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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ Curso de Direito MULTIPARENTALIDADE E SUA POSSIBILIDADE DA MÚLTIPLA FILIAÇÃO REGISTRAL E SEUS REFLEXOS JURÍDICOS. YURI SANTANA VELLUDO DE ARAÚJO Niterói 2020.2 YURI SANTANA VELLUDO DE ARAÚJO MULTIPARENTALIDADE E SUA POSSIBILIDADE DA MÚLTIPLA FILIAÇÃO REGISTRAL E SEUS REFLEXOS JURÍDICOS. Artigo Científico Jurídico apresentado à Universidade Estácio de Sá, Curso de Direito, como requisito parcial para conclusão da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso. Orientador (a) Prof. (a). Ana Lectícia Erthal Soares Silva Niterói Campus Niterói – Oscar Niemeyer 2020.2 RESUMO O presente trabalho trata da multiparentalidade e sua possibilidade da múltipla filiação registral e seus reflexos jurídicos. Verificou-se que o conceito de família sofreu diversas transformações ao decorrer dos anos, sendo o principal motivo pelo qual o ordenamento jurídico brasileiro deve se adequar a essas mudanças, atendendo as perspectivas da sociedade ao todo. Este estudo visa conceituar uns dos diversos princípios norteadores da multiparentalidade, além de demonstrar todas as suas evoluções para que os novos moldes familiares se adequem ao Direito de Família, bem como demonstrar a previsão no ordenamento jurídico brasileiro. Utilizou-se na produção deste TCC bibliografias científicas. Palavras-Chaves: Multiparentalidade, Família, Ordenamento Jurídico, Princípios, Transformação. SUMÁRIO 1-Introdução. 2- Desenvolvimento: 2.1- Evolução do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro; 2.2- Do conceito de família socioafetiva; 2.3- Princípios constitucionais da multiparentalidade; 2.3.1- Princípio do melhor interesse do menor; 2.3.2- Princípio do pluralismo da entidade familiar; 2.3.3- Princípio da dignidade da pessoa humana; 2.4- Do reconhecimento da multiparentalidade e a possibilidade da múltipla filiação registral e seus efeitos jurídicos; 2.5- Requisitos para viabilidade do reconhecimento extrajudicial da multiparentalidade; 3- Conclusão; 4- Referências 4 INTRODUÇÃO O referido trabalho tem por objetivo a análise da discussão sobre possibilidade da múltipla filiação registral e seus reflexos jurídicos, tendo como base os princípios norteadores regentes do Direito de família. Contudo, o desenvolvimento do presente trabalho foi através de revisão de diversos artigos bibliográficos científicos, com citações de juristas de grande relevância para o tema, dentre eles, Maria Helena Diniz e Rolf Madaleno. No primeiro capítulo é apresentada uma breve síntese sobre a evolução do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro, nos trazendo a definição de família além das evoluções constantes que esta vem sofrendo ao longo dos anos. Quanto à estrutura dessa monografia, será proposto no segundo capítulo o conceito de família socioafetiva, abordando os novos conceitos familiares de acordo com o atual momento histórico em que vivemos. Em seguida, o terceiro tópico deste trabalho será abordado a respeito dos princípios constitucionais da multiparentalidade que são estes: princípio do melhor interesse do menor, princípio do pluralismo da entidade familiar e princípio da dignidade da pessoa humana, sendo estes alguns dos mais importantes princípios pilares do Direito de Família. Após abordar alguns dos princípios norteadores da multiparentalidade veremos no capítulo conseguinte a questão norteadora deste artigo científico que nos traz uma transformação social, o reconhecimento da multiparentalidade e a possibilidade da múltipla filiação registral e seus efeitos jurídicos. Observa-se que a nossa Constituição Federal de 1988 não admite o tratamento diferenciado entre os filhos, sejam eles adotados ou biológicos. A multiparentalidade que é o tema principal abordado neste artigo científico, trata-se de um instituto jurídico do Direito de Família, que visa o reconhecimento da possibilidade da múltipla filiação, tendo o filho o direito de registrar mais de um pai ou uma mãe, sendo totalmente amparado aos princípios citados acima. Deve-se mencionar que os temas abordados neste artigo científico também tem fontes utilizadas de Códigos como a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente sem detrimento do estudo em artigos científicos relacionados ao tema, bem como a utilização de jurisprudências. 2 DESENVOLVIMENTO 5 2.1 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Com o decorrer do tempo, o conceito de família vem passando por diversas transformações tendo que se adequar a realidade da nossa sociedade. No direito de família, o núcleo familiar tinha como base principal o casamento, sendo composto apenas pelo homem e pela mulher que tinha como função de gerar e cuidar da casa e de seus filhos. Para Maria Berenice (2013, p.30) o Direito de Família: Em sua versão original, trazia uma estreita e discriminatória visão de família, limitando-a ao grupo originário do casamento. Impedia a dissolução, fazia distinções entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações.1 A filiação tinha como definição principal o seu fator biológico, uma vez que o Brasil adotava o casamento como seu critério legal. Maria