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Mariana Costa Teixeira ORTOPEDIA O conceito de fratura é a perda da continuidade óssea. Ou seja, qualquer perda de continuidade óssea, mesmo que não seja completa, é uma fratura. Geralmente as fraturas surgem através de traumas de alta energia. O osso, em condições normais, possui a habilidade de suportar cargas e absorver essa energia. Caso haja um grande nível de energia associado ao trauma, o osso não consegue suportar e acaba sofrendo uma fratura. Fraturas relacionadas a traumas de baixa energia devem acender um alerta sobre a possibilidade de fraturas patológicas, ou seja, associadas a doenças ósseas, entre outras que culminam com a fragilidade óssea, como por exemplo a Osteoporose ou Lesões Tumorais. As fraturas podem acometer a epífise do osso (região articular), metáfise ou na diáfise (corpo ósseo). Para cada tipo de energia aplicada ao osso, podemos observar tipos específicos de fratura relacionadas. Forças angulares implicam em fraturas transversas ou oblíquas, forças de torção implicam em fratura em espiral, forças de tração implicam em fratura por avulsão e forças compressivas implicam em fraturas de compressão. De uma maneira geral, elas podem ser classificadas por seu traço, pelo comprometimento articular e pelo comprometimento de partes moles. Classificação por Traço De acordo com o traço da fratura observado radiograficamente, podemos classifica-la em simples, quando há apenas um traço, sendo uma lesão única que realiza a transfixação de todo o osso. Caso sejam observados dois traços de fratura formando uma cunha, considera-se a fratura como em cunha. Por fim, quando observam-se múltiplos traços de fratura, com o osso fraturado em vários seguimentos, podemos classificar esse tipo de fratura como cominutiva. Classificação quanto Comprometimento Articular Quanto ao comprometimento articular da lesão, podemos ter fraturas intra-articulares ou extra- articulares. Na primeira, pode-se observar a invasão do traço da fratura até na articulação e na segunda podemos verificar que o traço fraturário não acomete a articulação. Classificação Quanto o Comprometimento de Partes Moles Por fim, de acordo com o comprometimento de partes moles, uma fratura pode ser classificada como aberta ou fechada. Fraturas abertas, também chamada de expostas, são aquelas em que há o contato do foco da fratura com o meio externo, podendo culminar desde em lesões puntiformes até fraturas extensas, como no esmagamento. As fraturas fechadas, por outro lado, são aquelas em que não há contato do foco da fratura com o meio externo. A fratura gera um processo de cicatrização chamado de consolidação, que é um processo único e natural, ocorrendo de forma espontânea em conjunto com as ferramentas pertencentes ao organismo para tal. Sendo assim, a consolidação é a capacidade de regeneração dependente da reindução das cascatas osteogênicas do período embrionário. Ou seja, durante a consolidação há necessidade que ocorra uma nova osteogênese, como se tivéssemos retornado para o período de formação óssea. A estabilização dos fragmentos ósseos fraturados ocorre, portanto, de forma gradativa, através da reindução das cascatas osteogênicas, gerando uma dureza progressiva ao osso. Toda vez que pensamos em consolidação, devemos ter em mente que o osso sofrerá um processo de reparação da lesão. Em seguida, em um período mais tardio, o osso passará por um período de remodelamento ósseo, para o retorno anatomofuncional. Para que a reparação e remodelamento ocorram, é necessário que haja a estabilidade, permitindo um retorno a função anterior à fratura. Fatores Existem alguns fatores que influenciam diretamente no processo de consolidação, sendo eles o fator mecânico e o fator biológico. Caso haja deficiência em um desses fatores, dificilmente ocorrerá a consolidação. Fator Mecânico Para que o osso consolide, há a necessidade de estabilização do foco fraturário por imobilização. O osso não consolidará caso haja uma movimentação excessiva. A principal célula responsável pelo processo de consolidação é o osteoblasto, o qual necessita de um espaço entre os fragmentos ósseos reduzido para que possa realizar a deposição óssea, o que explica a necessidade de estabilização. Para a imobilização pode-se utilizar tala gessada, aparelho gessado e