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BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego: Tragédia e Comédia. Petrópolis: Vozes, 1984. 
1. Tragédia Grega
1.1. Tragédia Grega: Dioniso ou Baco.
A tragédia nasceu do culto de Dioniso: isto, apesar de algumas tentativas, ainda não se conseguiu negar. Ninguém pôde, até hoje, explicar a gênese do trágico, sem passar pelo elemento satírico. (...) 
Historicamente, por ocasião da vindima, celebrava-se a cada ano, em Atenas, e por toda a Ática, a festa do vinho novo, em que os participantes, como outrora os companheiros de Baco, se embriagavam e começavam à cantar e dançar freneticamente, à luz dos archotes e ao som dos címbalos, até cair desfalecidos. Ora, ao que parece, esses adeptos do deus do vinho disfarçavam-se em sátiros, que eram concebidos pela imaginação popular como "homens-bodes". Teria nascido assim o vocábulo tragédia ("tragoidía" = "trágos", bode + "oidé", canto + "ia", donde o latim tragoedia eo nosso tragédia). 
Outros acham que tragédia é assim denominada, porque se sacrificava um bode a Dioniso, bode sagrado, que era o próprio deus, no início de suas festas, pois, consoante uma lenda muito difundida, uma das últimas metamorfoses de Baco, para fugir dos titãs, teria sido em bode, que acabou também devorado pelos filhos de Úrano e Géia. Devorado pelos Titãs, o deus ressuscita na figura de "trágos theios", de um bode divino: é o bode paciente, o pharmakós, que é imolado para purificação da pólis.
(...)
Ora, os devotos de Dioniso, após a dança vertiginosa de que se falou, caíam desfalecidos. Nesse estado acreditavam sair de si pelo processo do "ékstasis", êxtase. Esse sair de si, numa superação da condição humana, implicava num mergulho em Dioniso e este no seu adorador pelo processo do "enthusiasmós", entusiasmo. O homem, simples mortal, "ánthropos", em êxtase e entusiasmo, comungando com a imortalidade, tornava-se "anér", isto é, um herói, um varão que ultrapassou o "métron", a medida de cada um. Tendo ultrapassado o métron, o anér é, ipso facto, um "hypocrités", quer dizer, aquele que responde em êxtase e entusiasmo, isto é, o ATOR, um outro.
Essa ultrapassagem do métron pelo hypocrités é uma "démesure", uma "hybris", isto é, uma violência feita a si próprio e aos deuses imortais, o que provoca a "némesis", o ciúme divino: o anér, o ator, o herói, torna-se êmulo dos deuses. A punição é imediata: contra o herói é lançada "até", cegueira da razão; tudo o que o hypocrités fizer realizá-lo-á contra si mesmo (Édipo, por exemplo). Mais um passo e fechar-se-ão sobre eles as garras da "Moira", o destino cego.

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