Diniz (2007, p.9) traz como definição o conceito de família: Família no sentido amplíssimo seria aquela em que indivíduos estão ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade. Já a acepção lato sensu do vocábulo refere-se àquela formada além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro). Por fim, o sentido restrito restringe a família à comunidade formada pelos pais (matrimônio ou união estável) e a da filiação.2 O conceito de família vem sofrendo alterações constantes aos longos dos anos, tendo em vista ser fruto de diferentes perspectivas decorrentes das transformações nos valores e práticas sociais. Atualmente podemos dizer que devido a estas mudanças, temos diferentes tipos de família como: anaparental que se trata do vínculo familiar onde a presença do pai ou da mãe não se faz ativa, monoparental que é constituída por pais viúvos, pais solteiros que criam seus próprios filhos ou filhos adotados, família homoafetiva constituída por pessoas do mesmo sexo, união estável que decorre da convivência pública, contínua e duradoura, o 1DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. Ed. São Paulo: Revista do Tribunal, 2013 p.30. 2DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 6. Direito das Sucessões, 21 ed. Saraiva, 2007, p. 9. 6 próprio casamento que se trata da união matrimonial, dentre outros diversos tipos de família que hoje podemos encontrar na legislação brasileira. Nessa seara, Rolf Madaleno (2015, p.36) faz importante comentário acerca das mudanças ocorridas no conceito tradicional de família: A família matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, institucional vista como unidade de produção cedeu lugar para uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumental.3 Com a evolução do conceito de família e consequentemente trazendo o surgimento de novas entidades familiares que se abstém ao casamento, o vínculo afetivo ganhou mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro, sendo assim, a família atualmente é construída com base na afetividade, respeito, amor, cumplicidade e principalmente na vontade recíproca de estarem juntos comomembro familiar. Neste contexto, afirma Paulo Lôbo (2011, p.18): A família sofreu profundas mudanças de função, natureza, composição e consequentemente de concepção, sobretudo após o advento do Estado social, ao longo do século XX. No plano constitucional, o Estado antes ausente, passou a se interessar de forma clara pelas relações de família, em suas variáveis manifestações sociais. Daí a progressiva tutela constitucional, ampliando o âmbito dos interesses protegidos, definindo modelos, nem sempre acompanhados pela rápida evolução social, a qual engendra novos valores e tendências que se concretizam a despeito da lei. Como a crise é sempre perdas dos fundamentos de um paradigma em virtude do advento de outro, a família atual está matrizada em paradigma que explica a sua função atual: a afetividade. Assim, enquanto houver affectio haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida.4 Contudo, de acordo com o contexto histórico, a família sempre estava conectada a ideia de hierarquia, considerando a figura do marido e da mulher como entidade familiar advinda do matrimônio, do casamento em si, nominada como família patriarcal ou tradicional. Observa que Ana Carolina Brochado Teixeira, Gustavo Pereira Leite Ribeiro e Alexandre Miranda Oliveira (2010, p.25) que: 3 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.36 4 LÔBO, Paulo. Direito Civil-Família. 6. 11 ed. Saraiva. São Paulo, 2011. p.18 7 O que se observa hoje na família brasileira do novo milênio é um verdadeiro descompasso entre os movimentos de busca do respeito à liberdade individual – liberdade esta que o próprio Estado assegura – para efetivação do sonho da felicidade e a incessante interferência do Estado nesta individualidade, procurando cercar todas as formas, situações e consequências possíveis na busca deste sonho, um verdadeiro paradoxo.5 Portanto, levando em consideração a grande importância do conceito de família na sociedade, e diante das modificações que ela vem sofrendo ao longo dos anos, estaremos vendo a seguir no próximo tópico deste artigo científico, o conceito de filiação socioafetiva. 2.2 DO CONCEITO DE FAMÍLIA SOCIOAFETIVA A família socioafetiva é construída com base nos laços afetivos, no apoio psicológico e emocional entre pais e filhos e com base no amor, nada tem a ver com laços sanguíneos. Os filhos ganham o direito da irrevogabilidade, obrigações alimentares e direito à herança. O doutrinador Caio Mário da Silva Pereira (2006, p.26-27) é um dos primeiros a tratar dessa “paternidade sócio-afetiva” definido-a como aquela que: Se funda na construção e aprofundamento dos vínculos afetivos entre o pai e o filho, entendendo-se que a real legitimação dessa relação se dá não pelo biológico, nem pelo jurídico. Dá-se pelo amor vivido e construído por pais e filhos.6 Com isso, a Carta Magna deu fim à distinção anteriormente existente no que tange aos filhos não advindos do matrimônio, estabelecendo um parâmetro de igualdade entre as modalidades de filiação. Segundo as lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, podemos extrair que: 5TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite; OLIVEIRA, Alexandre Miranda. Manual de Direito das Famílias e das Sucessões. 