o arrendamento quando souber onde fui colocado Contraentes celebram contratos diferentes e autónomos mas com a mesma finalidade. Ex: project finance (com celebração de muitos contratos) Menezes Cordeiro: dois ou mais negócios são colocados numa situação de interdependência originando diversos efeitos jurídicos. Culpa na formação dos contratos (culpa in contrahendo) Figura que vem desde o CC italiano de 1942 (embora com anterior influência alemã; na Alemanha só se positivou em 2002). CC português foi dos primeiros a regulamentar (Vaz Serra estava muito atento ao estrangeiro) embora fosse pouco aplicado e apenas houve uma explosão da sua aplicação nos anos 90. É fonte de obrigações pois dos deveres jurídicos na fase preliminar pode surgir a obrigação de indemnizar. Jhering: na formação e cumprimento do contrato, as partes devem de agir de forma leal. Categoria de interesses tutelados: os injustamente prejudicados pela não realização do contrato, expectativa protegida. Responsabilidade pré-contratual: tutela face ao efeito das declarações negociais antes do negócio ser feito mas com vista a que o negócio se faça. Partes não são inteiramente livres e estão sujeitas a deveres éticos de boa fé – cada uma das partes quando negoceia para concluir o negócio tem que também ter em atenção os interesses da outra parte Art. 227º18 - são os ditames da boa fé19 que vinculam as partes na relação jurídica pré- contratual (em que não há deveres primários de prestação, há apenas deveres acessórios de conduta Sanções: apenas indemnização, não há execução específica pois isso limitaria muito a liberdade contratual (oposição princípio da liberdade contratual vs. tutela da confiança) nº2: exige que o afetado aja rapidamente e não protele 18 Embora esta figura surja em outros regimes jurídicos: LCCG (art. 5º e 6º) com obrigações de informação e etc.; defesa do consumidor; contratação à distância; contratação eletrónica 19 Avaliada casuisticamente pelo intérprete Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 24 Jurisprudência Portuguesa dá-nos os pressupostos para haver obrigação de indemnizar: 1. Ilicitude – violação de dever jurídico quando se cria expetativa digna de tutela jurídica. Que deveres: i. Informação: as partes devem, na formação, prestar as informações relevantes que condicionam a formação da vontade negocial. Dever geral de esclarecimento de questões relevantes para o homem-médio – não é igual em todas as situações. ➢ Temperado com Dolus Bonus (art. 253º/2) – conceções dominantes dos usos e costumes do comércio; artifícios normais dos negócios jurídicos. Ex: se vendo a casa com humidade, aponto para as lindas portas que a casa tem o Tem que haver, também, um mínimo de diligência da contraparte. o Dever de informar é limitado pelo ónus da contraparte ii. Lealdade: e correção. As partes não podem prestar informações erróneas nem criar expectativas infundadas na outra parte. Atendem à boa-fé. o Menezes Cordeiro: Partes não podem adotar comportamentos que se desviem da procura do contrato nem assumir atitudes que induzam em erro ou provoquem danos injustificados. Também é de modo progressivo. iii. Segurança e Proteção (Menezes Cordeiro): condições reunidas para se fazer o negócio. Dever de ressarcir danos a pessoas e bens. Quando se está num ambiente contratual, a parte deve proteger a outra para que se realize a posterior contratação. ➢ Palma Ramalho = PPV: muitas vezes estão desligados do negócio jurídico e não são tutelados dando indemnização por responsabilidade extracontratual. Para que se considere responsabilidade pré-contratual o ambiente contratual tem que estar muito bem definido e fixado para tal se poder apurar. 2. Diligência da contraparte (de bonus pater famílias – art. 487º/2) 3. Dano – indemnização pela redução de uma vantagem, pode ser patrimonial ou não patrimonial, emergente (supressão de certa utilidade – releva interesse contratual negativo) ou lucro cessante (não obtenção de uma vantagem que seria obtida – releva interesse contratual positivo) 4. Nexo de causalidade – do ilícito é que surge o dano (doutrina da causalidade adequada) Qual a natureza da culpa in contrahendo? Dário: figura de fronteira entre a Responsabilidade Extracontratual e a Responsabilidade Contratual – zona de fronteira que explica o regime ter normas dos dois tipos de responsabilidade (regime conjugado e misto) Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 25 Contratos de Adesão Contratos com Cláusulas