Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AULAS 13 E 14 – ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E DIREITO Classe social: olhar da Sociologia e do Direito – É a discussão da existência das classes sociais em uma sociedade ou o que proporciona a criação e estabelecimento dessas classes sociais. Utilizando o olhar da Sociologia, trata-se de ver a sociedade com diferenças e estratificações. A título exemplificativo, quando se analisa o perfil dos alunos de uma sala de aula jamais a Sociologia compreenderá um caráter homogêneo (com a presença de meros estudantes) mas dará ênfase às diferenças – se há mais brancos ou negros, quantos usam óculos, quantas mulheres e homens existem. Por outro lado, há um discurso da neutralidade do Direito no seu aspecto abstrato, isto é, a busca por tratar os grupos sociais da mesma forma. Destarte, conclui que o Direito é pensado para todos de forma igualitária, não havendo diferenciações no momento da elaboração das normas jurídicas. Por exemplo, o Código Civil Brasileiro é o mesmo válido para homens, mulheres, negros, brancos, católicos, evangelhos ou qualquer outra condição. Raimundo Nina Rodrigues consistiu em um médico baiano que era defensor da corrente do racismo científico, ou seja, a sustentação através de aspectos biológicos da hierarquia entre raças. Esse autor ficou conhecido após propor um Código Penal distinto para brancos e negros, sustentando a máxima de que os segundos seriam mais propensos à prática de ilicitudes. Apesar de não ter sido levado adiante, essa passagem é bem interessante no direito brasileiro. Abordagens sociológicas: Abordagem qualitativa – trata-se de uma abordagem sociológica, inspirada em Karl Marx, que prioriza a qualidade do indivíduo perante a sociedade, ou seja, a análise acerca de que forma o indivíduo se apresenta para a sociedade e como a sociedade atua sobre ele. Nessa perspectiva, possibilita-se um olhar sociológico conflitivo, responsável por evidenciar as eventuais contradições existentes na sociedade. A título ilustrativo, pode-se citar a questão da condição de empregador pois assim o dono de um barzinho e o dono de uma empresa internacional são encaixados em uma mesma categoria, o que seria impensável na abordagem quantitativa. Em síntese, é uma abordagem marxista e generalista. Abordagem quantitativa - oriunda de Weber, como o seu nome diz, há de categorizar as classes principalmente de acordo com critérios objetivos (como critério de renda, critério étnico-racial, critério de gênero, critério etário...). Ademais, a forma de estratificação social mais utilizada, atualmente, é baseada na criação da Alta, Média-Alta, Média, Média-Baixa e Classe Baixa (A, B, C, D, E). Ademais, em países como o Brasil, é evidenciada a presença de pessoas abaixo da linha da pobreza (miserabilidade) – isto é, com a renda mensal corresponde a um valor igual ou inferior a um quarto do salário mínimo (no Brasil, hoje, o salário mínimo vale R$ 1100,00). Sociedades de estratificação aberta x Sociedades de estratificação fechada: Hoje, trata-se de uma tarefa difícil identificar sociedades de estratificação fechada, ou seja, caracterizadas por uma baixa ou inexistente mobilidade social. A título exemplificativo, pode-se citar o passado indiano, caracterizado por um sistema de castas vinculado a aspectos culturais. Embora esse sistema tenha sido extinto, uma parcela significativa da população ainda pensa como se ainda existisse essa hierarquia. As sociedades de estratificação aberta são aquelas caracterizadas por uma maior possibilidade de mobilidade social. A lógica do capitalismo e a ampla circulação de informações na contemporaneidade mudou, significativamente, a configuração das sociedades, sendo essas predominantemente de estratificação aberta. Estratificação nos países desenvolvidos e nos países subdesenvolvidos: Essa mobilidade social deve ser analisada em casa sociedade de forma particular, tendo em vista as disparidades evidentes entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos. A título exemplificativo, Ronaldinho Gaúcho, ex-futebolista brasileiro, saiu da pobreza à riqueza. Esse salto é mais explícito em países subdesenvolvidos ou em países emergentes, visto que as classes, nessas localidades, são mais espaçadas. Entretanto, tal realidade é distinta daquela evidenciada nos países desenvolvidos, tendo em vista uma relação mais estreita entre as classes – por exemplo, o considerado “pobreza” nesses Estados, muitas vezes, estão muito acima do conceito de “pobreza” nos países periféricos. O direito é um instrumento para facilitar ou dificultar a mudança social? A ideia inicial é de que o Direito deve ser neutro, mas há episódios na história que mostram que o Direito atua tanto como obstáculo quanto como propulsor de mudanças sociais. O direito enquanto empecilho para a ocorrência de mudanças sociais: Discussão acerca do cidadão eleitor – discussão acerca daqueles indivíduos que se encontram no uso e no gozo dos seus direitos políticos. A título ilustrativo, pode-se citar o caso dos analfabetos