imobilizadores internos e externos. A escolha do imobilizador utilizado é fundamental para o sucesso da estabilização. Em casos selecionados, como fraturas instáveis, há necessidade de lançar mão da cirurgia para promoção da estabilização adequada. Fator Biológico Está relacionado com o aporte sanguíneo e a chegada de substâncias essenciais na consolidação óssea, incluindo o aporte de oxigênio e nutrientes. Nesse caso, é imprescindível a manutenção da irrigação no foco da fratura. Como células e substâncias essenciais, podemos citar as células sanguíneas, mediadores químicos inflamatórios (como as citocinas), células osteogênicas e células de preenchimento (tecido conjuntivo). Etapas O processo de consolidação ocorre, didaticamente, em 3 etapas que se sobrepõem durante esse processo. Inicialmente, ocorre a inflamação, seguida do reparo e, por fim, da remodelação. De um modo geral, o hematoma fraturário recruta plaquetas para reduzir o processo de sangramento. As plaquetas liberam fatores de crescimento, gerando o recrutamento de células inflamatórias, como neutrófilos, linfócitos e monócitos, os quais também participam da cascata imunológica da consolidação óssea. Os macrófagos teciduais participam de uma maneira expressiva da consolidação, liberando citocinas inflamatórias e fatores de crescimento. Todo esse processo culmina na diferenciação celular de células mesenquimais presentes no periósteo, gerando a diferenciação do pré-osteoblasto a osteoblasto, as células responsáveis pela deposição óssea. O tipo de estabilidade realizado para o tratamento das fraturas pode ser de dois tipos, relativa ou absoluta. Estabilidade Relativa Gera uma movimentação controlada no foco da fratura, o que promove uma consolidação do tipo secundário, como já foi explicitado. Sendo assim, existe uma movimentação interfragmentária adequada e controlada para a formação do calo ósseo. Podem ser utilizadas sínteses flexíveis (como placa e parafuso). Estabilidade Absoluta Existem métodos que podem ser utilizados de forma cirúrgica para promover a estabilidade absoluta, como certos tipos de placa e parafusos, parafusos interfragmentários, entre outros. Nesse caso, não existe no foco fraturário a formação de hematoma ou calo ósseo, ocorrendo uma restauração óssea anatômica com a junção dos fragmentos fraturários, após redução dos mesmos. O quadro clínico habitual do paciente que sofreu uma fratura é composto de dor (não necessariamente aguda, podendo ser inclusive progressiva ou regressiva), incapacidade funcional (nem sempre está presente, muitas vezes o paciente mantém a funcionalidade), impotência funcional (redução da funcionalidade, dificuldade de realizar as ações) e deformidade (nem sempre está presente). A abordagem inicial para um caso suspeito de fratura envolve o exame clínico, checando alterações anatômicas no local da lesão, assim como alterações funcionais e neurovasculares associadas. Além disso, em um segundo momento, é fundamental a realização do exame radiológico, o qual deve ser realizado em pelo menos 2 incidências ortogonais. Geralmente realiza-se as incidências AP (Anteroposterior) e em Perfil nas lesões ortopédicas em geral. Já o tratamento definitivo envolve o alívio da dor, a redução da fratura (recolocação do osso em suaposição habitual, podendo ser realizado de forma aberta (cirúrgica) ou fechada), a imobilização (manter o contato estável entre os fragmentos fraturários para favorecer a consolidação) e restaurar a função do paciente (após a consolidação, buscar a reabilitação). Contenção Externa Utilização do aparelho gessado, em torno de todo o membro onde houve a fratura ou com uma tala gessada, apenas em uma face do local onde houve a fratura. Fixação Cirúrgica Externa Utilização de fixadores externos, como os fixadores circulares Ilizarov, com estabilização do foco fraturário, possibilitando a consolidação. Fixação Cirúrgica Interna Categoria usualmente mais conhecida no âmbito das cirurgias ortopédicas, pautada pelo uso de placas e parafusos que realizam a fixação óssea. Osteomielite Existe um risco associado às fraturas de ocorrência de infecções, principalmente as fraturas expostas, as quais possuem um contato do foco fraturário com o meio externo, possibilitando o contato com bactérias que, inoculadas no osso, podem gerar uma Osteomielite. A osteomielite