Contratuais Gerais Contratação através de modelos uniformes e de larga escala. Conjunto de condições contratuais previstas de antemão e que não estão abertas à discussão pela contraparte (não é possível a negociação individual dos contratos) Predisponente estabelece um conjunto de cláusulas a que o Aderente aceita ou não – destinatário indeterminado que aceita ou não (liberdade de celebração e não de estipulação). ➢ Menezes Cordeiro: Proposições impessoais, pré-elaboradas, que os contratantes podem adotar, para efeitos de conclusão de um negócio20. Fenómeno ligado à massificação dos contratos e muitas vezes dizem respeito a uma agilização das necessidades básicas. Características frequentes: 1. Desnível na informação de uma das partes – as partes não têm o mesmo poder económico e uma delas pode não ter capacidade para avaliar plenamente. Superioridade económica e/ou científica em relação ao aderente 2. Apresentação formulária – dispostas usualmente em formulários pré-formatados 3. Complexidade do clausulado – cláusulas muito complexas que preveem a maior parte das situações. São cobertos, com minúcia, todos os aspetos contratuais; alarga-se a um grande número de pontos. Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro21 Dário: 2 categorias de interesses (predisponente vs. aderente) que leva a conjugar-se 2 valores: liberdade contratual e confiança. Apesar de não haver liberdade de estipulação, tem que haver uma adesão e os tribunais em muitos casos podem intervir – deve manter-se a conceção de contrato Ingredientes do âmbito de aplicação – art. 1º/1 • Cláusulas de pré-elaboração: já existem antes da sua inclusão num contrato • Rígidas (não permitem alteração): limitam-se a acolhê-las sem negociações para modificação do seu teor • Dirigidas a destinatários indeterminados: utilizáveis na conclusão de uma multiplicidade de contratos • Destinatários limitam-se a aceitar Art. 1º/2 – estende as CCG a contratos cujo conteúdo seja previamente estabelecido sem discussão. Não só àqueles que têm as características e ingredientes de CCG mas também aos Contratos de Adesão. ➢ CCG ficam abrangidas independentemente da forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam, do conteúdo que regulam, elaboradas pelo proponente, destinatário ou por terceiros. Art. 3º Exceções - limita o âmbito de aplicação 20 Somos livres de negociar todos os pontos mas tal não é viável e desde a maternidade com CCG hospitalares, até à cova com CCG funerárias, todaa vida humana está imersa nas cláusulas. 21 Revisto em 95 e 99 Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 26 Medida da vinculação do aderente à luz de deveres de informação Art. 4º, 5º, 6º - as CCG podem ser inseridas em contratos singulares22 mas estão sujeitas a deveres de comunicação e informação – a contraparte deve estar esclarecida numa concretização da lealdade do art. 227º ➢ Não valem cláusulas contratuais gerais em letra ilegível, noutra língua, etc. ➢ A outra parte tem ainda o direito de ser esclarecida relativamente ao conteúdo de cláusulas que não seja claro – comunicação na íntegra e adequada, devendo ser entendidas pela contraparte Art. 7º Cláusulas Prevalentes - cláusulas negociadas prevalecem sobre as CCG: vontade das partes manifestou-se ao acordar lateralmente cláusulas específicas – devem ser invocadas e provadas para quem delas se queira prevalecer. Incumpridas regras de comunicação, qual a sanção? Cláusulas Excluídas – não foram devidamente comunicadas ou informadas (ninguém pode dar consentimento em algo que não conheça ou não entenda) Art. 8º/a - cláusulas que não respeitarem estes deveres de comunicação e de informação consideram-se excluídas dos contratos singulares; Art. 8º/c – cláusulas surpresa, passam despercebidas ao contraente ➢ Art. 9º - os contratos subsistem sem as devidas cláusulas, a não ser que sejam essenciais e que sem elas o contrato não subsista Art. 10º - estabelece as regras gerais para a interpretação das CCG (remetendo para o art. 236º e 239º CC) ➢ Subsistindo dúvidas aplica-se o art. 11º o Art. 11º/2: in dúbio contra stipulatione O predisponente tem que atender à boa fé (art. 15º) Distingue-se de cláusulas absolutamente proibidas e de outras relativamente proibidas, conforme o interesse subjacente (art. 18º e 19º)23 – aplicáveis aos consumidores pelo art. 20º ➢ Conjugando, é proibido: cláusulas que excluam responsabilidades, estabeleçam obrigações perpétuas, que estabeleçam sanções pecuniárias