2 ed. Belo Horizonte. Del Rey, 2010. p. 25 6PEREIRA, Caio Mário da Silva. Introdução ao direito civil: direito de família, vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.27-28 8 Filiação é a relação de parentesco estabelecida entre pessoas que estão no primeiro grau, em linha reta entre uma pessoa e aqueles que a geraram ou que a acolheram e criaram, com base no afeto e na solidariedade.7 Com o decorrer dos anos, o instituto familiar está se tornando cada vez mais flexível e moderno, sendo no passado definida de forma muito restrita e específica. Sendo assim, a família do coração também conhecida como família socioafetiva ou filiação socioafetiva que são aquelas que não têm absoluto vínculo sanguíneo ou biológico, apenas vínculo afetivo, neste caso os pais tratam a criança ou adolescente como se filho fosse. Consoante o ensinamento de Washington de Barros Monteiro: As profundas transformações ocorridas na sociedade no decorrer do século XX receberam a devida atenção no plano constitucional, tendo em vista que a almejada e merecida proteção aos membros de uma família, como se verifica na consagração dos princípios da absoluta igualdade entre pessoas casadas, da total isonomia entre filhos, independentemente de sua origem, da proteção à união estável e à família monoparental.8 A base da família é o afeto e o Direito de Família está inteiramente ligado a afetividade, sendo este o principal elemento parar concretizar o lar familiar, tornando este vínculo incontestável. Trata-se de uma realidade fática, reconhecido pela sociedade, sendo considerado um fato fundamental da vida, não havendo espaço para distinção entre família legítima ou não, pois não depende de união estável, vínculo conjugal, entre outros, para ser filhos de alguém, basta haver o vínculo afetivo e todos os filhos devem ser tratados da mesma forma, com igualdade baseado nos princípios e normas constitucionais. No entanto, o pai socioafetivo possui os mesmos direitos do pai biológico, tendo os mesmos deveres e obrigações equivalentes com os seus filhos. Assim como o pai biológico tem o dever de ser participativo e cumprir com as suas obrigações de forma regular e eficiente, o mesmo servirá para o pai socioafetivo. Nesse sentido, Maria Berenice Dias (2009, p.324) diz: As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como 7FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Curso de Direito Civil. Nelson. 2ª ed., p. 542 8MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2004. 9 grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade.9 Desta forma, os vínculos afetivos formados pela união familiar se aplicam aos laços biológicos igualitariamente sendo resguardados pelos princípios constitucionais a qual veremos nos tópicos a seguir. 2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA MULTIPARENTALIDADE Tendo em vista a evolução histórica e diante das constantes transformações que nossa sociedade vem passando, o Direito de Família é constituído com base em diversos princípios protetores e fundamentais, portanto, veremos nos tópicos a seguir um breve relato de alguns dos princípios que são de suma importância para a melhor compreensão a respeito da multiparentalidade. 2.3.1 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR Quando estamos diante do ambiente familiar, a figura da criança e do adolescente ganha prioridade uma vez que ainda não tem capacidade e discernimento necessário para cuidar por conta própria de suas vidas. Portanto, é necessário que alguém possa administrar suas vidas de forma sadia e responsável para que exerçam futuramente sua autonomia. Nesse mesmo sentido, Paulo Luiz Netto Lôbo (2004, p.155) versa o seguinte a respeito do tema: Diante da concepção da criança como sujeito de direito e da valorização jurídica do afeto na estrutura familiar, decorre o princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, segundo o qual, por se encontrar o menor numa situação de fragilidade, por conta do seu processo de amadurecimento e formação da personalidade, merece destaque especial no ambiente familiar.10 Cada família tem sua complexidade, então não há um conceito pré-definido para o que seria necessariamente o melhor interesse para a criança e para o adolescente,sempre analisando o contexto a ser determinado. O referido princípio tem sua previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 4º, caput e artigo 5º: 9DIAS, Maria Berenice, Manual do Direito das Famílias. 5ª Ed. São Paulo: Editora RT, 2009, p.324. 10Idem. A Repersonalização das Famílias. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v. 6, n. 24, jun/jul 2004, p.155 10 Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.11 O princípio do melhor interesse do menor faz com que o menor tenha seu direito assegurado, sendo fundamental, pois resguarda o direito à vida, a saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade e à convivência familiar e comunitária, tendo como observância a preocupação da boa formação, moral, social e psíquica da criança e do adolescente. Por se tratar de seres que precisam de total amparo, pois se encontram em situação de vulnerabilidade, tratam-se de pessoas em formação de caráter, sendo incapaz de tomar suas próprias decisões, devendo sempre ir em busca do que é melhor para elas. Observando através do ponto de vista de Aimbere Francisco (2009, p.96-97): Diante da concepção da criança como sujeito de direito e da valorização jurídica do afeto na estrutura familiar, decorre o princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, segundo o qual, por se encontrar o menor numa situação de fragilidade, por conta do seu processo de amadurecimento e formação da personalidade, merece destaque especial no ambiente familiar.12 Este princípio é o norteador do Direito da Criança e Adolescente não estando expresso na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, além de ter como objetivo resguardar os direitos dos menores visando sua proteção integral e sempre que houver situações sociojurídicas, sempre deverá prevalecer o que for de melhor interesse para o menor. 2.3.2 PRINCÍPIO DO PLURALISMO DA ENTIDADE FAMILIAR 11 Estatuto da criança e do adolescente, lei 8.069 de 1990. In: Vade mecum21º Edição. São Paulo: Saraiva. 2019, p.1095 12TORRES, Aimbere Francisco. Adoção nas Relações Homoparentais. São Paulo: Atlas, 2009, p. 96-97 11 Com a evolução constante que o Direito de Família vem sofrendo, podemos observar diversas novas hipóteses de família, compreendendo sempre o lado biológico e o lado afetivo. Contudo, conforme a sociedade vem apresentando drásticas mudanças, o direito automaticamente tem que acompanhar este ritmo. Neste sentido Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p.45) entendem que: [...] o conceito de família mudou significativamente até que, nos dias de hoje, assume uma concepção múltipla, plural, podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos, ligados por traços biológicos ou sócio-psico-afetivos, com intenção de estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da personalidade de cada um.13 Atualmente existem diversos modelos de família existentes, as quais têm sua formação relacionada ao afeto e as condições sociais vividas. O princípio do pluralismo familiar é de extrema importância uma vez que permite alcançar todos os moldes familiares, incluindo também a igualdade entre os gêneros e sexos, assunto este que ainda é extremamente polemizado. Segundo Cristiano Chaves: O Princípio do Pluralismo das Entidades Familiares foi consagrado a partir da Constituição Federal de 1988 que ampliou o entendimento do Direito de Família, que antes dessa revolução só era aceita nas relações constituídas pelo casamento. Permitiu-se a partir dessa Constituição o reconhecimento das entidades familiares não matrimoniais, garantindo a elas amparo jurídico.14 Todas essas mudanças nos moldes familiares visam resguardar os direitos e proteger todos os tipos de família, tendo em vista que a família é baseada no conceito da sociedade, tendo o Estado o dever de resguardar todos os entes familiares. Nos tempos atuais é possível ter uma visão ampla a respeito do pluralismo familiar, onde a construção mais importante da união é baseada integralmente na afetividade. Antigamente, o casamento era visto como o único modelo tradicional de família, formado exclusivamente pela união entre o homem e a mulher. Conforme expõe Maria Berenice Dias: Agora, o que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo do par ou envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo 13Idem. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. V.6. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p.45. 14 FARIAS, Cristiano Chaves de; Rosenvald, Nelson. Op.cit, p. 41. 12 afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo.15 O ordenamento jurídico permite que as pessoas possam casar ou se juntar como é o caso da união estável, seja por casal heterossexual ou homossexual, também se divorciar se separar, ter filhos, adotar filhos, tudo sempre com seu devido resguardo e amparo legal. Esse é o entendimento de Maria Berenice Dias: Negar a existência de famílias paralelas – quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis – é simplesmente não ver a realidade. [...] Verificada duas comunidades familiares que tenham entre si um membro em comum, é preciso operar a apreensão jurídica dessas duas realidades. São relações que repercutem no mundo jurídico, pois os companheiros convivem, muitas vezes têm filhos, e há construção patrimonial em comum. Não ver essa relação, não lhe outorgar qualquer efeito, atenta contra a dignidade dos partícipes e filhos porventura existentes.16 O princípio do pluralismo das entidades familiares é de extrema evidência na sociedade atual, fazendo um grande marco na evolução da família e passando a protegê-las da mesma forma, baseando-se sempre nos laços da afetividade e se sobrepondo mais que o vínculo biológico. A discriminação e diversidade moral, ética, de crenças e gêneros não podem ser um obstáculo na construção familiar que tem como estrutura fundamental a afetividade, solidariedade, igualdade e por fim a liberdade. 2.3.