é uma complicação muito séria e de difícil tratamento, já que na grande maioria das vezes há uma cronificação e necessidade de antibioticoterapia estendida. Trata-se de uma infecção do osso, que pode ser classificada de acordo com o mecanismo de infecção (hematogênico ou não hematogênico) ou de acordo com a duração da patologia (aguda ou crônica). Com relação as fraturas, o tipo mais comum de osteomielite é a não hematogênica, que resulta da disseminação direta para osso de tecidos moles adjacentes ou por inoculação direta, principalmente por mecanismos de trauma ou cirurgia. Pode ser polimicrobiana ou monomicrobiana, predominando as bactérias S. aureus, Staphylococcus coagulase negativos ou bacilos aeróbios gram negativos. Lesão Arterial As fraturas podem estar associadas a lesões vasculares da região de partes moles envolvida, sendo que devemos ressaltar as lesões arteriais, as quais possuem um maior nível de gravidade. Muitas vezes o fragmento ósseo se torna muito “afiado”, possibilitando as lesões vasculares. Síndrome Compartimental Os grupamentos musculares humanos são divididos em compartimentos, circundados por fortes fáscias membranosas. Quando há um aumento da pressão nesses compartimentos, devido principalmente ao acúmulo de edema ou sangramento, pode ocorrer a Síndrome Compartimental. É uma importante complicação das fraturas, sendo uma emergência cirúrgica, justamente por implicar em compressão de estruturas como vasos e nervos, gerando isquemia tecidual e sintomas de compressão nervosa periférica, devendo ser imediatamente abordadas através de fasciotomia. Trombose Venosa Profunda A fratura pode gerar trombos pela hemostasia que ocorre ao redor da lesão, sendo que esses trombos podem migrar, gerando TVP e, em alguns casos, Tromboembolismo Pulmonar (TEP). Necrose Avascular A depender do tipo e localização da fratura, pode ocorrer um rompimento tão acentuado dos vasos da região que o suporte sanguíneo para uma área do osso pode ficar comprometido, gerando isquemia e necrose óssea avascular. Pseudoartrose É uma complicação que ocorre em 5 a 10% das fraturas, culminando na não união óssea. Se existe uma deficiência em algum dos fatores que influenciam a consolidação, como a irrigação local ou a estabilização da fratura, é possível que a fratura não venha a se consolidar. Existecontato do foco de fratura com o meio externo. Nem sempre uma fratura exposta é tão bem visualizada no exame clínico, podendo ocorrer fraturas expostas que geram lesões puntiformes, pouco visíveis ao exame físico, dificultando a sua percepção. A evolução da fratura exposta está relacionada com a quantidade de tecidos moles que sofreram lesão e foram desvitalizados, justamente pela maior dificuldade que o organismo encontrará em distribuir o sangue nessa região e promover a cicatrização desse foco. As fraturas expostas podem ser classificadas de acordo com a Classificação de Gustilo e Anderson. Essa classificação guia a necessidade de antibioticoprofilaxia de acordo com o tipo de lesão ocorrida, visto que a prevalência de infecções ósseas é alta no caso de fraturas expostas. As fraturas do úmero podem ocorrer proximalmente, na diáfise ou distalmente. Os sinais e sintomas mais comuns são dor intensa e edema no local da fratura. A maioria das fraturas do úmero proximal e do eixo médio não são deslocadas e podem ser tratadas de forma conservadora. Por outro lado, as lesões distais possuem tratamento cirúrgico superior ao conservador. As fraturas proximais deste osso são responsáveis por 4 a 5% de todas as fraturas no corpo e são a terceira fratura mais comum em pacientes idosos, depois das do quadril e do rádio distal. A incidência de fraturas do úmero proximal aumenta com a idade, com mais de 70 por cento ocorrendo em pacientes com mais de 60 anos de idade e a maior incidência entre 73 e 78 anos de idade. As fraturas do eixo médio são responsáveis por cerca de 2% de todas as fraturas, possuindo distribuição bimodal com o primeiro pico observado na terceira década em homens, e costuma estar associado a traumas de alta velocidade, e o segundo pico observado em mulheres na sétima década e está associado a quedas de baixa velocidade. A incidência da das fraturas distais de úmero é estimada destas lesões no adulto ronda os seis casos por 100.000 habitante por ano. Também