desproporcionadas, que minimizam responsabilidade e etc. ➢ Também há proibições absolutas e relativas com consumidores (art. 21º e 22º) Consequências: cláusulas nulas para efeitos do contrato singular (art. 12º) – embora o contrato possa manter-se por vontade do aderente (art. 13º que remete para o art. 292º CC) A nulidade (art. 24º) pode ser insuficiente – mecanismo a posteriori 22 A inclusão em contratos singulares tem os encargos de efetiva comunicação (art. 5º), efetiva informação (art. 6º), inexistência de cláusulas prevalentes (art. 7º) Contrato individual feito com CCG – há milhares de contratos singulares com as mesmas CCG (ex: todos os clientes MEO) 23 Proibições absolutas: art. 18º - a) b) c) d), nulidade das cláusulas de exclusão ou da limitação da responsabilidade (autonomia para empresários mas com responsabilidades); e), visa evitar que se consiga por via interpretativa aquilo que as partes não podem diretamente alcançar; f) g) h) i), institutos da exceção do não cumprimento do contrato; j), visa evitar obrigações perpétuas; l), evitar que esquemas de transmissão do contrato limitem a responsabilidade. Proibições relativas, art. 19º - relações entre empresários e apenas é um juízo de valor, feito dentro da lógica de cada tipo negocial em jogo permitindo restabelecer a justiça dentro do contrato. Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 27 ➢ Pode propor-se ação inibitória (art. 25º) – erradica as CCG para o futuro, as cláusulas desaparecerão do formulário e já não constam no futuro – mecanismo ex-ante o Feito por instituições como sindicatos, Ministério Público, associações de defesa do consumidor e etc. autorizados pelo art. 26º Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 28 Contratos Preliminares Aqueles cuja execução pressupõe a celebração de outros contratos. Relevantes: o contrato-promessa (art. 410º e ss.) e o pacto de preferência (art. 414º). Menezes Cordeiro: contratação mitigada – quando as partes assumem certos compromissos durante a fase das negociações embora sem uma efetiva vinculação a uma obrigação – cartas de intenção, acordo de negociação, acordo de base, acordo- quadro e protocolo complementar. Em caso de incumprimento apenas se pode alegar o art. 227º. CONTRATO-PROMESSA Art. 410º/1: convenção pela qual alguém se obriga a celebrar novo contrato (definitivo). O seu objeto é a obrigação de contratar (relativa a qualquer contrato). Promitentes vinculam-se a uma prestação de facto jurídico.24 Normalmente tem eficácia obrigacional mesmo que o contrato prometido tenha eficácia real. Art. 410º/1: Princípio da Equiparação – extensão do regime do contrato definitivo ao contrato- promessa, sujeitando-o, em princípio, às mesmas regras que o contrato definitivo. Exceções: relativamente à forma – não é necessariamente a mesma forma, pode ter uma menos solene (exceção no art. 410º/225); disposições que pela razão de ser não devam considerar-se extensivas ao contrato-promessa – afastamento das características que não se harmonizem com o contrato-promessa. Ex: a propriedade da coisa não se transmite no contrato-promessa (à luz do art. 879º); no caso da venda de bens alheios, que é nula no contrato definitivo quando o vendedor não tenha legitimidade para tal (art. 892º), no contrato promessa tal já é válido pois o que está em causa é mera obrigação de contratar Pode ter modalidade: Unilateral – em que se pode considerar o Preço de Imobilização (outra parte assume obrigação de pagar ao promitente determinada quantia como contrapartida pelo facto de se manter durante certo tempo vinculado à celebração de um contrato)26. Pode haver prazo nessa vinculação de contrato-promessa unilateral (art. 411º). Bilateral – à promitente vendedor e comprador. E se faltar uma assinatura? 24 Contrato preliminar com força vinculativa plena. A prestação é um facto jurídico. As partes obrigam-se a celebrar um negocio jurídico. Porque não fazem logo contrato final? Motivo financeiro, vendedor não tem a coisa e etc. Entre as datas muita coisa pode acontecer e pode-se prometer bens alheios com vista a que sejam adquiridos. O art. 892º, pela razão de ser, não deve ser extensível ao contrato-promessa. 25 Já o art. 410º/3 não diz respeito à forma mas sim a formalidades. Exige que contrato-promessa de transmissão de direito real sobre edifício ou fração autónoma seja acompanhado por reconhecimento presencial de assunaturas e certificação da licença de utilização ou construção. Formalidades para a validade plena do negócio – necessidade de controlo notarial. Não cumpridos dão origem à invalidade do contrato-promessa. Invalidade mista. 