Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Trauma urológico – Dr. Guilherme Munhoz 1 Trauma urológico Aproximadamente 3 a 10% dos indivíduos vítimas de traumatismo externo apresentarão lesão no trato geniturinário, tendo maior acometimento de rins, bexiga, uretra e ureter, respectivamente. O mecanismo contuso é mais comum e esse tipo de trauma é mais prevalente em homens numa razão de 3:1. Geralmente as lesões acometem parênquima e sistema coletor, tendo danos vasculares apenas em 5% dos casos. 1) Trauma renal Nos acidentes o rim é o terceiro órgão mais lesado, atrás apenas de baço e fígado, em que o mecanismo mais comum é um trauma fechado ou penetrante. Os rins são retroperitoneais, de modo que possuem um arcabouço ósseo e muscular para sua proteção. Todavia, a proximidade com os grandes vasos e o fato de receberem cerca de 20% do débito cardíaco deve ser levado em consideração, já que existe a chance de ocorrerem choques hemorrágicos, além de perda do órgão. Pode ocorrer lesão de artérias e veias renais, podendo ter avulsão do pedículo renal ou trombose por ruptura da íntima. Pacientes com patologias preexistentes que alteram a morfologia renal são mais predispostos a apresentarem lesões, mesmo com trauma leve. Quadro clínico: geralmente têm hematúria microscópica (> 5 hemácias por campo) ou macroscópica – sem relação com a gravidade do trauma. Além disso, podem apresentar instabilidade hemodinâmica, dor ou hematoma em flanco, fraturas de costelas inferiores, entre outros. Qualquer ferimento penetrante em flancos ou com trajetória próxima pode causar lesão renal. Diagnóstico: em um paciente estável, o padrão-ouro para avaliação é a tomografia helicoidal com contraste endovenoso – primeira captação após injeção de contraste e segunda na fase tardia com contrastação das vias urinárias. Caso não tenha acesso à TC realiza-se urografia excretora, em que se injeta contraste iodado (1mg/kg), que primeiro cora o rim e depois as vias excretoras, podendo verificar extravasamento. A ressonância fornece uma imagem adequada, mas o tempo de realização torna o exame inútil. Se o paciente apresentar instabilidade hemodinâmica associada à hematúria, deve-se realizar investigação específica. Se instabilidade hemodinâmica deve-se realizar laparotomia exploratória para diagnóstico e tratamento, se necessário. Na sala do trauma, se estiver disponível no serviço, também pode-se utilizar o FAST para visualização das lojas renais. Como indicação absoluta para a exploração cirúrgica tem-se instabilidade hemodinâmica e hematoma pulsátil ou em expansão no intra operatório. Como indicações relativas tem-se lesões de alto grau, extravasamento de contraste, parênquima desvitalizado, presença de lesão associada, estadiamento incompleto (como quando não foi possível usar contraste). As lesões renais podem ser classificadas de acordo com seu grau de acometimento: Grau 1: contusão ou hematoma subcapsular não expansivo, sem laceração parenquimatosa. Grau 2: hematoma perirrenal não expansivo com laceração do córtex renal com extensão menor que 1 cm, sem extravasamento urinário. Grau 3: laceração parenquimatosa maior que 1 cm que se estende até à medula renal, sem ruptura do sistema coletor ou extravasamento urinário. Trauma urológico – Dr. Guilherme Munhoz 2 Grau 4: laceração atingindo o córtex, medula e sistema coletor, com lesão de veias ou artérias segmentares com hemorragia contida. Pode acontecer de ocorrer um trombo, fato que impede a chegada do contraste no rim, condição visualizada ao exame de imagem. Grau 5: várias lacerações de grau 4 com rim completamente fragmentado e avulsão do pedículo com desvascularização renal. Tratamento: cerca de 98% dos casos podem ser tratados de forma conservadora com internação hospitalar, repouso, hidratação e acompanhamento de hematócrito e condições clínicas associadas à piora do quadro. Caso tenha queda dos índices hematimétricos ou complicações, realiza-se uma tomografia, podendo seguir para uma nefrectomia parcial, total, ou embolização segmentar ou colocação de stents nas áreas comprometidas por meio de radiologia intervencionista. Por outro lado, traumas penetrantes quase sempre exigem tratamento cirúrgico pela necessidade de procurar lesões associadas. 