no Brasil, detentores do status de cidadão eleitor somente durante a vigência das Constituições de 1824 e de 1988. Essa perspectiva alimenta uma visão negativa do Direito visto que a exclusão dos analfabetos dos direitos políticos dificulta a mudança social desses indivíduos. Além dos rumos do país serem conduzidos por uma parcela letrada e privilegiada, os analfabetos ficam impossibilitados de manifestarem uma oposição ao governo vigente e, por conseguinte, de votar em um candidato que venha a lutar para minimizar o analfabetismo nacional. Atualmente, a CF/1988 determina que os analfabetos podem votar mas não podem ser votados, ou seja, não podem se candidatar politicamente, estando restritos somente ao papel de eleitor. Regime jurídico de propriedade – a norma de proteção da propriedade privada (independentemente de ser produtiva ou não) foi também tratada como um obstáculo, pois eram interpretadas como um Direito Absoluto, cujo caso só foi resolvido com a CF/88 (mudança no quesito da propriedade como Direito Absoluto) e com o Código Civil de 2002. O direito enquanto propulsor de mudanças sociais: A Constituição Federal de 1988 (“Constituição Cidadã”) facilita a ocorrência de mudanças sociais devido ao seu caráter protetivo. A CF/88 foi responsável pelo reestabelecimento do regime democrático no Brasil; Atualmente possui suma importância por prever a amplitude do hall de direitos fundamentais e por garantir as condições para a relativização da democracia; Por exemplo, ao mesmo tempo que garante a liberdade de expressão, também apresenta imposição de limites a essa condição visando à manutenção da ordem social e da consolidação de um Estado Democrático de Direito; As normas infraconstitucionais também possuem a capacidade de gerar transformações sociais: CLT – Consolidação das leis trabalhistas (Dec. Lei n°5.452/43) Surgiu durante o Estado Novo Varguista, momento de impulso na industrialização brasileira; Foi resultado de uma reunião de leis esparsas voltadas para questões trabalhistas; Trata-se de uma lei voltada para o trabalhador e nela vigora o princípio da primazia do trabalhador – sempre que há dúvida, está é resolvida a favor do empregado. Daí a necessidade do empregador documentar os seus pagamentos e acordos; ECA – Estatuto da criança e do adolescente (Lei n° 8.069/90) Também seria uma legislação protetiva que veio a ocupar lacunas do sistema jurídico brasileiro nas questões envolvendo essa faixa etária; Responsável por diferenciar criança (até 12 anos) e adolescente (12 anos completos até 18 anos); A criança não responde a uma infração cometida por essa não apresentar discernimento completo de suas atitudes; Responsável pela criação do conselho tutelar que acompanha, de forma atuante, a condição das criançase dos adolescentes nas localidades que se situam; Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei n° 8.078/90) Também veio suprimir necessidades existentes devido à inexistência de normas constitucionais que pensassem exclusivamente das relações de consumo; Considera o consumidor hipossuficiente, isto é, a parte mais fraca de uma relação, popularmente conhecido como vulnerável diante de uma empresa; Ainda carece de aperfeiçoamento, sobretudo, no que diz respeito à esfera digital; Prevê a inversão do ônus da prova, ou seja, tira do consumidor a responsabilidade de provar algo que ele alega, sendo essa destinada, portanto, a outra parte; Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/03) Proveniente da realização de censos que apontavam para uma tendência de envelhecimento da população brasileira e, por conseguinte, a redução da população economicamente ativa (PEA); Decorre da necessidade da população idosa de um aparto jurídico que garanta especificamente suas demandas e direitos; Passa a classificar como idoso aqueles indivíduos que apresentam uma idade igual ou superior a 60 anos; Possibilitou a formação de uma melhor compreensão acerca de como os idosos devem ser tratados; Ainda necessita de maior respeito por parte dos cidadãos e de maior eficácia na conjuntura brasileira; Estatuto da pessoa com deficiência (Lei n° 13.146/15) Decorre da necessidade das pessoas com deficiência de um aparto jurídico que organize especificamente os dispositivos esparsos relacionados a esse público; Trata-se de uma legislação relativamente nova, carecendo de maior conhecimento por parte do povo e dos juristas; Traz à tona a inclusão das pessoas com insanidade mental, classificadas, durante muito tempo, pelo direito brasileiro como absolutamente incapazes; Promove a proteção de grupos considerados mais fracos juridicamente, tentando, portanto, reequilibrar essa condição de igualdade a partir de um sistema protetivo voltado para o respeito às diferenças; A formação da sociedade brasileira: Processo de ocupação territorial – regime de propriedade: Conhecia-se muito pouco acerca das relações sociais brasileiras antes da chegada dos portugueses; Portugal demarca o Brasil e segue com o seu propósito de dominar outras terras – portanto, o objetivo inicial não havia o ímpeto de