são lesões com uma distribuição bimodal apresentando um pico entre os 12 e 19 anos de idade. Um segundo pico nos indivíduos idosos, principalmente do género feminino, resultante de traumatismo de baixa energia. Em idosos, as quedas são a causa mais comum de fraturas do úmero proximal, sendo aproximadamente 87 a 93 % das fraturas ocorrem após uma queda da posição ortostática. As fraturas do eixo médio geralmente resultam de trauma, como um golpe direto ou força de flexão no úmero e, menos comumente, de uma queda com a mão estendida ou cotovelo. Elas também podem resultar de fortes contrações musculares, como em arremessos de alta velocidade ou luta de braço. Nas fraturas distais, ocorre principalmente entre os indivíduos do género masculino em contexto de traumatismo de elevada energia, mas na população idosa pode ser gerado por impactos de baixa energia como as quedas da própria altura. Fraturas proximais do úmero: Radiografias simples do ombro que incluem uma visão anteroposterior (AP) verdadeira, uma visão axilar e uma visão escapular em Y devem ser obtidas se houver suspeita de fratura do úmero proximal. Esta é a série de radiografias de trauma padrão. O sistema de classificação de Neer é baseado na relação anatômica dos quatro segmentos principais do úmero proximal: o colo anatômico, o colo cirúrgico, a tuberosidade maior e a tuberosidade menor. 1. Fraturas em uma parte são definidas como fraturas nas quais nenhum fragmento é deslocado; 2. As fraturas em duas partes são definidas por um fragmento deslocado; 3. As fraturas em três partes são definidas por dois fragmentos deslocados, mas a cabeça do úmero permanece em contato com a glenoide; 4. As fraturas em quatro partes são definidas por três ou mais fragmentos deslocados e deslocamento da superfície articular da glenoide; Pacientes com fraturas do úmero proximal apresentam dor moderada a intensa no ombro, que aumenta com o movimento do ombro e tendem a segurar o braço afetado aduzido contra o lado do corpo. Já os paciente com fraturas do eixo médio do úmero geralmente apresentam dor intensa no meio do braço, mas podem ter referido dor no ombro ou cotovelo. Edema e equimoses podem ser aparentes logoapós a lesão. Na fratura proximal podem ocorrer deformidades grosseiras no ombro, principalmente se a fratura estiver associada a um deslocamento anterior ou posterior da cabeça do úmero. Nas fraturas distais, ocorre dor intensa, edema na área do cotovelo e amplitude do movimento do cotovelo é limitada. A articulação do punho é formada pela porção final dos ossos do antebraço (rádio e ulna) que se unem com os ossos do carpo. São oito ossos dispostos em duas fileiras de quatro. Todos eles são fortemente unidos por ligamentos que ajudam a manter a estabilidade e permitem o movimento. A porção final do rádio é a parte óssea mais frágil do punho, por isso, é a que com maior frequência se fratura. Existem dois grupos principais de pacientes que apresentam fratura de punho. O mais comum é de senhoras que sofrem quedas e que traumatizam o punho ao se protegerem do impacto com o solo. Esta fratura é frequente em mulheres após a menopausa, visto que é nessa fase que, por fatores hormonais, desenvolve-se uma doença óssea denominada de osteoporose. Outro grupo de pacientes que apresenta fratura do rádio distal é de adultos jovens, geralmente homens, que se envolvem em trauma de alta energia, principalmente em acidentes de carro ou moto. Essas fraturas apresentam múltiplos fragmentos, podendo ter exposição óssea. Têm uma grande incidência de lesões associadas, como de ligamentos, cartilagem ou outras fraturas. Já no local do acidente, nos casos mais graves, a deformidade gerada pela fratura do punho é bem evidente. O punho fica angulado, semelhante à forma de um garfo. Já nos casos leves, o que se observa, é um inchaço e dor no dorso do punho. Ao procurar um serviço de traumatologia de emergência o paciente será examinado pelo médico. Se houver suspeita de fratura, será solicitada uma radiografia. Com esse exame de imagem pode se ter com clareza o diagnóstico definitivo. Em caso de dúvida no diagnóstico ou necessidade de analisar os fragmentos ósseos pode ser solicitada uma tomografia computadoriza. Já a ressonância nuclear magnética é utilizada em caso de suspeita de lesão ligamentar ou de cartilagem associada. O