2) Trauma ureteral De modo geral os traumas ureterais são ocasionados por iatrogenia intra-operatória em cirurgias ginecológicas, colorretais e urológicas, mas também podem ocorrer por traumas externos – maioritariamente proximais após lesões penetrantes por arma de fogo. Quadro clínico: geralmente não apresentam nem hematúria, mas pode ocorrer peritonite após extravasamento de urina, formação de tumoração e dor local, além de febre e infecção secundária. Em caso de obstrução bilateral à ligadura acidental o paciente apresenta anúria imediata. Quando a obstrução é ipsilateral pode ocorrer dor em flanco, íleo paralítico, vômitos e febre. A presença de fístula urinária que se exterioriza pela cicatriz ou pela vagina pode ser a manifestação inicial de lesão por iatrogenia cirúrgica. Diagnóstico: o diagnóstico padrão-ouro é a pielografia retrógrada, permitindo diagnosticar e quantificar a extensão da lesão. A tomografia computadorizada deve ser realizada com fase tardia para avaliar as vias excretoras. A pielografia ascendente é obrigatória sempre que não houver contrastação do ureter, para descartar lesões ureterais. As lesões podem ser classificadas de acordo com seu acometimento em: Grau 1: hematoma, contusão ou hematoma sem desvascularização; Grau 2: laceração < 50% transecção; Grau 3: laceração > 50% transecção; Grau 4: laceração, transecção completa com desvascularização < 2 cm; Grau 5: laceração, avulsão com > 2 cm de desvascularização. Tratamento: as lesões de grau 1 e 2 podem ser conduzidas com cateter duplo J por tempo prolongado, podendo até mesmo ser definitivo para alguns pacientes. As lesões que comprometem o terço superior e médio exigem uma anastomose término-terminal espatulada do segmento lesado. Se o segmento lesado for extenso deve-se realizar a anastomose do coto proximal com o ureter contralateral, podendo também interpor um segmento de intestino delgado entre a bexiga e o ureter lesado. Lesões extensas também podem ser solucionadas pelo autotransplante renal para a região pélvica ou pelo o reimplante do ureter na bexiga após localizá-la numa região superior fixada ao músculo psoas. 3) Trauma vesical A lesão de bexiga é incomum no trauma em decorrência do seu posicionamento dentro do anel pélvico, mas podem estar associadas à fratura de pelve. A maioria das causas extraperitoneais advêm de traumas de alta energia com lesão direta por espículas ósseas, enquanto que a principal causa intraperitoneal se dá pela compressão da cúpula vesical com ruptura após distensão pela urina – geralmente são visualizadas outras lesões severas concomitantes. A causa também pode derivar de iatrogenia cirúrgica em procedimentos ginecológicos com ligaduras erradas, ocasionando fístula. Trauma urológico – Dr. Guilherme Munhoz 3 Quadro clínico: fraturas de bacia associadas a hematúria macroscópica. Outros sinais clínicos podem indicar lesão, como dor suprapúbica, incapacidade de urinar, baixo volume urinário, entre outros. Diagnóstico: feito pela história clínica com paciente vítima de trauma com fratura de bacia e presença de hematúria macroscópica, tendo indicação absoluta para cistografia retrógrada inserindo um contraste iodado pela uretra e realizando o raio X simples em posição anteroposterior para visualização da morfologia e do funcionamento de bexiga e uretra – com acurácia de 85 a 100%. As lesões podem ser classificadas em: Lesões não penetrantes, contusas ou fechadas: contusão, ruptura extraperitoneal, ruptura intraperitoneal e lesão mista; Lesões penetrantes. Tratamento: as lesões extraperitoneais podem ser tratadasde modo conservador por sondagem de demora por 15 dias associada à antibioticoterapia, permitindo a cicatrização das lesões. A contraindicação para essa conduta se dá na presença de fragmento ósseo, fraturas pélvicas expostas ou lesão de reto associada a fistulas. A exploração cirúrgica é realizada por incisão suprapúbica longitudinal com reparo da ruptura por via transvesical após abertura da bexiga na cúpula. A ruptura intraperitoneal é sempre cirúrgica com inspeção da cavidade abdominal e abordagem da lesão vesical. A videolaparoscopia pode ser utilizada, tendo vantagem pelo fato de uma rafia minimamente invasiva, mas pode falhar na capacidade de tratar lesões abdominais associadas. 