estender ao Brasil uma parte do reino português; O objetivo inicial consistia apenas em enriquecimento por meio da exploração de recursos naturais; O domínio português molda os aspectos territorial (existência de estruturas privadas – capitanias hereditárias) e social (a sociedade passa a ser centrada na figura do homem da terra – pioneiro da terra, latifundiário, pai de família – o patriarca e detentor de poder político); Apesar do fracasso do modelo de capitanias hereditárias, manteve-se a base da sociedade centralizada na propriedade privada e no latifundiário; Esse modelo de sociedade brasileira patriarcal vincula-se também à subordinação da figura feminina – sendo raras as mulheres detentoras de títulos de senhoras de engenho; Até a CF/1988 a propriedade consistia em um poder absoluto. A partir da Constituição Federal, determina-se a obrigatoriedade de dar a essa propriedade alguma produtividade, passando a carregar consigo uma função social (geração de empregos, geração de rendas...); Regime escravagista: Segunda grande marca do ponto de vista cronológico quando se pensa o processo de formação social; A forma pela qual se deu a escravidão no Brasil foi marcante e violenta; O fluxo de escravos para o Brasil foi bastante expressivo; A violência foi evidenciada na forma pela qual as pessoas foram trazidas, foram transportadas e foram tratados (inclusive juridicamente) no solo brasileiro; Os escravos eram tratados como propriedade (coisa) detentora de uma determinada finalidade; A superação da escravidão consistiu em um processo derivado das lutas abolicionistas, elevados custos para manutenção pós-tráfico negreiro e da substituição da mão-de-obra escrava pela mão-de-obra imigrante; Esse processo de ruptura com a escravidão não se dá a partir de uma conscientização. A escravidão somente se deu juridicamente (formalmente) mas continuou a se estender no âmbito social tendo em vista que os negros permaneciam em uma condição de subordinação e de uma ausência de direitos; Há mais uma marginalização da população negra do que uma inclusão social; Atualmente, é perceptível o impacto desse período histórico na desvalorização dada ao trabalho braçal – geralmente os indivíduos são mal remunerados e julgados como “perdedores na vida”; Um dos fatores mais evidentes de permanência do período escravagistas trata-se do racismo, seja individual, institucional ou estrutural – sendo essas duas formas mais sutis e duradouras; Patrimonialismo: Corresponde à incapacidade de separação entre o público e o privado; O típico exemplo de patrimonialismo corresponde à famosa “carteirada” – responsável por negligenciar a concepção de que as normas devem ser cumpridas por todos, independentemente de classe social ou atividade laboral exercida; Sérgio Buarque de Hollanda ao apontar o brasileiro como um homem cordial, discorre sobre o caráter dual desse cidadão. Se por um lado, o brasileiro é visto como um homem sentimental e apto a desenvolver relações afetivas mais facilmente, possui uma maior tendência em burlar regras sociais (“o famoso jeitinho brasileiro”); O conceito sociológico de cidadania é errôneo uma vez que nem todos, na prática, usufruem dos mesmos direitos – sendo o exposto formalmente influenciado por critérios raciais, socioeconômicos, etc; A história brasileira foi formada a partir da concessão de privilégios a determinados grupos sociais; Raymundo Faoro – autor de “Os donos do poder” e desenvolve uma tese de que o patrimonialismo brasileiro é consequência do fato de que o mundo privado corrompeu o Estado brasileiro. O problema, portanto, estaria, historicamente, no âmbito privado, realizando estudos aprofundados desde o período de formação do reino português; Wanderley Guilherme dos Santos – opôs-se em relação à tese de Raymundo Faoro, defendeu que o patrimonialismo brasileiro seria resultado da condução e do comportamento do Estado, responsável por corromper a iniciativa privada; Sugestão de leitura: Burocracia e sociedade no Brasil colonial (Stuart Schwartz) Ausência de consciência cidadã (“cidadania concedida”) A cidadania no Brasil não é compreendida como um mecanismo de igualdade social; Percebe-se uma distorção acerca do modo que a cidadania é exercida no Brasil; Os processos de obtenção da cidadania, ao longo da história brasileira, assim como demais conquistas sociais, na sua maioria, não foram protagonizados pelas classes populares, mas sim coordenados por pequenos grupos elitistas. Nesse sentido, o exercício da cidadania se distancia das camadas populares; Daí o uso da expressão “cidadania concedida” por Thereza Sales – o direito passa a ser visto como uma dádiva concedida pelos membros da elite (proprietários de terra, coronéis...). Destarte, soa uma concepção de que as necessidades dos homens livres dependessem de dádivas concedidas pelos superiores; Roberto DaMatta discorreu sobre esse exercício errôneo da cidadania no Brasil, apontando como o termo cidadão, em determinadas ocasiões, é empregado sob uma óptica negativa – “lá vai o cidadão ali”, “deixa disso, cidadão!”;
Compartilhar