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA O princípio da dignidade da pessoahumana está previsto no artigo1º da Constituição Federal, e visa a respeito da ideia de que todo ser humano é detentor de dignidade, sem distinção de sexo, gênero, raça, étnica e religião. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana.17 15DIAS,op. cit, p. 42 16DIAS, op. cit, p. 51 17 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 1º, III 13 Um dos maiores critérios a serem adotados pelos tribunais a respeito da multiparentalidade é justamente o princípio da dignidade da pessoa humana, pois tem como objetivo trazer o respeito e a igualdade na forma de viver. O Direito de Família está diretamente ligado aos aspectos humanos, portanto, o Estado tem o dever de repugnar todos os atos que atentem contra dignidade da pessoa, prevalecendo sempreos princípios sem qualquer hierarquia. Trata-se de princípio que tem como essência a ideia de que o ser humano é um fim em si mesmo, não devendo ser instrumentalizado, coisificado ou descartado em virtude dos caracteres que lhe concedem individualmente e estampam sua dinâmica pessoal. A relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem depender de a orientação sexual, estar ou não prevista, de modo expresso, na Constituição. A orientação que alguém imprime na esfera de sua vida privada não admite quaisquer restrições. Há de se reconhecer a dignidade existente na união homoafetiva. O valor da pessoa humana assegura o poder de cada um exercer livremente sua personalidade, segundo seus desejos de foro íntimo. A sexualidade está dentro do campo da subjetividade. Representa fundamental perspectiva do livre desenvolvimento da personalidade, e partilhar a cotidianidade da vida em parcerias estáveis e duradouras parece ser um aspecto primordial da existência humana.18 Este princípio tem como objetivo o respeito entre as pessoas, cada ser humano tem sua condição social, além de ser o núcleo da entidade familiar. Todo o tipo de família deve ser protegido com amparo na legislação, doutrina, jurisprudência e nos princípios norteadores. Rodrigo da Cunha Pereira que afirma: O princípio da dignidade da pesssoa humana é o mais universal de todos os princípios. É um macro princípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos.19 Nesse sentido, Flávia Piovesan (2000, p.54) diz que: A dignidade da pessoa humana, (...) está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.20 18Idem. Manual de Direito das Famílias – Princípios do Direito de Família. 5ª edição revista, atualizada e ampliada. 2ª tiragem. São Paulo Revista dos Tribunais, 2009. p.88. 19 PEREIRA, Rodrigo Cunha, apud DIAS. Manual de Direito das Famílias. 7. ed. São Paulo: 2009. 20PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.54. 14 Este princípio parte de uma mesma ideia e podemos encontrar em todos os aspectos da legislação brasileira e em cada área do Direito. Trata-se de um princípio subjetivo com diferentes aplicações e interpretações, no entanto, podemos dizer que a dignidade é uma característica do ser humano, a qual tem existência desde os primórdios da humanidade, contudo este princípio traz a ideia de democracia tornando-o requisito principal no momento da interpretação e aplicação das normas jurídicas. 2.4 DO RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE E A POSSIBILIDADE DA MÚLTIPLA FILIAÇÃO REGISTRAL E SEUS EFEITOS JURÍDICOS A respeito do reconhecimento da multiparentalidade em se tratando dos efeitos jurídicos, podemos observar os direitos ao parentesco, ao nome, aos alimentos, à guarda, à herança, ao poder familiar e convivência, todavia, a multiparentalidade produz efeitos no campo do Direito Sucessório. A respeito deste assunto Maurício Cavallazzi (2012, p.98) aborda: Seriam estabelecidas tantas linhas sucessórias quantos fossem os genitores. Se morresse o pai/mãe afetivo, o menor seria herdeiro em concorrência com os irmãos, mesmo que unilaterais. Se morresse o pai/mãe biológico também o menor seria sucessor. Se morresse o menor, seus genitores seriam herdeiros.21 A multiparentalidade significa a possibilidade de uma possível legitimação da maternidade/paternidade do padrasto ou madrasta que oferece amor, cuidado, carinho e proteção como se o enteado (a) fosse filho (a) biológico (a). A principal característica da multiparentalidade é a possibilidade de fazer a inclusão do nome da madrasta ou padrasto no registro de nascimento do infante sem fazer a retirada do nome dos pais biológicos. O Tribunal de Justiça de São Paulo em 2012 deferiu o pedido de um jovem de 19 anos de idade para fazer a inclusão do nome da madrasta em seu registro de nascimento, preservando o nome da mãe biológica. O rapaz relatou que sempre teve uma boa convivência com o pai e sua madrasta, e sempre a chamou de mãe, tendo em vista que sua mãe biológica 21PÓVOAS, Mauricio Cavallazzi. Multiparentalidade: A possibilidade de múltipla filiação registral e seus efeitos. 1. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p.98. 15 veio há falecer três dias após o parto e quando completou dois anos, seu pai veio a se casar com outra mulher. Ementa: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Preservação da Maternidade Biológica. Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família. Enteado criado como filho desde dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Recurso provido.22 Podemos ver outro julgado favorável ao reconhecimento da multiparentalidade: É possível a coexistência dos nomes da mãe biológica e da mãe socioafetiva no mesmo registro civil. Em ação de reconhecimento da maternidade socioafetiva, o pedido de inclusão do nome da requerente como genitora da menor, filha de seu esposo, foi julgado improcedente sob o fundamento de que a parentalidade socioafetiva somente é permitida quando ausente a filiação biológica. Em Primeira Instância, o Magistrado consignou ser impossível a coexistência dos parentescos biológicos e socioafetivo maternos na certidão de nascimento da criança. Inconformada, a requerente interpôs recurso, no qual alegou que seu pedido não visava à substituição da maternidade biológica. Pugnou pela inclusão do seu nome e de seus pais no assento de nascimento da menor, sem a exclusão do registro materno anterior, a fim de preservar os vínculos familiares já existentes. A Relatora deu provimento ao recurso. Ressaltou que o parecer psicossocial comprovou o estabelecimento de vínculo afetivo de maternidade e filiação entre a requerente e a menor. A Desembargadora entendeu que o reconhecimento judicial representa apenas a materialização da realidade fática vivenciada pelas partes. Asseverou, ainda, que a procedência do reconhecimento da maternidade socioafetiva aditiva, com inclusão do nome da requerente como genitora, não representa nenhum prejuízo aos vínculos biológicos originários, visto que será mantido o nome da mãe biológica, falecida. Ao final, a Turma deu provimento ao recurso, ressaltando a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade e de coexistência jurídica dos nomes da mãe biológica e da mãe socioafetiva no registro civil da menor.23 Em 2016 o STF decidiu que o reconhecimento do pai socioafetivo no registro de nascimento não exclui a responsabilidade do pai biológico, ambos são responsáveis. O magistrado indeferiu o pedido de um pai biológico que queria deixar de ser considerado pai e deixar de prestar as obrigações patrimoniais, como podemos ver abaixo: 22TJ-SP - APL: 64222620118260286 SP, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2012 23 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federale Territórios. 2016. Maternidade socioafetiva aditiva – reconhecimento da multiparentalidade. Acesso em: 14 ago. 2020 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10623298/artigo-1593-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/111983995/c%C3%B3digo-civil-lei-10406-02 16 Em sessão nesta quarta-feira (21), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a existência de paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico. Por maioria de votos, os ministros negaram provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 898060, com repercussão geral reconhecida, em que um pai biológico recorria contra acórdão que estabeleceu sua paternidade, com efeitos patrimoniais, independentemente do vínculo com o pai socioafetivo. O relator do RE 898060, ministro Luiz Fux, considerou que o princípio da paternidade responsável impõe que, tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto àqueles originados da ascendência biológica, devem ser acolhidos pela legislação. Segundo ele, não há impedimento do reconhecimento simultâneo de ambas as formas de paternidade – socioafetiva ou biológica –, desde que este seja o interesse do filho. Para o ministro, o reconhecimento pelo ordenamento jurídico de modelos familiares diversos da concepção tradicional, não autoriza decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. [...] Segundo ele, o paradigma não era o afeto entre familiares ou a origem biológica, mas apenas a centralidade do casamento. Porém, com a evolução no campo das relações de familiares, e a aceitação de novas formas de união, o eixo central da disciplina da filiação se deslocou do Código Civil para a Constituição Federal. “A partir da Carta de 1988, exige-se uma inversão de finalidades no campo civilístico: o regramento legal passa a ter de se adequar às peculiaridades e demandas dos variados relacionamentos interpessoais, em vez de impor uma moldura estática baseada no casamento entre homem e mulher”, argumenta o relator. No caso concreto, o relator negou provimento ao recurso e propôs a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, salvo nos casos de aferição judicial do abandono afetivo voluntário e inescusável dos filhos em relação aos pais”. O ministro Edson Fachin abriu a divergência e votou pelo parcial provimento do recurso, ao entender que o vínculo socioafetivo “é o que se impõe juridicamente” no caso dos autos, tendo em vista que existe vínculo socioafetivo com um pai e vínculo biológico com o genitor. Portanto, para ele, há diferença entre o ascendente genético (genitor) e o pai, ao ressaltar que a realidade do parentesco não se confunde exclusivamente com a questão biológica. “O vínculo biológico, com efeito, pode ser hábil, por si só, a determinar o parentesco jurídico, desde que na falta de uma dimensão relacional que a ele