26 Remuneração pela promessa de venda Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 29 A. Tese da Transmutação Automática desse contrato em Promessa Unilateral – STJ entre 1972 e 1977 B. Tese da Nulidade Total do Contrato – STJ a partir de 1977, assinatura é essencial para a natureza sinalagmática do contrato (mostra inequivocamente a vontade) C. Tese da Conversão – Antunes Varela, Galvão Telles – quando falta uma assinatura há uma invalidade total e por isso utiliza-se o mecanismo da conversão para aproveitar o negócio jurídico (art. 293º)27 a. Não salvaguarda a manutenção do sinal caso já tenha sido constituído D. Tese da Redução – Almeida Costa, Menezes Leitão – nulidade é parcial pelo que se deve aplicar o regime da redução (art. 292º) pois este melhor tutela os interesses da parte que pretende aproveitamento do negócio jurídico (cabe ao interessado na nulidade provar que o contrato não se teria concluído sem a parte viciada) E. Tese Intermédia – Menezes Cordeiro – situação nunca poderia ser de invalidade parcial mas sim de invalidade total, no entanto, admite que a redução pode salvaguardar melhoros interesses do contraente vinculado; visão conjunta que remete para o art. 239º Art. 412º: não reconhece ao contrato-promessa um cariz intuitu personae e nada impede que, mesmo por morte de uma das partes, o cumprimento da obrigação respetiva seja exigido ou requerido dos herdeiros. Isto só não acontece caso tenham celebrado o contrato especificamente tendo em consideração a pessoa do outro contraente (art. 2025º). Se uma parte incumpre? Execução Específica (art. 830º) A parte fiel pode obter a satisfação do seu direito por via judicial – tribunal emite sentença que produz os mesmos efeitos jurídicos da declaração negocial que não foi realizada, operando-se assim a constituição do contrato definitivo – art. 830º/1 “não cumprimento” em sentido amplo, basta a simples mora do credor Deixa de ser possível quando se verificar impossibilidade definitiva de cumprimento. Além disto, a execução específica não é permitida quando: • Existe convenção em contrário – art. 830º/2, não é regime imperativo pelo que as partes podem derrogá-lo (presume-se que o fazem quando constituem sinal ou estipulem penalização pelo incumprimento – partes pretendem indemnização e não execução específica; esta presunção é ilidível, art. 350º/2) mas não pode ser afastado nos casos do art. 410º/3 (há sempre execução espcífica); • É incompatível com a natureza da obrigação – devido à índole específica do contrato prometido ou da sua natureza pessoal (nos contratos reais quod constitutionem – penhor, mútuo, comodado, depósito – exige-se a tradição da coisa para se operar o contrato definitivo e o tribunal não pode substituir tal; contratos de trabalho) Para que receba o contrato definitivo o tribunal impõe que o autor consigne em depósito toda a sua prestação (art. 830º/5) 27 Vontade conjetural positiva (tem que demonstrar que as partes queriam conteúdo diverso) Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 30 Articulação com o regime do sinal Sinal – cláusula acessória dos contratos onerosos, mediante a qual uma das partes entrega à outra, por ocasião da celebração do contrato, uma coisa fungível (normalmente dinheiro). Fixa as consequências do incumprimento, uma vez que se a parte que constitui o sinal deixar de cumprir a sua obrigação, a outra parte tem o direito de fazer sua a coisa entregue. Se não cumprimento parte de quem recebeu o sinal, tem de o devolver em dobro (art. 442º/2/1ª parte). Verificando-se o cumprimento do contrato, a coisa entregue será imputada à prestação devida, valendo como princípio de pagamento, ou restituída caso essa imputação não seja possível (art. 442º/1) Só se constitui com a tradição da coisa que é seu objeto (caso típico datio rei que se transmite a propriedade com função confirmatória-penal). Art. 440º: se as partes quiserem que tenha o caráter de sinal devem atribuir-lhe especificamente essa natureza. No contrato de promessa é diferente – presume-se sempre o caráter de sinal (art. 441º); presunção ilidível (art. 350º/2) mas de prova difícil de efetuar (caso se prove, a quantia deve ser imputada como antecipação do cumprimento da obrigação) Lei estabelece distinção no regime do Sinal caso ele seja aplicado genericamente a todos os