objetivo do tratamento da fratura do punho é conseguir a consolidação com um posicionamento dos ossos o mais próximo do normal. Por isso, em caso de fratura não deslocada ou quando a fratura tem um deslocamento pequeno e no atendimento de urgência se consegue um posicionamento adequado, o tratamento é realizado imobilizando com gesso. As fraturas do punho consolidam em média após seis semanas (45 dias). Nesse período o paciente permanece imobilizado quatro semanas com gesso acima do cotovelo e mais duas semanas com uma luva gessada (cotovelo livre). Para conseguir esse posicionamento correto dos ossos fraturados não se pode colocar a tala de gesso muito apertada, nem colocar o punho e a mão numa posição muito forçada. Isso leva a uma alta taxa de complicações, como inchaço e rigidez dos dedos. Então, o que se quer no tratamento com o gesso é encontrar um equilíbrio entre colocar a imobilização numa posição o mais confortável possível e sem correr o risco de deslocar a fratura. O tratamento cirúrgico é indicado para os casos em que o deslocamento da fratura é grave ou quando não se consegue um posicionamento adequado dos ossos, principalmente quando há fragmentos ósseos deslocados dentro da articulação. Também quando a fratura é considerada instável, tendo a tendência de se deslocar dentro do gesso, é indicado o tratamento com cirurgia. Existem poucas situações onde se tem que realizar cirurgia de urgência, ou seja, logo após o acidente. Entre elas estão as fraturas expostas, lesão de nervos ou vasos sanguíneos ou quando há um edema grave que pode comprometer a vascularização da mão. O tratamento das fraturas do terço distal do rádio baseia-se na idade biológica do paciente, demanda funcional e crité-rios de instabilidade. Pacientes com nível de atividade maior e com maior demanda funcional necessitam melhor restabe-lecimento da posição radial. A presença de pelo menos três critérios indica instabilidade da fratura. Critérios de instabilidade para fraturas do terço distal do rádio: - Perda do comprimento radial maior que 10 mm. - Ângulo de inclinação dorsal maior que 20°. - Cominuição metafisária dorsal. - Desvio articular maior que 2 mm. - Fraturas intra-articulares. - Fraturas da base do processo estilóide da ulna. Conceito: Coluna cervical alta – C1 e C2. A amplitude dos movimentos da coluna cervical alta é relativamente limitada, com exceção da rotação ao nível da articulação atlanto-axial, que corresponde a cerca de 50% de toda a rotação da coluna cervical. As lesões traumáticas da coluna cervical alta são relativamente raras e sua exata incidência não é bem conhecida, pela sua ocorrência em vítimas fatais de acidentes automobilísticos. As lesões neurológicas são raras, devido à relação entre o diâmetro do canal vertebral e o espaço ocupado pela medula espinhal. No entanto, as lesões neurológicas na coluna cervical alta apresentam prognóstico diferente e podem ser fatais, devido à presença do centro medular da respiração nesse nível da medula espinhal. O mecanismo de trauma dessas lesões é indireto e as forças absorvidas pela cabeça são transmitidas para a coluna vertebral, devendo ser considerada de extrema importância para o diagnóstico a presença de lesões na face ou no couro cabeludo. O diagnóstico das lesões traumáticas da coluna cervical alta é muito difícil apenas com as informações fornecidas pelas radiografias simples. A tomografia computadorizada possibilitou a realização de diagnóstico em maior escala e também a identificação de lesões que não eram conhecidas. FRATURA DO CÔNDILO OCCIPITAL As fraturas do côndilo occipital são lesões pouco frequentes ou raramente diagnosticadas e a menção a estas fraturas é feita na grande maioria por meio de relato de casos. As fraturas do côndilo occipital geralmente ocorrem associadas com outras fraturas, especialmente com as do atlas. As fraturas do côndilo occipital foram classificadas por Anderson e Montesano (1988) em três tipos: Tipo I - fraturas cominutivas impactadas do côndilo occipital. Tipo II - fratura da base do crânio que se estende através do côndilo occipital. Tipo III - fratura por avulsão de fragmento ósseo do côndilo occipital conectado ao ligamento alar. As fraturas dos tipos I e II seriam causadas por compressão vertical, enquanto as do tipo III seriam ocasionadas por mecanismos combinados