4) Trauma uretral As lesões podem ser divididas em anterior e posterior tendo o assoalho pélvico muscular como divisor. A maioria das lesões anteriores (bulbar e peniana) ocorre por trauma perineal, como a ‘queda do cavaleiro’ ou por passagem de sonda, enquanto que as posteriores (membranosa e prostática) estão associadas a fraturas pélvicas em traumas de alta energia. O trauma isolado de uretra peniana é raro, estando associada a fratura de pênis ou ferimento penetrante. Na mulher o trauma geralmente se localiza na uretra membranosa em acidentes com fratura do anel pélvico. Quadro clínico: sangue no meato uretral, hematoma escrotal ou perineal, próstata deslocada, retenção urinária aguda, urgência miccional com incapacidade de esvaziar a bexiga e identificação de fratura pélvica. Diagnóstico: deve ser realizada uma uretrografia retrógrada, em que extravasamento com ausência de delineamento da uretra proximal e bexiga indica ruptura completa de uretra, enquanto que extravasamento com chegada até a bexiga demonstra uma lesão parcial. A lesão pode ser classificada em: Tipo I: alongamento e distração uretral sem ruptura; Tipo II: lesão parcial ou total de uretra na junção membrano-prostática acima do diafragma urogenital; Tipo III: lesão parcial ou total combinada, anterior e posterior, com lesão associada de diafragma urogenital; Tipo IV: lesão de colo vesical com extensão para uretra prostática; Tipo V: lesão parcial ou total de uretra anterior isolada. Tratamento: pacientes com lesão posterior associada à fratura pélvica deve ser submetido manejo agudo com derivação urinária (cistostomia com incisão pelo abdome) ou realinhamento endoscópico. Em um manejo tardio faz-se uretroplastia posterior com reconstrução da uretra, mas pode ocorrer fibrose do esfíncter evoluindo com incontinência. Uma lesão da uretra peniana pode ser tratada com manutenção de sonda uretral por 14 dias, podendo tentar por via endoscópica com o cistoscópio se insucesso. Se não for possível a sondagem pode-se realizar cistostomia que deve ser mantida até o desaparecimento do extravasamento local. As lesões de uretra bulbar necessitam de cateterismo vesical por 7 a 14 dias em rupturas parciais, indicando exploração cirúrgica imediata em ruptura completa. Trauma urológico – Dr. Guilherme Munhoz 4 5) Trauma genital A fratura de pênis resulta da lesão da túnica albugínea de um ou ambos os corpos cavernosos, secundária à trauma com pênis em ereção – já que essa estrutura fica mais fina e sujeita à ruptura. Os traumatismos fechados do escroto podem ocorrer por trauma direto em lesões esportivas, agressões ou acidentes automobilísticos. Também podem ocorrer ferimentos penetrantes no escroto, como por disparo acidental da arma de fogo engatilhada e presa na cintura. Quadro clínico: dor aguda no pênis e perda súbita da ereção, podendo ter lesão associada de uretra peniana. Em relação ao trauma testicular tem-se edema e hematoma local, podendo ter descontinuidade da túnica albugínea. Diagnóstico: geralmente é clínico, mas a ultrassonografia pode auxiliar na apresentação da descontinuidade da túnica albugínea. Se houver lesão de uretra associada pode-se realizar uretrocistografia retrógrada. Na suspeita de trauma testicular o doppler deve ser associado à ultrassonografia para avaliar o fluxo sanguíneo. Tratamento: na fratura do pênis deve-se realizar a rafia da túnica albugínea por incisão subcoronal e desenluvamento do pênis – tratamento deve ser imediato para prevenir fibrose peniana que evolui com disfunção erétil. Os traumas penianos sem ruptura devem ser tratados com analgesia e compressas de gelo. As lesões penetrantes de pênis são tratadas com rafia da túnica albugínea, antibioticoterapia e irrigação abundante. Nas lesões escrotais sem acometimento da túnica albugínea realiza-se analgesia, lavagem da incisão, desbridamento e fechamento da ferida. Nas lesões com acometimento da túnica deve ser feita a correção com enxertia de tecido autólogo – se necessário – já que materiais sintéticos podem provocar infecção associada e necessidade de orquiectomia tardia.
Compartilhar