se sobreponha, e é o caso, no meu modo de ver, que estamos a examinar”, disse, ao destacar a inseminação artificial heteróloga [doador é terceiro que não o marido da mãe] e a adoção como exemplos em que o vínculo biológico não prevalece, “não se sobrepondo nem coexistindo com outros critérios”. Também divergiu do relator o ministro Teori Zavascki. Para ele, a paternidade biológica não gera necessariamente a relação de paternidade do ponto de vista jurídico e com as consequências decorrentes. “No caso há uma paternidade socioafetiva que persistiu, persiste e deve ser preservada”, afirmou. Ele observou ser difícil estabelecer uma regra geral e que deveriam ser consideradas situações concretas.24 Antigamente a filiação era considerada apenas pelo vínculo biológico, com as constantes transformações que a família vem passando ao longo dos anos e o direito tendo que se adaptar a estas evoluções, esta passou a ser analisada pela doutrina e jurisprudência com 24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico, decide STF. 2016 . Acesso em: 14 ago. 2017. 208 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Filiação socioafetiva não impede reconhecimento de paternidade biológica e seus efeitos patrimoniais. 2017. Acesso em: 14 ago. 2020. 17 base no fator biológico, jurídico e socioafetivo. No entanto, de acordo com este desenvolvimento que está diretamente ligado as necessidades da sociedade há uma imprescindibilidade em flexibilizar a legislação para que seja resguardada a proteção. Acerca dessas transformações, Christiano Cassettari (2014, p.156) nos informa: O juiz de nosso século não é um mero leitor da lei e não deve temer novos direitos. Haverá sempre novos direitos e também haverá outros séculos. Deve estar atento à realidade social e, cotejando os fatos com o ordenamento jurídico, concluir pela solução mais adequada.25 Com base na Teoria Tridimensional do Direito de Família, o ser humano tem três possibilidades para sua formação, são estas: biológica, socioafetiva e ontológica. Portanto, trata-se de uma convicção que decorre da evolução das filiações com transcorrer dos tempos, dando a possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade. 2.5 REQUISITOS PARA VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA MULTIPARENTALIDADE O instituto socioafetivo aparece com uma força jurídica significativa, portanto, é devida sua regulamentação. Neste artigo científico, foi apresentado que o fenômeno da multiparentalidade está ligado a laços biológicos e socioafetivos, evidenciando-se acerca dos princípios que o regem. A multiparentalidade traz consigo a garantia constitucional da dignidade da pessoa humana e igualdade entre as filiações, neste contexto, podem observar o provimento nº63 do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece a possibilidade do procedimento do registro extrajudicial da filiação socioafetiva, regulamentando o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva da pessoa de qualquer idade junto ao registro civil de pessoas naturais. 25 CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e ParentalidadeSocioafetiva: Efeitos Jurídicos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. 18 Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.26 Sendo assim, de forma resumida, este provimento n° 63 prevê diversas situações como, filhos de qualquer idade, para os maiores de 12 anos, necessário o seu consentimento, requerimento deve ser unilateral (somente um pai ou uma mãe socioafetivos), impossibilidade de mais de dois pais ou de duas mães (um pai/mãe biológico e um pai ou mãe socioafetivos), necessidade de mera declaração dos interessados, consentimento pessoal do pai/mãe biológicos, deferimento do pedido pelo registrador, que remeterá o caso ao juiz em caso de dúvida. Contudo, o Conselho Nacional de Justiça editou outro provimento, sob n° 83, datado em 14 de agosto de 2019, que veio mudando alguns dispositivos do Provimento nº 63. Este provimento fez a modificação de devidos dispositivos do provimento anterior, restringindo algumas hipóteses de reconhecimento extrajudicial que vinham acontecendo, como por exemplo, somente filhos acima de 12 anos poderão se valer do registro da filiação socioafetiva pela via extrajudicial, não havendo outra opção aos menores desta idade apenas a via judicial. No entanto, o registrador após dar entrada no pedido com os documentos necessários exigidos, deverá comprovar a existência do vínculo afetivo, seja materno ou paterno. Art. 10-A. A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve serestável e deve estar exteriorizada socialmente. §1º O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos.27 Em seguida, ao serem atendidos todos os requisitos necessários será remetido ao Ministério Público para ser avaliado e poder dar um parecer, que sendo favorável, o registrador poderá por fim realizar o registro da filiação socioafetiva,caso não seja favorável, deverá arquivar o pedido. Somente deverá ser remetida ao juiz em casos de impugnação, dúvidas ou reclamação por parte dos interessados referente ao parecer desfavorável do Ministério Público. 26CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380>. Acesso em: 28/09/2020 27CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 83, de 14 de agosto de 2019. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2975>. Acesso em: 28/09/2020 19 Após o novo provimento, passaram a serem requisitos, exclusivamente para filhos acima de 12 anos, que deverão consentir reconhecimento exclusivamente unilateral (somente um pai ou uma mãe socioafetiva), necessidade de apresentação de prova do vínculo afetivo, consentimento do pai/mãe biológicos, atestado do registrador sobre a existência da afetividade, parecer favorável do Ministério Público, que equivalerá ao deferimento. Por fim, o Conselho Nacional de Justiça sendo um órgão com atribuições administrativas, quiser preservar a questão jurídica, resguardando eventuais problemas, mantendo a opção do registro extrajudicial, o que nos traz uma grande novidade no meio jurídico, na sociedade e no Direito de Família. CONCLUSÃO O presente artigo científico tratou sobre a possibilidade da múltipla filiação registral e seus reflexos jurídicos, e como visto no decorrer deste trabalho, a multiparentalidade trata-se de um instituto jurídico que está cada vez mais presente nas famílias contemporâneas. O destaque decorrente deste artigo científico corresponde a possibilidade de registrar o filho com mais de uma mãe ou pai, construindo uma nova estrutura familiar. Contudo, podemos observar neste artigo científico que a multiparentalidade está amparada por diversos princípios constitucionais, ganhando um grande amparo para que seja reconhecida no ordenamento jurídico brasileiro, dentre eles, princípio do melhor interesse do menor, princípio do pluralismo da entidade familiar e princípio da dignidade da pessoa humana. Podemos ressaltar que a família vem passando por diversas transformações ao longo dos anos e a múltipla filiação vem se tornando cada vez mais uma realidade fática mais próxima da sociedade brasileira, portanto, haja vista destacar os efeitos jurídicos nela pertinentes para resguardar esse tipo de família, tendo como exemplo. Diante do ponto de vista de diversos doutrinadores como Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, e tantos outros, o instituto deve ser analisado casa a caso, tento em vista que com o reconhecimento da multiparentalidade, não visa eximir os pais da responsabilidade jurídica do vínculo biológico para com os filhos, e sim reconhecer o vínculo afetivo preexistente. Conclui-se que o Direito de Família deve sempre buscar reconhecer os institutos jurídicos que buscam amparar as entidades familiares, garantindo sua proteção, seu reconhecimento social e lega, além do seu devido amparo nas soluções de conflitos de interesse, priorizando sempre os princípios supracitados. 20 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 1º, III BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico, decide STF. 2016. Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2017. 208 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Filiação socioafetiva não impede reconhecimento de paternidade biológica e seus efeitos patrimoniais. 2017. Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2020. CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e ParentalidadeSocioafetiva: Efeitos Jurídicos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380>. Acesso em: 28/09/2020 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 83, de 14 de agosto de 2019. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2975>. Acesso em: 28/09/2020 DIAS, Maria Berenice, Manual do Direito das Famílias. 5ª Ed. São Paulo: Editora RT, 2009, p.324. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – Princípios do Direito de Família. 5ª edição revista, atualizada e ampliada. 2ª tiragem. São Paulo Revista dos Tribunais, 2009. p.88. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 42 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 51 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 6. Direito das Sucessões, 21 ed. Saraiva, 2007, p. 9. DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. 2016. Maternidade socioafetiva aditiva – reconhecimento da multiparentalidade. Acesso em: 14 ago. 2020 Estatuto da criança e do adolescente, lei 8.069 de 1990. In: Vade mecum21º Edição. São Paulo: Saraiva. 2019, p.1095 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Curso de Direito Civil. Nelson. 2ª ed., p. 542 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. V.6. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2012. 21 FARIAS, Cristiano Chaves de; Rosenvald, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 41. LÔBO, Paulo Luiz Netto. A Repersonalização das Famílias. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto LÔBO, Paulo. Direito Civil-Família. 6. 11 ed. Saraiva. São Paulo, 2011. p.18 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.36 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2004. 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TJ-SP - APL: 64222620118260286 SP, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2012 TORRES, Aimbere Francisco. Adoção nas Relações Homoparentais. São Paulo: Atlas, 2009, p. 96-97 22
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