de translação e rotação. As fraturas do tipo II podem estar acompanhadas de lesão dos nervos cranianos (IX, XII) e as do tipo III, associadas com a luxação atlanto- occipitocervical. O diagnóstico das fraturas do côndilo occipital por meio de radiografias simples é muito difícil e grande parte delas é diagnosticada por acaso, durante a observação de tomografia computadorizada da coluna cervical alta. O espectro da estabilidade dessas lesões é muito variável. Podem ocorrer lesões estáveis ou luxações, que são muito instáveis. A instabilidade é muitas vezes difícil de ser determinada e deve ser avaliada durante o acompanhamento do paciente. O tratamento das lesões dos tipos I e II é conservador, por meio de colar ou órtese cervical durante seis a oito semanas. As fraturas do tipo III requerem imobilização mais rígida, recomendando-se a utilização de halo-gesso por um período de oito a 12 semanas, estando indicada a artrodese nos casos de instabilidade atlanto-occipital. LUXAÇÃO ATLANTO-OCCIPITAL As lesões atlanto-occipitais são extremamente raras e as informações acerca desse tipo têm sido fornecidas pelos relatos de casos esporádicos depacientes que sobreviveram ou pela sua observação em vítimas fatais de atropelamento. A grande maioria dos pacientes que sobreviveram com esse tipo de lesão apresentava déficit neurológico de diferentes graus, desde parada cardiorrespiratória, cuja sobrevivência ocorreu graças ao imediato suporte respiratório, até quadros variáveis de quadriplegia. A paralisia de nervos cranianos, especialmente do nervo abducente, tem sido também relatada. O déficit neurológico pode apresentar considerável melhora nos pacientes que sobrevivem. No entanto, o índice de óbito é alto durante a hospitalização, devido à gravidade das lesões associadas e à presença de déficit neurológico. Nos pacientes sem déficit neurológico ou parada cardiorrespiratória, a dor ao nível da coluna cervical alta ou occipital pode ser a única manifestação clínica, dificultando o diagnóstico. A artrodese occipito-cervical, após a redução da lesão por meio de tração, é o tratamento de escolha devido à instabilidade desse tipo de lesão. LESÃO DO LIGAMENTO TRANSVERSO A lesão do ligamento transverso pode ocorrer por meio da rotura das suas fibras ou avulsão da sua inserção na massa lateral do atlas, com pequeno fragmento ósseo. Essa lesão é geralmente resultante do mecanismo de hiperflexão aguda da coluna cervical, provocada por queda ou trauma direto sobre o occipital. A manifestação clínica da lesão está diretamente relacionada com o grau de deslocamento do atlas provocado pela lesão do ligamento transverso. Nas lesões mais graves o paciente pode apresentar déficit neurológico e desvio visível nas radiografias, enquanto nas mais simples o quadro clínico é discreto, sem déficit neurológico, apenas com dor cervical, e os exames radiográficos são normais. Nessa situação o diagnóstico é difícil e o aumento da sombra do espaço retrofaríngeo na radiografia de perfil pode ser o único indício da presença da lesão. O diagnóstico da lesão do ligamento transverso é realizado por meio de radiografias dinâmicas da coluna cervical, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM). Os valores da distância do espaço atlantodental anterior acima de 5mm nas crianças e 3mm nos adultos são indicativos de lesão. Deve ser lembrado que a realização de radiografias dinâmicas está contra-indicada nos pacientes que apresentam lesão recente e déficit neurológico; mesmo na presença de lesão do ligamento transverso, o espasmo muscular pode impedir sua identificação. O tratamento das lesões do ligamento transverso está relacionado com o tipo (rotura ou avulsão), das condições gerais do paciente e da filosofia de tratamento adotada pelo cirurgião. As roturas do ligamento devem ser tratadas por meio da artrodese C1-C2, pois o ligamento não possui capacidade de cicatrização capaz de conferir estabilidade. Existem diferentes opções técnicas de artrodese, que utilizam cerclagem (Brooks, Gallie), parafusos transarticulares (Magerl), parafusos no maciço articular de C1 e C2 (Harms) ou apenas enxerto ósseo. Do ponto de vista biomecânico, a estabilização com parafusos transarticulares C1-C2 é a mais estável. SUBLUXAÇÃO ROTATÓRIA O diagnóstico desse tipo de lesão é dificultado pelos seus sinais