contratos ou especificamente ao contrato-promessa • Art. 442º/1 – contratos genéricos • Art. 442º/2/1ª parte – regime geral explica funcionamento em caso de incumprimento28 • Art. 442º/2/2ª parte – funcionamento do sinal em específico no contrato-promessa (se houver tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o adquirente pode optar, em lugar da restituição do sinal em dobro, por receber o valor atual da coisa, ao tempo do incumprimento (direito à valorização da coisa), com dedução do preço convencionado, acrescido do sinal e da parte do preço que tenha sido paga). • Art. 442º/3/1ª parte – o contraente não faltoso pode requerer execução específica. o Execução específica é possível, haja ou não haja tradição da coisa a que se refere o contrato-prometido. • Art. 442º/3/2ª parte - a atribuição do aumento do valor da coisa ou do direito destina- se a evitar que o promitente faltoso venha a obter um enriquecimento injustificado, em virtude do facto ilícito que é o incumprimento da obrigação de contratar. o Gerou discussão na doutrina de se saber se uma posterior oferta de comprimento paralisa o direito ao aumento do valor da coisa. ▪ Menezes Leitão: é norma específica do contrato-promessa donde não se extrai conclusões sobre o funcionamento do sinal. No regime geral a lei exige o cumprimento definitivo e não o atraso. Em especial para os contratos-promessa transforma-se a mora em incumprimento definitivo por objetiva perda de interesse na prestação ou pela fixação de prazo suplementar de cumprimento (art. 808º) – mas só em caso de incumprimento definitivo. A opção pelo aumento do valor da coisa pode ocorrer antes, em simples mora, valendo esta como a renúncia do 28 E se for imputável a ambas as partes, as obrigações extinguem-se por compensação (art. 847º) Sebenta Obrigações I – 2016/2017 DNB 31 promitente comprador a desencadear o mecanismo do sinal, uma vez verificado o incumprimento definitivo. o Opção pelo aumento do valor da coisa não tem função compulsória. • Art. 442º/4 – o sinal funciona como indemnização antecipada pelo que a parte não poderá reclamar outras indemnizações; mas admite-se estipulação em contrário. No entanto, se o contraente faltoso não cumprir a obrigação de restituição do sinal em dobro, poderá naturalmente exigir-lhe indemnização pela mora ou incumprimento definitivo. Funções do Sinal A. Galvão Telles – não tem natureza penitencial, mas sim confirmatória-penal – sanção para ato ilícito (do incumprimento da obrigação) B. António Pinto Monteiro – natureza penitencial C. Menezes Cordeiro – tem natureza confirmatório-penal na medida em que dá consistência ao contrato e funciona como indemnização (quando coexiste com a execução específica) e natureza penitencial quando funcione como preço de arrependimento, permitindo resolver o contrato mediante o pagamento que resulte do próprio sinal (quando há convenção contrária à execução específica) D. Menezes Leitão – só pode ser exigido em caso de incumprimento definitivo da obrigação pela outra parte, funcionando como pré-determinação das consequências desse arrependimento – natureza confirmatório-penal. Direito de Retenção do promitente que obteve a tradição da coisa Quando o contrato prometido é de Direito Real (art. 755º/f), pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte.29 Não tem só um direito de crédito à celebração do contrato prometido, mas sim um direito real de garantia, oponível erga omnes, que justifica conservar a posse da coisa até ver satisfeito o seu crédito. Interpretação restrita “nos termos do art. 442º”: créditos referidos são apenas a restituição do sinal em dobro e direito ao aumento do valor da coisa, e não a indemnização geral por incumprimento, prevista no art. 798º. Pressupõe, além da tradição da coisa, a estipulação de sinal. Eficácia real do contrato-promessa A lei permite atribuição de eficácia real ao contrato-promessa no caso de a promessa respeitar bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, e as partes declararem expressamente a atribuição de eficácia real e procederem ao seu registo (art. 413º/1). ➢ Sujeito a forma solene (art. 413º/2) Ao adquirir eficácia real, o direito à celebração do contrato prevalecerá sobre todos os direitos reais que não tenham registo anterior ao registo da promessa com eficácia real. A. Menezes Cordeiro, Oliveira Ascensão: verdadeiro direito real de aquisição B. Antunes Varela, Almeida Costa: direito de crédito sujeito a regime especial de