clínicos discretos, frequente ausência de déficit neurológico e dificuldade de obtenção de bons exames radiográficos. Os pacientes geralmente apresentam dor e espasmo muscular na região cervical, ou torcicolo nos casos mais graves. Na incidência em AP transoral a assimetria e o apagamento das articulações entre C1-C2 podem ser observados (wink signal ). A tomografia computadorizada facilita a realização do diagnóstico e avaliação do grau de desvio, sendo o exame de escolha nessas lesões. A lesão é puramente ligamentar e sua característica rotacional é devida à integridade do ligamento transverso, que permite a rotação do atlas sobre o processo odontóide. Fielding e Hawkins (1977) classificaram essas lesões em quatro tipos: Tipo 1 - luxação rotatória anterior com desvio < 3mm. Tipo 2 - luxação rotatória com desvio 3-5mm. Tipo 3 - luxação rotatória com desvio > 5mm. Tipo 4 - desvio posterior. O tratamento dessas lesões deve ser iniciado por meio de tração craniana para a redução da lesão, que deve ser imobilizada por meio de halo-gesso ou gesso minerva durante 12 semanas, após a obtenção da redução. A redução pode ser de difícil obtenção em alguns casos, sendo necessárias manobras sob anestesia geral, que devem ser realizadas com muita cautela devido ao risco de lesão neurológica. A palpação transoral direta da faceta articular desviada do atlas (C1) e a sua redução manual podem ser também efetuadas com o paciente anestesiado. A artrodese C1C2 está indicada na presença de instabilidade C1-C2 ou de déficit neurológico. A instabilidade deve ser rotineiramente avaliada no final do tratamento conservador, por meio de radiografias dinâmicas. FRATURAS DO ATLAS As fraturas do atlas são lesões raras e correspondem a cerca de 2% de todas as fraturas da coluna vertebral. A associação da fratura do atlas com as do áxis é muito frequente e, apesar de rara, pode ocorrer lesão ou trombose da artéria vertebral, que deve ser presumida na presença de sintomas de insuficiência vertebrobasilar (tontura, vertigem, cefaléia, visão borrada, nistagmo) concomitantes à fratura do arco posterior do atlas. Com exceção das fraturas produzidas pelos projéteis de arma de fogo, as do atlas são resultantes de forças aplicadas sobre a cabeça; a energia do impacto é absorvida pelo atlas que se encontra encarcerado entre os côndilos occipitais e as facetas articulares superiores do áxis. Esse mecanismo de trauma explica a importância da procura de fraturas nos pacientes com ferimentos ou traumatismos da cabeça, couro cabeludo ou face. A fratura em quatro partes do arco anterior do atlas, conhecida como fratura de Jefferson, é oriunda da aplicação de compressão axial, que é transmitida pelos côndilos occipitais para o atlas. As fraturas ocorrem na região de transição entre a massa lateral e o arco do atlas, que são os locais de menor resistência dessa vértebra. Muitas vezes esse tipo de fratura apresenta apenas dois ou três fragmentos. A aplicação de força de grande intensidade pode conduzir à rotura ou arrancamento do ligamento transverso e nessa situação as massas laterais do atlas apresentam afastamento lateral superior a 8mm nas radiografias em AP. A estabilidade dessas fraturas está relacionada com a integridade do ligamento transverso. A aplicação de força de compressão axial assimétrica pode produzir fratura da massa lateral, que frequentemente está associada com fratura do arco do atlas. As fraturas do arco posterior estão geralmente associadas com as fraturas tipo I ou II do processo odontóide, espondilolistese traumática do áxis ou fratura do côndilo occipital devido ao mecanismo comum de produção do trauma dessas lesões, que é a hiperextensão. Essa associação das fraturas do arco posterior com outras fraturas tem sido observada em até 50% dos pacientes. Com o advento da tomografia computadorizada as fraturas do atlas puderam ser melhor identificadas e diagnosticadas. Apesar da importância das radiografias simples no diagnóstico dessas fraturas, elas não permitem a visualização completa do osso. O tratamento das fraturas do atlas está diretamente relacionado com a sua estabilidade, presença de lesões associadas e estado geral do paciente. A filosofia de tratamento do cirurgião, o seu domínio das técnicas e os recursos disponíveis também exercem importante papel na decisão terapêutica. As fraturas isoladas do arco anterior ou posterior do atlas, as fraturas do processo transverso ou fraturas por avulsãodo arco anterior são fraturas estáveis e podem ser tratadas por meio de órtese cervical por um período de seis a 12 semanas. O tratamento das fraturas do tipo explosão e da massa lateral está condicionado à estabilidade da lesão (integridade do ligamento transverso), que é avaliada por meio do desvio lateral das massas laterais do atlas nas radiografias em AP. Nas fraturas que apresentam desvio das massas laterais menor que 8mm nas radiografias em AP, o tratamento deve ser realizado por meio da imobilização com halo-gesso, minerva ou órteses cervicais rígidas por um período de 12 semanas. Após o término do tratamento devem ser realizadas radiografias dinâmicas para averiguar a possível existência de instabilidade C1-C2, que é indicação da artrodese desse segmento vertebral. FRATURAS DO PROCESSO ODONTÓIDE As fraturas do processo odontóide representam 7% a 15% das fraturas da coluna cervical. Essas fraturas apresentam características muito diferentes (incidência, epidemiologia, mecanismo de trauma, características clínicas e conduta terapêutica), de acordo com a idade dos pacientes, que diferenciam as fraturas da criança, do adulto jovem e idosos. Em crianças com idade inferior a sete anos, o processo odontóide está acometido em 75% dos traumatismos da coluna cervical, devido à interposição de sincondrose, entre o processo odontóide e o corpo de C2, sendo a parte da vértebra mais vulnerável às fraturas. A maior percentagem das fraturas do processo odontóide ocorre nos adultos; nos adultos jovens as fraturas são geralmente causadas por trauma de alta energia (acidente automobilístico, queda de grande altura, etc.), estando por isso associadas a outras lesões. Acima dos 70 anos de idade a fratura do processo odontóide é a mais frequente ao nível da coluna cervical; acima dos 80 anos de idade, é a fratura mais frequente da coluna vertebral, estando esse fato relacionado com a osteoporose e diminuição da sua massa óssea. As fraturas nesse grupo de pacientes são causadas por queda da própria altura e geralmente não estão associadas com lesões do crânio ou outras, como ocorre nos pacientes mais jovens. Nesse grupo de pacientes a morbidade e mortalidade relacionadas às fraturas do processo odontóide são muito elevadas quando comparadas com os mais jovens, sendo esse fato de grande importância na elaboração do tratamento. O diagnóstico da fratura do processo odontóide pode ser realizado por meio de radiografias simples (AP transoral e perfil) em 94% dos pacientes. No entanto, o diagnóstico não é realizado no primeiro atendimento em grande número dos pacientes, não por problemas relacionados aos exames complementares, mas devido à falta de suspeição pelo examinador, baixo nível de consciência dos pacientes, traumatismo craniencefálico e trauma da face. As queixas dos pacientes são inespecíficas e representadas principalmente por dor occipital ou suboccipital, associada com espasmo muscular e diminuição dos movimentos da coluna cervical, de modo que o diagnóstico é realizado somente quando a possibilidade da ocorrência da fratura é lembrada e as radiografias são solicitadas. A suspeição do diagnóstico é de grande importância nos pacientes com ferimentos ou traumatismos da face ou couro cabeludo, bem como nos com baixo grau de consciência. A tomografia computadorizada com reconstruções no plano sagital e coronal permite a análise da fratura com maiores detalhes e o diagnóstico das lesões associadas como, por exemplo, a fratura do arco do atlas, que é a mais comum. A estabilidade das fraturas do processo odontóide é de extrema importância para a elaboração do tratamento. A fratura é considerada estável quando é impactada e não apresenta desvio. O modo mais seguro para a determinação da estabilidade dessas fraturas é a realização de radiografias dinâmicas em perfil, pois muitas fraturas instáveis podem não apresentar desvio nas radiografias convencionais e evoluem com perda da redução. O diagnóstico diferencial das fraturas do processo odontóide deve considerar "os odontóideos" e os centros de ossificação do modelo cartilaginoso do áxis, que geralmente suscitam dúvidas com relação ao diagnóstico.
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